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Qual é a relação entre Vikings, Rússia e Kiev?

> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre a Era Viking (793-1066 d.C.). Para mais informações sobre esse período da história Europeia, acesse: Vikings: A Era Subestimada da Sociedade Nórdica

- Atualizado no dia 8 de dezembro de 2022 -

           A expansão Viking para o leste Europeu e Ásia foi motivada particularmente por interesses econômicos, com um padrão mais organizado de violência e atividades comerciais. A maior atração que primeiro chamou a atenção dos Vikings para o leste foi o dirham, uma moeda de prata de alta qualidade cunhada em grandes quantidades no Califado Árabe Abbasid e em outros estados Muçulmanos. A vasta riqueza do califado era baseada em mercadorias de luxo de todas as partes do mundo, incluindo escravos, cera de abelha, mel e pelagens do Norte Europeu. Nesse último caso, essas operações eram mediadas pelos Cazares e pelos Búlgaros que viveram nas estepes do Mar Cáspio, sendo pagos com dirhams. Essas moedas começaram a circular entre os Eslavos, Bálticos e Finlandeses, e, ao redor de 780 d.C., começaram a aparecer em regiões mais ao Norte (ex.: Mar Báltico e Lago Ladoga), onde acabaram nas mãos de mercadores Suecos.



           Maravilhados em especial com as moedas de prata Árabes, os Escandinavos Suecos - durante a Era Viking - teriam sido encorajados a explorar os sistemas fluviais no Leste Europeu, tentando descobrir a fonte dessas moedas e aproveitar novas oportunidades comerciais (!). Essa exploração dos Vikings Suecos, porém, não foi menos violenta do que aquela realizada pelos Dinamarqueses e Noruegueses no Ocidente, já que a maior parte das mercadorias eventualmente comercializadas tinham origem de escravização e imposição de tributos.


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           Pela década de 830 d.C., os Suecos tinham forjado rotas comerciais do Báltico até o Mar Negro e o Mar Cáspio, estabelecendo um comércio Eurasiano que englobava caminhos por mar e por rios. Muitos tinham ido bem mais longe e viajado através desses mares para estabelecer atividades comerciais em Constantinopla e Bagdá, as capitais do Império Grego Bizantino e o Califado Árabe Abbasid, respectivamente. Durante essas explorações comerciais, os Vikings operando permanentemente no leste ganharam um novo nome: Rus. A origem desse nome - do qual a Rússia ganha também seu nome - é ainda debatida no meio acadêmico. A mais aceita explicação é que o termo é derivado da palavra Ruotsi, o nome Finlandês para os Suecos. Ruotsi, por sua vez, provavelmente deriva do Antigo Nórdico roðr, que significa "uma tripulação de remadores".

           Nesse caminho, as atividades dos Vikings no leste estão intimamente ligadas às origens do estado Russo. Os Rus fundaram assentamentos e tomaram controle de assentamentos prévios ao longo das rotas comerciais. Esses assentamentos deram à Rússia seu nome Viking Garðariki, o "reino de cidades". Os Rus se tornaram os guerreiros e a elite dominantes desses assentamentos, mas com a maioria da população representada por Eslavos e Finlandeses nativos. A partir dos assentamentos, e especialmente no inverno, os Vikings atacavam os Finlandeses e tribos Eslávicas por tributo, escravos e peles de animais, mercadorias muito visadas pelos Gregos e Árabes. 


          Os Rus estavam sempre fazendo incursões em territórios hostis no leste, obrigando-os sempre a viajar em grupos para maior segurança. Os mais perigosos momentos nessas viagens era quando os Vikings precisavam transportar suas embarcações e cargas por terra para sair de um sistema fluvial e entrar em outro, tornando-os alvos fáceis de emboscadas. Evidências sugerem que os guerreiros Rus capturados eram frequentemente feitos "soldados escravos", sendo forçados a servir grupos inimigos ou rivais no leste Eurasiano (Ref.3).

          Durante a segunda metade do século IX, os assentamentos Rus se tornaram unidos em um único reino. De acordo com as Crônicas Primárias Russas, o primeiro Estado Rus foi fundado ao redor de 860-862. Eventualmente, os Rus tomaram controle de todo o noroeste Russo - sob liderança inicial do Viking Rurik (Hrœrekr), um dos três irmãos "que vieram do mar" -, com a eventual fundação da capital Novgorod em 930. Quando Rurik alegadamente morreu em 879, ele foi sucedido pelo Príncipe Oleg (879-913). Em 882, Oleg reuniu um exército de Vikings e Eslavos e capturou a região de Kiev (hoje capital da Ucrânia). Oleg se moveu de Novgorod para Kiev, tornando essa região (Kievan Rus) a nova capital do Estado Rus

          Na história Russa, a fundação de Kievan Rus por Oleg é tradicionalmente considerada a origem do estado moderno da Rússia. A mais curta rota econômica para os domínios Bizantinos passava através de Kievan Rus, começando no Mar Varangiano, passando pelo Lago Ladoga, na Rússia, pelo rio Dnieper e, finalmente, ao longo do Mar Negro até Constantinopla. O posicionamento estratégico de Kiev permitia o fácil controle dessa rota pelos Rus, e fortificações Vikings foram estabelecidas em várias áreas associadas ao Rio Dnieper (o qual corta Kiev).
 


