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Marfim e o massacre dos elefantes


- Atualizado no dia 15 de novembro de 2022 -

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          O governo do Quênia em 2016 chamou bastante atenção internacional ao queimar quase todo o seu estoque de presas e esculturas de marfim até então apreendidas, algo em torno de 100 toneladas (Ref.6). O ato serviu para reforçar o comprometimento do país na luta contra a caça aos elefantes pelo seu valioso marfim. Já outros ativistas ambientais disseram que o ato foi imprudente, porque diminuiu a quantidade do produto no mercado, potencialmente aumentando a demanda e o valor do marfim (as pilas sendo queimadas representavam na época cerca de 5% do marfim circulando no comércio mundial), em um momento de vacilante segurança e fiscalização ambiental no âmbito internacional. Independentemente das opiniões e do ato em si, a situação dos elefantes continua crítica.
 
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ATUALIZAÇÃO (13/06/19):  De acordo com um estudo publicado recentemente na Nature Communications (1), depois de um pico em 2011, onde 10% dos elefantes no continente tinham sido mortos por causa do marfim, em 2017, esse número caiu para menos de 4%. Porém, apesar da boa notícia inicial, o problema ainda está longe de ser resolvido, e essa queda pode ser temporária. Para saber mais, acesse: A caça aos elefantes na África caiu dramaticamente
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São muitos os produtos feitos com marfim, os principais sendo esculturas
 

          O marfim é é um tecido calcificado branco formado, principalmente, por 'dentina', uma substância constituída por 45% de material inorgânico (hidroxilapatita, com o cálcio sendo parte da sua estrutura), 33% de material orgânico (colágeno, por exemplo) e 22% de água, sendo que essa composição pode variar dependendo da fonte natural. Apesar de muitos acharem que o marfim é representado apenas pelas presas de elefantes, esse material nada mais é do que um dos constituintes básicos do dente. Sim, quaisquer presas e dentes de mamíferos são fontes de marfim - em específico a parte do meio do dente, sob o duro esmalte dentário. Portanto, você e elefantes são fornecedores desse material. Porém, na prática comercial, 'marfim' significa uma presa ou dente grande o suficiente para permitir a lapidação de grandes quantidades desse material e manufatura de esculturas, utensílios, ferramentas, entre diversos outros itens. Assim, as presas e dentes visados vêm, primariamente, de grandes mamíferos, como as baleias, elefantes, hipopótamos, mamutes (1), morsas, javalis selvagens e narval. Os elefantes (mamíferos da família Elephantidae) são, de longe, os mais procurados pelo marfim, o que coloca um sério problema para esses animais.


O marfim não é um material exclusivo dos elefantes, mas estes são as principais fontes comerciais. As longas presas dos elefantes evoluíram de dentes incisivos, sendo constituídas em grande parte de dentina. Essas presas possuem várias funções para os elefantes: cavar, levantar objetos, reunir alimentos, remover casca de árvores para comer, proteger a tromba e para a defesa contra predadores ou outras ameaças.


            Por causa da sua durabilidade, pureza, beleza, relativa raridade exploratória e excelente base para esculturas, o marfim é um produto de alto valor no mercado, e tem sido comercializado e usado por milênios na sociedade humana (2). E, por séculos, o marfim de elefantes tem sido considerado um produto de luxo, frequentemente associado com status e riqueza, especialmente entre culturas Asiáticas. Hoje, o preço da matéria-prima pura chega a alcançar US$3000 o quilo (kg) no mercado negro, enquanto o produto finalizado, especialmente esculturas, pode valer centenas de vezes mais. Bastante cobiçado no Sudeste Asiático - onde é usado também na medicina tradicional -, o principal mercado consumidor de marfim no mundo é a China, onde em várias partes, como em Hong Kong, o comércio era até 2017 liberado e enfrentava pouquíssima fiscalização. Em termos globais, o comércio do marfim hoje é ilegal em vários países por pressão das entidades de conservação ambiental.  Porém, a ilegalidade não mostra-se suficiente para deter a ação de criminosos e o mercado negro continua movimentando fortunas com esse comércio.

