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É seguro e benéfico depilação dos pelos pubianos femininos?

          Mamíferos são únicos no Reino Animal por exibirem pelos. Mas enquanto a maior parte dos mamíferos exibem vasta pelagem no corpo, um número de espécies - incluindo humanos, cetáceos, elefantes, hipopótamos, rinocerontes, morsas, focas, porcos, tatus entre outros - são descritas como "peladas", por exibirem dramática redução da cobertura capilar (1). Evidência genética aponta que perda de pelagem evoluiu pelo menos 9 vezes e de forma independente no clado dos mamíferos (Mammalia), provavelmente como resposta adaptativa ao ambiente (ex.: termorregulação em grandes mamíferos e hidrodinâmica em animais marinhos) (Ref.1). Nos humanos, temos a misteriosa persistência de grande cobertura capilar em três áreas específicas do corpo: axilas (2), região púbica e escalpo (3). Nos machos da nossa espécie (Homo sapiens), outra área que pode exibir vasta cobertura capilar é a região facial (4). No restante do corpo humano, apesar da alta densidade de folículos capilares, os pelos são miniaturizados, finos e geralmente pouco visíveis.

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Leitura recomendada:


           O termo "pelos pubianos" parece ter origem do Latim pubescere, significando "estar coberto com cabelo" (Ref.2). Acredita-se que assim como os tufos de pelos axilares, os pelos pubianos atuam de forma importante na comunicação social e sexual através de sinalização feromônica. E, concordando com esse cenário, a densidade de glândulas apócrinas nessas regiões é maior do que em outras áreas do corpo (2). Nesse sentido, é amplamente sugerido no meio acadêmico que os pelos pubianos foram retidos na linhagem evolutiva humana para melhorar a dissipação de secreções odoríferas envolvidas na atratividade sexual.

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> É também sugerido que os tufos capilares nas axilas e região púbica podem atuar como "lubrificantes secos", reduzindo danosa fricção durante a movimentação dos braços e das pernas.

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           O desenvolvimento de pelos pubianos e axilares é um fenômeno andrógeno-dependente, ocorrendo através da sensibilização de receptores androgênicos nos folículos capilares, e levando à substituição de pequenos e finos pelos velos por pelos terminais grossos e escuros. O desenvolvimento do "escudo" púbico inferior é geralmente completado aos 14 anos de idade no sexo feminino e aos 15 anos de idade no sexo masculino, mas completa distribuição de pelos pubianos pode não ocorrer até ~25 anos de idade. Em comparação com os fios de cabelo, os pelos pubianos possuem mais escamas e uma cutícula mais grossa, além de distintas estruturas secundárias e terciárias de queratina. É sugerido que essas características evoluíram no sentido de proteger a estrutura interna dos pelos pubianos contra danos químicos da urina, ureia e amônia (Ref.3).

Figura 1. Desenvolvimento puberal feminino. Fonte: Uniarp

            Apesar da remoção ou depilação dos pelos pubianos parecer um fenômeno cultural recente para muitos, e comumente ligado ao mercado pornográfico, métodos de decoração, modelação e remoção de pelos pubianos e corporais são tão antigos quanto o registro civilizatório humano (Ref.2). Na arte do Antigo Egito, mulheres são retratadas com pequenos triângulos, e com lâminas de barbear colocadas em tumbas para o pós-vida. Relíquias da Grécia Antiga claramente ilustram depilação corporal em alguma forma, e a lei da Sharia aconselha a remoção de todo pelo corporal - e a atual cultura Muçulmana continua encorajando a remoção de pelos axilares e pubianos em ambos os sexos (Ref.4). No caso dos pelos pubianos femininos, há vários séculos o Islã recomenda a depilação púbica desde a menarca e a cada 40 dias a partir desse ponto (Ref.5). Na Idade Média, remoção de pelos pubianos era um meio prático para evitar infestação de piolhos (5).

