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Cientistas encontram assinatura epigenética associada aos gêmeos monozigóticos


             Gêmeos ou múltiplos de maior ordem monozigóticos emergem quando um zigoto se divide durante os estágios de desenvolvimento pré-implantação, dando origem eventualmente a mais de um indivíduo. Porém, os mecanismos que determinam esse evento de separação têm permanecido um mistério. Como gêmeos, trigêmeos, etc. monozigóticos raramente tendem a ocorrer com frequência em uma mesma linhagem familiar, a principal hipótese é que o evento ocorre de forma aleatória. Agora, em um estudo publicado no periódico Nature Communications (Ref.1), pesquisadores encontraram uma consistente e distinta assinatura epigenética que marca o genoma de irmãos monozigóticos, a qual, inclusive, permite determinar se um indivíduo nasceu ou não como um gêmeo monozigótico sem a necessidade de análise comparativa com amostra genética do irmão. 

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   GÊMEOS MONOZIGÓTICOS

          Após a fertilização de um único óvulo (gameta feminino) por um espermatozoide (gameta masculino), o zigoto resultante pode se dividir em um ou mais embriões no início do desenvolvimento, dando origem a múltiplos monozigóticos, geralmente gêmeos. Apesar de tradicionalmente serem chamados de “gêmeos idênticos” em termos genéticos, os gêmeos monozigóticos são marcados por pequena mas significativa diferença genética entre si (1). Além disso, ao longo do desenvolvimento uterino ou pós-uterino, diferenças epigenéticas (2) e morfológicas podem emergir entre os gêmeos monozigóticos, por causa de fatores maternos ou ambientais. Um exemplo notável são as deformações anatômicas causadas pela amioplasia, a qual não parece possuir causa genética e cuja incidência parece ser 10 vezes maior em gêmeos monozigóticos (onde apenas um indivíduo do par é afetado), associada à síndrome de transfusão gêmeo-gêmeo (Ref.2) (!).

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(!) Cerca de dois terços dos gêmeos monozigóticos possuem uma única placenta, resultando em conexões vasculares entre os gêmeos no útero que podem levar a uma significativa transfusão gêmeo-gêmeo de sangue, especialmente quando envolve conexões artéria-veia.       

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           Como e com qual frequência o processo de múltiplos monozigóticos ocorre nos humanos é ainda motivo de debate no campo da Biologia. Entre animais mais próximos em termos evolutivos, temos notavelmente o tatu-galinha, mamífero da espécie Dasypus novemcinctus que produz obrigatoriamente quádruplos monozigóticos, mas essa estratégia reprodutiva é, até onde se sabe, única entre os vertebrados. Alguns mamíferos, incluindo humanos modernos (Homo sapiens), apenas ocasionalmente produzem múltiplos monozigóticos. Em humanos, esse tipo de gravidez possui um risco aumentado para complicações obstétricas, perinatais e neonatais.

          No geral, e supreendentemente, é estimado que até 12% das gravidezes podem começar com múltiplos embriões, mas menos de 2% desse total persiste até o final do desenvolvimento, resultando no desaparecimento de um dos gêmeos (a contribuição de múltiplos dizigóticos e de múltiplos monozigóticos é desconhecida nesse processo). Múltiplos monozigóticos raramente são observados como ocorrência comum em uma mesma linhagem familiar, e a prevalência é similar ao redor do mundo e ao longo do registro histórico (3-4 por 1000 nascimentos). Nesse sentido, uma amplamente aceita hipótese é que múltiplos monozigóticos ocorrem de forma aleatória.

          A divisão do zigoto em mais de um potencial embrião ocorre no início do desenvolvimento, quando importante reprogramação epigenética é estabelecida. Começando pouco após a fertilização, o metiloma do embrião pré-implantado é submetido a múltiplas ondas de demetilação global do DNA, seguido por novas metilações à medida que as células pluripotentes se tornam comprometidas a diferentes linhagens de tecidos e órgãos. A metilação do DNA (grupos metilas – marcadores epigenéticos – adicionados ao genoma) é essencial para o desenvolvimento embrionário. Em células diferenciadas, a metilação, junto com outras modificações epigenéticas (ex.: ação de histonas), atuam silenciando ou ativando genes, dependendo de qual tipo de célula, tecido, órgão está sendo formado. 

