Médicos da peste realmente existiram?
Durante o século XIV, a peste bubônica, Peste Negra ou Morte Negra, matou pelo menos um terço da Europa (em torno de 25 milhões de pessoas). Aqueles infectados pela peste morriam rápido e de forma horrível, levando grande terror e incerteza para as sociedades Europeias. Como produto desse cenário de caos e medo, emerge a notória figura do "médico da peste", equipado com uma estranha máscara no formato de bico. Porém, apesar de ser uma das mais marcantes e populares figuras históricas, qual a verdade por trás dos médicos da peste? Realmente existiram ou são apenas uma criação satírica? As máscaras de bico foram usadas na Europa Medieval?
PESTE NEGRA: ETIOLOGIA E PATOLOGIA
A espécie Yersinia pestis é uma bactéria Gram-negativa, pertencente à família Enterobacteriaceae e responsável pela peste negra, doença esta que se manifesta em três principais formas: bubônica, pneumônica e septicêmica. A Y. pestis pode ser transmitida não só por mordidas de pulgas (peste bubônica) e gotículas respiratórias (peste pneumônica), mas também pelo consumo de carne malcozida e contaminada (causando peste gastrointestinal) e contato com animais domésticos infectados (causando conjuntivite, peste da pele ou peste pneumônica). Casos raros de pestes associadas a faringite, meningite e endoftalmite também já foram reportados. Existe uma recente hipótese argumentando que ectoparasitas como pulgas humanas e carrapatos também eram transmissores da peste bubônica durante a Peste Negra (Ref.1).
Os primeiros sintomas da peste são similares àqueles da gripe, com febre alta (até 39-40°C), mal-estar, calafrios e dor de cabeça. No caso de inalação de gotículas contendo grande quantidade de Y. pestis, causando peste pneumônica primária, o período de incubação pode ser de 1 dia ou menos, e os sintomas e sinais podem progredir muito rapidamente. Nos casos de peste bubônica, os pacientes geralmente desenvolvem uma pele vermelha, seca e quente, com progressiva dor severa na região onde a pulga mordeu e também associada com o inchaço de nódulos linfáticos (bubões) no corpo.
Se a peste bubônica não é reconhecida e tratada a tempo, a doença pode progredir para uma peste pneumônica ou peste sistêmica (peste septicêmica) a partir da disseminação da bactéria pela corrente sanguínea. Nesse ponto, a peste alcança uma alta taxa de mortalidade (90-100%). A peste septicêmica pode também ser causada diretamente por infecção sanguínea do patógenos através de um corte na pele.
Tratamento deve ser feito o mais rápido possível com antibióticos específicos. Atraso por mais de 24 horas geralmente é fatal para os pacientes. Indivíduos apenas são contagiosos para contatos próximos caso desenvolva peste pneumônica, nesse caso transmitindo a bactéria via gotículas contaminadas (ex.: tosse). O paciente infectado se torna altamente infeccioso quando começa a expectorar sangue, apesar da transmissibilidade por essa rota não ser alta. Uso de máscara médica (ou outras mais eficientes na filtragem do ar, como a N95 e a PFF2) nos pacientes com peste pneumônica e nas pessoas próximas é recomendado.
As infecções bubônica ou septicêmicas são geralmente causadas por mordida de pulga, enquanto que infecções pneumônicas são pensadas de serem transmitidas primariamente por infecção via aerossol de outro indivíduo infectado e também estão associadas ao contato direto com animais doentes ou com aqueles que recentemente morreram. Na peste pneumônica primária, sintomas iniciais podem ser similares àqueles de uma gripe ou de outra infecção comum do trato respiratório superior, o que pode atrasar fatalmente o correto diagnóstico e correto tratamento.
A maioria dos casos humanos de peste hoje são resultado de infecção zoonótica a partir de reservatórios naturais em meio selvagem, incluindo canídeos, esquilos, marmotas e outros pequenos roedores ou mamíferos de médio porte. O planalto Qinghai-Tibete, na China, é uma conhecida área moderna de transmissão natural da peste, com surtos isolados reportados anualmente (Ref.22).