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> Pelos pubianos femininos não são retratados na arte Europeia até o final do século XVIII, com a pintura de Francisco de Goya "A Maja Nua" (~1798), a qual acredita-se que seja a primeira representação de pelos pubianos de corpo feminino nos trabalhos artísticos da Europa, apesar desses pelos serem bem discretos na obra (Fig.2). Já a pintura "A Origem do Mundo", de Gustave Courbet, feita em 1866, é provavelmente a primeira representação da distribuição adulta de pelos pubianos femininos, e causou considerável controvérsia na época, com o quadro (acesse aqui) acusado de ser muito 'chocante' para ser exposto. Ref.2, 6

Figura 2. A Maja Nua (1795-1800), óleo sobre a tela, por Goya (1746-1828). A Corte de Inquisição na França chegou a reclamar da obra em 1814, classificando-a como 'obscena'. Ref.6

> No Japão, pelos pubianos femininos só foram permitidos por lei de serem retratados em obras artísticas no início da década de 1990, apesar de já terem sido exibidos em arte erótica do século XVIII. Essa censura nasceu durante o processo de rápida modernização e abertura do país na segunda metade do século XIX (3), no sentido de agradar o Ocidente. Em 1907, o artigo 175 do código penal Japonês se tornou lei, impondo censura em imagens explícitas de genitálias, ato sexual penetrativo e outras "obscenidades" - nesse último ponto, incluindo pelos pubianos. Ref.7

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Sugestão de leitura:


            De qualquer forma, desde a segunda metade do século XX temos testemunhando uma grande e crescente popularidade da remoção de pelos pubianos por razões diversas: higiênicas, estéticas e/ou eróticas. Em estudo de 2017, com coleta de dados de aproximadamente 70 mil participantes (>50 mil mulheres) no Brasil, a maioria das mulheres (>64%) e dos homens (>62%) mostraram preferir a genitália feminina completamente depilada, e essa preferência foi mais pronunciada em mulheres e homens mais jovens e sexualmente ativos (Ref.8). Métodos mais comuns de remoção dos pelos pubianos são raspagem com lâmina e uso de cera depilatória. Outro método cada vez mais popular é a depilação a laser. 

           Apesar de ser um procedimento estético geralmente seguro, a remoção parcial ou completa de pelos pubianos pode resultar em eventos adversos de saúde dependentes do método usado. Essas complicações podem incluir pelo encravado (4), abrasão epidérmica, foliculite, vulvite, acne, doença de Fox-Fordyce (Fig.3), hiperidrose e dermatite de contato. Em casos mais sérios, queimaduras genitais podem ocorrer com o uso de cera quente depilatória, e reações severas na pele em resposta aos produtos aplicados (ex.: alergias) podem levar a irritações na vulva ou hiperpigmentação pós-inflamatória. Mulheres com sobrepeso ou obesas parecem ter um risco quase 2x maior de complicações e quase 3x maior no caso de total remoção dos pelos pubianos (Ref.9). Modificações capilares na região púbica têm sido também associadas a um aumento de risco para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e infecções urinárias recorrentes.


Figura 3. Múltiplas pápulas peri-foliculares e associadas a prurido (coceira) nas regiões axilares (A) e púbicas (B) após depilação com laser 755-805 nm em uma mulher de 23 anos de idade. Prurido era agravado com calor e suor. Diagnóstico de doença de Fox-Fordy foi feito. Essa doença é uma desordem inflamatória incomum afetando as glândulas apócrinas de suor. A depilação a laser envolve grande absorção de energia térmica pela melanina na estrutura capilar, destruindo células-tronco responsáveis pela produção de fios capilares. O processo pode causar obstrução folicular, representando um potencial gatilho para a doença. Ref.10

Sugestão de leitura:


          Apesar da crença popular, é errôneo associar tufos de pelos corporais com sujeira ou falta de higiene. Pelo contrário, fios capilares em geral têm sido mostrados de inibir o crescimento de bactérias patogênicas. Por exemplo, a pele facial de profissionais de saúde sem barba parece ser significativamente mais suscetível à colonização por bactérias patogênicas (ex.: Staphylococcus aureus) e superbactérias, e exibir maior carga bacteriana, do que profissionais de saúde com a região da barba totalmente raspada (Ref.11). E os pelos pubianos parecem também possuir propriedades antimicrobianas. Aliás, evidência observacional recente sugere que mulheres que depilam completamente a região púbica possuem risco aumentado para infecções recorrentes do trato urinário (Ref.12).

