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Ervas e suplementos para aumentar a testosterona?


- Atualizado no dia 26 de outubro de 2022 - 

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        Praticantes de musculação (1) costumam buscar por soluções medicinais e/ou nutricionais que acarretem em uma maior presença do hormônio testosterona no corpo. Para evitar a aplicação artificial de anabolizantes esteroides - geralmente derivados da testosterona -, os quais estão associados com diversos efeitos colaterais negativos para o organismo, a busca, em vários casos, se volta para métodos mais "naturais", como as plantas medicinais, suplementos nutricionais e certos tipos de alimentos. Mas existe algum desses produtos que realmente eleva o nível normal de testosterona no corpo de forma minimamente significativa?

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   TESTOSTERONA E DECLÍNIO

         A testosterona é um hormônio esteroide andrógeno responsável pelas características sexuais masculinas, como maior crescimento muscular e força, maior densidade óssea e distribuição típica de pelos pelo corpo do homem. A mulher também possui pequenas quantidades desse hormônio, o qual é essencial para a boa saúde em ambos os sexos. A testosterona é produzida majoritariamente nos testículos e, em menor extensão, nas células dos ovários da mulher, na zona reticular do córtex adrenal e na pele (2). No corpo, a testosterona pode tanto ser encontrada na forma livre quanto ligada quimicamente com receptores específicos - cerca de 2% da testosterona total se encontra livre, com o resto ligado com a proteína albumina ou com com o SHGB (globulina ligadora de hormônio sexual). Após os 30 anos de idade, a produção desse andrógeno diminui gradualmente com o avanço da idade.



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(2) Para mais informações sobre a síntese endógena de testosterona no corpo, acesse: Esteroides anabólicos: Alto risco para doenças cardiovasculares, dano testicular persistente e COVID-19
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            Esse progressivo declínio de testosterona nos homens com o avanço da idade é estimado entre 0,4% e 2% de redução dos níveis desse hormônio por ano após os 30 anos. Na média, é estimado que homens após os 70 anos possuem níveis de testosterona 35% menores do que homens jovens. Entre homens com 49-79 anos de idade, a prevalência de deficiência em testosterona reportada é de 2,1-5,7%. As principais manifestações clínicas de baixo nível de testosterona circulante incluem diminuição do libido, disfunção erétil, fatiga e estados negativos de humor. Manifestações clínicas secundárias são mudanças na composição corporal, incluindo aumento do tecido adiposo, diminuição da massa corporal magra e na densidade óssea mineral, e uma perda na massa muscular e na força. Existe também associação entre deficiência de testosterona e síndrome metabólica.

          Na musculação, a testosterona é essencial, já que esse hormônio leva a um balanço positivo de nitrogênio através do aumento da síntese proteica e uma diminuição na degradação proteica, resultando em hipertrofia muscular e melhora na força muscular.

           Adereçando a queda na produção endógena da testosterona, a terapia de reposição de testosterona (TRT) é uma opção bem estabelecida, apesar de estudos mostrarem que quase 90% dos homens sofrendo com baixos níveis de testosterona (de forma sintomática) não buscam essa terapia. Motivos incluem justamente a busca por métodos alternativos ditos naturais, como os T-boosters.

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   T-BOOSTERS

         Muitos já devem ter ouvido falar que comer alho ou consumir a erva Tribus terrestris, por exemplo, supostamente aumenta de forma expressiva a produção de testosterona pelo organismo. Aliás, diversas ervas e, principalmente, diversos suplementos não-hormonais (conhecidos como ´testosterone boosters´ ou simplesmente T-boosters) prometem milagres no aumento desse andrógeno no corpo, com consequente aumento da massa muscular, melhora na performance dos treinos e mesmo um aumento de libido (afrodisíacos). Esses produtos são propagandeados até mesmo como substitutos para as terapias de reposição de testosterona. Porém, qual o suporte científico para essas alegações?