            Nesse contexto, os Vikings investiram bastante em Kiev, construindo fortificações na cidade que eram capazes de defender tanto suas riquezas e mercadorias quanto as caravanas de mercantes passando através dos seus territórios. Graças a esse controle, Kiev passou a acumular riqueza não apenas do comércio, mas também a partir de várias taxas impostas nas transações comerciais. Isso promoveu um grande desenvolvimento econômico na região - a qual eventualmente passou a ser a capital da atual Ucrânia - e também estabeleceu Kiev como o principal centro político e militar dos Rus.

           Pelo final do século XII, o estado Rus entrou em declínio, reduzindo dramaticamente sua influência sobre Kievan Rus. Em torno de 1240, os Rus foram conquistados pelos invasores Mongóis. Ao longo dos próximos 200 anos, o povo Eslávico Oriental foi dividido em três grupos distintos: Belarusianos, Russos e Ucranianos. Os Mongóis foram eventualmente derrubados no século XV, com o centro político, econômico, religioso e militar mudando de Kiev para Moscou, junto com a ascensão dos Tzares (ou Czares) - caracterizados por um governo muito mais autoritário e centralizado.

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         Interessante mencionar que enquanto a Era Viking terminou no século XII na Escandinávia - quando os líderes Vikings se submeteram e começaram a prestar serviços a reis -, na parte leste do Mar Báltico e ao longo dos rios da Rússia, atividades com "assinatura Viking" (economia baseada em pilhagem e invasões) persistiram até o período final da Idade Média, representando importante componente econômico de sociedades locais. Essa situação mudou com o fortalecimento do poder em Moscou, sob a liderança do Príncipe Vasiley Borisovich, levando ao enfraquecimento e progressiva extinção das invasões sistemáticas nas partes central e ocidental da Rússia. Por outro lado, atividades Viking continuaram e até mesmo cresceram em novas formas na Ásia Central e nas regiões de Volga, Cáspio e no Cáucaso, resistentes ao controle de Moscou; ao longo de rios Siberianos, invasões por navios Viking persistiram ainda no século XVII; nas periferias Russas, invasões e pilhagem continuaram até o século XIX. Esse processo histórico associado ao território Russo promoveu a formação da economia Muscovita moderna e ainda marca a atual economia e política da Rússia (Ref.7).

> Como os povos no Leste Europeu não possuíam uma cultura literária na época da expansão Viking (incluindo os Escandinavos), a maior parte das fontes contemporâneas sobre a ocupação e incursões dos Vikings no leste são oriundas de registros feitos por geógrafos e viajantes Árabes, e cronistas e estadistas Bizantinos. Mas registros rúnicos dos séculos IX-XI na Suécia têm sido também importantes fontes históricas.


REFERÊNCIAS
  1. Kurzenkova, A. O. (2017). The influence of the viking trade on the development of Kiev: data of the scandinavian runic inscriptions. https://jpvs.donnu.edu.ua/article/view/3611
  2. Кузюрин & Ярошенко (2019). The Viking Activities in the East and Their Role in the Foundation of the Kievan Rus. Foreign Languages and Contemporary World.
  3. Katona, Csete (2021). Scandinavian/Rus’ Captives and Slave Soldiers: an Eastern Perspective. Viking Wars, Vol. 84, No. 1. https://doi.org/10.5617/viking.9052
  4. Ellis, Caitlin (2021). Remembering the Vikings: Ancestry, cultural memory and geographical variation. History Compass, Volume 19, Issue 4, e12652.  https://doi.org/10.1111/hic3.12652
  5. McCarthy, Mark (2022). Russia and Ukraine: What to Know from a Historian. https://inallthings.org/russia-and-ukraine-what-to-know-from-a-historian/
  6. Philippsen et al. (2022). Single-year radiocarbon dating anchors Viking Age trade cycles in time. Nature 601, 392–396. https://doi.org/10.1038/s41586-021-04240-5
  7. Korpela, Jukka (2022). The Last Vikings: Russian Boat Bandits and the Formation of Princely Power. Russian History 48 (20 21) 89–117. https://doi.org/10.30965/18763316-12340024