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   NOVO ESTUDO 

           Para identificar uma possível assinatura epigenética associada aos múltiplos monozigóticos, pesquisadores da Universidade de Amsterdã, Holanda, e colaboradores internacionais, analisaram os perfis epigenômicos de 1957 indivíduos, incluindo 924 gêmeos monozigóticos e 1033 gêmeos dizigóticos (resultantes de diferentes zigotos). Os gêmeos dizigóticos serviram como controle ideal porque, assim como os gêmeos monozigóticos, dividem o mesmo ambiente uterino durante o desenvolvimento embrionário e fetal, tornando possível identificar potenciais co-fatores associados ao compartilhamento uterino. Somando-se a essa análise, os pesquisadores também combinaram dados genéticos de amostras de sangue em uma meta-análise englobando um total de 5723 gêmeos.

          Após investigação em 400 mil diferentes locais no genoma de cada um dos gêmeos analisados, os pesquisadores identificaram 843 locais fortemente associadas com uma estável assinatura de metilação do DNA em tecidos somáticos adultos de gêmeos monozigóticos. Em 497 e em 337 desses locais havia um menor nível e um maior nível de metilação, respectivamente, nos gêmeos monozigóticos. A correlação nos níveis desse padrão de metilação era, na média, quase três vezes maior nos gêmeos monozigóticos do que nos gêmeos dizigóticos.  Essas diferenças de metilação mostraram-se enriquecidas, entre outras regiões, próximo de telômeros e centrômeros, e em genes envolvidos com processos como adesão celular, sinalização WNT e destino celular.

          Alguns desses locais menos ou mais metilados fazem sentido em relação ao evento de formação dos genes, como em genes envolvidos no processo de adesão celular, que podem influenciar a suscetibilidade de um mesmo zigoto se dividir em dois ou mais embriões. Aliás, o gene CELSR3, ligado a uma hipermetilação em gêmeos monozigóticos e um membro do caminho de sinalização WNT/PCP, já foi proposto em estudos prévios de estar associado ao processo de múltiplos monozigóticos. Por outro lado, mudanças em outros locais genômicos, como no final dos cromossomos (telômeros) não possuem uma óbvia explicação. Telômeros estão associadas com o processo de envelhecimento (3), mas é bem estabelecido que gêmeos monozigóticos possuem uma longevidade similar a de outras pessoas.

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            Fortalecendo a proposta de assinatura epigenética, os pesquisadores treinaram um programa de predição epigenética para reconhecer gêmeos monozigóticos, e encontraram que é possível predizer com razoável acuracidade (70% a 80% dos casos) se um indivíduo é um gêmeo monozigótico baseado no perfil de metilação do DNA bucal ou sanguíneo. Essa acuracidade pode ser ainda maior considerando um aprendizado englobando um grupo maior de gêmeos monozigóticos. Por exemplo, se uma  pessoa suspeita que possui um irmão gêmeo, mas nunca teve contato com esse último, um exame epigenético pode esclarecer a dúvida.  

           É, incerto, porém, os fatores que determinam essa assinatura epigenética. A robusta correlação dos locais genômicos diferenciais de metilação nos gêmeos monozigóticos pode indicar uma forte influência genética (ex.: efeito da sequência do DNA) sobre essas regiões, ou ser indicativo de herança mitótica de um estado de metilação pré-estabelecido (ex.: células germinativas maternas ou paternas já carregando os marcadores genéticos associados). É importante também lembrar que os mais de 800 locais metilados associados à assinatura epigenômica dos gêmeos monozigóticos representam apenas uma minúscula fração de todos os locais genômicos, e é possível que outros locais estejam também envolvidos.

          Estudos experimentais com células embrionárias humanas e não humanas – eticamente aprovados – serão necessários para melhor esclarecer essa questão.  

          De qualquer forma, a distinta assinatura epigenômica encontrada pode jogar uma luz importante sobre os processos embrionários de diferenciação celular e também explicar porque algumas síndromes ligadas a esse processo são mais comuns em múltiplos monozigóticos, como a Síndrome de Beckwith-Wiedemann (Ref.4).

 

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Dongen et al. (2021). Identical twins carry a persistent epigenetic signature of early genome programming. Nat Commun 12, 5618 (2021). https://doi.org/10.1038/s41467-021-25583-7 
  2. Hall, J. G. (2021). The mystery of monozygotic twinning I: What can Amyoplasia tell us about monozygotic twinning and the possible role of twin–twin transfusion? American Journal of Medical Genetics Part A, 185(6), 1816–1821.  https://doi.org/10.1002/ajmg.a.62172 
  3. https://www.science.org/content/article/identical-twins-carry-genetic-modifications-no-one-else-has
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1394/