           Algumas 'receitas de testosterona' usam extratos de ervas, outras misturam diversas de vitaminas, sais minerais e aminoácidos, e outras apostam em algo ainda mais "natural", e propõem apenas a inclusão de certos alimentos na dieta, como o alho, brócolis e espinafre. Apesar disso tudo ser muito atrativo por não envolver os perigosos anabolizantes artificiais e fazer com que o próprio corpo alegadamente aumente por si mesmo a produção de testosterona, as evidências científicas de suporte ou são muito escassas, muito limitadas, conflitantes, ou simplesmente não existem.

           Existe também o caso quando as pessoas e empresas que promovem tais produtos usam distorções para fabricarem suporte científico de eficácia. Por exemplo, em pessoas com uma deficiência vitamínica, a produção de testosterona no organismo pode ficar comprometida, diminuindo sua quantidade total no corpo. Quando o consumo de tal vitamina deficiente volta ao normal, a testosterona volta ao seu nível padrão, ou seja, "aumenta". A partir desse ponto, essa vitamina em específico passa a ser vendida como um suplemento de testosterona, prometendo aumentar os níveis normais desse hormônio no indivíduo. Porém, obviamente, isso é falso.


        Na lista a seguir, foram enumerados os principais produtos ou ingredientes nutricionais vendidos como T-boosters, trazendo um resumo sobre os estudos científicos associados:

1. Tribulus terrestris: Essa, sem dúvida, é uma das ervas mais disseminadas para o aumento da testosterona no corpo e usada por diversos atletas. Porém, não há suficiente suporte científico de eficácia do extrato dessa erva para um aumento na produção de testosterona em humanos, muitas vezes não diferindo de um placebo em estudos clínicos (Ref.32). Estudos que encontram alguma eficácia geralmente usam o extrato de T. terrestris com outros ingredientes, ficando difícil aferir os efeitos dos componentes individuais (Ref.32-34). Também não existe suficiente suporte científico para sua alegada ação afrodisíaca (dependente ou não de testosterona); isso é inclusive reforçado por periódicos científicos especializados em plantas medicinais (Ref.27-28). É proposto que efeitos positivos reportados relativos ao sistema reprodutivo de mamíferos podem estar associados a uma maior produção de óxido nitroso (NO). Para o efeito específico de aumento da força e massa muscular, evidências são escassas ou não existentes (Ref.36).

Um estudo clínico mais recente (Ref.43), placebo-controlado, randomizado, mas de pequeno porte (30 voluntários atletas), não encontrou um efeito positivo do T. terrestris no aumento de testosterona e da razão testosterona/cortisol após o período de intervenção (6 semanas de suplementação) e conjunto com treino de CrossFit, e nem diferença na composição corporal entre grupo de controle e grupo de intervenção; o cortisol promove catabolismo muscular, o efeito contrário da testosterona (anabolismo muscular).

No geral, estudos recentes de revisão reforçam que não existe evidência científica comprovando efeitos positivos do T. terrestris nos níveis de testosterona e composição corporal, incluindo muitos resultados clínicos conflitantes (Ref.44-45).

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> CURIOSIDADE: O T. terrestris ganhou popularidade como suplemento alimentar após atletas Búlgaros ganharem medalhas Olímpicas nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996. Naquela época, o T. terrestris foi intensivamente promovido como ingrediente na preparação do Tribestan (um suplemento alimentar), produzido por uma companhia Búlgara. Nos anos subsequentes, foi mostrado que a performance avantajada exibida pelos atletas Búlgaros era devida ao uso de esteroides androgênicos anabolizantes, e não ao T. terrestris. Os atletas Búlgaros foram banidos de participar dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008. Não existe evidência científica de qualidade suportando efeitos do T. terrestris no aumento da produção de testosterona em homens ou no aumento da força e da resistência física (Ref.44).
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2. Feno Grego (Trigonella foenum-graecum): Os extratos dessa planta são um ingrediente ativo comum em muitas formulações de testosterone boosters. É alegado que certos compostos presentes nesses extratos - mais de 100 constituintes fitoquímicos, incluindo saponinas esteroides -  atuam através da inibição das enzimas aromatase e 5-alfa-reductase, levando a uma diminuição da degradação da testosterona circulante em estrógeno e diidrotestosterona. Existem também outros mecanismos propostos para o aumento da testosterona, mas ainda elusivos. Porém, não existem evidências científicas suficientes que corroborem esses mecanismos ou a eficácia dessa erva. Alguns poucos estudos clínicos de boa qualidade realizados nos últimos anos têm reportado resultados conflitantes sobre o aumento nas taxas de testosterona, mas geralmente concordam em um aumento na libido.

