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Vikings: A Era Subestimada da Sociedade Nórdica


- Atualizado no dia 20 de janeiro de 2024 - 

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          Estamos navegando no meio da Europa Medieval, e embates entre Nórdicos e Cristãos estão em violenta ascensão. Indo para o final do século VIII, os Norsemen ('Homens do Norte', traduzindo do inglês) iniciaram temidas campanhas na parte norte do território Europeu, em uma série de sangrentas invasões. Em meio ao terror das pessoas sob a coberta Cristã, esses Homens do Norte saquearam monastérios e cidades, ceifando inúmeras vidas ou fazendo prisioneiros. Após criarem fama, esses atacantes impiedosos ficaram conhecidos popularmente como 'Vikings', palavra a qual possui origem do termo Escandinavo 'Vikingr' (traduzido como 'pirata') o qual, por sua vez, deriva do termo  'Vik' ('parte do mar', em uma tradução do antigo Norueguês).

          Habilidosos navegantes e exímios construtores de embarcações marítimas e fluviais, os Vikings são amplamente difundidos na nossa atual cultura pop e também muito estudados pelos historiadores e arqueólogos. Porém, várias pessoas distorcem ou possuem a imagem errada do que os Vikings realmente eram. Parte do motivo para isso se deve ao fato de que a maior parte dos registros escritos sobre os Vikings conservados ao longo da história foram produzidos pelos seus inimigos, fomentando um forte preconceito contra os exploradores Nórdicos transmitido ao longo de gerações.

         Mais do que "piratas sanguinários", os Vikings faziam parte de uma avançada e complexa sociedade, controlando poderosas tecnologias, complexos sistemas políticos e comerciais, e possuindo uma rica expressão cultural. E uma das provas do poderio tecnológico dos Vikings, além da área de exploração marítima e conquista de territórios Cristãos, pode ser vista nas suas imponentes Fortalezas Circulares. Desde a década de 1930, cinco Fortalezas Circulares foram descritas, a última descoberta em 2017.

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ATENÇÃO! Antes de continuar a leitura deste artigo, é mais do que importante mencionar um estudo genômico recentemente publicado na Nature que muda substancialmente boa parte da visão tradicional que tínhamos sobre os Vikings em relação aos estudos históricos e arqueológicos até o momento acumulados. Nesse sentido, fica recomendado primeiro a leitura desta matéria: Impactante estudo genômico revela que os Vikings não eram apenas Escandinavos
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  > QUEM ERAM OS VIKINGS?


     PRIMEIROS ESCANDINAVOS

         A Escandinávia foi uma das últimas áreas na Europa a se tornarem habitáveis para os humanos após o Último Máximo Glacial, quando as camadas de gelo começaram a retrair no norte europeu, cerca de 23 mil anos atrás. A península escandinava - região geográfica e histórica da Europa Setentrional que abrange, no sentido mais estrito, a Dinamarca, a Suécia e a Noruega - passou então, gradualmente, a ser colonizada por variadas plantas e animais a partir desse período.

        Antes dos Vikings surgirem, os primeiros humanos a se estabelecerem na região Escandinava parecem datar de algo em torno de 11,7 mil anos atrás, onde similaridades entre ferramentas de pedras dessa época encontradas na Escandinávia e aquelas vistas tanto no Oeste quanto no Leste Europeu - em específico da região correspondente à atual Rússia - sugerem que vários grupos oriundos de lugares diversos na Europa podem ter migrado para a área quando o gelo glacial tinha dado um bom recuo e as condições para a sobrevivência humana tinham se tornado mínimas. Estudos genéticos sugerem a presença de três grupos genéticos no início da Europa pós-glacial: caçadores-coletores do Oeste, caçadores-coletores do Leste e caçadores-coletores Escandinavos, sendo estes últimos uma mistura migratória dos dois primeiros.

         Reforçando essa hipótese, em um estudo publicado em 2018 no periódico PLOS ONE (Ref.25), pesquisadores ao sequenciar o genoma de de 7 caçadores-coletores descobertos ao longo da Escandinávia, e datados de 9,5 mil-6 mil anos atrás (no Mesolítico), encontraram que as primeiras migrações humanas para a região nórdica muito provavelmente seguiram duas rotas: uma da Europa Central e a outra do Nordeste Europeu, junto à Costa Norueguesa do Atlântico. A primeira migração do sul para a Península Escandinava no final da última Era do Gelo parece ter ocorrido há cerca de 11500 anos e uma segunda do nordeste, há cerca de 10300 anos. Ambos os grupos teriam se encontrado e se misturado na Escandinávia, criando uma população geneticamente diversificada. Um estudo publicado em 2019 na Nature Communications (Ref.61), analisando vestígios de DNA de antigas gomas de mascar datadas em mais de 10 mil anos atrás - os mais antigos vestígios de material genético humano já encontrados na Escandinávia -, na região de Huseby-Klev, costa oeste da Suécia, corroborou esse cenário de duas rotas, mas mostrou que o perfil genético dos caçadores-coletores Escandinavos dessa época era mais similar às populações do oeste Europeu do que daquelas do leste.




           Entre as características genéticas únicas que emergiram desses encontros e posteriores adaptações, foram encontrados nas análises desses antigos materiais genéticos Escandinavos altos níveis de genes ligados a uma menor produção de pigmentos na pele - uma adaptação para ambientes com baixa incidência de radiação UV (Vitamina D e a Cor da Pele) - e o gene TMEM131, o qual parece estar envolvido em adaptações de longo prazo ao frio. Essas características genéticas produzidas ao longo do processo evolutivo teriam sido fundamentais para o sucesso da ocupação humana na área e a futura emergência de sociedades Escandinavas estáveis. Eventualmente, na Idade do Bronze Nórdica, um complexa rede comercial de metais (estanho e cobre especificamente) foi estabelecida já em 2000-1700 a.C. entre a Dinamarca e as ilhas Britânicas e o Leste da região Germânica, marcando o desenvolvimento inicial de robustas rotas comerciais marítimas e interesse em outros territórios além do extremo Norte Europeu (para mais informações, acesse a Ref.62). De fato, evidências arqueológicas mostram que houve um grande movimento migratório para a Dinamarca de diferentes regiões da Europa durante o período de crescimento econômico sem precedentes no sul da Escandinávia durante o 2° milênio a.C. (Ref.63).

          Todavia, durante o século VI d.C., trágicos eventos climáticos (1) também foram cruciais para a ascensão e fomento exploratório dos Vikings. O drástico declínio populacional, grande queda na produção de alimentos e retrocesso na expansão das comunidades formaram um catalizador para a longa trajetória social que ultimamente resultou na diáspora Viking e na completa transformação do Norte. Aliás, dos sombrios eventos deflagrados a partir do ano de 536 d.C., parece ter nascido o tão famoso Mito de Ragnarök, o Apocalipse Nórdico onde até mesmo os Deuses sucumbiram (1).



     TERRITÓRIO

           A Era Viking (793-1066 d.C.) foi marcada pela súbita entrada dos Escandinavos no cenário mundial. Deixando suas marcas por toda a Europa e além, os Vikings contribuíram na modelagem do mundo em que hoje vivemos através das suas conquistas e exploração de várias regiões antes descolonizadas, como a Islândia, Groenlândia e alcançando até mesmo partes da América do Norte, centenas de anos antes do navegador Genovês Cristóvão Colombo na segunda metade do século XV. Aliás, evidências arqueológicas mais recentes (Ref.18) sugerem que os Nórdicos parecem ter explorado o continente Norte-Americano muito além dos assentamentos em regiões costeiras associados ao explorador Viking Leif Erikson.



           A terra natal dos Vikings englobava regiões localizadas no norte da Europa, nos países hoje conhecidos como Dinamarca, Suécia e Noruega, como pode ser visto no mapa abaixo. Os países Escandinavos são as mais antigas monarquias existentes no mundo, com o poder real emergindo tão cedo quanto 700 d.C., e foram os primeiros Europeus a navegarem por todos os mares da Europa. As características geográficas e naturais dessas regiões foram a força diretriz que moldou a sociedade e o modo de vida Viking, especialmente considerando o fato de que a região Escandinava repousa bem longe do centro e do sul Europeu. Esse isolamento significou que esses povos escandinavos não foram fortemente influenciados pelas outras sociedades Europeias até o ano de 790 d.C. (até as crescentes invasões nórdicas e onde considera-se o real início da Era Viking), e, consequentemente, os Vikings criaram uma identidade cultural e social bastante diferenciada. Em um exemplo mais do que claro, eles possuíam uma religião politeísta (Mitologia Nórdica), ignorando o monoteísmo Cristão até o período anterior às expansões no continente europeu.

   


          Devido ao fato de que a região escandinava possuía longas costas marítimas, muitas ilhas e diversos estreitos cursos d´água no interior das porções terrestres (sendo que nessas últimas, barreiras naturais como densas florestas e altas montanhas dificultavam o percurso por terra), os Vikings encontraram muitas vantagens em investir nas viagens entre seus assentamentos por meio de embarcações. Isso definiu duas coisas: um extraordinário desenvolvimento na tecnologia de construção de embarcações e na habilidade de velejar; e que a agricultura e criações de animais precisavam ser concentradas nas linhas de costas marítimas.

            Além disso, a localização dos povos Nórdicos durante a Era Viking também definiu a direção em que eles começaram a explorar as áreas fora dos seus territórios de origem. Aqueles presentes na região hoje pertencente à Suécia se voltaram para o leste, aqueles na Noruega se voltaram para o oeste e aqueles na Dinamarca voltaram a atenção para os domínios próximos do Mar do Norte.


   SAGA DO ATLÂNTICO NORTE

          Os Vikings foram os primeiros Europeus a cruzarem o Atlântico, muito antes do tradicionalmente pensado explorador Genovês Cristóvão Colombo no século XV. A colonização do Atlântico Norte pelos Nórdicos teve início durante a primeira metade do século IX d.C., com a migração de estabelecimentos da Noruega e das Ilhas Britânicas para as Ilhas Faroe, procurando novas terras aráveis e áreas propícias para a criação de animais. Seguindo as Ilhas Faroe, a Islândia foi colonizada pelos Vikings ao redor de 870-880 d.C., onde um forte laço comercial e cultural foi formado com a Europa continental. Durante o final do século X d.C., ao redor de 985 d.C. - e em meio a um progressivo processo de Cristianização da cultura Nórdica -, a Groenlândia foi descoberta e colonizada em duas áreas na costa sul-oeste da ilha. Expedições Vikings a partir de fiordes na Groenlândia, levaram à descoberta de terras na parte Leste do Arquipélago Ártico Canadense.



           A Saga dos Groenlandeses e a Saga de Erik, o Vermelho nos dão o nome de três diferentes localizações na América do Norte - Helluland, Markland e Vinland -, as quais têm sido satisfatoriamente identificadas como a Ilha de Baffin, a costa de Labrador e Newfoundland (Terra Nova e Labrador), respectivamente, e todas no Canadá. No entanto, o único local confirmado de estabelecimento Nórdico na América é a região de L’Anse aux Meadows, em Newfoundland. Existe evidência de que L’Anse aux Meadows era acampamento base a partir do qual outras regiões Americanas mais ao sul foram exploradas.

           É bem estabelecido que as ocupações Nórdicas na América do Norte datam próximo do primeiro milênio d.C., mas data mais precisa do início dessa colonização é incerta. Em um estudo publicado na Nature (Ref.75), pesquisadores realizaram uma extensiva datação radiométrica via carbono-14 em 4 itens de madeira associados à cultura e atividades Nórdicas e encontrados na colônia de L’Anse aux Meadows. A datação teve como principal referência uma anomalia solar que ocorreu no ano de 993 d.C., a qual elevou os níveis de raios cósmicos e, subsequentemente, de carbono-14 na atmosfera terrestre, incorporados via fotossíntese pelas plantas. Os resultados das análises mostraram com alto nível de confiança que tais objetos foram cortados das árvores na região no ano de 1021 d.C., ou seja, os Vikings estavam ocupando o Canadá há pelo menos exatos 1000 anos.


   AÇORES E MADEIRA

          Assim como o arquipélago de Madeira, as ilhas de Açores foram oficialmente "descobertas" pelos Portugueses na primeira metade do século XV, precisamente pelo navegador Português Diogo de Silves em 1427, proclamando o território insular de desembarque como Ilha de Santa Maria. Eventualmente, outros exploradores Portugueses revelaram que a ilha reportada por Silves era aquela, no arquipélago de Açores, mais distante de Portugal, a cerca de 1368 quilômetros da costa Portuguesa, com subsequente ocupação das ilhas de Flores e de Corvo em 1452. O interesse de Portugal nas ilhas Açores era parte de um amplo esforço do país em expandir seus território e estabelecer novas rotas comerciais.



          Porém, mais tarde, foi descoberto que a localização do arquipélago já estava presente em mapas Genoveses (pertencente a Gênova, cidade portuária da Itália) desde 1351, derrubando o alegado protagonismo Português.

           Em um estudo recente publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (Ref.72), usando técnicas analíticas biológicas, geológicas e químicas, pesquisadores trouxeram forte evidência de que não foram Portugueses, Espanhóis ou Italianos os primeiros a descobrirem ou colonizarem o arquipélago de Açores. Os resultados das análises indicaram que humanos haviam ocupado as ilhas desse arquipélago - introduzindo animais de criação (grandes mamíferos que não poderiam estar nessas ilhas a não ser com a interferência humana) e perturbando substancialmente o ecossistema da região - cerca de 700 anos antes dos Portugueses, muito provavelmente por exploradores Vikings da Dinamarca.

           Aliás, tal hipótese já havia sido previamente sugerida com base na similaridade genética dos ratos hoje habitantes dos Açores e aqueles do Norte Europeu (Ref.73), e outras evidências arqueológicas indicando ocupação e colonização humana na região entre os anos 700 d.C. e 850 d.C, durante a expansão Viking (exatamente a data estimada pelo novo estudo). Aliás, evidências genéticas de ratos da espécie Mus musculus - roedor muito comumente transportados e introduzidos pelas viagens marítimas Medievais -, indicam também que não só Açores, mas também o arquipélago de Madeira foi primeiro colonizado pelos Vikings (Ref.73).

          Nessa época (700-850 d.C.), as temperaturas estavam mais quentes do que o normal na Europa, e os ventos do oeste estavam mais fracos, facilitando a chegada a esses arquipélagos por exploradores do noroeste da Europa e inibindo exploração pelo sul Europeu.        


