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Por que humanos machos possuem barba?

Figura 1. Mesmo indivíduo com e sem barba. 

           Seleção sexual é o mecanismo evolutivo que favorece traços fenotípicos que ajudam na obtenção de parceiros para acasalamento. Quando sucesso reprodutivo é alcançado, seleção sexual pode favorecer até mesmo traços prejudiciais à sobrevivência do indivíduo caso compensem ao aumentar a chance de acasalamento efetivo. Esse mecanismo evolutivo é tipicamente o fator causal para notáveis dimorfismos sexuais (diferenças fenotípicas entre fêmeas e machos) observados em espécies diversas, em especial aves (1). Traços pró-reprodutivos e dimórficos selecionados nesse contexto podem garantir vantagem em competições intraespecíficas (ex.: luta entre machos disputando fêmeas) ou representar atributos que aumentam a atração sexual (ex.: penas mais coloridas e vistosas em aves machos).

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            Humanos modernos (Homo sapiens) exibem também pronunciado dimorfismo sexual pós-puberdade em várias traços corporais que parecem ter sido moldados por seleção sexual, incluindo formato facial, nível de pelos visíveis no corpo, distribuição de tecido adiposo, nível de massa muscular e características vocais (ex.: voz mais grave ou aguda). Talvez o traço sexualmente dimórfico mais notável nos humanos seja o hirsutismo facial (excesso de pelos visíveis no rosto) - particularmente a barba - nos indivíduos do sexo masculino.

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           Seleção natural para homeostase térmica durante locomoção bípede provavelmente causou a dramática redução de cobertura capilar no corpo humano em relação a outros primatas hominídeos (2). No entanto, faixas de substancial cobertura capilar nas regiões facial, peitoral e abdominal são notavelmente mais pronunciadas nos humanos modernos machos do que nas fêmeas devido aos efeitos de andrógenos e hormônios do crescimento durante a puberdade e avanço da idade na fase adulta (3). Barba e hirsutismo corporal de padrão masculino oferecem pouca vantagem de sobrevivência na nossa espécie, sugerindo que seleção sexual agiu na retenção desses excessos capilares: ou como ornamento de atração sexual ou como pistas intrassexuais de dominância e de status. 

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> O crescimento de pelos faciais é influenciado pelas ações combinadas dos andrógenos diidrotestosterona (DHT) e testosterona. Testosterona está associado com o número de folículos capilares faciais e DHT com a distribuição e densidade. Pelos faciais masculinos primeiro divergem daqueles no rosto feminino ao redor de 10 anos de idade, continuam se desenvolvendo ao longo da puberdade e se tornam totalmente desenvolvidos em jovens adultos. Existe também um forte componente genético influenciando no hirsutismo androgênico.
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          Enquanto hirsutismo masculino está associado com sucesso de acasalamento nos homens, julgamento de atratividade das mulheres em relação às barbas e pelos corporais é altamente variável entre populações e grupos de análise. Barba e peitoral-abdômen "cabeludo" consistentemente aumentam a percepção de masculinidade, maturidade sexual e etária, dominância social, maior força física, assertividade e agressividade dos humanos machos (Ref.2-4). Existe evidência também de que a barba aumenta a percepção de confiabilidade, competência e experiência do indivíduo (4). Isso sugere que barba atua em competições intrassexuais, ou seja, competição entre machos por dominância e acesso privilegiado a fêmeas. Esses padrões são similares àqueles do típico formato craniofacial masculino englobando grandes saliências supraorbitais, uma mandíbula definida e robusta, e região médio-facial pronunciada associados com força física (!). Nesse último ponto, barbas também parecem atuar realçando características craniofaciais masculinas e expressões faciais (ex.: raiva) ameaçadoras (Ref.5-6).

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(!) Barba, nesse sentido, pode representar também uma sinalização honesta de um maior nível de testosterona do indivíduo e os efeitos desse andrógeno no corpo. Testosterona, por exemplo, está positivamente associada com massa muscular, força física e agressividade em humanos do sexo masculino. Ref.7-10

> Competição e rivalidade intrassexual entre humanos machos varia desde combate direto (ex.: tentativa de fisicamente dominar um rival) até exibição visual intimidadora (ex.: barba, maior musculatura corporal e porte de armas). Nesse sentido, barba pode ajudar a evitar sérios danos oriundos de combate físico e ainda garantir dominância e recursos reprodutivos ao intimidar e potencialmente afugentar rivais. Pode inclusive compensar traços menos masculinizados e intimidadores em um indivíduo macho (sinalização desonesta), evitando possível derrota em um combate físico ou potencial rejeição por fêmeas. Ref.11 
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            Aliás, preferência das mulheres por hirsutismo corporal parece ser maior em populações com maior proporção masculina, apontando mais uma vez o papel da barba em cenários de mais intensa competição entre machos (Ref.2). Porém, atratividade sexual de mulheres por barbas é altamente variável e incerta, e evidências acumuladas sugerem que elas avaliam homens com menor hirsutismo facial como mais atraentes (Ref.12). Uma possibilidade é que barbas reduzem a atratividade sexual masculina porque tornam os indivíduos perceptualmente dominantes e agressivos, enquanto um indivíduo com rosto raspado ou com baixo hirsutismo facial é julgado como socialmente mais amigável e mais fiel. De fato, raspagem da barba e depilação de pelos corporais em indivíduos heterossexuais do sexo masculino têm se tornado cada vez mais populares em vários países como um meio de aumentar a atratividade sexual.