Uma meta-análise de testes clínicos publicada no periódico Phitoterapy Review (Ref.37) encontrou que a suplementação com extrato de feno grego parece aumentar de forma significativa os níveis de testosterona nos homens, apesar dos quatro estudos efetivamente analisados serem limitados, envolvendo grupos pequenos de participantes. Uma revisão sistemática mais recente e publicada no periódico Advances in Nutrition (Ref.46) também sugeriu possíveis benefícios nesse sentido

Um estudo randomizado placebo-controlado duplo-cego publicado mais recente (Ref.38) avaliando o produto comercial Testofen® baseado em extrato de feno grego - apesar dos autores declararem não existir conflito de interesses -, e envolvendo 138 participantes do sexo masculino (25-47 anos de idade), encontrou que a suplementação com 600 mg diários melhorou a performance, ganho de força, ganho de massa muscular e aumento da testosterona total durante 8 semanas de treino de musculação. O consumo de 300 mg/dia não diferiu de placebo. No entanto, no grupo de placebo, a concentração total média de testosterona no começo do estudo mostrou-se substancialmente menor (~15,6 nmol/L) do que aquela observada nos grupos recebendo o extrato (~17,5 nmol/L) - especialmente considerando que o aumento observado no grupo de 600 mg/dia foi de 1,3 nmol/L. Os pesquisadores não explicaram essa estranha observação. 

É bom também destacar o reporte de efeitos tóxicos no consumo de feno grego em ratos, camundongos e coelhos, incluindo efeitos teratogênicos, neuropatológicos e de anti-fertilidade (diminuição da massa testicular e danos nos espermatozoides) (Ref.39).

3. Alho: Muitos alegam que esse alimento aumenta a produção de testosterona, mas não existem evidências científicas suficiente para tal alegação. Aliás, alguns trabalhos encontram um efeito contrário, onde o consumo acima do normal de alho pode prejudicar o funcionamento dos testículos, dificultando a produção de espermatozoides e testosterona. Outros estudos, por outro lado, sugerem algum potencial de melhora na espermatogênese e na produção de testosterona a partir de um consumo moderado. Porém, como são artigos isolados e escassos, nada pode ser inferido com certeza.

4. Macronutrientes: Alguns estudos sugerem que o consumo regulado de proteínas, gorduras e carboidratos pode contribuir para o aumento da testosterona. Por exemplo, já foi mostrado que um maior consumo de gorduras saturadas e carboidratos tende a aumentar os níveis de testosterona no corpo. Aliás, um estudo recente (jan/2020) publicado no periódico Journal of Urology (Ref.31) - analisando os dados de 3128 homens nos EUA - encontrou que uma dieta restritiva em gordura está de fato associada com uma redução modesta mas significativa de testosterona circulante no sangue. Por outro lado, alguns estudos também sugerem que o excesso de glicose parece diminuir os níveis desse andrógeno. Como são ainda poucos estudos explorando o impacto dos macronutrientes nos níveis de testosterona, não seria muito prudente extrapolar esses resultados ou martelar conclusões. O excesso de gordura saturada, por exemplo, está ligado ao aumento de problemas cardíacos no corpo (apesar de existir recentes controvérsias).

5. Micronutrientes: Zinco, boro e vitamina D são todos vendidos como estimulantes de testosterona no corpo, mas estes apenas caem na categoria 'deficiência', já explicada anteriormente. Ou seja, se o seu corpo está com deficiência desses nutrientes, sua testosterona poderá estar baixa e uma ingestão recomendada dos mesmos pode aumentar os níveis desse andrógeno. Porém, claro, sua produção não passará do limite natural do corpo, independentemente se existir um excesso no consumo de tais micronutrientes - o que pode, aliás, ser prejudicial. O mesmo é válido, em menor extensão de relevância, para a vitamina C, magnésio e ácido linoleico.