    ORIENTAÇÃO NO MAR

          Do século IX ao XI, os Vikings navegavam com grande destreza pelos mares do Atlântico Norte - incluindo viagens para suas colônias na Islândia e na Groenlândia, e assentamentos na América do Norte -, e sendo orientados basicamente pelo Sol. Essas viagens em mar aberto englobavam distâncias de milhares de quilômetros, levando muitas vezes cerca de 3 semanas para serem concluídas com a velocidade média das embarcações Vikings (~11 km/h). E tudo isso, incrivelmente, sem bússola e em condições frequentes de fortes neblinas e céu pesadamente nublado! Como eles realizavam tal feito é questão de debate até hoje, mas há muito tempo acredita-se que lendários cristais conhecidos como 'sunstones' (pedras de sol) são a resposta para o mistério.

          Essas pedras especiais são mencionadas em contos Nórdicos - onde na famosa história de Sigurd da saga do Rei Olaf, o Sagrado, é relatado que uma sunstone permitiu que ele pudesse ver o Sol oculto nos céus - e são relacionadas em inventários de tesouros Vikings. Tais pedras correspondem a cristais de diferentes minerais, especialmente cristais ultrapuros dicroicos de cordierita e turmalina, ou birrefringentes, como a  calcita. A calcita, bem familiar aos Vikings, pode partir um feixe de luz solar para formar duas imagens, com a luz polarizada tomando um caminho ligeiramente diferente do feixe principal. Ao olhar para o céu através desse cristal e então rotacioná-lo para que as duas imagens fiquem com a mesma intensidade de brilho, é possível visualizar os anéis de luz polarizada que cercam o Sol, mesmo com esse último completamente cercado por densas nuvens. Com isso, torna-se possível identificar a localização exata da nossa estrela, mesmo após o pôr-do-sol e antes do nascer do Sol. O efetivo uso das propriedades polarizantes da luz solar como ferramenta de orientação Viking é corroborada por vários pesquisadores e estudos teóricos/práticos (Ref.36-38).



         A única pista concreta para resolver o mistério da navegação Viking é um fragmento de disco marcado de madeira encontrado na Groenlândia em 1948, sob as ruínas de um convento Beneditino em uma antiga colônia Viking, próximo do fjord de Uunartoq. Hipóteses mais aceitas é que tal disco era um 'compasso solar', o qual pode ter sido usado junto com as sunstones para a localização do Norte pelos navegadores.

           Em 2019, um impactante estudo (Ref.40) deu maior força para essa hipótese ao simular 1000 viagens ao longo da latitude 60°21′55″ N iniciadas durante equinócio da primavera, este o qual provavelmente marcava a temporada de viagens em mar aberto, e no solstício de verão, o mais longo dia do ano no norte. Além disso, as simulações variavam a partir de três fatores: a quantidade de cobertura de nuvens (as quais variam ao longo do dia), o tipo de cristal usado como sunstone, e o quão frequentemente os navegadores consultavam esses cristais.

          Os resultados do estudo mostraram que quando os navegadores consultavam a sunstone a cada 4 horas, as embarcações Vikings alcançavam a Groenlândia a partir da Noruega entre 32% e 59% do tempo. Leituras a cada 5 ou 6 horas resultavam em péssimas chances das embarcações alcançarem seu alvo. Mas para navegadores que faziam a leitura da sunstone a cada 3 horas ou menos, as chances das embarcações alcançarem o território almejado era entre 92% e 100% das vezes. Todos os três cristais (calcita, cordierita e turmalina) se saíram bem nas simulações, com o uso da cordierita sendo o melhor e da calcita um pouco pior entre eles.

            Esses resultados dão forte sustentação para o uso das sunstones pelos Vikings como um ajudante essencial de navegação. E o potencial uso de métodos polarimétricos para a navegação reforça ainda mais o avançado estágio de exploração marítima dos Vikings.

           Interessante mencionar que um estudo mais recente publicado no periódico PLOS ONE (Ref.82), analisando parâmetros relevantes de navegação e fatores meteorológicos com o auxílio de simulações computacionais (viagens Vikings ao longo da latitude 60° 21' 55" N da Noruega até a Groenlândia), encontrou que o sucesso Viking no uso da tecnologia polarimétrica não mostrou ser dependente do tipo de sunstone utilizada ou do quão nublado estava o céu. A acuracidade desse método de navegação mostrou ser mais dependente da data de navegação, da periodicidade de navegação e da presença de viagens à noite (quanto mais viagens à noite, mais corretamente o sentido norte era seguido). Nesse último fator, os avanços das embarcações à noite seguiam a última direção medida imediatamente antes do pôr-do-sol; nesse cenário, é possível que erros acumulados ao longo das múltiplas medições polarimétricas realizadas durante o dia fossem compensados ao se seguir um único sentido por longas horas noturnas de navegação (à tarde, já próximo do pôr-do-sol, erros de medição tendem a apontar mais ao norte).

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(1) Apesar das bússolas magnéticas já existirem na China há cerca de 2 mil anos, elas só foram introduzidas na Europa a partir do século XIII, após o fim da Era Viking.
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     SOCIEDADE

            As regiões ocupadas pelos Vikings eram divididas em vários reinos independentes, os quais eram baseados em comunidades onde cada grupo conhecia seu papel e responsabilidades. A estrutura social dessas comunidades eram regidas por uma série de leis, sistema econômico e por um conjunto de crenças e valores.

           A sociedade Viking propriamente dita era composta por três principais classes, em um arranjo piramidal de poder:

1. Jarls: Ocupando o topo da pirâmide, os Jarls eram os líderes e os membros mais ricos da comunidade. Suas fortunas vinham de herança (terras) ou como recompensa em batalhas vencidas. O título ´Konungr´ (Rei) era dado ao jarl que era o chefe de uma comunidade e o seu poder variava dentro dos domínios Vikings: enquanto alguns reis controlavam pequenas ou grandes extensões territoriais, outros governavam mais pessoas do que limites específicos de terra. Mas todos os reis dependiam do suporte dos outros jarls e do resto da comunidade.

2. Karls: Ocupando o meio da pirâmide, encontramos a maioria da comunidade Viking. Os Karls detinham um amplo espectro de riquezas, sendo representados por fazendeiros, mercadores, caçadores, pescadores, construtores de navios, fabricantes de tecidos, ferreiros, entre outras ocupações. Alguns Vikings pertenciam a uma classe especial de guerreiros profissionais, apesar de que a maior parte que participava das invasões era constituída de karls, seja para se aventurarem seja para acumularem riquezas.

3. Thralls: Aqui, na parte inferior da pirâmide, temos os escravos. Possuindo poucos direitos, os thralls não podiam ter terras e eram representados, principalmente, ou por inimigos capturados ou por indivíduos que não conseguiram pagar suas dívidas. Geralmente, os Vikings tratavam bem seus escravos, porém, um thrall que quebrasse alguma regra dentro da comunidade podia ser espancado, mutilado ou mesmo morto. Além disso, um mestre que matava seu escravo por motivos diversos não era punido.


       
          Em relação às crianças, estas não iam para escolas, e, sim, ajudavam em casa e nas atividades de plantio e criação de animais (esses dois últimos no caso dos filhos homens). A história Viking e Nórdica em geral, assim como as leis e a religião, era passada para os mais jovens de forma oral. Aos 12 anos de idade, um menino se tornava oficialmente um homem. As meninas alcançavam o título de mulher na puberdade. A expectativa média de vida era de 40-50 anos durante a Era Viking (considerando também a mortalidade infantil).


   MULHERES VIKINGS

           As mulheres Vikings eram muito independentes, especialmente porque ficavam responsáveis por tudo na propriedade familiar quando seus parceiros saíam em campanhas de invasão ou para comercializar. Atividades nesse período incluíam tomar conta das plantações e criações de animais, supervisionar os escravos, fazer o corte de animais, entre várias outras. Além disso, as mulheres podiam escolher seus maridos, decidir pelo divórcio (recebendo inclusive o suporte da comunidade), lidar com suas finanças, administrar seus campos de cultivo  e até mesmo comprar terras. Toda essa autonomia era algo bastante peculiar quando comparamos com outras sociedades na Europa. De qualquer forma, no geral, é sugerido que o papel da mulher na sociedade Viking, com a presença ou não do marido, era focado na criação dos filhos e na administração da casa e dos bens familiares.

          Aliás, além de administrarem a propriedade familiar e os recursos alimentícios e de renda da casa, as mulheres mantinham a chave do estoque de alimentos da família sempre com elas. Essa chave inclusive passava a integrar o vestuário diário das mulheres Nórdicas, variava em valor/adornos dependendo do status social, e era enterrada junto a elas (algo evidenciado por vários túmulos Escandinavos do primeiro milênio d.C.). Esse simbolismo de gênero reforça que as mulheres eram autônomas nos seus afazeres, chefes do lar e responsáveis por todos os recursos domésticos.
         
           Existe também o duradouro debate sobre a atuação das mulheres Vikings nas guerras. É fato de que, já no início da Idade Média, existiam narrativas em poesias e retratos em artes sobre poderosas mulheres Vikings lutando junto com os homens. Várias Sagas Islandesas do século XIII retratam as mulheres Nórdicas pré-Cristãs como controladoras do seu destino e capazes de grande violência e de feitos heroicos, em especial a saga Laxdoela. Apesar disso, em geral, a atuação de mulheres Vikings nas guerras sempre foi considerada como fruto de um fenômeno Mitológico, fomentado pelo culto às Valquírias. Só que esse pensamento mudou radicalmente com um estudo publicado em 2017 na American Journal of Physical Anthropology (Ref.22).


           Pesquisadores, ao analisarem geneticamente os restos de esqueleto de um indivíduo de 30 anos de idade enterrado em um túmulo de guerreiro bem adornado com artefatos de batalha, em um local da Era Viking na cidade de Birka, Suécia, confirmaram que se tratava de uma mulher (não foi encontrado o cromossomo Y). Antes dessa confirmação, existia dúvidas quanto ao sexo do guerreiro já desde a década de 1970 - onde análises preliminares tinham sugerido o sexo feminino -, sendo controverso, em termos históricos e arqueológicos, a possibilidade de que fosse uma mulher. Além disso, o túmulo mostrava claramente que se tratava de uma oficial de guerra de alta patente, algo antes considerado ainda mais improvável para uma mulher Viking por grande parte do meio acadêmico.


            Apesar de algumas mulheres Vikings já terem sido descobertas enterradas com armas, e estudos fortemente sugerirem que existiam de fato guerreiras na sociedade Vikings (embora em pequeno número) (Ref.23), uma guerreira dessa importância nunca tinha sido antes determinada, fato este o grande motivo para muitos acadêmicos terem sempre sido relutantes em conceberem a atuação de mulheres nas guerras dos povos Nórdicos Medievais.


          Essa descoberta, além de abrir uma nova visão para a sociedade Viking, também chama a atenção para que historiadores e arqueólogos tomem cuidado com generalizações referentes à ordens sociais em sociedades antigas.

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TÚMULO DE BJERRINGøJ

O monte de Bjerringhøj, na vila de Mammen, em Jutland, abriga um dos mais icônicos túmulos Dinamarqueses da Era Viking. O local é particularmente notável pela descoberta de um machado de ferro decorado com um ornamento de prata (imagem abaixo), cuja arte dá nome ao 'estilo Mammen'. A sociedade da Era Viking no século X era caracterizada por uma extrema diversidade nas formas dos túmulos, com claras distinções entre ricos e pobres. Enquanto a maior parte dos túmulos já descobertos não revelam pouco ou nenhum adorno e artefatos, enquanto outras trazem armas, acessórios de montaria e joias, de acordo com o sexo, idade e status social. No caso de Bjerringhøj, temos ali um indivíduo provavelmente de alto status social, pertencente talvez à linhagem real da Dinastia Jelling. Seu túmulo trazia bem preservado tecidos feitos com seda, prata, ouro, valioso material de tingimento, dois machados de ferro, uma vela de 0,57 metro de altura sobre o caixão, duas cestas de madeira, uma panela de prata, entre outros artefatos e acessórios.



           Vestígios ósseos do túmulo foram apenas recentemente redescobertos (Ref.70), após algumas partes (ex.: molar fragmentado) terem sido analisadas em 1872 por F. Schmidt da Universidade de Copenhagen e depois perdidas. Análises modernas sugerem possivelmente um indivíduo adulto do sexo masculino com mais de 30 anos e uma altura estimada de 1,71-178 m.
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    LEIS NÓRDICAS

          Todos na sociedade Viking seguiam estritas leis que guiavam seus comportamentos dentro das comunidades, onde cada uma destas possuía uma assembleia conhecida como ´thing´ (uma espécie de parlamento e corte combinados). Anualmente, todos os Vikings - exceto os escravos e exilados - atendiam a essas assembleias para resolverem problemas e disputas. E como a maior parte dos Vikings não sabiam ler nem escrever até o século XII, suas leis eram transmitidas e consultadas oralmente, existindo até mesmo um indivíduo em específico cuja função era memorizar essas leis e preservá-las para futuras consultas. Dentro das things, esses oradores recitavam em alto e bom som as leis.

          Todos os Vikings respeitavam as leis, já que a honra e reputação de cada indivíduo eram tratadas como algo sagrado (além das punições serem pesadas também). Bem, e além das things, existiam outro meios de resolver disputas, onde podemos citar:

- Feuds: Se um homem era morto, sua família podia se sentir no direito de vingá-lo (sendo que isso podia levar a intermináveis ciclos de vingança).

- Duels: Algumas disputas podiam ser acertadas em duelos. Quem vencia (geralmente quando o primeiro sangue tocava o solo) estava com a razão, já que os Deuses privilegiavam o homem certo.

- Fines: Em disputas, a parte ofensora ou criminosa podia pagar uma multa para compensar seus danos, algo que deveria ser feito em público e na presença de testemunhas.

- Outlaw: Em casos de graves crimes, uma pessoa podia ser exilada, perdendo todos os seus direitos e obrigada a viver em ambiente selvagem, longe da comunidade. Os exilados podiam ser mortos por qualquer um, sem que o ato resultasse em penalidades.


   ATIVIDADES RECREATIVAS

          Obviamente, os Vikings não apenas trabalhavam e lutavam. Significativa parte do tempo era dedicada a atividades de lazer, incluindo jogos com bolas, lutas, levantamento de pedras (competição), esqui (e outros esportes na neve), lutas a cavalo, jogos de mesa, e, principalmente, festividades com muita bebida e fartura de comida. Tudo indica que as mulheres Nórdicas participavam de todas essas atividades, ativamente e sem restrições.       

          As festas eram organizadas para diferentes ocasiões - casamentos, funerais, cerimônias religiosas ou grandes encontros. A maioria dos eventos de festa ocorriam durante o outono e meses de inverno, quando os alimentos (acumulados durante o verão e a primavera) eram mais abundantes e havia menos para se fazer. Durante esses encontros, tanto os homens quanto as mulheres bebiam e comiam, às vezes em excesso. E essas festividades podiam durar dias.

