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A Groenlândia na Era Viking não tinha gelo?


> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre Mudanças Climáticas, Paleoclimatologia, efeito estufa atmosférico e evidências da ação humana (antropogênica) no atual processo de Aquecimento Global. Para saber mais, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade.

- Atualizado no dia 21 de janeiro de 2023 -

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           É um mito bastante disseminado dizer que a Groenlândia ganhou seu nome em inglês 'Greenland' (Terra Verde) dos Nórdicos porque supostamente durante a Era Viking essa ilha estava livre de gelo devido a temperaturas supostamente bem mais altas em todo o globo. A realidade é que os Vikings habitaram apenas algumas porções costeiras no sul da ilha, onde não estava coberto de gelo, e durante o Período Medieval Quente (900-1400 d.C.), este o qual foi marcado por temperaturas anormalmente mais elevadas apenas em algumas regiões do Hemisfério Norte - similares às atuais diga-se de passagem, e longe de estarem 'muito elevadas' -, enquanto outras tiveram um pronunciado resfriamento, diferente do padrão global de aquecimento hoje que corrobora a atuação dos gases estufas em excesso na atmosfera como agentes de causa, como mostrado nos dois gráficos abaixo.



 
Na última década, as temperaturas na parte central da Groenlândia estavam, na média, ~1,5°C acima daquela no século XX, e excedendo a faixa de variações das temperaturas pré-industriais ao longo do último milênio (pelo menos desde 1000 d.C.) (Ref.6). 


           Aliás, um estudo publicado no periódico Geology (Ref.2) mostrou que as correntes do subpolar Atlântico Norte modularam o clima do Sul da Groenlândia nos últimos 3 mil anos, particularmente durante o Período Medieval Quente. Esse período foi acompanhado por uma instabilidade climática e subsequente resfriamento local, fomentando novamente o avanço das geleiras na Groenlândia e coincidindo com o abandono dos Nórdicos da região. Porém, ainda é debatido o quão determinante foi o fator climático para esse processo de desistência da Groenlândia.

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         Vale também mencionar que, até pouco tempo atrás, acreditava-se que os Vikings inicialmente colonizaram a Groenlândia na busca do marfim nos dentes caninos das morsas-do-Atlântico (Odobenus rosmarus rosmarus) para comercializarem na Europa (o marfim era muito valioso no mercado Medieval Europeu, o qual baseava objetos de artesanato muito apreciados pela elite - infelizmente, até hoje continua muito valioso (Marfim e o massacre dos elefantes) (1). Porém, um estudo publicado em 2018 na Proceedings of the Royal Society B (Ref.3) revelou uma história diferente.

(1) Leitura recomendadaVikings exportavam marfim para Kiev, na Ucrânia, reforçando a enorme escala de globalização ecológica na Europa Medieval

          Através de análises genéticas e arqueológicas, os pesquisadores concluíram que as primeiras colônias Vikings na Groenlândia foram formadas por habitantes Nórdicos procurando por terra para o plantio e/ou mesmo de exilados da região Escandinava. Já as causas do eventual fim das colônias Nórdicas na Groenlândia e colapso do comércio de presas de morsas no século XV são ainda incertas, mas a baixa demanda do mercado Europeu pelo marfim devido a fatores diversos e mudanças climáticas podem ser explicações. Entre os fatores associados à demanda, podemos citar a Peste Negra (1346-1353), a qual assolou o continente Europeu. Já no caso das mudanças climáticas - as quais podem ter tornado a Groenlândia menos convidativa - temos o impacto da Pequena Era do Gelo durante o período Medieval na Europa.



         Um estudo publicado em 2019 no periódico Geology (Ref.4) reforçou que na época da ocupação Nórdica na Groenlândia, na parte sul dessa região, o clima estava relativamente quente (~10°C), similar ao de hoje. O estudo reconstruiu o registro climático Groenlandês dos últimos 3 mil anos, via análises isotópicas de oxigênio. Esse clima anormalmente mais quente em relação aos séculos anteriores e subsequentes provavelmente facilitou a persistência dos Nórdicos na região. Ainda segundo o estudo, o colapso dos assentamentos na área parece coincidir com a emergência de climas locais mais erráticos.