Um estudo de revisão publicado em 2021 na Nutrients (Ref.47), investigando potenciais estratégias de manipulação alimentar visando o aumento de testosterona circulante (com foco em micronutrientes associados com potencial atividade anti-aromatase), não encontrou suficiente evidência suportando benefícios da suplementação nesse sentido.


6. Ácido D-aspártico (DAA): Esse é outro nutriente isolado bastante vendido como um T-booster. Ele é um aminoácido que mostrou, em vários estudos, ser capaz de aumentar a produção de testosterona em animais como ratos. Por causa desses resultados, houve uma explosão de vendas de produtos elaborados a partir desse aminoácido, especialmente para praticantes de musculação. Porém, estudos posteriores em humanos não mostraram resultados positivos significativos no aumento de testosterona, com alguns reportando nenhum efeito visível (Ref.20). Um estudo de alta qualidade publicado em 2017 no Plos One - do tipo duplo-cego randomizado placebo-controlado - (Ref.26) entre homens treinados (musculação) com idades entre 18 e 36 anos concluiu que o DAA é inefetivo no aumento dos níveis de testosterona ou no aumento de desempenho dos treinos. Dois recentes estudos de revisão sistemática (Ref.21, 48) também reforçaram esse alerta, concluindo que a eficácia do DAA em homens para o aumento de testosterona não é suportada por evidência científica de boa qualidade. Aliás, um estudo publicado em 2015 no Journal of the Intrnational Society of Sports Nutrition (Ref.25) encontrou que o uso de DAA, ao contrário do esperado, diminuiu a quantidade de testosterona total e testosterona livre em homens jovens (~24 anos) que treinavam musculação há pelo menos 2 anos. Um estudo de caso (Ref.42) demonstrou inclusive como um produto Canadense baseado em DAA é vendido como suplemento T-Booster distorcendo as evidências da literatura acadêmica e enganando os consumidores.

7. Ervas em geral: Além do Tribulus terrestris e do feno grego, diversas outras ervas, especialmente chinesas, são creditadas como testosterone boosters. Astragalus membranaceus, inhame chinês, Herba epimedium, extrato de mucuna (Mucuna pruriens), maca peruana (Lepidium meyenii), raiz de Long Jack (Eurycoma longifolia), ginkgo biloba, ginseng (Panax ginseng), extrato de Flor da Paixão, Serenoa repens, Withania somnifera e Haematococcus pluvialis entram também nessa categoria. Porém estudos ou são escassos, ou não mostraram efeito algum em humanos. E mesmo quando existem efeitos positivos no aumento de testosterona em testes clínicos, esse aumento não é expressivo a ponto de influenciar na composição muscular do corpo e na performance atlética.

O Long Jack é um dos que mais possuem pesquisas em cima dos seus efeitos. É sugerido, em um número de estudos clínicos, que esse extrato de raiz pode aumentar o rendimento esportivo e moderadamente a massa muscular, mas inconclusivo em muitos casos se esses efeitos estavam associados ao aumento de testosterona - esse último suportado por convincente mas limitada evidência (Ref.48-49).  Já o extrato de ginseng (planta bastante utilizada na medicina Chinesa) parece ter moderada - mas não conclusiva - eficácia em casos de disfunção erétil (Ref.18), mas sem evidências científicas que corroborem aumento de testosterona. Para a tão popular maca peruana, estudos científicos não encontram suporte para sua ação de aumento da testosterona (Ref.28, 35).

E enquanto existe moderada evidência clínica - e evidências conflitantes - para o uso de mucuna, Long Jack, W. somnifera, feno grego e N. sativa para o aumento endógeno no nível de testosterona no corpo dos homens, esse aumento parece ser potencialmente positivo apenas para adereçar contextos associados à fertilidade, disfunções eréteis ou à libido, sendo inconclusiva qualquer eficácia se o objetivo é mudança na composição corporal (aumento da massa muscular, por exemplo) ou na melhora da performance atlética.