          É interessante também mencionar a hipótese de que os Nórdicos durante a Era Viking tiveram papel direto para o remodelamento do xadrez como hoje o conhecemos (Ref.54). O termo Nórdico tefla - derivativo de tafl (jogo de mesa) - significava 'jogar jogo de mesa', mas também pode se referir a 'xadrez' em um sentido mais específico. Os jogos de mesa já eram jogados pelos Nórdicos já antes de 400 d.C.

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      ECONOMIA

             No início da Era Viking, a economia era baseada principalmente na agricultura. Porém, à medida que as sociedades começaram a crescer mais e mais, as terras começaram a ficar cada vez mais disputadas, fazendo com que as atividades relacionadas ao plantio e criação de animais não mais suportassem todos. Assim, surgiram mercadores que viajaram pelos mares e rios, negociando sapatos e bolsas de couro, peixes defumados, âmbar cinza (Perfume vomitado por baleias!), peles, esculturas cravadas em ossos (baleias e morsas), jóias e escravos. Essas mercadorias eram trocadas por bens de valores diversos, como trigo, ferro, vinho, especiarias, sedas, armas e artefatos de vidro.

Três moedas de prata Vikings datando do início do século IX, encontradas na Suécia e possivelmente feitas em Hedeby, na Dinamarca; repare que duas delas mostram figuras de barcos longos Vikings

            No começo, o comércio era feito no sistema de escambo, ou seja, na troca de produtos de valores similares. Mais tarde, as moedas entraram como meio de compra, sendo que evidências arqueológicas mais recentes indicam que o comércio Viking com moedas se estendeu a regiões tão distantes quanto a Rússia e o centro Asiático. Aliás, em 2015, foram descobertos fragmentos de tecidos e até mesmo um anel com caracteres do Islã - incluindo a palavra Allah (Deus) gravada - dentro de túmulos Vikings dos séculos IX-X, mostrando claramente o grande contato entre os muçulmanos com os povos escandinavos nessa época.


          À medida que as explorações marítimas promovidas pelos Vikings foram se intensificando ao longo do século IX, o comércio interno e externo foi crescendo exponencialmente entre os povos Nórdicos, alcançando uma complexa rede internacional de negociações de mercadoria envolvendo grande parte da Europa. Acompanhando essa robusta ascensão comercial e desenvolvimento civilizatório, ao longo dos séculos VI e X, a população na Escandinávia aumentou de um total de ~750 mil habitantes para algo em torno de 1 milhão. Esse crescimento populacional só não foi mais notável devido à relativamente baixa expectativa de vida na sociedade Nórdica da Era Viking, em torno de 30 anos.

          Usando datação via radiocarbono - calibrada com variações da atividade solar (associadas com rápidas mudanças nas concentrações de carbono-14 atmosférico) - pesquisadores em um estudo publicado em 2021 na Nature (Ref.81) conseguiram ligar artefatos comercializados na cidade Dinamarquesa de Ribe - um dos principais centros Nórdicos de comércio na Era Viking - oriundos de várias regiões do mundo, desde a região Ártica Norueguesa até o Oriente Médio -, ao início da Era Viking em torno de 790 d.C. Isso sugere que o comércio de longa distância ligando o Norte Europeu a regiões tão distantes quanto o Sudeste Asiático e a África já estava estabelecido bem antes da expansão marítima Viking.

> Sobre a expansão dos Vikings no Leste Europeu, acesse: Qual é a relação entre Vikings, Rússia e Kiev? 


   MARFIM     

          Até pouco tempo atrás, acreditava-se que os Vikings inicialmente colonizaram a Groenlândia no século X na busca do marfim nos dentes caninos das morsas-do-Atlântico (Odobenus rosmarus rosmarus) para comercializarem na Europa (o marfim era muito valioso no mercado Medieval Europeu, o qual baseava objetos de artesanato muito apreciados pela elite - infelizmente, até hoje continua muito valioso (Marfim e o massacre dos elefantes). Porém, um estudo publicado em 2018 na Proceedings of the Royal Society B (Ref.41) revelou uma história diferente.

          Analisando o DNA associado a 23 artefatos de marfim datando dos anos 600 até 1100 d.C, os pesquisadores mostraram que entre 7 deles que datavam do ano anterior a 1120, apenas 1 tinha origem do marfim de morsas localizadas no oeste da Groenlândia, onde os Vikings se estabeleceram. Já em 12 artefatos datando entre os anos de 1120 e 1400, 10 deles tinham origem das morsas no oeste. Isso implica que no primeiro século de colonização dos Vikings na Groenlândia (~980-1100 d.C.) não houve esforços comerciais de exportação dos dentes caninos de morsas. Porém, nos próximos 280 anos, os Vikings passaram a dominar o comércio de marfim no mercado Europeu (muito provavelmente os fornecedores exclusivos de marfim oriundo de morsas), especialmente em um período marcado pela escassez de presas de elefantes.


     
          Os resultados desse estudo também sugerem que as primeiras colônias Vikings na Groenlândia foram formadas por habitantes Nórdicos procurando por terra para o plantio e/ou mesmo de exilados da região Escandinava. Já as causas do eventual fim das colônias Nórdicas na Groenlândia e colapso do comércio de presas de morsas no século XV são ainda incertas, mas a baixa demanda do mercado Europeu pelo marfim devido a fatores diversos e mudanças climáticas podem ser explicações. Entre os fatores associados à demanda, podemos citar a Peste Negra (1346-1353), a qual assolou o continente Europeu. Já no caso das mudanças climáticas - as quais podem ter tornado a Groenlândia menos convidativa (!) - temos o impacto da Pequena Era do Gelo (1) durante o período Medieval na Europa.



  • (1) Estima-se que a população Nórdica na Groenlândia alcançou um pico de 2 mil pessoas, dependentes primariamente da criação de animais (gado e ovinos). É ainda muito debatido o porquê dos Nórdicos terem abandonado a Groenlândia no início do século XV. Evidências mais recentes sugerem um prolongado período de seca como principal causa. Para mais informações, acesse: A Groenlândia na Era Viking não tinha gelo?
  • (2) Para mais informações, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade
         
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> Aliás, via análises genômicas, geográficas e de datação com carbono-14, cientistas da Islândia, Dinamarca e Holanda encontraram que a chegada e estabelecimento dos Vikings na Islândia (870-1262 d.C.) coincide com a extinção das morsas (Odobenus rosmarus) nessa região. O achado foi detalhado em um estudo publicado no periódico Molecular Biology and Evolution (Ref.64). Isso reforça a grande escala de caça comercial (pele, carne, gordura e marfim) e das redes comerciais na Era Viking, suficientes para causar impactos ecológicos irreversíveis no ambiente marinho.
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   ALCATRÃO

          Outro importante produto comercial para os Vikings era o alcatrão, uma fração pesada da destilação do carvão vegetal ou mineral composta de inúmeros compostos orgânicos, especialmente hidrocarbonetos aromáticos. O uso dessa complexa mistura orgânica e de outras substâncias resinosas datam da pré-história Escandinávia - Mesolítico em diante (8000-4000 a.C.) -, e até não muito recentemente os cientistas não sabiam como os povos Nórdicos a faziam. Porém, escavações no leste da Suécia revelaram o segredo. O alcatrão era produzido por estruturas afuniladas rochosas, as quais foram aperfeiçoadas e a produção melhor organizada ao longo do século VIII, levando a uma manufatura de larga-escala dentro das florestas. Dentro das estruturas afuniladas, madeira era aquecida a altas temperaturas em um ambiente contendo baixa concentração de oxigênio. Vários tipos de madeira podem ser utilizadas, mas na Escandinávia a preferida era aquela obtida do pinheiro.

          O alcatrão têm sido utilizado ao longo da história para vários propósitos, incluindo no processamento de couro, lubrificação, proteção contra corrosão, tempero e tratamentos médicos. Mas o uso mais comum, de longe, é pra o tratamento, a proteção e o selamento de construções de madeira.



          As atividades marítimas da Era Viking provavelmente aumentaram sem precedentes a demanda por alcatrão, a qual se tornou uma importante mercadoria. Aliás, segundo um estudo recentemente publicado na Antiquity (Ref.42), a transição para uma intensiva manufatura de alcatrão implicou em novos métodos de organizar a produção, trabalho, manejo florestal e transporte, os quais influenciaram a estrutura da sociedade Escandinava e conectou as terras florestais com o mundo econômico durante a expansão Viking.

          Com o início pesado das explorações marítimas pelos Vikings, a construção das covas de alcatrão passou a se dar mais próximas das florestas, ou seja, mais próxima da matéria-prima, de forma a viabilizar uma grande produção. Novas técnicas de construção de embarcações, a introdução das velas e as expedições de longa distância ao longo do Báltico colocaram uma enorme pressão para a obtenção de alcatrão em grande quantidade e de alta qualidade. Pesquisadores estimam que para a construção de uma típica embarcação Viking de grande porte, aproximadamente 500 litros de alcatrão eram necessários, o que equivale a cerca de 18 m3 de madeira e cerca de 1600 horas de trabalho. Frotas Vikings mencionadas na literatura histórica às vezes incluíam centenas dessas embarcações.

          As velas de lã pareciam ser preferidas pelos Vikings, por fornecerem mais elasticidade durante fortes ventos. Porém, velas de lã são muito permeáveis, necessitando de um tratamento com misturas hidrofóbicas para sua conservação e uso em alto-mar. Para isso, misturas contendo gordura, graxa e alcatrão (ou outras substâncias resinosas, como ocre) eram utilizadas. Em grandes embarcações padrões da Era Viking, a área das velas para ser coberta geralmente era em torno de 100 m2. Considerando frotas de embarcações Noruegueses-Dinamarqueses da Era Viking Superior, a área total a ser coberta chegava a aproximadamente 1 milhão de metros quadrados, implicando a necessidade de uma quantidade mais do que substancial de alcatrão, mesmo este produto estando em pequenas porcentagens na mistura hidrofóbica.

          Aproveitando a alta produção de alcatrão, novos métodos de refinamento, e a crescente cultura marítima, diversas evidências arqueológicas mostram que os Vikings aproveitaram para comercializar em larga escala o produto refinado dentro Escandinávia. O alcatrão era transportado por rios para pequenos mercados na costa Báltica e, daqui, para entrepostos comerciais.


   BALEIAS E ATUM

          Os mais antigos registros da atividade baleeira - e provavelmente pesqueira - dos Escandinavos vêm do viajante e comerciante Óttarr/Ohthere, no século IX, um parceiro do Rei Alfredo, o Grande, bastante conhecido na corte Inglesa daquela época. Originário de Hålogaland, no Norte da Noruega, Ohthere acumulou grandes fortunas do mar, especialmente através da caça de baleias e morsas. Relatos de Ohthere, além de mencionarem carregamentos de presas de morsas como presentes ao Rei Alfredo, também reportam seu suposto conto ao rei sobre a caça de mais de 60 baleias medindo de 20 a 30 metros com seus amigos em apenas dois dias. Isso sugere que o comércio de recursos naturais do mar pelos Vikings era intenso nas regiões Nórdicas. Aliás, um estudo recente (Ref.43) trouxe fortes evidências de que a exploração baleeira pelos Escandinavos já seguia uma tradição de períodos pré-medievais, desde o século VI, nas áreas costeiras.

         Hoje um comércio muito importante para a região do Norte Europeu, a pesca de atum parece também ter tido papel essencial durante a Era Viking. Um estudo de 2017, publicado na PNAS (Ref.44), determinou a origem biológica - via análises genômicas - de 15 espécimes de atum-do-Atlântico (Gadus morhua) do período de 800-1280 e escavados em regiões da Alemanha, Noruega e Reino Unido. Os peixes da Era Viking (800-1066) estavam sendo pescados pelos Nórdicos no Oceano Atlântico do Norte e parte deles eram direcionados para o sustento de um comércio internacional dessa rica fonte proteica. Aliás, amostras desses espécimes foram coletadas de Haithabu, na Alemanha, um importante ponto comercial governado pelo Rei dos Dinamarqueses, onde Pagãos e Cristãos se encontravam e trocavam experiências.



   PELES DE ANIMAIS

          Curioso mencionar que pele de castor era um símbolo de riqueza e também um importante item de comércio na Dinamarca do século X, algo corroborado por recentes evidências arqueológicas (Ref.83). Registros históricos escritos suportam que pele de animais selvagens em geral era uma importante mercadoria na Era Viking. Em particular, roupas produzidas com peles exóticas provavelmente eram vestimentas de luxo e usadas exclusivamente pela elite, como roupas de grife hoje. Castores, por exemplo, não eram nativos da Dinamarca, e, portanto, estavam sendo adquiridos através de importação comercial - reforçando o apelo de consumo relativo à pele desses animais. 


   CONFIANÇA E COMÉRCIO

           Existe a hipótese de que o alto nível de confiança social visto nos países da Escandinávia - pesquisas internacionais mostram que as populações Nórdicas são as mais confiáveis do mundo por uma larga margem de diferença em relação à média mundial - têm raízes nas práticas comerciais da Era Viking (Ref.65). Isso porque enquanto que alguns indivíduos na sociedade Viking sabiam ler e escrever curtas mensagens via o alfabeto rúnico (Futhark), a maioria absoluta dos Nórdicos na Era Viking eram analfabetos e só se comunicavam oralmente. Nesse sentido, em meio ao extensivo comércio a longa distância realizado pelos Vikings (!), os acordos eram geralmente reforçados oralmente, na base da confiança, já que documentos escritos não eram usados nas atividades diárias. Os Judeus Maghibi também comercializavam de forma segura a longas distâncias nessa época, porém, usavam cartas formalmente escritas entre sinagogas nas cidades mercantes, e portanto espalhando informações sobre comportamentos desonestos de forma efetiva e robusta, e, consequentemente, facilitando a punição de mercadores que não mantinham a palavra. Os Vikings eram provavelmente os únicos Europeus nesse período que faziam negócios a longas distâncias fora de redes étnicas fechadas e dentro de uma cultura oral.

         Aliás, o dizer 'uma palavra é uma palavra' permanece em frequente uso nas atuais linguagens Nórdicas, indicando que se um indivíduo quebra sua palavra ele não mais se qualifica para ser tratado como um igual. O conteúdo semântico do termo (em Dinamarquês Et ord er et ord, em Sueco Ett ord är ett ord, em Islandês Orð er orð, em Faroese Orð eru orð, e em Finlandês Sana on sana) pode ser traçado muito longe na história Nórdica. O seu significado foi firmemente embebido em uma cultura de confiança e honra que foi provavelmente bastante eficiente em disciplinar as pessoas a manterem suas promessas, ou seja, serem confiáveis. Nesse sentido, a expressão pode ser encontrada no Nórdico Antigo como Orð skulu standa, o que significa "Palavras devem ser honradas".