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PESTE NEGRA: EPIDEMIAS NA EUROPA
No século XIV, a infame Peste Negra (primariamente peste bubônica) assolou a Europa Medieval, eliminando 35-60% da sua população (25-50 milhões de pessoas mortas) e se espalhando rápido das regiões costeiras no Mar Negro para a Europa Central nos primeiros episódios de surtos da doença que se estenderam por 7 anos (1346-1353). Esse foi o início da segunda e mais mortal pandemia de Peste Negra na história humana, de um total de três.
A peste se espalhou da França e Espanha em 1348 e então para a Alemanha, Suíça e Áustria, e se espalhando tão longe quanto o sul da Itália (Ref.19). Dizimou Londres em 1349 e alcançou a Escandinávia e Norte da Inglaterra em 1350. A peste desapareceu no final do século, mas surtos recorrentes continuaram na Europa, no Oriente Próximo e no Norte da África até o século XVIII. Registros históricos e evidências genéticas recentes (1) apontam que esses surtos na Europa Medieval foram deflagrados a partir de cepas da bactéria Y. pestis que vieram da região de Volga, Rússia, no ano de 1346. É estimado que morreram mais de 200 milhões de pessoas por causa da peste ao longo da história humana, com a absurda taxa de mortalidade Europeia no século XIV sendo causada em especial pela ausência de exposição prévia de grande parte da população na Europa à Y. pestis.
(1) Leitura recomendada: Análise genômica confirma que a Peste Negra veio da Rússia
Em 1656-1657, dois terços da população em Nápoles e Gênova morreram da doença. Em 1665-1666, Londres perdeu cerca de um quarto dos seus habitantes para a peste (~100 mil), e o mesmo número morreu em Viena em 1679. Moscou registrou mais de 100 mil mortes pela peste durante o período de 1770-1771. Em meio à carnificina e desespero, várias medidas foram adotadas em tentativas de conter os surtos epidêmicos. Para citar alguns exemplos, roupas e possessões das vítimas eram pensados contaminados e eram queimados, gatos eram mortos por serem suspeitos de transmitirem a doença, recomendava-se beber o pus de bubões infectados como forma de prevenção (uma espécie de vacina) e também a própria urina duas vezes ao dia (2), e práticas religiosas de autoflagelação eram muito disseminadas na busca de perdão Divino (a peste era entendida como uma forma de punição de Deus).
(2) Leitura recomendada: Beber urina faz bem à saúde e cura doenças?
Medidas de isolamento social, incluindo quarentena de pessoas suspeitas de infecção por 40 dias, foram também implantadas por autoridades durante os surtos pandêmicos na Europa. Talvez o exemplo mais notável seja a epidemia de peste no século XVII (1656-1657), onde o Papa Alexandre VII agiu rápido para conter a disseminação da doença em Roma. Através de rígidas medidas como proibição de circulação de pessoas e de grandes aglomerações, fechamento de fronteiras e de templos, combate às desinformações, rastreamento de casos e "auxílio emergencial" (ajuda monetária e de alimentos) à população mais vulnerável, houve um efetivo controle epidêmico no território Romano. De acordo com levantamento realizado pelo historiador italiano Luca Topi, professor da Universidade de Roma La Sapienza, entre 1656 e 1657 a peste matou 55% da população da Sardenha, metade da população de Nápoles e 60% dos que habitavam Gênova. Em Roma, contudo, foram 9,5 mil mortos em um universo de 120 mil pessoas — menos de 8% (Ref.5).
A Peste Negra (surto do século XIV) teve profundos impactos sociais, econômicos e geopolíticos para a Europa, levando a uma séria escassez de profissionais bem habilitados em várias áreas, redução no poder e status internacional dos Estados Italianos, e violenta perseguição aos Judeus. Durante a Peste Negra, Cristãos Europeus culparam seus vizinhos Judeus pelos surtos epidêmicos, alegando que os Judeus estavam envenenando os poços. Essas crenças levaram a massacres e extrema violência. Pelo menos 235 comunidades Judaicas experienciaram perseguição em massa e destruição durante esse período. Registros históricos apontam que em 1348 todos os Judeus na região Germânica foram queimados (Ref.6).
Como a doutrina da Igreja Católica estipulava que o perdão divino era a única cura para a peste, outros grupos minoritários além dos Judeus, como Protestantes e leprosos, foram também perseguidos. A realidade é que baixa higiene na época, superpopulações nas áreas urbanas, guerras e talvez mudanças climáticas foram os fatores catalisadores de cada um dos surtos pandêmicos de peste na Europa e outras regiões do mundo, facilitando a disseminação dos vetores da doença.