(2) Leitura recomendada

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          Apesar de uma continua queda desde o pico entre 2011 e 2013 - o qual deflagrou a primeira Conferência de Londres sobre o Comércio Ilegal da Vida Selvagem -, nas últimas duas décadas, na média anual, cerca de 30 mil elefantes vêm morrendo na África por causa das suas presas. Com uma população estimada em torno de 350 mil indivíduos, se a taxa de caça voltar ao patamar de 2011, em algumas décadas esses animais podem estar extintos no continente. Na Tanzânia, por exemplo, a população de elefantes teve uma queda de 65% e em Botswana a situação ficou tão crítica que o país liberou o 'atire para matar' sobre qualquer caçador em atividade. Antes das ações de fiscalização e proteção aos elefantes, a população total desses animais caiu de 1,3 milhão para 600 mil no continente africano entre 1980 e 1990. Na China, Vietnã, Laos, Camboja e Indonésia, os elefantes estão quase extintos por causa da quase inexistente força de vontade governamental até 2016 de impedir o comércio do marfim.

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CURIOSIDADE: Em um estudo publicado em 2021 na Science, pesquisadores mostraram que, por causa de uma intensa caça de elefantes-Africanos (Loxodonta africana) que ocorreu durante a Guerra Civil em Moçambique - resultando em um declínio populacional de 90% no Parque Nacional de Gorongosa - cada vez mais indivíduos fêmeas da espécie começaram a nascer sem presas na região, a partir de um processo evolutivo marcado por seleção natural. Para mais informações: Caça excessiva durante Guerra Civil causou evolução de elefantes sem presas em Moçambique

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          Em 2008, a China foi permitida de comprar um estoque de 62 toneladas de marfim da África (apreendido) com o propósito de cobrir seu mercado interno e suprimir a importação de marfins capturados de elefantes selvagens ainda vivos. Porém, essa compra, a longo prazo, acabou cobrindo o contrabando ilegal de 1000 toneladas de marfim. Por isso, desde o começo de 2018 o governo Chinês vem ativamente impondo um fechamento da indústria de marfim e um banimento no comércio desse material em várias regiões. Se isso irá combater efetivamente o comércio ilegal, ainda permanece a dúvida, mas quedas acentuadas na caça de marfim na África estão sendo observadas.


Populações de elefantes na Ásia e na África têm sido reduzidas drasticamente por causa do marfim; um caçador consegue ganhar em média cerca de 3000 dólares para cada par de presas capturado, valor muito maior do que o salário anual de um trabalhador africano comum, fato este que atrai várias pessoas em desespero; é estimado que, diariamente, 55 elefantes Africanos ainda são mortos por caçadores para a extração de marfim!

           E não é só os elefantes que estão ameaçados. Os hipopótamos estão também ameaçados de conservação e, além da caça pela sua carne e perda territorial para grupos humanos, o comércio de marfim a partir dos seus grandes dentes caninos está aumentando bastante, em uma tentativa dos caçadores em substituir as presas de elefantes, as quais estão sendo mais protegidas pelos governos. As populações desses animais na África, em 2016, não passavam de 150 mil indivíduos, sendo necessário que os esforços de conservação sejam também sejam voltados para esses animais, cuja ameaça de extinção é maior do que a dos elefantes.


Os grandes dentes do hipopótamo são também muito visados para o aproveitamento do marfim

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MARFIM VERMELHO: Durante o encontro da Cites em 2016 (Ref.8), outro animal também ganhou proteções especiais. Conhecido como Calau-de-Capacete, e nativo da península de Malaca, ilhas de Sumatra e Bornéu, o marfim constituinte do seu bico, chamado de 'marfim vermelho', é altamente valioso na China, e chega a valer mais de 5 vezes o marfim dos elefantes. Isso faz com que a caça à essa ave seja incessante, fazendo essa espécie de calau estar na lista dos mais ameaçados de extinção. Como são aves bem grandes, chegando a pesar 3 kg, elas são fáceis de serem alvejadas por tiros, facilitando a vida dos caçadores. Só em 2013, foi estimado que mais de 500 dessas aves foram mortas, por mês, no Oeste de Bornéu.

O Calau-de-Capacete é outra vítima do tráfico ilegal de marfim

O marfim vermelho é mais fácil de ser trabalhado do que o marfim branco, fazendo com que esculturas bem complexas sejam feitas com esse material, e aumentando ainda mais o seu valor. Na imagem acima, à direita, podemos ver um caçador sendo preso pela caça ilegal dessas aves, e também podemos ver os bicos que estavam sendo contrabandeados.
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             Também em 2008, o eBay, antigo lar da maior parte das transações comerciais de marfim no mundo (90% no caso dos elefantes) baniu qualquer tipo de venda desse material do seu sistema. No papel, seria legal vender marfim extraído das presas de animais mortos por causas naturais ou de peças históricas, mas como a procedência de matéria-prima é impossível de ser controlada, a melhor medida é o banimento total do comércio para prevenir carnificinas. Muitos países signatários da CITES (Convenção Internacional do Comércio de Espécies Ameaçadas) já possuem tolerância zero contra o comércio de marfim. Em 2016, no meio da Times Square, New York, 1 tonelada de produtos feitos com o material foram destruídos, para mostrar que os EUA abominam esse tipo de comércio e sendo também o local escolhido pelos grupos ambientalistas para dar o maior holofote possível para o ato simbólico. Apesar das rígidas leis, o mercado norte-americano é o segundo maior do mundo para o marfim, perdendo apenas para a China, a qual detém próximo de 70% do fluxo comercial.  