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(!) Apesar dos Vikings serem retratados sempre como guerreiros e promovedores de saques, esses navegadores Nórdicos já tinham parado em grande extensão com o investimento em pilhagens no final do século IX, devido ao crescente número de competidores e defensores mais bem preparados para resistirem aos ataques, especialmente com o falho cerco de Paris em 885-886 d.C. por um exército Viking Dinamarquês. Nesse ponto, eles passaram a voltar o foco para o comércio marítimo e a longa distância, intensificando drasticamente essa atividade ao longo do século X e XI. Isso não significa, porém, que as invasões pararam, especialmente aquelas nas ilhas Britânicas e na Irlanda, na busca por mais territórios próximos da Escandinávia.
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       CULTURA

              Além de serem exímios construtores de embarcações, os Vikings possuíam músicos, poetas e artesãos de alta qualidade, com esses últimos produzindo belas joias de ouro e prata, além de fascinantes objetos de decoração diversos, os quais geralmente carregavam símbolos da sua religião e mitologia.



             Praticamente todos os Vikings, até o final do século IX, adoravam vários deuses, estes os quais eram tidos como responsáveis por diferentes dinâmicas e aspectos do cotidiano. Existiam deuses para as colheitas, amor, família, fertilidade e para a guerra, e acredita-se que era costume oferecer oferendas a essas divindades que incluíam sacrifícios animais e humanos. As histórias tradicionais sobre esses deuses, gigantes e monstros são conhecidas como a Mitologia Nórdica (ou Viking). Existem evidências de que os Deuses Nórdicos eram adorados ainda na Idade do Ferro, no mínimo 300 anos antes do começo do período Viking. Acredita-se que a inspiração para esses Deuses veio da região do Mediterrâneo, já que existem várias similaridades entre eles e os Deuses Romanos (panteão Olímpico Clássico).

          A maior parte do que nós sabemos sobre a Mitologia Nórdica anterior à chegada do Cristianismo vem de duas coleções Islandesas de histórias pré-Cristãs e contos chamadas de Edda. Apesar de desconhecidos os autores originais, o responsável pela coleta e união das histórias foi Snorri Sturloson, um líder Cristão da Islândia com alto nível de educação e com grande interesse em poesia e história. Sturloson sistematicamente coletou contos dos Deuses pré-Cristãos e pedaços de complexas poesias da Era Viking que eram oralmente transmitidos e os quais formaram o modelo para as poesias medievais da Islândia. Essas narrativas orais geralmente eram realizadas por skálds (poetas) via performances públicas, e possuíam uma complexa linguagem especializada e estrutura de versos (o que dá mais credibilidade para as transcrições dessas poesias, já que se tornam difíceis de serem alteradas).

Odin, o Deus da Morte, Guerra e Sabedoria
             A casa dos Deuses Nórdicos era Asgard, a qual era repleta de salões e palácios. O mais esplêndido salão era Valhalla, onde ficavam os bravos e habilidosos guerreiros. Esses respeitáveis guerreiros eram trazidos para Asgard pelas Valquírias, as quais eram lindas mulheres guerreiras que cavalgavam cavalos voadores. As famosas Auroras Boreais (resultantes da interação do campo magnético da Terra com os ventos solares, produzindo coloridos rastros luminosos no céu) eram vistas pelos Vikings como um sinal de que as Valquírias estavam cavalgando pelos céus. Em Valhalla, os guerreiros treinavam para o Ragnarok, a batalha final que iria destruir o Cosmo. De dia, esses guerreiros lutavam e treinavam entre si, destruindo seus corpos com os golpes de machados e espadas. À noite, seus corpos eram curados e eles bebiam e festejavam com Odin (o chefe dos Deuses e, junto com os seus dois irmãos, criador dos nove mundos no Universo).




         Além do Mjölnir, diversos outros símbolos religiosos marcaram a Era Viking, especialmente os símbolos solares, como o Trefot (triskeilion), o Fylfot (Suástica), a Espiral, e o Valknut (Nó dos Mortos). Desde o Neolítico e a Idade do Bronze até a Idade Média, os símbolos solares eram bastante presentes e diversificados no mundo Germânico e na Escandinávia, e estavam relacionados com à sazonalidade da vida e as divindades do Céu. Na Era Viking, os simbolismos solares foram transmutados nos cultos aos Deuses Týr, Odin e Thor.



Esse pequeno disco de ouro descoberto na cidade Dinamarquesa de Vindelev data do início do século V d.C., e traz a mais antiga menção conhecida de Odin, o Deus Nórdico da Guerra e dos Mortos. O artefato possui 5 cm de extensão e traz inscrições em linguagem proto-Nórdica. Descoberto em 2021, apenas recentemente pesquisadores conseguiram decifrar as inscrições, as quais em parte trazem escrito "Ele é homem de Odin" (Ref.85). A figura no disco faz referência a um homem de nome "Jaga" ou "Jagaz", provavelmente um rei ou governador local. Ou seja, um governante de descendência divina, abençoado por Odin. A ancestralidade divina é reforçada pela 'suástica', representando o sol, e provavelmente a figura de uma lua em frente ao rosto.

          E provavelmente espelhando o papel mais ativo das mulheres Nórdicas nas guerras, o panteão Nórdico englobava poderosas Deusas associadas a batalhas e à morte, assim como trolls e gigantes fêmeas. Freyja era a Deusa da morte, fertilidade, amor e guerra. A Deusa Hel era responsável por levar punição e dor àqueles que se mal-comportavam. E, como já mencionado, quando as pessoas morriam heroicamente - geralmente guerreiros - elas iam para Valhalla, e se essa morte ocorria em campo de batalha, eram as guerreiras Valquírias que coletavam a alma dos guerreiros e as encaminhavam para perto de Odin. Trolls fêmeas incorporavam temidos personagens, às vezes encorpando forças naturais, como inundações e deslizamentos de terra. 

         E além das figuras Divinas femininas, é bem estabelecido no contexto da Era Viking o papel das mulheres como especialistas em rituais, na forma de uma Volva ou profetiza. As Volvas carregavam cajados mágicos (a palavra Nórdica völva significa literalmente 'carregador de cajado') e eram geralmente temidas e consideradas perigosas por causa das suas ligações sobrenaturais. Evidências arqueológicas sugerem que as Volvas eram muito honradas e respeitadas.

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FUNERAL DE UM LÍDER VIKING

A mais detalhada descrição do ritual funerário de um líder Nórdico da Era Viking, e aceito como representativo e fidedigno pelos acadêmicos, faz referência ao relato histórico (Risala) de Ibn Fadlan, considerado o único registro de uma testemunha ocular de tal evento. Na narração de Fadlan , este detalha rituais e festividades com duração de 10 dias levando à cremação final e enterro de um líder do grupo Nórdico Rus. O homem morto foi primeiro colocado em um túmulo temporário enquanto os preparativos necessários para seu enterro definitivo era feitos. Novas roupas foram feitas para ele, bebida alcoólica é preparada e um dos seus escravos se voluntariava para morrer com ele. Esse mesmo escravo desfrutava uma elevada posição para a duração das subsequentes preparações funerárias. Em seguida, um barco era trazido à terra para servir como um recipiente funerário, e ao final dos 10 dias de comemorações, o líder era exumado e seu corpo trazido a bordo do barco.



Com o corpo sobre as águas marinhas, extensivos sacrifícios eram feitos, pertences materiais para o túmulo eram apresentados, e o escravo voluntário era ritualmente morto antes do barco ser queimado e um monte levantado (em terra firme) sobre as cinzas resultantes. No contexto do ritual, é ainda debatido no meio acadêmico se o sacrifício do escravo é realmente voluntário (ativamente engajado) ou se o indivíduo é uma vítima (passivamente engajado) do evento (Ref.71). Além disso, é incerto se Fadlan era Nórdico ou um estrangeiro e o nível de viés em certas passagens do relato.

> Anjo da Morte: No relato de Fadlan é descrita a 'sinistra' figura de uma mulher que liderava os ritos associados ao enterro do líder e ao sacrífico da escrava. No caso do sacrifício, encorajava a jovem mulher voluntária a consumir uma bebida até a embriaguez, atrapalhando seus pensamentos, e a blindando mentalmente dos seus momentos finais. Com uma idade avançada, corpulenta e de aparência 'feia', o Anjo da Morte literalmente leva a jovem escrava à morte, direcionando os papéis dos homens que participam da morte e espalhando o sangue da sacrificada. O Anjo da Morte segura a adaga e a crava repetidas vezes entre as costelas da jovem escrava. Esse ato, à primeira vista muito violento, pode ser interpretado como uma forma de aproximar o sacrifício à 'morte por combate', algo talvez necessário para a jovem escrava entrar junto ao seu mestre em Valhalla. É incerto se o Anjo da Morte representava uma Volva.
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         Em torno do ano de 1000 d.C., os Vikings começaram a se acomodar em várias das regiões onde tinham invadido, e a maior parte deles começaram a parar de adorar os Deuses Nórdicos e passaram a adotar o Cristianismo. O abandono da religião pagã foi um processo que ocorreu de modo diferente entre os reinos escandinavos e a Islândia: na Noruega, na Suécia e na Dinamarca, ao contrário da Islândia - onde a conversão ocorreu de forma pacífica, permitindo o culto doméstico aos deuses pagãos no início sem punição -, esse processo foi imposto por seus respectivos monarcas, alguns dos quais usaram de violência para tal. Quem teve grande papel de importância na conversão dos Vikings para o Cristianismo foi o Rei da Noruega Olaf Tryggvason (Olavo I da Noruega), entre os anos de 995 e 1000, usando métodos brutais de conversão em muitos casos - destruindo templos pagãos e matando aqueles que resistiam. Aliás, Leif Erikson foi um dos convertidos por Olaf. No geral, esses processos de conversão originaram-se principalmente de considerações políticas, não apenas religiosas.
          Na Dinamarca, várias tentativas de Cristianização ocorreram entre os séculos VIII e X, mas foram amplamente fracassadas. Isso mudou com a ascensão de Haroldo I (Dente-Azul), o qual permitiu que bispos Germânicos orassem no território Dinamarquês, o que levou gradualmente à aceitação e à disseminação do Cristianismo no país. O próprio Rei Haroldo foi convertido em torno de 965.

     CONVERSÃO DA ISLÂNDIA

           De acordo com um recente estudo publicado no periódico Climate Change (Ref.35), as memórias transmitidas da maior erupção vulcânica ocorrida na Islândia - logo após a ocupação da região pelos Nórdicos e Celtas - foram usadas via um poema apocalíptico para favorecer a conversão da ilha para o Cristianismo entre os séculos X e XI.

          Com a ajuda de análises do núcleo de grandes camadas de gelo e dos anéis de árvores antigas, pesquisadores da Universidade de Cambridge, Reino Unido, e da Universidade de Genebra, Suíça, conseguiram datar com grande exatidão e confiabilidade a massiva erupção do vulcão Katla conhecida como 'Eldgjá' (na verdade, um gigantesco fluxo de lava, um tipo raro e prolongado de erupção vulcânica na qual uma enorme quantidade de lava engole a paisagem e é acompanhado por um nevoeiro de gases sulfurosos): início no verão de 939 até, no mínimo, o outono de 940. Com isso, os pesquisadores encontraram que o mais celebrado poema Voluspá do período medieval da Islândia - o qual descreve o fim dos deuses pagãos e a chegada de um novo e único deus - faz menção em detalhes da erupção e usa suas memórias para estimular o enraizamento do Cristianismo da ilha


          O mais massivo fluxo de lava do Eldgjá ('garganta de fogo') ocorreu ao longo de uma fissura de 75 km de extensão associada ao vulcão Katla - o qual encontra-se sob a capa de gelo Mýrdalsjökull - e afetou profundamente a parte sul da Islândia dentro de um século de ocupação da ilha pelos Vikings e pelos Celtas ao redor do ano de 874. Estima-se que 19,6 quilômetros cúbicos de lava foram derramados, algo suficiente para cobrir toda a Inglaterra até o tornozelo.

         As consequências dessa grande erupção está relatada em vários textos antigos, e são corroboradas pelas análises dos núcleos de gelo e anéis de árvores antigas. Primeiro, um nevoeiro de partículas sulfurosas se espalhou ao longo da Europa, tornando a visão do Sol mais avermelhada e enfraquecida de acordo com descrições em crônicas Irlandesas, Germânicas e Italianas do mesmo período. O segundo efeito, de maior impacto, foi a mudança climática disparada pela erupção, com a enorme camada de partículas lançadas na atmosfera diminuindo a quantidade de luz solar alcançando a superfície e levando a um significativo resfriamento em diversas partes do mundo, trazendo as mais baixas temperaturas registradas nos últimos 1500 anos. Em 940, as temperaturas no verão caíram uma média de 2°C na Europa Central, na Escandinávia, em partes do Canadá, Alasca e Ásia Central.

         De acordo com as crônicas medievais, as pessoas sofreram muito após a atividade colossal do Eldgjá. Do Norte da Europa até o Norte da China, pessoas experienciaram longos e duros invernos, e grandes secas no verão-primavera. Doenças e grandes mortalidades nos rebanhos se espalharam rapidamente, e a fome era vista em várias regiões, deflagrando grandes taxas de mortalidade humana em partes da Alemanha, Iraque e China. Na Islândia, os impactos devem ter sido mais do que severos, e o celebrado poema medieval Voluspá ('A profecia da profeta') parece dar a impressão dos efeitos da erupção na ilha, retratando os efeitos climáticos associados.


        O texto na Voluspá, o qual deve ter sido escrito em torno do ano de 961, prediz o fim dos deuses pagãos e a vinda de um novo e singular deus; em outras palavras, a conversão da Islândia para o Cristianismo, este o qual fincou de vez sua raiz na região na virada do século XI (kristnitaka) - a partir, provavelmente, de uma parte da população Celta já Cristã desde o início de ocupação da ilha. Nele, é descrito como o deus pagão Odin traz de volta à vida uma profeta, a qual manifesta a visão de que o panteão dos antigos deuses estava chegando ao fim, um momento que seria marcado por uma série de eventos, incluindo um onde o Sol seria engolido por um monstruoso lobo.




         Nesse sentido, essa imagem apocalíptica trazida pelo poema vem para marcar o furioso fim do mundo dos antigos deuses, usando as memórias do evento vulcânico para assustar as pessoas e facilitar a aceitação das novas mudanças culturais e religiosas sendo impostas.