Apesar de historicamente a origem da Peste Negra estar associada com a Europa do século XIV, o primeiro surto pandêmico de peste historicamente registrado teve início no século VI d.C., com a chamada Peste de Justiniano (541-543 d.C.), a qual se espalhou ao longo do Império Romano e persistiu até o século VIII d.C. O primeiro surto foi reportado na cidade portuária Egípcia de Pelúsio (a qual conectava o Império Romano Bizantino ao Mar Vermelho), com a doença se espalhando rápido ao Oriente ao longo da estrada costeira até Gaza, e ao Ocidente até Alexandria (Ref.20). Quando Gregório I se tornou Papa em 590 d.C., um grande surto estava alcançando Roma. Para combater a doença, o novo Papa ordenou preces intermináveis. Naquela época, espirro era pensado ser um dos primeiros sintomas da peste, portanto a expressão "Deus te abençoe" se tornou uma frase falada comum quando alguém testemunhava outra pessoa espirrando para ajudar a frear a doença.
Trazendo profundos impactos econômicos, sociais e demográficos, a praga Bizantina levou o Imperador Justiniano I a criar e a impor rígidas leis para conter a doença e os prejuízos associados, junto com dramáticas mudanças fiscais e administrativas para controlar a crise.
No livro bíblico I Samuel de aproximadamente 1000 a.C., é relatado que os Filistinos experienciaram um surto de tumores associados com roedores, o qual pode ter sido um surto de peste bubônica (Ref.1).
Aliás, os registros arqueológicos mais antigos de infecções da Y. pestis em humanos datam do Neolítico Tardio-Idade do Bronze na Eurásia (5000-3500 anos atrás). Evidências genéticas recentes indicam que variantes da Y. pestis capazes de infectar humanos via mediação de pulgas (peste bubônica) emergiram na Idade do Bronze, há pelo menos ~3800 anos (Ref.7). A mais antiga cepa infectando um humano moderno (Homo sapiens) já descrita data de ~5 mil anos atrás, próximo da divergência evolutiva do ancestral da Y. pestis, a bactéria Y. pseudotuberculosis (!).
(!) Para mais informações: Humano de 5 mil anos atrás infectado com a bactéria da Peste
A terceira peste pandêmica começou na Província de Yunnan, no sudoeste da China ao redor do ano de 1855, onde surtos ocorriam desde 1772, se espalhando para Taiwan. Atingiu Canton em 1894, onde causou 70 mil mortes, e então apareceu em Hong Kong. Navios Chineses transportaram a doença até o Japão, Índia, Austrália e Américas do Norte e do Sul entre 1970 e 1920. É estimado que 12 milhões de pessoas morreram na Índia entre 1898 e 1918. Ratos dos navios mercantes levaram a peste até Chinatown, em San Francisco, EUA.
Enquanto que em tempos antigos e medievais, a disseminação da peste negra estava associada com atividades humanas como comércio marítimo e a Estrada da Seda - responsáveis por transportar pulgas infectadas associadas com roedores vivos -, hoje essa doença está distribuída na Ásia, Eurásia, África e várias regiões na América. Desde 2001, 14 grandes surtos têm sido reportados para a Organização Mundial de Saúde (OMS), principalmente na Ásia e na África. Os surtos de peste contemporânea são mantidos por populações selvagens de roedores, muitas das quais representando reservatórios naturais estabelecidos no século XIX, durante a terceira pandemia de peste.
A peste também foi utilizada como arma biológica ao longo da história. Os Tártaros (povos originários de territórios no Norte e Centro Asiáticos, chamados coletivamente de Tartária) catapultaram corpos infectados com a peste em portos marítimos de Teodósia controlados pelos Genoveses, em um dos primeiros usos de agentes biológicos como arma de guerra. A Unidade Imperial Japonesa 731 durante a Segunda Guerra Mundial desenvolveu e empregou armas biológicas, e em 27 de outubro de 1940 aviões Japoneses jogaram arroz e pulgas contaminadas com a bactéria Y. pestis no território Chinês de Chuhsien, causando um surto de peste pneumônica.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que basta 50 kg de Y. pestis ser liberada na forma de aerossóis sobre uma grande cidade para uma letal peste pneumônica causar enorme devastação e uma grande escalada de mortes, especialmente considerando que a bactéria permanece viável por até 1 hora a uma distância de até 10 km do ponto inicial de disseminação (Ref.8). Em uma cidade como Sydney, Austrália, isso representaria cerca de 150 mil casos da doença e até 36 mil mortes. Esse fato torna a Y. pestis uma séria ameaça bioterrorista.
