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Por que temos uma testa plana e vertical?


- Atualizado no dia 22 de novembro de 2019 -

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          Existe um longo debate acadêmico do porquê os humanos modernos (Homo sapiens) terem uma testa virtualmente chata e verticalizada, enquanto as outras espécies do nosso gênero Homo possuem uma uma testa retraída e com a região das sobrancelhas notavelmente mais  protuberante, incluindo nossos antecessores evolutivos imediatos. Agora, um novo estudo publicado na Nature Ecology & Evolution (Ref.1) parece ter encontrado a resposta para o mistério, e ela repousa na alta mobilidade oferecida às sobrancelhas pela morfologia óssea frontal mais plana.


   SOLUÇÃO MECÂNICA E ESTRUTURAL?

          O porquê de humanos modernos não possuírem uma pronunciada região supraorbital enquanto nossos ancestrais e parentes próximos do Pleistoceno Médio possuírem tal característica morfológica é um debate que se arrasta há mundo tempo no campo evolutivo antropológico.



          Tradicionalmente, existem duas principais hipóteses para explicar o motivo da nossa espécie possuir uma testa plana e verticalizada, sem a notável protuberância supraorbital. A primeira baseia-se em limitações estruturais, e é conhecida como 'Hipótese Espacial'. Nela, a variação no tamanho das elevações na região das sobrancelhas seria apenas um reflexo da relação espacial entre dois componentes cefálicos não-relacionados: a órbita (cavidades ósseas no crânio contendo os globos oculares) e a caixa craniana. Somando-se a isso, a morfologia cerebral e base-craniana, e a orientação do rosto relativo ao arco craniano, influenciam a morfologia desse relevo na testa, estes os quais também variam em tamanho alometricamente, com indivíduos de espécies maiores crescendo relevos proporcionalmente maiores.

        Já a segunda hipótese mais trabalhada encontra bases mecânicas de sustentação. O tamanho dos relevos sob as sobrancelhas estaria ligado às cargas de estresse geradas durante a mastigação e mordidas. Essa hipótese não necessariamente se opõe à hipótese espacial, e defende que as cargas mecânicas impostas ao crânio durante mordidas e processamento mastigatório da comida teriam impactado decisivamente na morfologia da testa.

         Além dessas duas principais, outras hipóteses já foram propostas para explicar relevos maiores na sobrancelhas. Entre elas incluem proteção contra golpes na cabeça, proteção para os olhos em ambientes aquáticos, proteção contra a incidência da luz solar e barreira prevenindo o cabelo de interferir com a visão. Porém, nenhuma dessas hipóteses possuem forte suporte científico.


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   PROVA DE FOGO

          No novo estudo, pesquisadores da Universidade de York inicialmente testaram a solidez das duas principais hipóteses. Para isso, utilizaram simulações 3D, em um software de engenharia, do crânio pertencente à espécie Homo heidelbergensis (125-300 mil anos atrás), para estabelecerem uma base comparativa.



         Na comparação com o Homo neanderthalensis (1), um parente evolucionário bem próximo, as dimensões e morfologias cranianas e faciais não diferiram muito, apesar de uma significativa diferença na protuberância óssea sob as sobrancelhas ser observada, com o Kabwe 1 possuindo uma bem maior do que os Neandertais. Segundo essas análises, a protuberância no Kabwe 1 é maior do que o necessário para preencher o espaço que acomoda a junção orbito-frontal. Enquanto a hipótese espacial ganhar fortes evidências de plausibilidade quando comparamos humanos arcaicos do gênero Homo com os humanos modernos - já que as dimensões cranianas e faciais mostram notáveis diferenças -, ela parece encontrar inconsistências quando a comparação excetua o Homo sapiens.

          Já para a hipótese mecânica, os pesquisadores manipularam virtualmente a morfologia na área de relevo ósseo das sobrancelhas enquanto ao mesmo tempo simulavam os estresses gerados pela mastigação. Foram criados 3 modelos de simulação, e uma análise de elemento-finito mostrou que o tamanho do relevo não estava associado com estresses mecânicos provocados pela mastigação ou mordidas.