         Aliás, na saga Kristni ('a história da conversão'), escrita no século XIII, um dos eventos chaves para esse processo foi a chegada repentina de um homem reportando que a lava de uma erupção vulcânica estava ameaçando a terra de um dos líderes da ilha, Þóroddr of Ölfus, o qual estava evidentemente no lado Cristão. Quando os pagãos afirmaram que isso era uma resposta de descontentamento dos deuses, um outro poderoso líder apontou para a dramática paisagem de Pngvellir no lado pagão e perguntou: "Do que os deuses estavam furiosos quando a lava na qual estamos apoiado aqui e agora estava queimando?". Isso indica claramente que os eventos de conversão ocorreram com a ajuda das erupções vulcânicas na Islândia, com os 'fogos' vulcânicos possivelmente sendo associados com as torturas do Inferno no Cristianismo.

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   RUNAS NÓRDICAS

          Antes da chegada e o estabelecimento do Cristianismo, os Escandinavos registravam suas informações usando um conjunto de letras chamadas de runas, representando o alfabeto rúnico de futhark (termo que no Antigo Nórdico significa 'texto, letra, ou inscrição'). Runas não eram idealizadas para serem escritas, e, sim, eram gravadas/entalhadas em madeira, metal, ossos ou pedra. Nesse sentido, runas são encontradas desde em armas até braceletes, e, nos países Nórdicos e na Inglaterra, as runas podem ser encontradas também em monumentos memoriais de pedra, marcando normalmente pessoas proeminentes - frequentemente homens - e eram erguidas pelos membros familiares. Os memoriais em homenagem àqueles que morriam em explorações longínquas representam cerca de 10% das pedras rúnicas.

          Representando o mais antigo sistema de escrita dos Nórdicos, o alfabeto rúnico era usado principalmente pelos Escandinavos, mas também foi usado em outras partes da Europa. As mais antigas inscrições rúnicas apareceram no primeiro século d.C., mas a real origem do alfabeto rúnico não é conhecida. Acredita-se que tenha emergido primeiro como um método Germânico de escrita baseado nos alfabetos Mediterrâneos (influenciado pelo alfabeto Latino).

          Como realizar o trabalho de gravura das runas geralmente consumia bastante tempo - e poucos eram alfabetizados para essa tarefa -, a quantidade de informações rúnicas limitava-se a pequenos textos. E enquanto existem milhares de exemplos de runas da Era Viking, tanto na Escandinávia quanto em áreas exploradas pelos Vikings, muitas estão mal preservadas, já que eram frequentemente feitas em materiais perecíveis, como madeira.


          As runas informavam desde o nome de pessoas que integravam as expedições Vikings até breves descrições de eventos de guerra na Europa Ocidental, e são ordenadas de acordo com três períodos:

- Runas do Antigo Rúnico, as quais empregavam o antigo futhark, também conhecido como o futhark de 24 caracteres, e que foram usadas entre 150 e 650 d.C. São caracterizadas por linhas retas e letras realçadas, com as inscrições sendo gravadas primariamente em madeira.

- Runas da Era Viking, as quais empregavam o futhark moderno, também conhecido como o futhark de 16 caracteres, e que foram usadas entre 725 e 1075 d.C. São caracterizadas por elementos com linhas mais curvas, e passaram a ser gravadas primariamente em pedras (o que permitia a inserção de mais detalhes e designs).

- Runas Medievais, as quais representavam um futhark moderno expandido, e que foram usadas entre 1100 e 1400 d.C.

          No começo da Era Viking, o alfabeto rúnico foi reduzido de 24 para 16 caracteres, para ser novamente estendido no período Medieval para que os caracteres correspondessem melhor com os sons da fala. Nos séculos X e XI, quando o Cristianismo foi introduzido na Escandinávia, houve um aumento de contato com o resto da Europa, e o poder foi centralizado. O sistema de escrita baseado no Latim foi também introduzido nesse processo e gradualmente substituiu as runas. No entanto, as runas continuaram a ser usadas até o século XV, especialmente para mensagens curtas do dia-a-dia.




          Durante as guerras de influências entre as religiões pagãs e Cristãs nos reinos Nórdicos, inscrições rúnicas eram frequentemente usadas por ambos os lados para reforçarem ou acusarem a presença de uma ou outra religião em um dado território.

          A maioria das inscrições rúnicas do período Viking são encontradas na Suécia e datam do século XI. As mais antigas pedras gravadas com runas no território Norueguês datam do século IV d.C. No entanto, é importante reforçar que inscrições rúnicas associadas ou não aos Vikings podem ser encontradas desde o Norte da Europa até o Oriente Próximo, especialmente no território Germânico. Durante as invasões Vikings, a tradição das inscrições rúnicas foram levadas para diversos territórios ao longo da Eurásia.


   PEDRA RÚNICA RÖK

          A pedra rúnica Rök é o mais famoso monumento rúnico da Era Viking, o qual foi erguido em torno de 800 d.C. em um próspero distrito agrícola na região hoje correspondente à região central da Suécia. Construído por Varinn como um memorial para seu filho Vāmōðʀ, suas mais de 700 runas e outros caracteres estão ainda claramente legíveis - com exceção de uma linha danificada -, os quais cobrem todos os 5 lados visíveis do granito de 5 toneladas e com comprimento de 2,5 metros. No entanto, mesmo após um século e meio de análises, acadêmicos ainda não entraram em consenso sobre o que exatamente suas inscrições abordam (existem até o momento 16 soluções). O principal motivo para essas divergências residem no fato de que existem diferentes sistemas ortográficos que foram usados para a feitura dessa pedra rúnica.



          Na mais recente e robusta análise desse monumento, pesquisadores argumentam que as inscrições fazem referência ao tão repercutido Ragnarök, o famoso Apocalipse Nórdico, o qual ganhou forma com os eventos climáticos que atingiram a Europa a partir do ano de 536 d.C. (1). Nesse ano, um misterioso nevoeiro tomou conta da Europa, Oriente Médio e de outras partes do continente Asiático, levando escuridão dia e noite para essas regiões, por 18 meses contínuos (com início no mês de março). No leste da Sibéria e no norte da Suécia, as temperaturas médias no verão chegaram a cair 3-4°C. Tais eventos estão ligados a grandes erupções vulcânicas, e levaram a um declínio populacional na península Escandinava em 50% ou mais.

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(1) Para mais informações, acesse: 536 d.C.: O pior ano para se estar vivo

          Reportada no periódico Futhark: International Journal of Runic Studies (Ref.66), a nova interpretação foi baseada em antigos textos Escandinavos, primariamente dois poemas Édicos: a disputa por sabedoria em Vafþrúðnismál e a visão apocalíptica da profeta em Vǫluspá, e a dois poemas escáldicos no estilo Édico, o anônimo Eiríksmál e o Hákonarmál (Eyvindr skáldaspillir Finnsson), os quais lidam com a morte do Rei Eiríkr Bloodaxe e o Rei Hákon o Bom, respectivamente. Os pesquisadores não defenderam que esses antigos poemas eram conhecidos em 800 d.C., mas que a mitologia e a ideologia baseando-os sim.

           Segundo os autores, as passagens rúnicas fazem clara referência à catástrofe climática associada ao Ragnarök, possuindo paralelos com os textos mencionados do Nórdico Antigo. Uma batalha entre a luz e a escuridão, quente e frio, vida e morte. As inscrições consistiriam de nove charadas, e a resposta para cinco delas é "o Sol". Uma charada pergunta quem era morto mas que agora vive de novo. As charadas restantes são sobre Odin e seus guerreiros. Em várias passagens, as runas fariam menção direta à poderosa elite da Era Viking que via a si mesma como garantidora de boas colheitas e líder do culto que suportava o frágil balanço entre luz e escuridão, e que finalmente, no Ragnarök, essa elite lutaria junto com Odin na balhata final pela luz. O filho de Varinn também faria parte desse conflito.

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Transcrição para o Antigo Nórdico 

1°. Aft Vāmōð stãnda rūnaʀ þāʀ. Æn Varinn fāði, faðiʀ, aft faigiãn sunu.

Tradução: Após Vāmōðʀ essas runas são erguidas. E Varinn, o pai, fê-las após a morte-condenada do seu filho.

2°. Sagum Ygg minni þat, hværiaʀ valrauƀaʀ vāʀin tvāʀ þāʀ, svāð tvalf sinnum vāʀin numnaʀ at valrauƀu bāðaʀ sãmãn ā̃ ȳmissum mãnnum?

Tradução: Deixe-nos dizer isto como uma memória de Yggr, cujos espólios de guerra existiram dois, os quais doze vezes foram tomados como espólios de guerra, ambos um do outro?

3°. Þat sagum ãnnart, hvā’ʀ fur nīu aldum ā̃n urði fiaru meðr hraiðgutum, auk dø̄miʀ æ̃ nn umb sakaʀ?

Tradução: Isto deixo-nos dizer em segundo, quem nove gerações atrás perdeu sua vida com o Hraiðgutaʀ [no leste]; mas ainda decide o assunto?

5°. Sagum Ygg minni þat, hvā’ʀ ī gyldinga vāʀi guldin at kvā̃naʀ hūsli?

Tradução: Deixe-nos dizer isto como uma memória para Yggr, quem por causa de um Gyldinga [derivado de Gyldir, 'lobo' no Antigo Islandês] tem sofrido através do sacrifício de uma mulher?
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           As passagens destacadas acima, as primeiras na ordem de leitura (pulando a 4°), trazem 'espólios de guerra' e a morte de alguém que morre "em segundo", algo que tematizaria o ritmo da luz: a troca de espólios de guerra seria a dinâmica de dominância entre a Lua (escuridão) e o Sol (luz), e quem morreu e vive de novo nessa guerra seria o Sol, o qual foi obscurecido a partir de 536 d.C. E nesse último ponto, temos três menções nas passagens acima cruciais e que reforçam a referência ao Ragnarök. Primeiro, a morte é citada como um evento histórico específico, que ocorreu "com o  Hraiðgutaʀ", uma expressão poética para um evento ao leste. Segundo, e mais importante, o evento é temporariamente especificado como ocorrido a "nove gerações atrás". Considerando a feitura da Pedra Rúnica em 800 d.C., e aproximando de forma plausível cada geração em 30 anos, o evento aludido teria ocorrido justamente no início do século VI. Já na quinta passagem, temos o sacrifício de uma mulher frente a um lobo: o Sol (mulher) morto pelo lobo Fenrir no começo da batalha do Ragnarök, mas que havia dado à luz antes a uma filha (um novo Sol) que brilharia na emergência do novo mundo (o antigo destruído na batalha entre os deuses e as forças destrutivas). Outras passagens ao longo do texto rúnico trazem menção ao lobo e a eventos de batalha .

          As inscrições rúnicas, portanto, estariam relembrando os trágicos eventos que alcançaram o auge ao longo do período de 536-550 d.C., e alertando as novas gerações. Esse alerta provavelmente foi revigorado com uma poderosa tempestade solar em 775 d.C. (onde é documentado dramáticos céus vermelhos) e o excepcionalmente frio verão de 775 d.C.


   RAINHA THYRA

          A Era Viking foi uma época de formação de Estados, e uma figura chave nesse processo foi o Rei Haroldo, que viveu até 987 d.C. e filho do Rei Gorm e da Rainha Thyra. Existem poucas fontes escritas documentando esses eventos políticos e sociais, e pouco é conhecido sobre Gorm e Thyra. No entanto, ambos estão referenciados nas pedras rúnicas de Jelling: a menor, erguida a pedido de Gorm em hora à Thyra, e a maior, erguida a pedido de Haroldo e homenageando ambos (mãe e pai). Exatamente como Gorm reinou a Dinamarca é pouco esclarecido, e ele parece ter sido substituído pelo seu filho, Haroldo, durante a visita do clérigo Poppo ao território Dinamarquês, esse o qual batizou o novo rei. Algumas fontes sugerem que Gorm era um rei fraco como governante, mas talentoso como um guerreiro. 

          As pedras rúnicas de Jelling fazem referência explícita à mãe de Haroldo, Rainha Thyra. Além desses dois monumentos, várias outras pedras rúnicas na região de Jelling - de onde Haroldo governava a Dinamarca no século X (Fig.1) - trazem o nome "Thyra", mas tem sido incerto se todas fazem referência à rainha. Um estudo publicado recentemente no periódico Antiquity (Ref.86), usando escaneamento 3D e análises ortográficas, tipológicas e linguísticas para investigar as gravuras rúnicas nesses monumentos, concluiu que as pedras rúnicas Jelling 2 e de Læborg (Fig.2) estão ligadas pela mão do escultor Ravnunge-Tue - e implicando que "Thyra" nessas três pedras fazem referência à mesma pessoa. Além disso, o estudo concluiu que uma quarta pedra rúnica (Bække 1) faz também referência à rainha Thyra. Gorm, por outro lado, é mencionado em apena suma única pedra (Jelling 2), e ainda por cima acompanhado por referência à Thyra.


Figura 1. Localização de Jelling na Dinamarca. Além das duas principais pedras rúnicas no local, existem outras cinco pedras rúnicas em regiões relativamente próximas datadas de meados do século X e analisadas pelo novo estudo: Bække (1 e 2),  Læborg, Horne e Randbøl. Pelo menos quatro dessas pedras fazem referência à rainha Thyra.


Figura 2. Pedra rúnica de Læborg. A pedra possui 236 cm de altura. Nessa pedra, Ravnunge-Tue faz referência a Thyra como sua rainha (dróttning). O termo dróttning engloba mulheres de descendência real como equivalente feminino de dróttin ("lorde"). (Foto: Roberto Fortuna/Museu Nacional da Dinamarca)

            Considerando que as pedras rúnicas são manifestações em granito de status, linhagem e poder, os resultados do estudo fortemente suportam suspeitas prévias de que a rainha Thyra parece ter sido a pessoa mais poderosa da Dinamarca na Era Viking. Aliás, provavelmente ela teve um papel central no estabelecimento do Estado da Dinamarca. Nem mesmo o nome do Rei Haroldo é mencionado em tantas pedras rúnicas como sua mãe. A pedra rúnica menor de Jelling inclusive descreve Thyra como Danmarkaʀ bót, significando "Salvação/Força da Dinamarca". 


   ODONTOLOGIA VIKING

          Em 2005, escavações em Varnhem [Västergötland], região de Skara, na Suécia, revelaram as ruínas de uma igreja de pedra Cristã construída no início do século XI - e a mais antiga igreja do tipo conhecida no território Sueco. E próxima dessa igreja, um extensivo cemitério compreendendo milhares de túmulos datando dos séculos X ao XII foram identificados.

