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Por que temos tão pouca cobertura de pelo no corpo?





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            É interessante observar que somos um dos poucos mamíferos terrestres que apresentam cobertura de pelagem corporal extremamente limitada. Ao longo processo evolutivo na linhagem de primatas bípedes, ficamos apenas com uma pelagem mais volumosa na região genitália, nas axilas, no topo da cabeça e ao redor da face (no caso dos homens), com o resto do corpo sendo composto de fios capilares bem pequenos, finos e menos pigmentados quando comparados com outros primatas hoje existentes (apesar da concentração - 60 pelos por cm2 - não ser muito inferior). Mas quando e por que ficamos "pelados" durante o percurso evolutivo?


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            Há cerca de 1,8 milhão de anos, quando o nosso gênero Homo começou a andar sobre duas pernas (bipedalismo) e possuir uma estrutura permissiva à corrida, é teorizado que a nossa perda de cobertura capilar teve início (2). E não perdemos a robusta cobertura capilar sem motivos, como um efeito colateral desagradável da evolução. Essa perda pode ter sido de extrema importância para a evolução dos humanos arcaicos até os humanos modernos (Homo sapiens). Antes de migrarmos do centro da África para outras regiões no mundo, vivíamos em um clima extremamente quente, e é aqui onde a escassez de pelos entra como vantagem.

           Apesar de pelos abundantes, grossos e compridos ajudarem a proteger os animais da forte incidência solar da região equatorial, eles impedem que o calor seja dissipado mais facilmente através do suor. Se você fica sob muito Sol e se movimentando bastante, a temperatura corporal sobe demais caso tenhamos uma pelagem muito densa e volumosa, danificando gravemente o cérebro e outras funções corporais. Ou seja, um chimpanzé, por exemplo, não conseguiria caminhar por longas distâncias debaixo de muito Sol sem sofrer fortes prejuízos à saúde. Por isso, eles preferem as sombras das árvores e companhia das florestas, ao invés de viajar por outros territórios. 


Com pouco pelo, os ancestrais da nossa espécie puderam se aventurar mais em longas viagens nas regiões quentes da África

         No caso dos humanos, a perda de cobertura capilar foi essencial para a conquista de novos territórios e para ampliar nossas fontes de alimentos (os animais bons para a caça costumam ficar, preferencialmente, em locais abertos no continente Africano). Com uma pelagem menos proeminente e aumento das glândulas sudoríparas (1), pudemos realizar longas jornadas dentro da África e dominar diversos territórios, mesmo sob intensa radiação solar.

           Depois de muito tempo, há cerca de 1,5 milhões de anos atrás, perdemos quase toda a pelagem de cobertura e desenvolvemos um proteção extra contra o excesso de exposição solar: a pigmentação mais escura da pele (Cor da pele, Ácido Fólico e Vitamina D). Ou seja, otimizamos nosso sistema de resfriamento corporal e ganhamos um escudo contra a radiação solar excessiva. Assim, pudemos prevalecer mesmo em territórios muito áridos e sem vegetação alta para nos proteger. Foi aí também que a nossa espécie conseguimos ganhar mais chão e avançar por outros continentes, seguindo os passos de outros humanos arcaicos, como os Neandertais (Neandertais, arte e linguagem).

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   DAS FLORESTAS PARA AS SAVANAS

           Todas as evidências acumuladas apontam que os humanos modernos (Homo sapiens) teve origem na África. Os mais antigos membros primatas diretamente associados à nossa linhagem pertenciam ao gênero Ardipithecus e viviam em maior parte dentro de florestas. Mais tarde, proto-humanos, também referidos como hominídeos, no gênero Australopithecus, passaram a viver em um mais amplo espectro de ambientes, avançando pelas savanas. Registros fósseis indicam que há aproximadamente 2,6 milhões de anos, à medida que a Era do Pleistoceno teve início, o habitat dos hominídeos mudou à medida que a Terra entrou em um período de oscilações climáticas marcando as Eras do Gelo. 