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ATUALIZAÇÃO (14/01/21): Em um estudo publicado no periódico Topical Conservation Science (Ref.12), cientistas alertaram que o comércio de marfim (extraído das presas de elefantes) continua elevado no eBay mesmo com as restrições impostas pelas empresas. Os produtos de marfim são em sua maioria vendidos camuflados como outros materiais não-restritos ou mesmo como uma cor (ex.: branco marfim), e a empresa não está investindo recursos suficientes para combater o comércio ilegal da vida selvagem, e medidas simples como restringir algumas palavras associadas com o comércio de marfim ('ivory', 'marfim', etc) já seriam efetivas mas não estão sendo aplicadas.
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Em um dia que ficou histórico e teve enorme peso para a causa ambiental, 1 tonelada de produtos feitos com marfim foram destruídos no meio da Times Square, em New York, EUA na manhã de 19 de junho de 2015. Foto: BBC News/Google Images

           Se você testemunhar ou desconfiar de pessoas vendendo produtos de marfim, denuncie. E antes de comprar qualquer peça escultural ou utensílio, evite aqueles feitos com marfim. A caça não vai parar enquanto houver gente disposta a pagar caro por esse material.

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(1) Sim, o marfim de mamutes é comercializado até hoje a partir dos fósseis desses animais. Apesar de serem mais difíceis de serem obtidos, o marfim de mamutes possui um valor bem menor de mercado na China do que aquele oriundo de elefantes vivos. Só na Sibéria, Rússia, é estimado que existam mais de 10 milhões de mamutes enterrados. Porém, embora seja legalizado, especialistas temem que o comércio de marfim de mamutes esteja acobertando em parte o comércio ilegal de marfim de elefantes (Ref.).

Fósseis de mamutes são bem procurados por caçadores e contrabandistas

OBS.: Os chifres de rinocerontes, produtos ainda mais valiosos no mercado negro, não são feitos com a mesma composição química do marfim. Eles, são, na verdade, estruturas de queratina, a mesma proteína que forma nossas unhas e cabelo. Para saber mais, acesse: Rinocerontes no precipício da extinção
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ATUALIZAÇÃO (13/09/16): Um grande censo (Ref.9) feito nas populações de elefantes nas savanas africanas mostrou declínios pesados no número desses animais na última década, em uma taxa negativa de 8% ao ano! O estudo, chamado de Great Elephant Census (GEC) e financiado em grande parte pelos irmãos bilionários filantropos Paul G. Allen e Jody Allen ( injeção em torno de 8 milhões de dólares de investimento), durou cerca de 2 anos e estimou que, entre os anos de 2007 e 2014, 30% dos elefantes presentes em 15 países africanos dos 18 analisados pelo censo desapareceram, ou seja, uma baixa preocupante de 144 mil desses animais. O grande responsável por esse forte declínio é, como já dito no artigo acima, a caça ilegal.

No geral, 90 cientistas, 6 organizações não-governamentais e 2 parceiros de comunicação pública estavam envolvidos no censo, o qual englobou cerca de 93% dos elefantes de savana do continente.. Várias entidades e ativistas ambientais pedem urgência na resolução dos problemas de caça aos elefantes, os quais podem ser extintos em breve no ambiente selvagem caso a tendência atual de declínio populacional continue no mesmo ritmo. Hoje existem em torno de 350 mil elefantes distribuídos nas savanas africanas.

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ATUALIZAÇÃO (08/10/16): No último encontro do CITIES (Convenção Internacional de Espécies Ameaçadas da Flora e Fauna Selvagem), o qual se estendeu do dia 24 de Setembro até o último dia 5 de Outubro, gerou grandes benefícios futuros para vários animais, mas os campeões na aquisição de ajuda ambiental foram os Elefantes, Pangolins e Papagaios-Cinzas-Africanos.