           Um estudo de 2023, publicado na PLOS One (Ref.) e analisando os maxilares e 3293 dentes de 171 indivíduos do cemitério de Varnhem, encontrou que mais de 60% dos adultos tinham sinais de cáries dentais (!), mais frequentemente sobre a superfície da rais, enquanto nenhum dos indivíduos juvenis apresentavam cáries. Outras patologias também foram observadas, incluindo infecção dentária e perda de dentes antes da morte. Vários indivíduos tinham cáries severas o suficiente para terem causado dores dentárias. Isso sugere que a alimentação desses indivíduos era constituída em grande parte por carboidratos de fácil digestão, como amidos.

Figura 1. Pesquisadora analisando a arcada dentária de um Nórdico da Era Viking. (Foto: Carolina Bertilsson). Ref.87


             Mas o mais interessante não foi observar que a população adulta Nórdica na Era Viking - pelo menos em Varnhem - era muito suscetível às cáries e outros problemas dentais e, sim, que parte significativa da amostra de indivíduos apresentava modificações intencionais nos dentes visando reduzir a dor dentária. E essas modificações incluíam avançadas técnicas odontológicas, em especial o procedimento de preenchimento dentário (onde o dente era perfurado e depois preenchido, provavelmente para aliviar pressão e dor) (Fig.2). Alguns dentes também exibiam abrasões consistentes com uso de palito de dentes, provavelmente para remover restos de alimentos agarrados.

Figura 2No topo, análise via raios-X (à direita) de uma arcada dentária Viking e imagem de raios-X revelando lesões de cáries sobre os molares posteriores. No meio, uma fileira de dentes mostrando uso diligente de palitos de dente (à esquerda), e dente frontal preenchido (à direita). Na parte inferior, um buraco preenchido da coroa até a polpa do dente - um procedimento para reduzir a dor dentária e infecção. Ref.87

          É incerto, porém, se existiam profissionais dentários (dentistas) Vikings, ou se procedimentos dentários mais avançados eram feitos pelas próprias pessoas. Mas os achados suportam que os dentes eram importantes na cultura Viking e Cristã de Varnhem.

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   INVASÕES VIKINGS

          De acordo com as Crônicas Anglo-Saxônicas, o ano de 787 d.C. marcou o primeiro ataque Viking na Inglaterra. Três embarcações conduzidas por Vikings partindo da região hoje da Dinamarca, aportaram no sul do país. Quando um oficial foi abordá-los, achando que se tratava de comerciantes, os Vikings o mataram. Já no ano de 793 d.C., o monastério na ilha sagrada de Lindisfarne, na costa inglesa, foi atacado, e esse período marcava o início de regulares ataques nas costas britânicas e irlandesas pelos Vikings, todos concentrados em monastérios onde ricas reservas de ouro e prata eram encontradas.


           Essas invasões também começaram a atingir os territórios da França, Espanha e Itália, instaurando terror por toda a Europa. Mas nem sempre os Vikings se davam bem, onde em 844, em Cordoba, na Espanha, um governante de lá conseguiu capturar centenas dos agressores, enforcando-os pouco tempo depois. Porém, esses incidentes não amedrontavam os Vikings, e suas invasões se estenderam para a Escócia, Gales, e continuaram cada vez mais fundo na Europa, atingindo até mesmo a Ásia Central, através de cursos fluviais.

            Os guerreiros Vikings lutavam a pé, vestindo malhas de metal sobre 'jaquetas' de couro. Cada um deles geralmente tinha uma espada, a qual era bastante valorizada e passada de pai para filho, sendo que as mesmas geralmente recebiam nomes. Porém, como eram armas custosas, acabavam sendo mais usadas pela elite, enquanto o resto dos guerreiros na população normalmente preferiam machados e lanças, os quais eram mais em conta. E, junto com a espada, uma das armas favoritas era o machado de batalha, o qual desferia pesados danos com sua grande e curvada lâmina e longo cabo de pegada. Os Vikings também usavam arcos e flechas, e escudos circulares feitos com peças de madeira ligadas por barras de ferro.



            Os guerreiros Vikings mais temidos e violentos eram os berserkers, estes os quais possuíam tal enorme bravura que pareciam estar na pele de ursos ou lobos (a palavra ´berserker´ significa ´casaco/pele de urso´, mas pode também somente fazer referência a um estilo de combate praticado pelos Vikings, baseado em pura selvageria). Os berserkers acreditavam que eram fortemente protegidos por Odin, e iam para as batalhas sem medo da morte ou lesões - inclusive registros de monges na época diziam que esses guerreiros nem mesmo sentiam dor das feridas. Antes de uma batalha, os berserkers acionavam uma fúria louca e iam com tudo para a morte ou para a vitória. A existência dos berserkers é confirmada em obras artísticas e histórias contadas em sagas.


           Os Vikings também contavam com uma grande vantagem: suas famosas, sofisticadas e temidas longas embarcações. Longas, velozes e finas, essas embarcações mediam mais de 37 metros de comprimento e podiam carregar até 100 guerreiros. Como eram leves, os Vikings podiam levá-las até bem próximo das costas e até carregá-las por longas distâncias por terra. Isso permitia uma alta flexibilidade e surpresa nos ataques - além de facilitar enormemente retiradas estratégicas. Por serem capazes de navegar tranquilamente em águas rasas, podiam também ser usadas com grande eficiência em rios.



Aqui, temos o Gokstad, o qual media 23 metros de comprimento, e era grande suficiente para carregar 32 remadores

          As grandes velas quadradas eram feitas com pedaços de tecidos de lã ou pano de linho, normalmente sendo tingidas de um vermelho-sangue e tratadas com gordura animal para fazê-las mais resistentes à água. Junto com as cabeças de dragões nas extremidades dessas embarcações, as velas vermelho-sangue causavam grande temor nos inimigos. Os Vikings também acreditavam que as cabeças de dragões serviam para afastar os espíritos malignos e monstros no mar.


          O exército dos Vikings eram composto por múltiplos líderes - reis ou chefes locais - que trabalhavam juntos e era composto por homens oriundos de diversas partes da Escandinávia, com idades principalmente entre 18 e 45 anos. Nenhum grupo dentro do exército era do mesmo tamanho, este o qual era determinado pela quantidade que conseguia ser acomodada nos barcos de invasão. É estimado que cada subconjunto do exército formado possuía algo entre 100 e 200 homens. Em certa extensão, mulheres e crianças também faziam parte desses grupos de ataque como guerreiros, e, como já mencionado, existiam lideranças femininas.

           No geral, os Vikings não possuíam superioridade individual tanto em termos de habilidade de batalha quanto em armas em comparação com as forças enfrentadas nos territórios Cristãos e Árabes (aliás, muitas das armas Vikings eram importadas de outras regiões da Europa e da Ásia, via o contato comercial pré-invasões Nórdicas). Pela maior parte da Era Viking, os Vikings lutaram como grupos de indivíduos ao invés de exércitos formalmente estruturados com equipamentos padronizados, e isso se refletia, por exemplo, na grande variedade de armas que os guerreiros Nórdicos podiam utilizar nas batalhas. Para compensar essa desvantagem, os Vikings apostavam nas estratégias de batalha e na organização dos grupos de ataque. A notável capacidade de utilização dos rios e de rápidas embarcações para as invasões acabou surpreendo os Cristãos, os quais não estavam acostumados com esse tipo de inimigo. Outro fator para o sucesso dos Vikings era a adaptabilidade aos novos territórios e a vontade de aprender com seus inimigos.


   REAIS ELMOS VIKINGS

          Recentemente, pesquisadores do Departamento de Arqueologia da Universidade de Durham (Ref.67-68) revelaram e caracterizaram o segundo capacete/elmo Viking quase completo conhecido, e o único elmo Viking a ser encontrado no território Britânico. O elmo foi datado do século X d.C., e foi primeiro descoberto na década de 1950 - e desde então sua origem era alvo de debates.



          Segundo a análise dos pesquisadores, o elmo foi conservado por mais de 1000 anos - mesmo possuindo uma fina espessura (lâminas metálicas de apenas 1-2 mm) - devido a uma camada de proteção formada pela corrosão de um solo alagado anóxico onde foi originalmente depositado, algo evidenciado pela presença do mineral azul-esverdeado vivianita na sua superfície. Muito tempo depois, talvez no século XIX ou início do século XX, o elmo parece ter sido desalojado do seu depósito inicial, expondo ao ar atmosférico e levando ao acúmulo do mineral akaganeita, o qual é produzido quando ferro é corroído (Fe3+) na presença de oxigênio e cloreto de sódio. Nesse processo, começou a ser degradado, e se não tivesse sido encontrado e preservado poucas décadas depois, teria provavelmente se esfarelado completamente.

          O elmo - conhecido como O Elmo de Yarm - provavelmente pertenceu a um guerreiro Viking estabelecido no norte da Inglaterra, após o início das invasões Nórdicas no final do século VIII. O elmo foi feito para ser leve - proporcionando maior agilidade ao guerreiro - mas ainda eficiente em absorver boa parte do impacto de pancadas por espadas e machados ao ter sua estrutura amassada.

> O segundo elmo quase completo conhecido foi encontrado na região de Gjermundbu, na Noruega (Ref.69).


  
> IMPORTANTE: É um mito histórico a alegação de que os Vikings usavam elmos com chifres, mas os Escandinavos na Idade do Bronze, muito antes da Era Viking, os usavam. Para mais informações, sugestão de leitura: Elmos de Viksø: Capacetes com chifres Escandinavos pertenciam aos Vikings?



      INVASÕES E OCUPAÇÕES

            No início, as invasões Vikings eram rápidas e almejavam apenas o saque de riquezas, incluindo mais tarde o notável saque de moedas de prata nas minas de Melle, na França, no ano de 848 d.C (3). Mais tarde, várias invasões na Inglaterra, Escócia, Irlanda e outras partes da Europa Ocidental começaram a visar a ocupação dos territórios conquistados. Ao invés de voltarem para as terras natais com os saques, os Vikings começaram a construir moradias nos locais conquistados, com os líderes das invasões se tornando os novos governantes. Passavam o inverno nas novas moradias e atacavam regiões ao redor no verão, saqueando cidades, matando Reis, exigindo tributos e expandindo seus territórios. Na Irlanda, esses invasores estabeleceriam a cidade de Dublin (mais à frente serão dados mais detalhes sobre os Vikings na Irlanda), e Vikings vindos da Suécia comandaram as cidades de Kiev e Novgorod - eventualmente formando um reino onde hoje encontra-se a Rússia.


            Na década seguinte ao ano de 830 d.C., os Vikings começaram a chegar nas costas da Inglaterra em pequenos exércitos de 30 embarcações. Sob o comando de líderes como Ragnar Lodbrok - lendário rei na Dinamarca que supostamente reinou entre os séculos VIII e IX -  e seus filhos Bjorn, o Bravo, e Ivar, o Desossado, eles começaram a ocupar regiões no norte e no leste da Inglaterra, demandando ´Danegeld´ dos ingleses (dinheiro em troca de não sofrerem ataques). Em 865, os domínios britânicos foram invadidos por um enorme exército Viking - o Grande Exército Viking - vindo principalmente da Dinamarca e distribuídos em cerca de 350 embarcações e englobando milhares de guerreiros. Esse ataque veio com o objetivo de conquista e, em um período de 1 ano, os Vikings passaram a controlar a cidade de Jorvik (hoje conhecida como York), a qual se tornou a capital dos invasores. Nos próximos séculos, outras grandes áreas inglesas foram dominadas por Vikings.


         De 865 a 879 o Grande Exército Viking trouxe caos e transformações aos Reinos Anglo-Saxões, levando à conquistas políticas, estabelecimentos territoriais em grande escala e uma extensiva influência cultural e linguística da Escandinávia para o leste e o norte da Inglaterra (!). Esse período crítico para a história Inglesa levou à mudanças revolucionárias na propriedade de terras, sociedade e economia, incluindo o crescimento de cidades e indústrias, enquanto transformações nos poderes políticos eventualmente testemunharam a ascensão de Wessex como o pré-eminente Reino da Inglaterra Anglo-Saxã.

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(!) Aliás, um recente estudo publicado no periódico PLOS One (Ref.84) trouxe sólida evidência de que os Vikings levaram animais como cavalos, cães e possivelmente outros para o território Britânico durante esse período de grande invasão - transportando-os nas embarcações e trazidos da Escandinávia durante as travessias do Mar Norte. Isso contraria registros escritos - em especial a Crônica Anglo-Saxônica - sugerindo que os invasores Vikings apenas levavam cavalos tomados de locais no Reino da Ânglia Oriental.
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         Repton, na Inglaterra, foi um significativo centro real e eclesiástico no Reino Anglo-Saxão da Mercia, tendo sido a localização de um monastério duplo para homens e mulheres governado por uma madre superiora, e estabelecido no terceiro quarto do século VII. De acordo com as Crônicas Anglo-Saxônicas, o Grande Exército Viking avançou e se estabeleceu durante o inverno em Repton, no ano de 873, forçando o Rei da Mercia, Burghred, a se exilar em Paris. Escavações entre os anos de 1974 e 1980 encontraram os vestígios ósseos de, no mínimo, 264 pessoas enterradas em túmulos do tipo Escandinavo, os quais, em um estudo recente (Ref.28) foram confirmados de pertencerem ao Grande Exército Viking (antes existiam dúvidas quanto às datações por radiocarbono de algumas cartilagens). Entre os achados, foi encontrado um túmulo duplo de dois homens, onde um deles estava ornado com artefatos que incluíam uma espada de Person tipo M, e um pendente de prata do martelo de Thor.



          Em 876, uma força do Grande Exército dividiu as terras do Reino da Nortúmbria e outra força se estabeleceu na Mercia em 877. O restante do Grande Exército, liderado pr Guthrum, foi derrotado em 878 pelos Saxões do Oeste sob a liderança de Alfred, em Edington, Wiltshire. Como parte das negociações de paz, Guthrum e 30 dos seus guerreiros foram batizados; então, em 880, o Exército foi para a Ânglia Oriental e se estabeleceu por lá, dividindo as terras. Subsequentemente, Guthrum e Alfred famosamente entraram em um acordo, dividindo suas áreas de jurisdição e fazendo negociações para as relações sobre suas disputas legais, comércio e o movimento de pessoas. Eventualmente Guthrum se tornaria o Rei da Ânglia Oriental de 879 a 890.
 
Movimentos do Grande Exército Viking segundo a Crônica Anglo-Saxônica. Löffelmann et al., 2023


            Em uma região do Reino Frankish, hoje parte da França, um líder Viking conhecido como Rollo tinha lançado repetidos ataques nos assentamentos ao longo do Rio Seine. Em 911, Rollo veio a entrar em acordo com o rei de Frankish, Charles, o Simples, e recebeu deste um território conhecido mais tarde como Normandia. Em troca, Rollo concordou em parar os ataques, se tornou um Cristão e reconheceu Charles como seu superior. A fusão entre os Vikings e os nativos Franks (povos Germânicos na região) resultou na ascensão cultural e étnica dos Normandos na primeira metade do século X d.C. Cerca de 150 anos mais tarde, o Duke William da Normandia, um descendente de Rollo, invadiria os domínios britânicos e se tornaria o Rei da Inglaterra, após os Normandos vencerem a famosa Batalha de Hastings, em 1066.