           Talvez em resposta ao aumento de variabilidade climática no ambiente, evidências arqueológicas indicam que nossos ancestrais começaram a usar ferramentas de pedras para melhor extrais carne e ter acesso facilitado ao conteúdo nutritivo dos ossos de animais caçados. Carne é uma fonte muito rica em nutrientes do que alimentos vegetais, porém é escassa e móvel. Em adição às ferramentas de pedras, esses membros ancestrais do gênero Homo também evoluíram proporções esqueléticas humano-similares que refletem uma mais eficiente habilidade de andar a longas distâncias. 

         Com o maior gasto de energia durante o período diurno nas longas jornadas, foi necessário adaptações de regulação térmica para uma maior chance de sobrevivência, particularmente melhores mecanismos de resfriamento corporal. O bipedalismo traz significativa vantagem de velocidade, altura (melhor visão do ambiente durante o avanço nos campos de savana) (2), e uso de ferramentas (mãos livres). O Homo erectus, há 1,6 milhões de anos, foi o primeiro hominídeo a ter membros alongados capazes de sustentarem caminhada e corrida bípedes. Portanto, a troca de um corpo com menos cobertura capilar para um mais eficiente sistema de resfriamento já estava em curso desde essa época (3).


           Existem desvantagens mas notáveis vantagens em um corpo mamífero sem significativa cobertura de pelos. O chimpanzé (gênero Pan, chimpanzé-comum e bonobos) é o nosso mais próximo parente evolutivo ainda existente. Particularmente, os chimpanzés-comuns possuem pele clara e roseada coberta com uma densa pelagem preta por quase todo o corpo. Os hominídeos provavelmente compartilharam esse fenótipo. Para um estilo de vida relativamente mais sedentário, a pelagem corporal fornece efetiva proteção solar e termorregulação. O mais eficiente processo de resfriamento evaporativo ocorre na superfície da pele e então o vapor de água é transferido através da pelagem. Pelagem seca também protege o corpo do ganho externo de calor. Se a pelagem se torna úmida (ex.: suor excessivo), evaporação ocorre na superfície da pelagem e não da pele, e, portanto, o calor oriundo dos vasos cutâneos acaba encontrando mais uma barreira. Consequentemente, existe uma vantagem para a perda de pelagem quando existe a necessidade de significativa perda de calor, especialmente em um contexto de exercícios exaustivos.

           Em humanos modernos, existem três tipos de glândulas na pele - écrinas, apócrinas e apo-écrinas -, as quais secretam fluídos diretamente no duto e variam em tipo, densidade e localização anatômica. As glândulas écrinas são as mais importantes para o controle de temperatura. Aproximadamente 1,6 a 4 milhões dessas glândulas estão distribuídas ao longo da maior parte da superfície do corpo. O suor écrino é uma solução eletrolítica diluída e estéril. As glândulas apócrinas são limitadas em termos de distribuição às axilas, áreas anogenitais, pele periumbilical, mamilos e bordas dos lábios bucais, e conectam através de um ducto alongado para dentro do canal folicular. Suor apócrino é um fluído viscoso e oleoso estéril. As glândulas apo-écrinas são confinadas à axila adulta.


          Os chimpanzés-comuns, gorilas e orangotangos possuem robusta cobertura capilar. Esses primatas possuem glândulas apócrinas térmicas e glândulas écrinas. Portanto, é inferido que os ancestrais dos primatas superiores foram capazes de "suprir" glândulas écrinas para os hominídeos. A pelagem desses animais fornecem proteção física e são eficientes sistemas de resfriamento, usando suor apócrino quando seca, mas não efetivas no resfriamento quando úmidas pela produção de suor. Portanto, pelagem é desvantajoso para a perda de calor após prolongado exercício físico. Não existem glândulas apócrinas que não estão associadas com folículos capilares. Seleção natural, portanto, teria levado à perda de pelagem e glândulas apócrinas para favorecer o desenvolvimento de suor écrino visando efetivo controle de temperatura associado ao bipedalismo. Como efeito colateral negativo, também ficamos mais suscetíveis à desidratação e requerendo maior consumo de água (associada ou não a alimentos) em relação a outros mamíferos.