          Nesse último ponto, um estudo mais recente publicado no periódico Science Advances (Ref.5) trouxe de um cenário distinto para explicar o abandono da Groenlândia pelos Nórdicos no início do século XV. Após reconstrução da histórica térmica e hidroclimática da região a partir de sedimentos de um lago adjacente a uma antiga fazendo Nórdica, os pesquisadores não encontraram nenhuma substancial mudança nas temperaturas durante o período de estabelecimento Nórdico. Por outro lado, eles encontraram que a região sofreu uma persistente tendência de seca, com um pico no século XVI. Um clima mais seco no verão teria reduzido de forma notável o crescimento de gramíneas, alimento essencial para manter os animais de criação no inverno (2). Essa tendência de seca inclusive mostrou-se concorrente com uma mudança na dieta da comunidade Nórdica na região, a qual começou a consumir mais carne de animais marinhos (ex.:foca) à medida que a atividade pecuária se tornou cada vez mais difícil. Nesse sentido, os autores do estudo concluíram que essa prolongada seca teria sido provavelmente mais determinante para afastar os Nórdicos do leste Groenlandês do que pequenas mudanças na temperatura - em soma a possíveis outros fatores sócio-econômicos e culturais.

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(2) De fato, segundo registros históricos e arqueológicos, os habitantes dos assentamentos Nórdicos na Groenlândia dependiam primariamente da criação de animais (ex.: gado e ovinos) sobre campos de pasto para o sustento. É estimado que a população total nesses assentamentos alcançou um pico de 2 mil pessoas.
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          Aliás, em décadas recentes a região Sul da Groenlândia enfrentou secas severas que reduziram drasticamente a produtividade do país. Em 2008, seca levou a uma redução de 50% na produção de feno e de silagem, evento caracterizado como um problema a nível nacional. Por causa de uma falta de precipitação no verão, um substancial declínio na produção de feno ocorreu nos anos de 2010, 2011, 2012, 2015 e 2019. Enquanto que hoje essas sérias quedas de produtividade no campo podem ser amenizadas pela importação de feno, essa alternativa não era uma opção para os Nórdicos há centenas de anos.

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            Boa parte das geleiras na Groenlândia possuem mais de 100 mil anos de idade, e a mais antiga geleira pode ter até 1 milhão de anos. Durante o último interglacial, há cerca de 125 mil anos, a Groenlândia em toda a sua parte sul e grande parte do Norte estava sem gelo, algo que se reverteu com o início da última era glacial, onde o gelo foi avançando e se acumulando ao longo de dezenas de milhares de anos, não derretendo novamente no atual interglacial devido às temperaturas mais baixas no Hemisfério Norte em relação àquele período. Nesse ponto, é também óbvio lembrar que se todo o gelo na Groenlândia tivesse derretido, o nível médio dos mares teriam subido em mais de 7 metros na época (3), e não há registro geológico de um evento do tipo. 



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.saberatualizado.com.br/2017/08/aquecimento-global-uma-problematica.html (Ref.208-209)
  2. Lasher, G. E., & Axford, Y. (2019). Medieval warmth confirmed at the Norse Eastern Settlement in Greenland. Geology, 47(3), 267–270
  3. http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/285/1884/20180978
  4. https://pubs.geoscienceworld.org/gsa/geology/article-abstract/47/3/267/568708/medieval-warmth-confirmed-at-the-norse-eastern
  5. Zhao et al. (2022). Prolonged drying trend coincident with the demise of Norse settlement in southern Greenland. Science Advances, Vol. 8, Issue 12. https://doi.org/10.1126/sciadv.abm4346
  6. Hörhold et al. (2023). Modern temperatures in central–north Greenland warmest in past millennium. Nature 613, 503–507. https://doi.org/10.1038/s41586-022-05517-z