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"Fico doente após a ejaculação": O que é a Síndrome da Doença Pós-Orgásmica ?

 

          Um paciente do sexo masculino de 45 anos de idade - engenheiro por profissão, casado por 10 anos e com 3 filhos - apresentou-se aos hospital reclamando de sintomas desagradáveis que emergiam após a ejaculação (e orgasmo). Pouco após o orgasmo (dentro de 4-5 segundos), ele sentia severa fatiga, cansaço e exaustão com severas dores musculares, ósseas e nas articulações. Abrir as mãos se tornava muito doloroso. A condição era acompanhada por dor de cabeça, rosto pálido, irritação ocular, baixa concentração, ansiedade, tontura e intensa coceira. O paciente reportou que essas manifestações começaram no início da puberdade e aumentaram em severidade com o avanço da idade e ocorriam com todos os orgasmos, independentemente do tipo de atividade sexual (masturbação, penetração vaginal e até mesmo emissão noturna).

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          As manifestações sintomáticas no paciente eram tão severas que durante os primeiros 2 dias pós-orgasmo ele não conseguia ir ao trabalho, apesar dos sintomas gradualmente ficarem menos intensos e desaparecerem até o 5° dia. Nesse contexto, o paciente tentava evitar qualquer atividade sexual, apesar do forte desejo sexual e rígidas ereções. Ele não tinha histórico de doenças crônicas, operações cirúrgicas ou uso de medicamentos ou outras drogas, exceto por manifestações atópicas comuns de asma bronquial, rinite alérgica e neurodermatite e ocasional tratamento sintomático voltado para essas condições.

          Durante exame clínico, os médicos não notaram nenhuma anormalidade de interesse no paciente. No geral, ele tinha uma boa saúde, possuía uma boa constituição física e possuía características sexuais secundárias normais. O paciente tinha 97 kg de massa corporal, 1,77 metro de altura e pressão sanguínea de 125/85 mm/Hg. 

          Testes laboratoriais de rotina (perfil sanguíneo, função renal, glicose no sangue e função prostática) também não revelaram nenhuma anormalidade.

          Com base no relato do paciente e nos resultados dos exames clínicos e laboratoriais, um diagnóstico de síndrome da doença pós-orgásmica foi feito.

          O paciente recebeu fortes analgésicos na forma de ibuprofeno (400 mg sob demanda) e tramadol (50 mg administrada 1 hora pós-orgasmo), porém sem benefícios reportados. Um inibidor seletivo de recaptação de serotonina foi então prescrito (escitalopram 10 mg/dia antes de dormir por 3 meses), mas também sem benefícios.

          O caso foi descrito e reportado em 2013 no periódico F1000Research (Ref.1).


    SÍNDROME DA DOENÇA PÓS-ORGÁSMICA

          A síndrome da doença pós-orgásmica (SDPO) foi primeiro reportada e nomeada em 2002 por Waldinger & Schweitzer, após descrição médica de dois pacientes heterossexuais do sexo masculino que experienciavam sintomas similares àqueles de uma gripe como febre, dor muscular, fatiga e irritabilidade após o orgasmo (Ref.2). Sintomas podem ocorrer dentro de segundos ou horas após um orgasmo, relacionamento sexual, masturbação ou ejaculação noturna espontânea, e pode durar por 2-7 dias seguindo o orgasmo. Para evitar ou lidar com esses desagradáveis e persistentes sintomas, os indivíduos afetados pela SDPO tipicamente buscam evitar atividades sexuais (1) ou programam atividades sexuais para períodos que não entrem em conflito com eventos sociais importantes ou obrigações profissionais. Obviamente, isso traz sérios e debilitantes impactos negativos à saúde e à vida social e amorosa do indivíduo afetado, incluindo reduzida qualidade de vida tanto dos pacientes quanto dos seus parceiros.