            Folículos capilares representam um importante reservatório microbiano ambientalmente protegido e colonizado por bactérias, fungos, vírus e até ácaros (5). Microrganismos mais comuns hospedados nos folículos capilares são bactérias Staphylococcus, Cutibacterium e Streptococcus e fungos Malassezia (Ref.13). E a raiz e a haste capilar também são colonizadas por microrganismos diversos (Ref.14). Essa microbiota interfere de forma crítica no desenvolvimento, regeneração e processos inflamatórios na pele e nas estruturas foliculares. Nesse sentido, pelos pubianos e estruturas associadas podem ter papel fundamental na saúde urogenital. Por exemplo, pelos pubianos femininos hospedam espécies de bactérias Lactobacillus, cujas populações exibem forte efeito inibitório na bactéria Escherichia coli, a causa mais comum de infecção urinária (Ref.14). Além disso, proteínas e peptídeos das fibras capilares possuem também propriedades antimicrobianas.

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> É inclusive sugerido que uma das principais funções evolucionárias dos folículos capilares é justamente servir como um habitat microbiano, gerando o máximo de área superficial para interações entre a complexa microbiota ali residente e o epitélio hospedeiro. De fato, a arquitetura associada ao folículo capilar fornece um habitat ideal que favorece a persistência microbiana: comparado com a superfície da pele, que é seca, com baixo pH e exposta aos energéticos raios UV, o epitélio do folículo capilar criar uma coluna tecidual úmida, relativamente protegida do UV e com um pH favorável ao crescimento microbiano. Ref.14

Leitura recomendada:

> Coevolução da nossa espécie com múltiplos microrganismos nos folículos capilares resultou em uma importante relação simbiótica, relativamente estável, homeostática e mutualmente benéfica, incluindo contínua comunicação regulatória entre microbiota e o nosso sistema imune. Sem essa microbiota simbionte, os ~2 milhões de folículos capilares espalhados no corpo humano ficariam muito provavelmente suscetíveis a infecções diversas (ex.: foliculites) e potencialmente severas. Ref.14

> A microbiota da vulva humana é complexa e única, e constantemente influenciada por fatores internos (fluidos vaginais e menstruação) e externos (urina e material fecal). Entre bactérias predominantes temos Lactobacillus, cujos representantes produzem muito ácido lático e tornam o ambiente menos convidativo [menor pH] para potenciais bactérias patogênicas (o mesmo ocorrendo na vagina). Ref.15

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          Remoção de pelos pubianos - especialmente métodos que removem os pelos desde a raiz ou danificam as unidades foliculares - podem causar disbiose (desequilíbrio) na microbiota da pele, promovendo infecções e problemas diversos na região afetada. E microtraumas na pele durante o processo de depilação podem facilitar a disseminação de infecções, inclusive ISTs durante atividades sexuais. E essas lesões podem atuar de forma sinérgica com a disbiose para facilitar o estabelecimento e disseminação de infecções. 

          Um estudo de 2017 encontrou que depilação completa e muito frequente da região púbica estava positivamente associada com um histórico de ISTs auto-reportadas, incluindo herpes, HPV, sífilis e molusco contagioso (Ref.17). Uma revisão sistemática e meta-análise mais recente encontrou um risco significativamente maior para infecções clamídica e por gonorreia em mulheres que realizavam depilação dos pelos pubianos (Ref.5). 