Talvez mais preocupante, surtos modernos de peste estão associados com emergência de resistência a antibióticos, incluindo ao antimicrobiano estreptomicina, tipicamente recomendado como primeira linha de tratamento (Ref.21).
ENTERROS EM MASSA?
Apesar de existir uma ideia muito disseminada de que as vítimas da peste eram enterrados em massa, empilhadas de qualquer jeito em grandes covas coletivas, é consensualmente aceito por arqueólogos e historiadores que a maioria desses mortos eram enterrados em covas individuais e em cemitérios tradicionais. A ideia acaba sendo reforçada por alguns textos medievais com linguagem apocalíptica narrando que mesmo templos religiosos estavam em ruínas e "com ossos de corpos expostos às bestas".
Em um robusto estudo publicado em 2021 no periódico European Journal of Archaeology (Ref.24), pesquisadores analisaram o DNA extraído de dentes de indivíduos que morreram entre 1349 e 1561 na região de Cambridge, Reino Unido, a maioria de covas individuais, e identificaram ampla presença da Y. pestis. Enterros em massa (ex.: cinco indivíduos em uma mesma cova) com vítimas da peste mostraram ser exceção, provavelmente durante dias de altíssima taxa de mortalidade, mas mesmo assim os corpos mostravam sinais de terem sido tratados com respeito. Segundo os pesquisadores, mesmo durante os períodos de surto, as pessoas ainda eram enterradas individualmente e com considerável cuidado e atenção, seguindo os ritos religiosos tradicionais.
Indivíduos enterrados na Sala do Capítulo do mosteiro Agostiniano, Cambridge, e que morreram da peste durante os surtos epidêmicos. |
MÉDICO DA PESTE: MITO OU REALIDADE?
É bem comum livros didáticos de história retratarem ilustrações de profissionais de saúde associados a pacientes sofrendo da peste bubônica vestindo um longo manto preto, luvas feitas de pele de bode, um chapéu de couro preto, grandes botas, e usando notáveis máscaras com o formato de bico de ave que traziam duas lentes de vidro para a visão e duas aberturas laterais para a respiração. Completava o figurino um bastão de madeira para apontar áreas necessitando de atenção e para examinar pacientes sem tocá-los, incluindo remoção de roupas dos enfermos.
De acordo com certas narrativas históricas, essas estranhas máscaras eram impregnadas com óleos e ceras para repelir fluídos corporais, com o interior do "bico" preenchido com ervas e especiarias como cravo-da-Índia, dente-de-alho e canela - entre outros materiais como flores secas (ex.: pétalas de rosas). A máscara e seu conteúdo aromático presumivelmente possuía três funções:
- Primeiro, servia como um bloqueio contra maus-cheiros derivados dos pacientes em processo de degradação e dos mortos que se acumulavam sem precedentes durante os surtos da peste;
- Segundo e principal função, acreditava-se que a peste bubônica era transmitida pelo ar através do "miasma" (palavra do Grego Antigo que significava 'poluição'), e a máscara, nesse sentido, bloqueava o miasma, via filtragem do ar. Aliás, era alegado que o "ar estragado" do Oriente era a causa da peste, e várias doenças infecciosas como cólera e varíola, eram pensadas também serem transmitidas via miasma, uma hipótese primeiro promovida pelos antigos médicos Gregos Hipócrates (460-370 a.C.) e Galeno (129-210 d.C.).
- Terceiro, o longo bico servia para sempre delimitar uma distância física segura do paciente, dificultando a transmissão da doença para o médico da peste. Nesse sentido, complementava a função do bastão de madeira.
Porém, talvez para a surpresa de muitos, não existe prova de que esses 'médicos da peste' realmente existiram e atuaram na prática (Ref.12). Aliás, não existe qualquer registro histórico conhecido mencionando esses alegados profissionais de saúde antes de meados do século XVII (Ref.13-15). Mesmo assim, é um consenso popular de que essa figura histórica realmente existiu na prática médica da Europa Medieval e geralmente sendo associada com o surto pandêmico do século XIV. Na literatura acadêmica alguns autores ainda citam esses 'médicos da peste', mas como figuras que teriam atuado em surtos pós-medievais. Por exemplo, o Dr. George Rae é um médico da peste frequentemente citado que teria atuado no surto epidêmico que ocorreu em 1645 na cidade de Edimburgo, Alemanha.