          É possível, nesse sentido, que as mulheres não são atraídas por homens com barbas em termos estritamente físicos, mas através da percepção de atratividade sobre outras dimensões (status social, masculinidade e maturidade). Homens com barba são percebidos pelas mulheres como mais velhos, detentor de maior status social e com melhores habilidades parentais, características que podem ser preferíveis em parceiros românticos de longo prazo (Ref.13). E, de fato, estudos têm apontado que a preferência das mulheres por barbas masculinas são mais fortes para relações de longo prazo e envolvendo criação de filhos. 

            Todos esses pontos sugerem que, sob uma perspectiva evolucionária, a expressão da barba sinaliza para competidores [alvo primário] e potenciais parceiros sexuais [alvo secundário] mensagens diversas sobre dominância, masculinidade, agressividade, maturidade, idade, habilidade paterna, recursos e status.

            Hirsutismo facial humano varia dramaticamente entre populações: enquanto indivíduos do Oriente Médio e do Norte Europeu são capazes de crescer grossas e densas barbas, pessoas no Leste Asiático e de ancestralidade América-Indiana possuem pelos faciais pouco aparentes. É incerto o porquê da pelagem facial humana variar tanto entre grupos étnicos e geográficos. Pode ser que a barba reduza a eficiência da termorregulação ou mesmo reduza a eficiência de síntese de vitamina D ao expor menos pele à radiação solar (5), e seleção sexual relaxada pode ser sobreposta por pressão seletiva natural. Ou seleção sexual resultante de competição entre machos pode ser relaxada por fatores diversos (ex.: redução na população masculina), favorecendo um fenótipo de maior atratividade sexual para as fêmeas. 

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          O tipo de barba preferida (ex.: presença apenas de bigode) por ambos os sexos também varia entre populações e ao longo da história, provavelmente devido a fatores culturais. Fatores socioculturais e de familiaridade parecem também influenciar na preferência feminina em geral por barbas (Ref.14).

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> Existe uma hipótese com pouco suporte científico e escassamente citada na literatura acadêmica sugerindo que barbas podem ter evoluído como proteção extra em lutas entre machos humanos (ex.: reduzir o dano de socos direcionados contra o rosto). Para mais informações: Barbas podem ter evoluído no sentido de tornar o homem mais resistente a socos na cara... ou não
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REFERÊNCIAS
  1. Puts, D. (2016). Human sexual selection. Current Opinion in Psychology, 7, 28–32. https://doi.org/10.1016/j.copsyc.2015.07.011
  2. Gray et al. (2020). Sexual Selection, Signaling and Facial Hair: US and India Ratings of Variable Male Facial Hair. Adaptive Human Behavior and Physiology 6, 170–184. https://doi.org/10.1007/s40750-020-00134-4
  3. Dixson, B. J. W. (2021). Sexual Selection and the Evolution of Human Appearance Enhancements. Archives of Sexual Behavior. https://doi.org/10.1007/s10508-021-01946-5
  4. Dixson et al. (2017). "Beneath the beard: do facial morphometrics influence the strength of judgments of men's beardedness?" Evolution and Human Behavior, Volume 38, Issue 2, Pages 164-17400000. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2016.08.004
  5. Dixson et al. (2021). Beards Increase the Speed, Accuracy, and Explicit Judgments of Facial Threat. Adaptive Human Behavior and Physiology 7, 347–362. https://doi.org/10.1007/s40750-021-00169-1
  6. Dixson et al. (2022). Facial hair may slow detection of happy facial expressions in the face in the crowd paradigm. Scientific Reports 12, 5911. https://doi.org/10.1038/s41598-022-09397-1
  7. https://academic.oup.com/jcem/article/95/2/639/2596855
  8. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13685538.2019.1632282
  9. Carré et al. (2020). Is testosterone linked to human aggression? A meta-analytic examination of the relationship between baseline, dynamic, and manipulated testosterone on human aggression. Hormones and Behavior, Volume 123, 104644. https://doi.org/10.1016/j.yhbeh.2019.104644 
  10. Muñoz-Reyes et al. (2020). The Male Warrior Hypothesis: Testosterone-related Cooperation and Aggression in the Context of Intergroup Conflict. Scientific Reports 10, 375. https://doi.org/10.1038/s41598-019-57259-0
  11. Jach et al. (2023). Men’s Facial Hair Preferences Reflect Facial Hair Impression Management Functions Across Contexts and Men Know It. Archives of Sexual Behavior 52, 2465–2473. https://doi.org/10.1007/s10508-023-02595-6
  12. Dixson et al. (2019). Cross-Cultural Variation in women’s Preferences for men’s Body Hair. Adaptive Human Behavior and Physiology, 5(2), 131–147. https://doi.org/10.1007/s40750-019-0107-x
  13. Jach et al. (2020). I Can Wear a Beard, but you Should Shave…Preferences for Men’s Facial Hair From the Perspective of Both Sexes. Evolutionary Psychology. https://doi.org/10.1177/1474704920961728 
  14. Valentova et al. (2017). Mate preferences and choices for facial and body hair in heterosexual women and homosexual men: influence of sex, population, homogamy, and imprinting-like effect. Evolution and Human Behavior, Volume 38, Issue 2, Pages 241-248. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2016.10.007