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(1) Porém, esse tipo de estratégia, além de ter efeitos deletérios na qualidade de vida, pode ter eficácia limitada. Por exemplo, em um caso recentemente reportado no periódico The Aging Male (Ref.3), foi descrito um paciente de 25 anos de idade, casado e com um filho, que desenvolveu SDPO aos 20 anos de idade. Manifestações sintomáticas nesse caso ocorriam 30 minutos após a ejaculação, e os sintomas desapareciam espontaneamente dentro de 2-7 dias na média. O paciente passou, então, a evitar relação sexual com sua esposa, mas essa abstinência aumentou as taxas de ejaculações noturnas espontâneas, com recorrência dos sintomas.

> Importante não confundir a síndrome da doença pós-orgásmica com manifestações do período refratário pós-ejaculatório, um fenômeno muito comum e normal. Para mais informações: Por que a vontade sexual desaparece após o orgasmo masculino?

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         Geralmente, as manifestações sintomáticas da síndrome emergem em todos ou quase todos (>90%) os eventos de ejaculação nos indivíduos afetados. A síndrome parece afetar de forma quase exclusiva a população masculina, geralmente indivíduos saudáveis e comumente se desenvolve durante a adolescência (SDPO primária ou precoce), mas pode emergir em qualquer outra fase da vida pós-adolescência (SDPO secundária ou tardia) (Ref.4). Sintomas pós-orgásmicos são diversos - frequentemente englobando manifestações típicas de uma gripe -, e podem incluir febre, suor excessivo, dor muscular, dor de cabeça, fraqueza, fatiga extrema, congestão nasal (ou escorrimento nasal), garganta inflamada, boca seca, dificuldade de concentração, fala incoerente, distúrbios de humor, fotofobia, fala incoerente, tensão e fraqueza musculares, irritação ocular, visão embaçada, entre outros. Extrema fatiga após a ejaculação parece ser um sintoma muito comum entre os afetados. A apresentação da síndrome é altamente variável na intensidade, duração, tipos de sintomas e a ordem de aparência (Ref.5). 

          Considerando a quase exclusividade masculina da síndrome (2), rápida emergência dos sintomas após a ejaculação e sintomas não-específicos similares aos de uma gripe, estudos têm sugerido que a SDPO pode ser uma resposta imunológica ou autoimune a algum antígeno no sêmen, particularmente no fluido seminal (Ref.6-8). Evidências suportando envolvimento imune incluem teste cutâneo positivo para o sêmen em 88% dos pacientes de uma amostra (n = 33); melhora gradual - mas sem remissão - através de dessensibilização usando injeção subcutânea de sêmen autólogo de 2 pacientes; e melhora através do uso de anti-histamínicos (Ref.4). Porém, essas evidências são limitadas e particularmente conflitantes para mecanismos patogênicos envolvendo reação alérgica. Outros mecanismos têm sido também propostos, incluindo envolvimento de caminhos da ciclooxigenase (COX) e mudanças em opioides endógenos seguindo o orgasmo. 

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(2) Existe um relato de caso descrito na literatura médica de um indivíduo do sexo feminino exibindo um quadro característico de SDPO (Ref.2). É possível que o caso tenha relação com liberação de fluido prostático da próstata feminina (localizada ao redor da uretra) durante o orgasmo.

> Leitura recomendada: Ejaculação feminina existe?

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           Como a etiologia exata da SDPO não é bem esclarecida, não existe um tratamento padrão estabelecido. Existe evidência sugestiva para o uso de silodosina, um fármaco que age como um antagonista do receptor adrenérgico alfa 1 e cujo efeito colateral mais comum é a redução na quantidade de sêmen liberada durante a ejaculação ou ausência de ejaculado (anejaculação) (Ref.5). Uso off-label de flibanserina também tem sido reportado eficaz na redução da intensidade e da duração dos sintomas (Ref.9).