Um estudo de revisão sistemática publicado no periódico International Journal of Impotence Research (Ref.40) encontrou que entre 16 dos mais populares ingredientes para suplementos alimentares visando o aumento de testosterona, 82% não possuíam boa evidência científica de suporte, e 6 deles nem mesmo possuíam qualquer estudo publicado. Apenas dois estavam associados com bom suporte de dados clínicos: Tribulus (!) e E. longifolia. No entanto, os autores reforçaram que nenhum estudo clínico randomizado foi encontrado avaliando a efetividade dos suplementos comerciais específicos associados a esses ingredientes. (!) Além disso, como já mostrado por outros estudos, existe forte conflito de resultados em relação ao Tribulus, e estudos sugerindo eficácia geralmente avaliam essa erva misturada com outros ingredientes.

> Disfunção erétil: Um estudo de revisão recente publicado no periódico Sexual Medicine Reviews (Ref.39) encontrou que entre os 10 suplementos mais comumente usados para esse fim - fenogrego, ginseng (Panax ginseng), Tribulus terrestris, E. longifolia, Epimedium grandiflorum (HGW), L-arginina, maca, muira puama, zinco e Serenoa repens - o único suplemento com boa evidência científica de eficácia e segurança para uma melhora nas funções eréteis é o aminoácido L-arginina, o qual é um percursor para a produção de óxido nitroso (NO) no corpo - importante para a ereção. Já uma revisão sistemática publicada na International Journal of Impotence Research (Ref.40) deu suporte para 5 ingredientes: E. longifolia, E. sagittatum, L-arginina e P. ginseng.

7. Suplementos nutricionais: É aqui onde o termo ´testosterone booster´ ganhou real força. São incontáveis os produtos desse tipo que alegam aumentos extraordinários de massa muscular, testosterona e maior resistência aos treinos pesados. Feitos a partir da mistura dos componentes listados acima, esses produtos afirmam que suas formulações específicas ativam diversas cascatas de reações dentro do corpo, deflagrando uma maior produção de testosterona e diversos outros efeitos metabólicos positivos para o treino esportivo. Um dos principais componentes que vão nessas formulações é o já mencionado DAA. Não existem evidência científica suficiente para atestar a eficácia desses suplementos, e trabalhos científicos cujos resultados sugerem bons resultados geralmente são muito limitados e patrocinados por empresas do ramo. Um dos mais conhecidos do mundo, o NMDA, o qual é uma mistura de DAA, N-metil-D-aspartato (NMD-Asp), tri-metil glicina e S-adenosil metionina (SAMe), raiz de Long Jack e extrato de mucuna falhou vergonhosamente em estudos relevantes que tentavam demonstrar sua eficácia (Ref.7). Supostamente, o NMDA aumentaria os níveis endógenos de testosterona via ativação do eixo hipotálamo-pituitária-gonadal (HPG), porém isso não encontra base científica em evidências experimentais. Isso sem contar que muitos suplementos não fiscalizados trazem em suas composições substâncias ilegais e não declaradas nas embalagens - como esteroides anabolizantes e outros hormônios - que trazem efeitos positivos no ganho de massa muscular sob uma máscara de opção "natural e saudável" (1).


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   TESTOSTERONA LIVRE

          Outro sério problema. Enquanto alguns estudos reportam efeitos positivos no aumento da testosterona total para um ou outro suplemento ou erva, efeitos na concentração de testosterona livre ou são ignorados ou estão associados a aumentos não significativos ou inexistentes. A testosterona total consiste de testosterona ligada à globulina SHBG e de testosterona livre. A testosterona livre é a porção da testosterona circulante que de fato cruza as membranas celulares, exercendo efeitos biológicos e contribuindo para o crescimento muscular. Um pequeno aumento, mesmo que significativo, apenas na testosterona ligada à SHBG é efetivamente traduzido nos efeitos biológicos esperados de hipertrofia muscular? 

          Para exemplificar, o estudo clínico da Ref.38, trazendo evidência de aumento da testosterona total para o feno grego (600 mg/dia), não encontrou diferença estatisticamente significativa na concentração de testosterona livre.