Pelos acordos, no caso dos elefantes, foi banido os mercados de marfim domésticos e legalizados, locais onde muitos caçadores poderiam estar lavando aos montes marfins ilegais. Também foi rejeitada a proposta de legalizar as vendas de marfim sob qualquer circunstância.

Os Pangolins são os mamíferos mais traficados do mundo por causa do uso da sua carne em caros pratos muito apreciados em restaurantes asiáticos e por causa do uso medicinal das suas escamas, estas as quais teriam supostos poderes na cura de doenças. Isso colocou esses animais em alto risco de extinção. Os acordos na CITIES baniram toda forma de comércio dos pangolins, independente da espécie. (Saiba mais em: Qual é o mamífero mais traficado do mundo?)

Os Papagaios-Cinzas-Africanos são muito traficados por serem bastante apreciados como animais de estimação, algo que está destruindo a população desses animais em meio selvagem. Todo tipo de comércio com a espécie foi banido.

O encontro reuniu 152 representantes de governos, mais de 3500 pessoas e foi o maior até agora. Muitos disseram que o encontro foi um grande virar de maré para a causa ambiental. (Ref.7)


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ATUALIZAÇÃO (07/10/16): O Secretário Ambiental britânico, Michael Gove, anunciou uma consulta para por um fim no comércio de marfim de todas as épocas - tentativas anteriores colocariam um banimento que deixariam o comércio livre para produtos de marfim produzidos antes de 1947.

Algumas exceções ainda serão permitidas, como para instrumentos musicais e itens de importância cultural. De qualquer forma, grupos de conservação ambiental comemoraram muito.

Enquanto o Reino Unido já tinha banido o comércio de presas de marfim não trabalhadas, o bloco econômico também se transformou no maior exportador legal de produtos e antiguidades feitas de marfim do mundo em anos recentes.

De acordo com investigações ambientais, entre 2010 e 2015 mais de 36 mil itens foram exportados do Reino Unido, algo superior a 3 vezes do segundo maior exportador, os EUA.

Grupos de conservação ambiental afirmam que essas vendas estimulam a demanda pelo produto e estão ligadas ao aumento do massacre dos elefantes na África. O Príncipe William também está junto dessa luta contra o tráfico de marfim e desde 2016 vem pedindo para que o governo britânico passe um banimento total nas vendas domésticas.


ATUALIZAÇÃO (01/02/18): Uma Excelente notícia: legisladores em Hong Kong votaram em grande maioria pelo banimento do comércio de marfim (Ref.11). A decisão muito mais do que bem-vinda pelos ambientalistas entrará em ação gradualmente, onde prevê-se que o comércio de marfim irá ter um completo fim em 2021. A medida segue os vários banimentos do tipo que o governo Chinês vem fazendo na porção continental do país.

Em Hong Kong, existe um pesado comércio desse marfim há 150 anos para fins diversos, desde medicinais até para a manufatura de esculturas. De fato, esse território Chinês é considerado o maior mercado de marfim do mundo.

Só em julho de 2017, autoridades em Hong Kong reportaram a apreensão do maior carregamento de marfim já visto no mundo: cerca de 7,2 toneladas. Mais de 90% dos compradores de marfim de Hong Kong são da China continental, a qual responde responde pela maior parte das importações mundiais de presas de elefantes.

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REFERÊNCIAS
  1. https://www.cites.org
  2. http://www.bbc.co.uk/news/world-us-canada-33209655
  3. https://www.newscientist.com/article/dn4109-poaching-causes-hippo-population-crash
  4. http://www.uic.edu/classes/orla/orla312/BHDTwo.html
  5. http://www2.lbl.gov/ritchie/Library/PDF/Biomaterials%28transparent-dentin%29.pdf
  6. http://www.bbc.com/news/world-africa-36176756
  7. www.nature.com/news/pangolins-and-parrots-among-winners-at-largest-ever-meeting-on-wildlife-trade-1.20775 
  8. http://www.bbc.co.uk/news/science-environment-37483535
  9. https://peerj.com/articles/2354/
  10. http://www.bbc.com/news/science-environment-41512796
  11. http://www.bbc.com/news/world-asia-china-42891204
  12. https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1940082920974604
  13. https://www.science.org/content/article/booming-trade-mammoth-ivory-may-be-bad-news-elephants
  14. https://www.worldwildlife.org/stories/what-is-ivory-and-why-does-it-belong-on-elephants
  15. https://www.ifaw.org/journal/what-is-ivory
  16. https://www.env.go.jp/nature/kisho/kisei/en/conservation/ivory/about/