          Com base nesses resultados, a hipótese mecânica foi derrubada e a hipótese espacial, apesar de explicar parte da morfologia da testa dos humanos modernos, não consegue explicar satisfatoriamente o porquê dela ser tão plana. Com isso, os pesquisadores se voltaram para uma hipótese contribuinte que eles mesmos propuseram, e que foge totalmente do foco antes considerado para responder à questão: sociabilidade.




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   SOBRANCELHAS

          A estrutura básica dos fios capilares que crescem na região das sobrancelhas é igual àquela encontrada nos fios capilares cobrindo o resto do corpo, com exceção que possuem uma fase de crescimento (anágena) mais curta, algo que cria uma constante grossa linha bem definida acima dos olhos. Comparado com os outros primatas, os humanos possuem um rosto dramaticamente bem mais limpo de pelos, o que torna a permanência da sobrancelha algo bastante notável e intrigante.


          Apesar desses pelos terem talvez uma razoável participação na proteção dos olhos contra o excesso de água oriunda da chuva ou de suor (barreira contra líquidos escorrendo a partir da parte de cima da cabeça), é um consenso na comunidade acadêmica de que a principal função das sobrancelhas no rosto humano é reforçar uma comunicação não-verbal ou expressar emoções. Nesse sentido, as sobrancelhas funcionariam como uma marca facial que, ao acompanhar a movimentação dos músculos na região em torno dos olhos, assumiriam marcantes expressões que podem ser vistas de longe. Além disso, um estudo do MIT de 2003 também encontrou que as sobrancelhas são importantes na identificação facial entre os indivíduos (Ref.3).

           Nesse sentido, os pesquisadores do novo estudo propuseram que uma testa mais plana e verticalizada foi naturalmente selecionada no Homo sapiens por permitir uma maior liberdade e versatilidade na movimentação das sobrancelhas, aumentando nossa capacidade de socialização ao permitir uma maior expressividade de sutis emoções afiliativas, englobando inclusive movimentos que duram um sexto de segundo que são compartilhados em várias culturas. Essa capacidade seria facilmente selecionada durante o processo evolutivo considerando que nossa espécie é altamente complexa em termos sociais e dependeu dessa complexidade para sobreviver nos mais adversos períodos e ambientes. Para reforçar essa ideia, os pesquisadores resgataram estudos mostrando que pessoas que receberam Botox para se livrarem de rugas no rosto - substância a qual limita a movimentação da musculatura na testa e consequentemente a movimentação das sobrancelhas - são menos capazes de gerar empatia e assimilar a emoção de outras pessoas.


           Em outras palavras, a comunicação social seria um dos fatores decisivos na seleção de testas cada vez mais planas, processo iniciado como um efeito colateral dos nossos rostos e crânios ficando gradualmente menores nos últimos 100 mil anos. Esse processo se tornou particularmente rápido nos últimos 20 mil anos e mais recentemente, à medida que fomos migrando de um estilo de vida caçador-coletor para nos tornamos agricultores.

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   CONCLUSÃO

         Enquanto modificações nas dimensões cranianas obviamente foram um fator importante no modelamento da protuberância sob as sobrancelhas, a presença de uma testa plana e vertical nos humanos modernos certamente foi selecionada durante o processo evolutivo para permitir uma maior liberdade e versatilidade de movimentação das sobrancelhas. Características morfológicas que otimizam nossa socialização são extremamente importantes na nossa espécie e são as responsáveis por termos dominado os mais diversos e extremos pontos da superfície terrestre.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Godinho et al. (2018). Supraorbital morphology and social dynamics in human evolution. Nature Ecology & Evolution 2, 956–961. https://doi.org/10.1038/s41559-018-0528-0
  2. https://www.york.ac.uk/news-and-events/news/2018/research/research-to-raise-a-few-eyebrows/
  3. http://web.mit.edu/sinhalab/Papers/sinha_eyebrows.pdf
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24385126
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4956860/
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17676550
  7. http://gurche.com/main_frameset.htm
  8. https://www.nature.com/articles/s41559-018-0550-2
  9. https://www.pinterest.co.uk/pin/410038741063917718/
  10. Lacruz et al. (2019). The evolutionary history of the human face. Nature Ecology & Evolution. https://doi.org/10.1038/s41559-019-0865-7