            Evidência científica acumulada não suporta que remoção dos pelos pubianos é necessária para higiene genital e aponta que a prática pode ser deletéria para a saúde genital.


REFERÊNCIAS

  1. Clark et al. (2022). Complementary evolution of coding and noncoding sequence underlies mammalian hairlessness. eLife, 11:e76911. https://doi.org/10.7554/eLife.76911
  2. Ramsey et al. (2009). Pubic Hair and Sexuality: A Review. The Journal of Sexual Medicine, 6(8), 2102–2110. https://doi.org/10.1111/j.1743-6109.2009.01307.x
  3. Shin et al. (2023). The surface and internal features of pubic hair: A comparative study with those of scalp hair. Experimental Dermatology, Volume 32, Issue 9. https://doi.org/10.1111/exd.14855
  4. Rouzi et al. (2018). Practices and complications of pubic hair removal among Saudi women. BMC Women's Health 18, 172. https://doi.org/10.1186/s12905-018-0661-6
  5. Eltobgy et al. (2024). Effects of pubic hair grooming on women’s sexual health: a systematic review and meta-analysis. BMC Women's Health 24, 171. https://doi.org/10.1186/s12905-024-02951-1
  6. https://www.museodelprado.es/en/the-collection/art-work/the-naked-maja/65953b93-323e-48fe-98cb-9d4b15852b18
  7. Murphty, P. J. (2001). The Underground Pampering Industry. The University of New South Wales. [Thesis]. https://doi.org/10.26190/unsworks/11332
  8. Sangiorgi et al. (2017). A preferência de mulheres e homens em relação à depilação genital feminina. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, 39:488–495. https://doi.org/10.1055/s-0037-1604472
  9. DeMaria et al. (2014). Complications related to pubic hair removal. American Journal of Obstetrics and Gynecology, Volume 210, Issue 6, Pages 528.e1-528.e5. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2014.01.036
  10. Sepaskhah et al. (2024). Hair removal laser-induced Fox–Fordyce disease emerging on the axillary and pubic areas: Report of a case and review of literature. Clinical Case Reports, Volume 12, Issue 3, e8621. https://doi.org/10.1002/ccr3.8621
  11. Wakeam et al. (2014). Bacterial ecology of hospital workers' facial hair: a cross-sectional study. The Journal of Hospital Infection, Volume 87, Issue 1, P63-67. https://doi.org/10.1016/j.jhin.2014.02.010
  12. Galbarczyk et al. (2023). Extreme pubic hair removal as a potential risk factor for recurrent urinary tract infections in women. Scientific Reports 13, 19045. https://doi.org/10.1038/s41598-023-46481-6
  13. Paus et al. (2024). Spatial Distribution and Functional Impact of Human Scalp Hair Follicle Microbiota. Journal of Investigative Dermatology, Volume 144, Issue 6, Pages 1353-1367.e15. https://doi.org/10.1016/j.jid.2023.11.006
  14. Watanabe et al. (2021). Host factors that shape the bacterial community structure on scalp hair shaft. Scientific Reports 11, 17711. https://doi.org/10.1038/s41598-021-96767-w
  15. Lousada et al. (2020). Exploring the human hair follicle microbiome. British Journal of Dermatology. https://doi.org/10.1111/bjd.19461
  16. Romero-Gamboa et al. (2019). Impact of genital hair removal on female skin microenvironment: barrier disruption and risk of infection, a literature review. Médicas UIS, 32(3): 27-33. http://dx.doi.org/10.18273/revmed.v32n3-2019004
  17. Osterberg et al. (2017). Correlation between pubic hair grooming and STIs: results from a nationally representative probability sample. Sexually Transmitted Infections, Volume 93, Issue 3. https://doi.org/10.1136/sextrans-2016-052687
  18. Marshall, A. O. (2024). Genital Hair Removal and Sexually Transmitted Infections: A History and a Systematic Review of the Literature. Boston College [Thesis]. http://hdl.handle.net/2345/bc-ir:109949