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   CONCLUSÃO

           Métodos que alegam aumentar a produção de testosterona utilizando ervas, alimentos, nutrientes isolados e suplementos não possuem eficácia clinicamente comprovada ou, no caso de alguns componentes, essa eficácia é inconclusiva, limitada ou sugerida por estudos escassos e de baixa qualidade. No geral, ervas isoladas que possuem maior suporte científico para um aumento na produção de testosterona total é o Long Jack (E. longifolia) e o feno grego (T. foenum-graecum), mas incerto se isso se traduz para significativos efeitos biológicos como aumento de força e de massa muscular, aumento de libido e melhora das funções eréteis. Para a melhora das funções eréteis, o aminoácido L-arginina possui talvez o maior suporte científico de eficácia, mas via efeito independente da testosterona. Maca peruana e ácido D-aspártico (DAA) parecem ser ineficazes para aumentar a testosterona em humanos.

          Somando-se a isso, a maioria dos estudos nessa área são realizados em animais não-humanos, ou seja, gerando resultados clínicos que nem sempre podem ser extrapolados. Por exemplo, um estudo bem recente publicado no periódico The Journal of Sexual Medicine (Ref.29), analisando os produtos T-Boosters vendidos na Amazon.com, encontrou que dos estudos envolvendo 10 dos mais comuns ingredientes nesses suplementos, 53% envolviam animais não-humanos (especialmente ratos) e 15% testes clínicos in vitro; apenas 19% dos estudos eram testes clínicos envolvendo humanos. Entre 37 dos estudos humanos, 30% observaram algum tipo de aumento de testosterona, 3% uma diminuição, 22% foram inconclusivos e 46% não reportaram nenhum efeito. Os autores do estudo argumentaram que não existem conclusões de eficácia para nenhum desses produtos.

          Já um estudo publicado em 2020 no periódico The World Journal of Mens Health (Ref.30) resolveu analisar os produtos mais populares em busca no Google englobados no grupo dos T-boosters. Dos 109 suplementos selecionados, 90% deles alegavam aumentar os níveis de testosterona, mas apenas 25% deles possuíam algum suporte de dados da literatura científica corroborando suas alegações. E dos 25% (27 suplementos) 15 deles (55,5%) estavam associados com estudos conflitantes (ausência de efeito positivo nos níveis de testosterona). Aliás, no total, 10% dos suplementos possuíam componentes com estudos sugerindo um efeito reverso, ou seja, de diminuição da testosterona, e muitos possuíam quantidades super-excessivas de diversas vitaminas e minerais, o que pode causar danos graves à saúde. Na média, os pesquisadores encontraram nos suplementos 1291% das quantidades recomendadas para a vitamina B12, 807,6% para a vitamina B6, 272% para o zinco, 200% para a vitamina B5 e 187,5% para a vitamina B3. Os componentes mais comuns dos suplementos analisados eram o zinco, o feno-grego, vitamina B5, Tribulus, magnésio, boro, di-indolemetano, Long Jack e o extrato de maca.

            Por fim, um estudo de revisão publicado em 2021 no periódico Endocrines (Ref.50) concluiu que "os suplementos Testosterone Boosters não podem ser recomendados para uso por atletas devido à insuficiência de dados científicas sobre eficácia e segurança desses produtos". Aliás, os pesquisadores nesse estudo ressaltaram que certos componentes desses suplementos podem estar ligados a desordens de coagulação, pancreáticas e hepáticas. Outras revisões mais recentes reforçam essa linha de conclusão (Ref.51).          

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          De fato, muitos produtos entram no mercado sem nem ao menos passarem por testes mínimos de qualidade e de segurança. Nesse sentido, a compra de certos produtos desse tipo pode até representar um risco à saúde por ser grande a chance de conterem ingredientes não muito bem testados em humanos, apenas em outros animais (às vezes, nem isso). O consumo de Long Jack, por exemplo, está associado a efeitos tóxicos em roedores e coelhos. No caso de suplementos baseados em T. terrestris, além de aparente ineficácia para o aumento de testosterona, existem vários efeitos adversos reportados (relatos de casos) incluindo ginecomastia, efeitos nefrotóxicos e hepatotóxicos, falha aguda renal, hiperbilirrubinemia e trombose venosa cerebral (Ref.52); potenciais agentes causativos incluem saponinas presentes nessa planta como a terrestrosina D (TED) (Ref.53).