            Até meados do século XI, os Vikings eram imparáveis. As vitoriosas campanhas de conquista levaram inclusive à eventual e breve ascensão do Império do Mar do Norte (1028-1035), sob o controle de Canuto o Grande, o qual incluía toda a Inglaterra, Dinamarca e a Noruega. Os Vikings também atacaram a grande cidade Muçulmana de Sevilha no sul da Espanha em 844, e a cidade de Constantinopla (atual Istambul na Turquia) em 860 e 941, apesar de terem sido expulsos rapidamente em ambos os casos. E ainda mais longe do Norte Europeu, os Viking chegaram a ocupar a cidade de Bardha´a no Azerbaijão por vários meses em 943-944, derrubando em batalhas todas as tentativas de remoção deles da região, mas com os Nórdicos eventualmente sucumbindo a outro inimigo: doenças exóticas do território Asiático (|).

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(|) Durante os avanços comerciais e de ocupação dos Vikings, estes também podem ter ajudado a disseminar o vírus da varíola. Aliás, os Vikings trazem a primeira evidência genética de que a varíola vinha se disseminando entre os humanos muito antes do século XVII. Para mais informações, acesse: Vikings também foram vítimas da varíola e provavelmente ajudaram a disseminar a doença
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          Não é preciso mencionar que essas ocupações tiveram grande impacto no curso da história da Europa e do mundo. A partir daí ocorreram várias trocas culturais e de conhecimento entre os escandinavos e o resto Europeu, gerando diversas novas tradições, enriquecimento linguístico, novas tecnologias e mudanças políticas e econômicas. Palavras comuns na língua Inglesa tiveram origem das introgressões Nórdicas no território da Inglaterra, como alguns dias da semana [Thursday significa Dia de Thor (Thor´s day) e Wednesday significa Dia de Odin], axle, crook, raft, knife, plough, leather, window, berserk, bylaw, thorp, skerry, husband, heathen, Hell, Norman e ransack. Aliás, a mitologia da Terra Média, pano de fundo criado para duas das mais influentes obras do século XX - O Hobbit e o Senhor dos Anéis, escritas pelo Britânico J. R. R. Tolkien (1892-1973) - teve como uma das mais importantes fontes a cultura Nórdica.

          E, acima de tudo, as conquistas e ocupações são mais uma prova de quão avançada e organizada era a sociedade Viking, já que os europeus no continente encontravam grande dificuldade em detê-los e muitas vezes cediam aos ataques e domínios subsequentes. Isso fica ainda mais claro na complexa rede política envolvendo os Vikings e os Irlandeses.


   REI ALFREDO E AS CRÔNICAS ANGLO-SAXÔNICAS

          Na história da Inglaterra, o Rei Alfredo (Alfred) é sempre cultuado como um grande herói por ter conseguido deter as ondas de invasões Vikings no território Anglo-Saxão a partir de meados do século IX, liderando seu povo em uma eventual vitória contra os Dinamarqueses Pagãos. Filho de pais Saxões e casado com um esposa de Mercia, Alfredo nasceu em 849, ascendeu ao poder em 871, foi vitorioso na crucial batalha de Edington em 873, capturou Londres em 886, e fundou a abadia de Shaftesbury em 888. Considerado um governante extremamente culto e meticuloso, Alfredo morreu em 26 de outubro de 899.



          Como já explorado, ao longo do século IX, os Vikings foram tomando conta de grande parte do território Inglês. Nessa época, a Inglaterra era constituída de vários reinos Anglo-Saxônicos, estes os quais sucumbiram quase todos aos Vikings com a exceção de um: Wessex, governada por Alfredo.

          Os primeiros grandes ataques Vikings aos reinos Anglo-Saxões ocorreram em 851, no terceiro ano de vida de Alfredo. O primeiro significativo ocorreu em uma região chamada de Wicgambeorg, com os Cristãos ganhando vitória em cima dos Nórdicos. No mesmo ano, um grande exército Viking veio com 350 embarcações pela boca do rio Thames, com o subsequente saque de Dorobernia - cidade dos Cantuarianos - e também da cidade de Londres. A partir desse ponto, especialmente na década de 860, sucessivos ataques dos Vikings foram se acumulando, resultando em diversas batalhas com os reis Saxônicos e rápida conquista de territórios pelos estrangeiros Pagãos.

          Em 865, o terror nos reinos Anglo-Saxões alcançou seu pico quando Ivar, o Desossado, vindo da Dinamarca com o seu "Grande Exército Pagão", deportou na Inglaterra, deflagrando uma feroz e violenta campanha de conquistas. Em 866, os Vikings conquistaram York e Nortúmbria, e, em 869, derrubaram Mercia e a Ânglia do Leste. Nesses dois últimos, os Danes (Vikings Dinamarqueses) colocaram reis fantoches nos tronos. Os Vikings impuseram domínio sobre todos os reinos da Inglaterra com exceção de Wessex.

          Todos os três irmãos mais velhos de Alfredo já tinham sido reis de Wessex, mas foi a grande instabilidade e a alta taxa de mortalidade trazidas pelos Vikings que deram a ele a real chance de estabelecer seu absoluto controle sobre Wessex. Em 870, os Vikings, sob o comando de Ivar, invadiram em peso Wessex, então governada pelo terceiro filho de Aethelwulf, Aethelred (os dois outros irmãos de Alfred, Aethelbald e Aethelbehrt, tinham morrido em 860 e em 865, respectivamente). Na Batalha de Englefield, Aethelwulf tinha sido morto pelo exército Viking, e Aethelred e Alfred, quatro dias mais tarde, encararam os Nórdicos em Ashdown, onde conseguiram vitória apertada ao dividirem o exército de Ivar ao meio. Em 871, o exército de Ivar foi reforçado pelo "Grande Exército de Verão", liderado por múltiplos líderes Vikings, incluindo um chamado de Guthrum, e derrotou o exército de Wessex na Batalha de Meretun. Aethelred provavelmente foi ferido mortalmente nessa batalha, morrendo pouco tempo depois. Alfredo tomou o trono, o último adulto homem da sua linha.



          No mesmo ano da sua coroação, Alfredo foi derrotado por um outro grande exército Viking em Wiltshire, sendo forçado a pagar uma grande soma para os Nórdicos em troca de uma trégua, esta a qual trouxe alguns anos de paz para Wessex. Somando-se a isso, em 874, o Grande Exército liderado por Ivar quebrou-se em três diferentes partes, diminuindo o potencial de ameaça para o reino de Alfredo. Em 875, os Vikings invadiram e cercaram Wareham, mas o exército de Alfredo conseguiu detê-los e assegurar um acordo de paz. Esse acordo foi rapidamente quebrado pelos Danes, com estes invadindo e ocupando Exeter. Mas, novamente, foram detidos por Alfredo, e um novo acordo de paz foi alcançado.

          Alfredo escolheu governar através de uma base mais acadêmica e mais estrategista, mas sempre procurando respeitar a religião Cristã. Com isso, dava mais preferência aos acordos do que o uso apenas de força bruta, o que assegurou contínua e forte resistência contra os Vikings nos primeiros anos do seu governo.

          Em 875, porém, o proeminente líder Viking, Guthrum - um dos três reis Escandinavos que vieram para Cambridge e se estabeleceram por mais de 1 ano na região - iniciou uma pesada investida contra Alfredo. No meio do inverno de 877, Guthrum e seu exército se deslocaram para o estado real de Chippenham, em Wiltshire, e cercaram a região, o que essencialmente deu ao rei Dinamarquês o controle de toda a Wessex. Alfredo e seus aliados mais próximos foram forçados a fugirem para os pântanos e se estabelecerem na pequena ilha de Athelney, Somerset. Lá, ele fortaleceu a união do seu time, realizando campanhas de guerrilha para manter suprimentos ao mesmo tempo em que planejava com outros aliados que permaneciam leais ao seu comando. Poucos meses depois, Alfredo conseguiu reunir um exército e atacou os Danes em Edington, levando ao conflito conhecido como a Batalha de Edington, em maio de 878. O rei de Wessex foi vitorioso, fazendo Guthrum fugir para Chippenham.

          Seguindo os eventos desencadeados pela Batalha de Edington, um conjunto de termos legais foi criado através de acordos entre Alfredo e Guthrum, chamado de Danelaw. Isso incluiu o batismo de Guthrum como um Cristão junto com seus 29 homens de maior confiança. Alfredo se prontificou como padrinho de Guthrum durante o processo de conversão. Esses acordos vieram para determinar territórios Britânicos que seriam governados pelos Vikings e aqueles que seriam governados pelos Anglo-Saxões. A oficialização desses acordos veio em 886, através do 'Tratado de Alfredo e Guthrum', definindo fronteiras para seus reinos.



          Com a paz trazida pela Danelaw, Alfredo conseguiu governar com tranquilidade e criar novos e poderosos sistemas de defesa, os quais foram efetivos em deter e derrotar a invasão de um grande exército Viking em 892 - o qual vinha previamente atacando o Império Carolingiano (império que englobava a Europa Central e Ocidental durante o início do período medieval), mas que voltou sua atenção para os aparentemente vulneráveis e ricos reinos Anglo-Saxões. Os Danes também tentaram dominar Vessex mais uma vez, mas foram repelidos por Alfredo em 896. Alfredo governou em paz até o fim do seu governo, em 899. Seus descendentes eventualmente conseguiram reclamar os territórios da Danelaw seguindo os passos do pai, unificando todos os reinos Anglo-Saxões e dando origem à primeira monarquia da Inglaterra.

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>  Curiosidade: Ficou famosa a história de que o Rei Alfred teria queimado os bolos de uma senhora criadora de porcos enquanto esteve refugiado em Athelney. A senhora em questão não reconheceu quem Alfredo era e deixou ele tomando conta do cozimento da massa. Porém, supostamente, Alfredo se distraiu pensando sobre seu destino e em como derrotar os Vikings, e deixou a massa do bolo queimar. A criadora de porcos, então, o recriminou, não desconfiando que ele era o rei. Porém, os historiadores modernos apontam que essa história é provavelmente uma propaganda de guerra usada para levantar a moral dos Saxões. Para começar, os bolos também eram pães, os quais aparecem em um conto Nórdico similar e mais antigo envolvendo o herói Viking Ragnar Hairybreeks. Ou seja, são grandes as chances da famosa história ter sido recontada pelos Cristãos, os quais podem ter trocado os pães pelos bolos e o Ragnar pelo grande rei Alfredo.
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          Alfredo também é bastante reconhecido por ter comissionado a criação das 'Crônicas Anglo-Saxônicas'. Os textos dessas crônicas foram compilados na sua corte e outras cópias foram espalhadas para as principais Igrejas do seu reino. Essas crônicas são bem distintas entre outras fontes medievais por terem sido escritas em um idioma do Antigo Inglês, o qual era o utilizado pelas pessoas comuns naquela época, ao invés do Latim, o qual era entendido apenas por integrantes da Igreja e por algumas outras poucas pessoas. Essas crônicas continham informações de séculos anteriores - descreviam eventos desde 60 a.C., quando Júlio César veio de Roma para os territórios Britânicos - e continuavam até o ano de 1154 d.C. Pode ser considerado o maior documento histórico contínuo da Europa Medieval. Mas o mais interessante é a descrição dos Vikings.

          Enquanto a maioria dos outros registros escritos da Era Viking são bastante tendenciosos a favor dos Cristãos, as Crônicas Anglo-Saxônicas retratam os Nórdicos - focando nos Dinamarqueses ('Danes') - de forma relativamente neutra. Nas crônicas, os Vikings - referenciados como 'wicenga' (o termo inglês 'Viking' só surgiria no século XVIII) - são mencionados apenas três vezes - uma inserção de relatos para o ano de 878 e duas outras para o ano de 884. Porém, esses invasores estrangeiros não são descritos de maneira especial ou diferente, ou com uso de histeria teológica, independentemente se era para descrever pequenos ou grandes exércitos Nórdicos em confronto com as forças de Alfredo. Aliás, as crônicas relatam em detalhes oito ocasiões quando um acordo de paz era feito entre os Danes e os Anglo-Saxões, incluindo o Tratado de Alfredo e Guthrum.




          A referência aos acordos de paz e a descrição até mesmo do batismo de líderes Vikings nas crônicas mostram que eles eram vistos, de certa maneira, como iguais pelos Anglo-Saxões de Wessex. De fato, a narrativa das crônicas deixa claro a intensa miscigenação cultural, social, política e econômica entre os Nórdicos e os eventuais Ingleses. No contexto da Danelaw, as crônicas realçam como as leis e costumes nos territórios dominados por Vikings ou por Anglo-Saxões eram similares. Migrações de um lado para o outro já eram vistas como normais.


   VIKINGS NA IRLANDA

          Durante as invasões Nórdicas, diferentes facções Vikings se estabeleceram de forma permanente na Irlanda ao longo de mais de 200 anos - do século IX até o século XII -, gerando constantes tensões e conflitos. E um dos eventos subsequentes mais lembrados é a Batalha de Clontarf, no ano de 1014, a qual é um icônico marco na história da Irlanda.

        A 'memória' tradicional dos acontecimentos levando à Batalha de Clontarf é de um conflito internacional entre dois lados bem distintos: Irlandeses vs. Vikings. Aliás, todo aluno Irlandês de ensino básico hoje conhece a história do grande Rei-herói Cristão Brian Boru, a qual descreve como Brian uniu seu país contra a horda Viking pagã. Porém, nos últimos 250 anos, alguns historiadores revisionistas passaram a questionar isso e a considerar que o conflito ocorreu mais como uma guerra civil na Irlanda, onde os Vikings atuaram apenas de forma secundária, limitando-se apenas a um suporte para os Leinster - apesar dos Vikings estarem há séculos fincando profundas raízes políticas e domínios na Irlanda, especialmente Dublin.

         Nesse contexto, temos um texto medieval irlandês conhecido como Cogadh Gaedhel re Gallaibh ('A Guerra do Gaedhil com o Gaill'), o qual se revelou um texto muito bem escrito e detalhista, mas voltado para fins de propaganda - embora seja um dos mais completos registros históricos sobre a complexidade e os conflitos da Era Viking na Irlanda.