            Nesse cenário, também para compensar a perda de pelagem - especialmente no contexto de maior exposição à radiação UV -, os humanos eventualmente evoluíram uma pele mais escura na África. Por exemplo, alelos do gene MC1R ligados à cor mais escura de pele parecem ter emergido e se tornado prevalentes via seleção natural há pelo menos 1,2 milhões de anos Para mais informações, acesse: Cor da pele, Ácido Fólico e Vitamina D

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(1) Entre os primatas, somos os que possuímos, de longe, a maior quantidade de glândulas sudoríparas espalhadas pelo corpo, acima de 5 milhões delas, as quais possuem um potencial de produção de suor que pode chegar a 12 litros diários! E pesquisas mostram que uma maior produção de glândulas sudoríparas na pele parece estar intimamente ligada à uma redução na quantidade de pelos, a nível genético. Ou seja, além de dificultar a dissipação de calor, a presença de muitos pelos acarreta em uma menor quantidade de glândulas sudoríparas, reforçando ainda mais a necessidade da concentração deles na nossa pele diminuir durante a nossa evolução e contribuir ainda mais para uma menor cobertura capilar (Ref.7). 

(3) Ainda é muito debatido quando começamos a perder nossa pelagem. Existem duas linhas de evidência que podem suportar o início desse processo 1,8 milhões de anos atrás:

i. Uso do fogo para cozinhar os alimentos: com menos pelagem no corpo, as noites frias ficaram mais difíceis de serem suportadas, e isso fomentou a necessidade uma quantidade extra de calorias para manter o corpo protegido. O uso do fogo para cozinhar os alimentos permitiu refeições mais fartas, e estimativas sugerem que o homem começou a utilizar o fogo para esse fim há ~2 milhões de anos, algo que suporta a estimativa de 1,8 milhão de anos para a perda de pelos. Porém, outros pesquisadores acham que o uso habitual do fogo para cozimento só teve início há 500 mil anos.

ii. Existem dois piolhos humanos modernos-específicos: Pediculosus humanus capitis (piolho de cabeça) e Pediculosis humanus humanus (piolho de corpo). Análises genômicas (DNA mitocondrial) indicam que essas duas espécies evoluíram de um único ancestral que parasitava os humanos, com essa divergência ocorrendo há cerca de 1,8 milhões de anos. Apesar de morfologicamente similares, esses piolhos habitam diferentes partes do corpo. Os piolhos de cabeça vivem no escalpo e se alimentam mais frequentemente do que os piolhos de corpo, estes os quais vivem nas roupas e se movem para o corpo uma ou duas vezes ao dia para se alimentarem. A ideia é que como existe uma grande extensão sem pelos que divide o topo da nossa cabeça e os pelos pubianos (principal local alimentação do P. h. humanus), esses parasitas começaram a sofrer mudanças para se adaptarem a uma ou outra região do nosso corpo, com um eventual isolamento reprodutivo. Ou seja, a separação evolutiva deles coincidiria com progressiva perda de pelagem no nosso corpo, com robusta retenção capilar apenas no escalpo, axilas e região genital.
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Sugestão de leitura:


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3014134/
  2. http://www.cell.com/trends/genetics/abstract/S0168-9525%2806%2900211-3
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3024016/
  4. https://web.archive.org/web/20150105164235/http://www.bgsu.edu/departments/chem/faculty/leontis/chem447/PDF_files/Jablonski_skin_color_2000.pdf 
  5. http://www.jstor.org/stable/10.1086/381006 
  6. http://www.bbc.com/earth/story/20160801-our-weird-lack-of-hair-may-be-the-key-to-our-success 
  7. http://www.bbc.com/earth/story/20160801-our-weird-lack-of-hair-may-be-the-key-to-our-success 
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3250022/
  9. https://www.mdpi.com/1660-4601/17/2/646