          O medo dos esteroides anabolizantes ou das terapias de reposição hormonal pode pressionar muitos a buscarem os ´testosterone boosters´, mas é preciso ficar atento e pesquisar muito bem antes de comprá-los e consumi-los. Existe a errônea noção de que plantas e ervas usadas para fins medicinais alternativos são completamente seguras, ignorando que esses vegetais possuem compostos ativos e estão associadas com efeitos colaterais assim como fármacos tradicionais. Reportes de sérias intoxicações, principalmente hepáticas, ligadas aos suplementos alimentares não são raros (1).

          Nunca é uma boa ideia baixar a guarda para produtos vendidos como "naturais", porque esse conceito é muito relativo. E caso você ache que está com alguma deficiência nutricional que possa estar afetando sua produção de testosterona, não é preciso gastar rios de dinheiro em 'suplementos mágicos', mesmo porque existe ainda muito conflito e limitados resultados na literatura acadêmica para garantir real eficácia de qualquer suplemento ou erva do tipo T-Booster. Adotar uma dieta equilibrada e nutricionalmente rica, dormir bem, evitar o fumo, moderar/evitar as bebidas alcoólicas, reduzir o excesso de massa adiposa no corpo (emagrecer) - as células adiposas aromatizam testosterona em estradiol -, diminuir o estresse e praticar exercícios físicos (3) são excelentes medidas para promover bons níveis de testosterona no seu corpo, melhorar o desempenho esportivo/sexual, aumentar a massa muscular, entre vários outros benefícios.

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(1) E FIQUE ALERTA: Muitos suplementos nutricionais podem conter ingredientes ilegais, incluindo hormônios esteroides, para camuflar a falta de eficiência dos ingredientes legais indicados em suas composições. Para mais informações, acesse: Suplementos alimentares: é só comprar e consumir?

(3) É inconclusivo, mas diversos estudos mostram que a prática de exercícios físicos aumenta, moderadamente, a produção de testosterona no corpo. Porém, é 'inconclusivo' no ponto em que várias variáveis podem afetar essa suposta maior produção, como o tipo de exercício praticado (aeróbico ou anaeróbico), idade do praticante, condição de saúde, sexo, entre outros.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.esciencecentral.org/journals/increasing-circulating-testosterone-impact-of-herbal-dietary-supplements.2329-9029.1000130.php?aid=28009
  2.  http://digitalcommons.wku.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2778&context=ijesab
  3.  http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378874105003314
  4. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S037907380800011X
  5. http://www.degruyter.com/view/j/hukin.2014.41.issue-1/hukin-2014-0037/hukin-2014-0037.xml
  6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25183955
  7. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3918557/
  8. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25435783
  9. http://journals.lww.com/nsca-jscr/Abstract/2015/12000/Impact_of_Four_Weeks_of_a_Multi_Ingredient.25.aspx 
  10. http://online.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/jmf.2011.0335
  11. http://onlinelibrary.wiley.com/enhanced/doi/10.1111/and.12009/
  12. http://www.mdpi.com/1420-3049/21/3/331/htm
  13. http://jissn.biomedcentral.com/articles/10.1186/1550-2783-5-12
  14. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271531713001735
  15. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2265.2012.04486.x/full
  16. https://www.researchgate.net/profile/Stefan_Pilz/publication/49679775_Effect_of_vitamin_D_supplementation_on_testosterone_levels_in_men/links/0c96052f7e9b2ca8d8000000.pdf
  17. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5630464/
  18. https://link.springer.com/article/10.1007/s40265-018-0897-3
  19. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24074738
  20. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24074738
  21. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5340133/
  22. https://digitalcommons.wku.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2778&context=ijesab
  23. http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1557988315598554
  24. https://www.smr.jsexmed.org/article/S2050-0521(17)30122-1/fulltext
  25. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3918557/ 
  26. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28841667
  27. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378874115303056
  28. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378874118333646
  29. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1743609518313821
  30. https://www.wjmh.org/DOIx.php?id=10.5534/wjmh.190043
  31. https://www.auajournals.org/doi/10.1097/JU.0000000000000482
  32. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4120469/
  33. https://www.mdpi.com/2218-273X/10/5/752
  34. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24559105/
  35. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30790614/
  36. https://link.springer.com/article/10.1007/s00394-018-1882-z
  37. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/ptr.6627
  38. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/tsm2.153
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