         O Cogadh Gaedhel re Gallaibh descreve como um exército sob a liderança de Brian Boru desafiou os invasores Vikings e seus aliados na Irlanda, culminando com a Batalha de Clontarf. A vitória de Brian é amplamente lembrada por quebrar o poder Viking na Irlanda, e impedindo esses últimos de levarem adiante o plano de total dominação. O texto é iniciado descrevendo a chegada dos Vikings no ano de 795 no território irlandês e fornece uma crônica dos vários ataques subsequentes realizados pelos nórdicos. Também descreve diferentes reinos na Irlanda durante a dinastia Dál Cais e as relações de personagens, alianças, conflitos, relacionamentos e interações de todos os tipos entre os governos Irlandeses, entre Irlandeses e Vikings, e entre os Vikings. Contudo, o fim propagandista do texto é uma das suas grandes limitações, onde existe um óbvio destaque para a figura de Brian Boru, tratando-o como um herói virtuoso e os Vikings como meros brutos e piratas. O destaque para as conquistas e virtuosidade de Brian serviriam para anos mais tarde dar maior suporte para Úí Brian clamar um grande poder político.

         Utilizando o Cogadh, e outras análises da literatura acadêmica, um recente estudo publicado na Royal Society (Ref.26), analisando as redes de interação Vikings-Vikings (dentro da Irlanda), Irlandeses-Irlandeses e Irlandeses-Vikings (dentro e fora da Irlanda) descritas no Cogadh Gaedhel re Gallaibh, os pesquisadores mostraram que os níveis de hostilidade internacionais eram bem maiores do que os níveis de hostilidade intranacional, apesar dos conflitos civis terem sido significativos, especialmente entre os irlandeses. Em outras palavras parece certo que a Batalha de Clontarf possuía essencialmente um patamar internacional, reforçando que os Vikings se tornaram eventualmente os inimigos n°1 do grande Rei Brian no início do século XI, e onde uma massiva força Nórdica teria sido mobilizada para a Irlanda para o decisivo ano de 1014.




   - Saga de Brian

           Brian Boru foi Rei dos Dái Cais na parte norte da provícia de Munster. Após várias batalhas a nível provincial, Brian e os Dái Cais consolidaram o controle do governo de Munster, derrotando seus opositores Irlandeses e Nórdicos. Nesse momento, Brian voltou sua atenção às províncias Leste (Leinster) e Oeste (Connacht). Isso o levou a confrontar Máel Sechnaill mac Domnaill, Rei de Meath e o mais poderoso Rei na Irlanda até o final do século X. Mas em 997, Brian e Máel Sechnaill chegaram em um acordo de paz, onde foi determinado que o primeiro iria reinar na metade sul da Irlanda e o segundo na metade norte.


          Em 998, Brian e Máel Sechnaill se uniram contra os Nórdicos estabelecidos em Dublin. Os Uma massiva quantidade de Vikings tinham se fixado em Dublin no ano de 838, décadas após os Nórdicos terem invadido e dominado várias partes da Irlanda, e durante o próximo século eles desenvolveram um Reino compreendendo grandes áreas ao redor da cidade, incluindo partes do Mar Irlandês. A Dublin dos Vikings era politicamente ligada ao longo de vários períodos à Ilha de Man e às Ilhas Hébridas (na Inglaterra), assim como aos estabelecimentos Vikings na Bretanha e na Escandinávia. Como resposta de oposição à dominação imposta por Máel Sechnaill e Brian, Leinster se juntou à Dublin sob o governo de um novo Rei, Máel Morda mac Murchada, o qual eventualmente foi substituído pelo seu sobrinho, Sigtrygg Silkbeard.

          Porém, Brian era muito ambicioso, e, no ano 1000, atacou Máel Sechnaill. Em 1002, Méal Sechnaill se rendeu a Brian na região de Athlone. O próximo alvo de Brian, então, foi os Reinos do Norte. Levou 10 anos, uma combinação de forças e coordenação no uso de ataques por terra e mar, além do suporte da Igreja em Armagh, para o Uí Néill do Norte e Reis regionais da região da atual Ulster se submeterem a Brian. Já pelo ano de 1011, Brian alcançou seu objetivo principal de trazer todos os governantes regionais da Irlanda sob o seu controle, ma ele ainda estava inquieto com a Hibermo-Nórdica cidade de Dublin e os interesses Vikings de tomarem seu novo Império.

          Não demorou muito para para Dublin e a aliada Leinster iniciarem hostis respostas. Em 1012, Máel Mórda mac Murchada levantou Leinster em rebelião e, aliado com Flaithbertach Ua Néill - Reis regionais de Ailech no norte-oeste -, ele novamente atacou Meath. Máel Sechnaill, então, buscou a ajuda do todo poderoso Brian, e, no ano seguinte, ambos combinaram forças - englobando Munster e Connacht - para um pesado ataque em Linster, alcançando o território Viking de Dublin em setembro. Iniciou-se um cerco na cidade murada. Porém, por falta de suprimentos, Brian e aliados tiveram que abandonar a campanha, mas com a promessa de retornarem. Estava construído o pano de fundo para a grande Batalha de Clontarf.


   - Batalha de Clontarf

         Em 1014, o primo de Máel Morda, Sigtrygg, viajou para Orkney e para a Ilha do Homem procurando o suporte Viking para enfrentar Brian. Os Vikings vieram massivamente sob a liderança de Sigurd Hlodvirsson (Líder de Orkney, conhecido como Sigurd o Robusto) e Brodir, este o qual teria vindo como representante da Ilha de Man. Os Nórdicos provavelmente queriam aproveitar os seus domínios em Dublin e outras regiões irlandesas para avançarem de vez a conquista de toda a Irlanda.  Já as forças de Brian vieram de Munster e do sul de Connacht, possivelmente suportadas, pelo menos inicialmente, pelas forças de Máel Sechnaill (apesar do papel de Meath na batalha ser ainda incerto entre os historiadores). Ambas as forças se chocaram, pelo o que se acredita, na região de Good Friday, no dia 23 de Abril de 1014.


          De acordo com o texto Cogadh, depois de um dia de intensa luta, a batalha acabou com a derrota e recuo dos exércitos Vikings e de Leinster. Porém, o recuo teria sido impedido em grande extensão pela maré alta. Vários dos nobres morreram . Brodir teria matado Brian, tendo encontrado o politicamente poderoso mas velho Rei em sua tenda. Já o texto da Saga Njáis diz que Brodir, por sua vez, foi morto por Úlf Hreõa (possivelmente o personagem Cuduiligh no Cogadh, nome o qual significa Lobo o Brigão), um parente de Brian Boru. Sigurd o Robusto também teria sido morto, assim com o Rei Máel Morda. Sigtrygg Silkbeard sobreviveu e permaneceu como Rei de Dublin e o Rei de Meath, Méael Sechnaill, clamou seu poder como o grande Rei da Irlanda, suportado por Flaithbertach Ua Néill.

          Um dos resultados principais da intensa batalha foi o término das articulações dos Vikings visando o domínio da Irlanda.

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   GATILHO PARA AS INVASÕES

             Os historiadores ainda debatem bastante sobre os motivos que levaram os Vikings a se tornarem violentos saqueadores no final do século VIII. Entre as hipóteses, temos:

- Necessidade: Comunidades Vikings localizadas em áreas pouco produtivas e muito frias talvez tenham visto nas invasões uma forma de salvarem seu povo da fome, à medida que testemunhavam o crescimento populacional cada vez maior. Alguns historiadores argumentam também que muitos homens Nórdicos se juntavam para as invasões para levantar fundos visando o dote das suas futuras esposas.

- Conhecimento de outros territórios: Mercadores que viajavam longas distâncias podem ter começado a dar reportes sobre novos territórios descobertos e suas abundantes riquezas. Isso pode ter fomentado a cobiça dos Vikings, especialmente em áreas estrangeiras onde os governos estavam enfraquecidos.

- Avanço militar: No século VIII, os Vikings viram suas tecnologias de guerra sendo aprimoradas cada vez mais, incluindo suas embarcações longas, armas, armaduras e estratégias de combate. Isso pode ter sido o incentivo e segurança que precisavam para iniciar ataques em terras estrangeiras.

- Cobiça e glória: Alguns historiadores acreditam que as invasões Vikings podem ter sido um meio para os jarls conseguirem riqueza fácil e aumentarem sua influência e poder. Outros historiadores também acreditam que o desejo de aventuras e glórias pode ter sido um componente adicional nesse sentido.


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   FORTIFICAÇÕES CIRCULARES

          Juntando-se aos grandes avanços da sociedade Viking, existe um que pegou os arqueólogos e outros estudiosos de surpresa: raras classes de monumentos conhecidas como Fortalezas Circulares do tipo Trelleborg. Ainda um certo enigma na arqueologia, as evidências acumuladas são claras quanto ao papel dessas fortificações, as quais provavelmente faziam parte de um sistema de poder militar na Era Viking, próximo do século X. As descobertas de tais construções iniciaram-se na década de  1930.



           Compreendendo massivos arranjos de paus e elaboradas escavações, com cerca de 140 a 250 metros de diâmetro, e englobando também traços de largas edificações e outras construções de madeira, essas fortalezas circulares são mais do que notáveis nesse período na Europa. Todas foram projetadas em planos geométricos similares e sob medidas meticulosamente acuradas. Construídas em um curto período de tempo ao redor de 975-980 d.C., no reino do Rei Haroldo 'Bluetooth' (Dente-Azul) Gormsson , esse sistema de Fortalezas requereu uma enorme concentração de força de trabalho e organização, algo que desafia enormemente a errada concepção das pessoas e até mesmo especialistas do estado de avanço da sociedade Viking.

           Nesse sentido, as Fortalezas Circulares provavelmente estavam associadas com as tentativas de Bluetooth em fortalecer seu poder na Dinamarca. Essas construções, junto com outros pontos estratégicos de defesa, entravam, portanto, com a função de submeter reis de menor poder e chefes locais ao seu comando. Esse complexo e poderoso sistema de poder militar também teria o objetivo de controlar possíveis revoltas populares.

           Infelizmente, não existem registros contemporâneos diretos dessas Fortalezas, sendo as mesmas descritas por estudos arqueológicos. Como eram construções caras de serem mantidas e menos importantes com o fim da guerra civil, isso explica seus curtos períodos de existência e falta de documentos históricos detalhados. O que parece claro era que os Vikings parecem ter tido a inspiração em levantar esse projeto a partir de observações de construções militares dos inimigos durante as invasões.

            Até recentemente eram conhecidas quatro Fortalezas Circulares, com todas seguindo a construção de Trelleborg, próxima de Slagelse, no oeste da Zealand: Aggersborg, no norte de Limfjord; Fyrkat, próximo de Hobro; e Nonnebakken, em Odense. Existe também um local descoberto em  Borgeby, na Skâne, mas as evidências apontam que a construção ali não seguia o padrão de uma Fortaleza Circular. Aggersborg era a maior delas - com 242 metros de diâmetro -, enquanto Trelleborg é, de longe, a mais bem preservada e a única com defesas externas. Agora, a partir de escavações e análises iniciadas em 2014, uma nova Fortaleza circular foi descoberta e marca um ponto chave em reforçar o quanto a sociedade Viking era avançada.


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    BORGRING

           Apesar de todas as evidências levarem à conclusão de que essas Fortalezas Circulares faziam parte de um sofisticado arranjo militar no reino Viking da Dinamarca, suas localizações, até há alguns anos, eram consideradas um tanto erráticas. Enquanto pesquisas recentes mostravam efetivas estratégias militares do tipo sendo organizadas na Inglaterra Anglo-Saxônica, na Europa Central e na região do Mar Báltico, as disposições de defesa militar no reino dinamarquês não pareciam seguir padrões muito lógicos, podendo, inclusive, ser os vestígios de um projeto que falhou ou apenas construções simbólicas exaltando o poder do rei Haroldo.

            Em um exemplo, a distância entre Fyrt e Aggersborg é de apenas 52 km, enquanto a distância entre outros locais podem superar os 100 km. Comparando com construções militares do mesmo período, como as burhs inglesas, estas tinham uma distância entre si de 30 km, servindo como poderosos sistemas de defesa para as populações em volta. Além disso, locais fortemente povoados, como no sul da Zealand e no leste de Jutland, não parecem conter tais fortalezas. Nesse sentido, pesquisadores começaram a sugerir que outras Fortalezas Circulares podem ainda estar para serem descobertas, preenchendo as falhas de localização. E foi isso que um time de arqueólogos reportou esta semana na Antiquity (Ref.1)

           Combinando um mapeamento de alta-resolução (LIDAR), pesquisas geofísicas e pequenas escavações estratégicas, os pesquisadores revelaram mais uma Fortaleza Circular no padrão de Trelleborg, após mais de seis décadas com nenhum novo achado. Nomeada de Borgring, e encontrada no local de mesmo nome, no sul de Copenhagen, na Dinamarca, essa construção vem para preencher um importante buraco de distribuição militar estratégica ao longo do reino da Dinamarca. E quando também considerados outros pontos de defesa, como em Jelling, e cidades de Aarhus, Ribe e Hedeby, a introdução de Borgring garante uma distância constante entre 50 e 70 km entre esses pontos de investimento militar. Reunindo tudo isso, os pesquisadores concluíram que o sistema de Fortalezas Circulares era um efetivo sistema regional de defesa militar, de similar complexidade com aqueles vistos em outras partes da Europa.


            Além disso, usando as técnicas combinadas de análise arqueológica acima mencionadas, outras Fortalezas Circulares podem ainda serem reveladas, aumentando ainda mais a confiança no avançado sistema militar Viking. E Borgring apresenta uma característica única: durou muito mais do que um máximo de duas décadas como visto nas outras construções do tipo. Analisando os anéis dos troncos de árvores usados na sua construção, os pesquisadores mostraram que essa Fortaleza Circular foi erguida na década ou de 970 ou de 980, mas sua manutenção continuou por cerca mais de uma geração. Somando-se a isso, parece que ela foi fortemente atacada, com dois dos portões mostrando sinais de violentas queimaduras.

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       CONCLUSÃO

           As Fortalezas Circulares estão entre um dos objetos de estudo de maior interesse na arqueologia. Quando foram primeiro descobertas na década de 1930, as pessoas simplesmente não conseguiam acreditar que os Vikings, nos territórios Escandinavos, tinham construído essas estruturas. Muitos achavam que exércitos estrangeiros eram os responsáveis pelas construções. Mas à medida que mais dessas fortalezas foram sendo encontradas, os pesquisadores concluíram que, de fato, um rei Viking e seus subordinados foram os construtores responsáveis. E essas estruturas incrustadas dentro de um complexo sistema de defesa chama, mais uma vez, a atenção do público para um alerta: os Vikings eram guerreiros, obviamente, mas eles eram guerreiros inseridos dentro de uma sociedade avançada e muito bem organizada.


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REFERÊNCIAS 
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