           Válido mencionar que em um estudo recentemente publicado no periódico Sexual Medicine (Ref.10), descrevendo 6 pacientes com SDPO, os pesquisadores reportaram que 3 dos pacientes relataram emergência dos sintomas ocorrendo também durante estados de alta excitação sexual e antes da ejaculação. Isso possivelmente sugere envolvimento de fluido pré-ejaculatório, ou recrutamento autonômico simpático observado com emissão seminal. Além disso, 2 dos pacientes relataram persistência dos sintomas por mais de 7 dias, somando a relatos prévios de que a manifestação sintomática pode ultrapassar o limite comumente reportado de 1 semana. Por fim, os pesquisadores reportaram sintomas em 3 pacientes antes não descritos na literatura médica para a síndrome: intolerância ao frio, fome aumentada, nódulos linfáticos inchados e problemas de memória. Nenhum dos tratamentos já testados e sugeridos para a síndrome foram efetivos nos pacientes analisados, incluindo uso de silodosina e imunoterapia. Os autores do estudo pediram por revisão nos critérios de diagnóstico da SDPO e estudos de maior porte para melhor caracterização e entendimento da síndrome.

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          A prevalência do SDPO é desconhecida e difícil de determinar porque muitas pessoas afetadas não procuram ajuda médica e a maioria dos médicos são ainda pouco familiarizados com a síndrome e seus impactos na qualidade de vida (Ref.2). Até o momento, um número limitado de casos têm sido descritos na literatura médica (<70 casos), e a maioria dos estudos sobre a condição são relatos de caso. Por outro lado, em fóruns na internet, o número de casos auto-reportados tem aumentado rapidamente - e é esperado que cada vez mais indivíduos afetados reportem suspeita sobre a condição à medida que essa síndrome seja adequadamente reconhecida pelo público e pela comunidade médica. No geral, na literatura médica, a SDPO é considerada uma síndrome rara, apesar de evidência ser limitada para firme conclusão nesse sentido.

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Attia et al. (2013). Post-orgasmic illness syndrome: a case report. F1000Research, 2:113. https://doi.org/10.12688/f1000research.2-113.v1
  2. Waldinger et al. (2016). Post orgasmic illness syndrome (POIS). Translational Andrology and Urology, 5(4): 602–606. https://doi.org/10.21037%2Ftau.2016.07.01
  3. Ismail et al. (2023). Complementary role of Benson’s relaxation technique in post orgasmic illness syndrome. The Aging Male, Volume 26, Issue 1. https://doi.org/10.1080/13685538.2023.2174511
  4. Rao & Andrade (2023). Post-orgasmic Illness Syndrome. Journal of Psychosexual Health, 5(2):75-76. https://doi.org/10.1177/26318318231194228
  5. Reisman, Y. (2020). Clinical experience with post-orgasmic illness syndrome (POIS) patients—characteristics and possible treatment modality. International Journal of Impotence Research. https://doi.org/10.1038/s41443-020-0314-9
  6. Waldinger et al. (2016). Post orgasmic illness syndrome (POIS). Translational Andrology and Urology, 5(4): 602–606. https://doi.org/10.21037%2Ftau.2016.07.01
  7. Hellstrom et al. (2018). Post-Orgasmic Illness Syndrome: A Review. Sexual Medicine Reviews, Volume 6, Issue 1, Pages 11-15. https://doi.org/10.1016/j.sxmr.2017.08.006
  8. Reisman & Tripodi (2022). Post-Orgasmic Illness Syndrome (POIS). In: Reisman, Y., Lowenstein, L., Tripodi, F. (eds) Textbook of Rare Sexual Medicine Conditions. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-030-98263-8_9
  9. Padhye et al. (2023). Flibanserin for Post-Orgasmic Illness Syndrome: A Case Report, The Journal of Sexual Medicine, Volume 20, qdad060.222. https://doi.org/10.1093/jsxmed/qdad060.222
  10. Rosetti et al. (2023). Case series: expanding diagnostic markers in postorgasmic illness syndrome. Sexual Medicine, Volume 11, Issue 2, qfac021. https://doi.org/10.1093/sexmed/qfac021
  11. Duran et al. (2023). Recognition and practice patterns of sexual medicine experts towards postorgasmic illness syndrome. International Journal of Impotence Research. https://doi.org/10.1038/s41443-023-00753-x