Muitos historiadores creditam a invenção da máscara com formato de bico ao médico Francês Charles Delorme, no século XVII, visando tratar pacientes com peste na Europa Central (Ref.16-17). Até essa época e ao longo dos séculos XVIII e XIX, não existia um tratamento padrão para a peste bubônica e as taxas de mortalidade frequentemente excediam 50%, com os habitantes Europeus geralmente morrendo dentro de uma semana após desenvolverem a doença. Nesse sentido, a figura dos médicos da peste era considerada mais um comunicado de morte, doença e de sofrimento do que com a cura. Aliás, na ilustração anterior do Dr. Schnabel, é possível ver ao canto esquerdo um grupo de crianças correndo de medo da sinistra figura. De fato, nas comédias Europeias dos séculos XVII e XVIII, as 'máscaras da peste' eram um símbolo associado a algo extremamente pomposo e antipático, e um alvo de zombaria em uma tentativa de desarmar seu macabro comunicado.
De qualquer forma, existe pouca evidência de que mesmo Delorme ou seus colegas médicos de fato usaram tais máscaras, e o mais antigo registro do uso de uma máscara de bico é de 1661 e relativo ao surto de peste em Roma no ano de 1656. No geral, existem escassas fontes contemporâneas que corroboram o uso dessas máscaras na Europa, e menos do que cinco máscaras associadas aos médicos da peste estão preservadas em coleções de museus Europeus, todas com incerta origem e dúbias autenticidades.
As máscaras exibidas pelo Museu de História de Berlim e no Museu de História Médica da Alemanha em Ingolstadt são alegadas de datarem do final do século XVII ou do século XVIII, apesar de terem sido compradas no início deste século. Em um estudo publicado em 2020 no periódico Alemão NTM Zeitschrift für Geschichte der Wissenschaften, Technik und Medizin (Ref.18), as duas máscaras preservadas nesses museus foram analisadas em detalhes. O estudo concluiu que não existe evidência do uso de qualquer uma das duas como acessório de proteção na Alemanha ou na Áustria. Existe a possibilidade, no entanto, que essas máscaras tenham sido produzidas como réplicas por razões históricas ou como falsas máscaras para o mercado artístico. O estudo também concluiu que não existe menção histórica dessas máscaras fora da Itália e do Sul da França, e reforçou que não existe qualquer prova de uso durante os surtos de peste na Europa Medieval.
Segundo a Dra. Jodie Austin, professora de Língua Inglesa na Menlo College, EUA, e especialista em cultura literária do século XVII, registros históricos escritos suportam a popular figura dos "médicos da peste" apenas como uma criação mitológica e não como literais profissionais da medicina (Ref.25-26).
Mais pesquisa e evidências históricas são necessárias para separar fato de ficção em relação à existência e uso das máscaras e à existência, atuação e apresentação dos médicos da peste como hoje são comumente retratados. Seriam os médicos da peste apenas um produto artístico e satírico resultado de tempos sombrios, ou eram reais profissionais de saúde responsáveis pela contagem de mortos, controle epidêmico e cuidado daqueles infectados pela peste?
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CURIOSIDADE: Independentemente da controversa figura dos médicos da peste, durante as epidemias da peste na Europa tivemos a real ascensão da figura dos Padres da Peste (Pestprediger ou Pastores Pestilentarius), cuja função primária era dar suporte para o sacerdócio local, especialmente aqueles que contraíam a doença, ou possibilitar que o sacerdócio local deixasse a cidade (Ref.23). Esses padres, que também administravam os sacramentos e (pelo menos nas áreas Católicas) os últimos ritos, entravam em situações de alto risco de morte e vários deles morreram rapidamente devido a exposição excessiva aos infectados e às áreas com fortes surtos epidêmicos - mas protegendo outras figuras religiosas de maior relevância/poder, ao pouparem essas últimas de se exporem. De fato, vários padres da peste eram de hierarquia clerical mais baixa.
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REFERÊNCIAS
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