Por que o concreto dos Antigos Romanos é tão resistente?
- Atualizado no dia 20 de janeiro de 2023 -
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Quem trabalha com construção civil deve conhecer bem as limitações do nosso moderno concreto. Em sua composição normalmente é usado pasta de água e cimento Portland - um fino pó feito principalmente de calcário e barro -, componentes que, quando misturados, são utilizados para segurar pequenas pedras. Porém, em apenas algumas décadas - geralmente em torno de 50 anos - o concreto moderno entra em fase de degradação, a qual é acelerada caso esteja exposto ao ambiente marinho, devido à ação da água altamente salina e constante impacto das ondas. Só que esse problema de durabilidade não é observado no poderoso concreto feito na Roma Antiga - apesar da menor versatilidade e limitações no tempo de preparação.
As paredes construídas de concreto dos Antigos Romanos, em grandiosos projetos de portos, resistiram ao ambiente marinho, contínuo ataque de ondas, zonas sísmicas e variações climáticas por mais de 2 mil anos! Diversos trabalhos científicos já foram feitos nas últimas décadas tentando decifrar os segredos do cimento romano, e dois cruciais componentes têm sido apontados como cruciais para explicar a extrema resiliência desse material.
"Uma massa rochosa única, impermeável às ondas e a cada dia mais forte."
- Gaius Plinius Secundus (23-79 a.C., cientista e autor Romano), em uma nota descrevendo o concreto dos Antigos Romanos; essas palavras, por muito tempo, eram um mistério em seu significado
CONCRETO DA ROMA ANTIGA
Em menos de uma década (23 até 15 a.C.), construtores locais e Romanos trabalhando para o Rei Herodes da Judeia construíram o maior porto artificial já feito no mar aberto até então. A escala e a complexidade desse projeto, junto com a rapidez da sua execução, são impressionantes mesmo se julgados pelos padrões modernos de construção. A obra está entre os mais magníficos projetos de engenharia da Era Augustiana.
Chamado de Sebastos (o equivalente Grego para Augustus), o porto de Palestina Cesareia, também conhecido em Grego como Cesareia sobre o Mar, foi fundado em uma praia de areia instável sem nenhuma ideal característica física de suporte estrutural. O local foi escolhido primariamente por razões políticas, não porque a natureza favorecia a construção de um porto. Uma vez que a decisão governamental foi feita, ficou a cargo dos construtores do Rei Herodes executarem a ordem, mesmo enfrentando desafios de design e engenharia nunca antes encarados por engenheiros de portos no Mediterrâneo. Mas muitos dos obstáculos foram vencidos com a poderosa receita do concreto hidráulico Romano, e as estruturas de base da Palestina Cesareia continuam em grande parte ainda preservadas (na primeira imagem deste artigo, temos uma visão artística de como era o porto quando foi finalizado).
Outro exemplo magnífico é o Panteão em Roma, feito com estruturas desse concreto não reforçado. Com a sua cúpula de 43,4 metros, construída por Agripa entre ~118 e 125 d.C., sua infraestrutura permaneceu resistente ao tempo por quase 2 mil anos com somente alguns pequenos reparos (em grande parte também devido a certas características estruturais no projeto). E até hoje continua em uso, mesmo tendo sido danificado pelo fogo durante o reino de Trajano (53-117 d.C., nome original Marcus Ulpius Trajanus, primeiro imperador de Roma não italiano que expandiu seu império a leste e foi notório pelo seu extensivo programa de construção) e persistente roubo de telhas, adornos de mármore e vigas mestres de bronze nos séculos que se seguiram.
O que os Antigos Romanos faziam era um concreto que assumia a consistência de verdadeiras rochas sintéticas, aliás, sendo até mais duro do que diversas rochas naturais após séculos de exposição às adversidades, especialmente quando em contato com as águas marinhas. Muito o que nós sabemos sobre os materiais e métodos de construção dos Antigos Romanos é oriundo de textos do engenheiro e arquiteto Romano Marcus Vitruvius Pollio (ou Vitruvius), este o qual escreveu Os Dez Livros sobre Arquitetura entre os anos de 30 e 20 a.C. Nesse trabalho único, Vitruvius reúne diversas informações de especificação, guias de construção e princípios de design.
Enquanto Vitruvious estava escrevendo, o concreto ainda estava sendo usado de forma escassa, por ser uma inovação tecnológica relativamente recente. A estrutura de concreto mais antiga já datada vem de 121 a.C. e era de má qualidade, algo mudou dramaticamente nas décadas seguintes. Muitas das estruturas posteriores foram descritas em detalhe e esquematizadas por Andrea Palladio no Os Quatro Livros da Arquitetura, publicado em 1570 e traduzido para o inglês em 1738 por Isaac Ware.
COMPOSIÇÃO DO CONCRETO ROMANO
Soluções pré-Romanas para a construção de portos geralmente incluíam cascalho ou pedras retangulares polidas quebra-ondas e quebra-mares rochosos. Apesar desses métodos continuarem a ser utilizados ao longo da Era Romana, outra técnica foi introduzida que revolucionou o design de portos e outras estruturas marítimas: o uso de concreto hidráulico. Este material, o qual poderia ser colocado e ajustado debaixo d´água, começou a usado na estrutura de portos em algum ponto do segundo século a.C. Arquitetos e engenheiros Romanos estavam finalmente livres para criar projetos no mar ou ao longo das praias que antes eram muito difíceis, ou mesmo impossíveis, de serem concretizados.
O ingrediente ativo que reagia com a cal para formar a variante hidráulica era a pozolana - ou cinza vulcânica - e fez o que nós hoje chamamos de concreto pozolânico. Por acidente ou a partir de observações na formação de rochas vulcânicas, os construtores Romanos descobriram que quando areia de cinza vulcânica oriunda de pedreiras ao redor da Baía de Pozzuoli era misturada com cal, dava-se origem a uma argamassa bem dura que poderia ser depositada e curada debaixo da água. Contido dentro de espaços de preenchimento adequados e depositado em camadas com grandes pedaços agregados de pedra ou rochas vulcânicas (formadas por deposição de cinzas vulcânicas), esse concreto forma uma sólida massa que provou-se resistente à ferocidade do mar por milênios. O concreto Romano, à base do cimento pozolânico, também permitiu a construção dos magníficos e duráveis aquedutos que conduziam água fresca para Roma.
Quem trabalha com construção civil deve conhecer bem as limitações do nosso moderno concreto. Em sua composição normalmente é usado pasta de água e cimento Portland - um fino pó feito principalmente de calcário e barro -, componentes que, quando misturados, são utilizados para segurar pequenas pedras. Porém, em apenas algumas décadas - geralmente em torno de 50 anos - o concreto moderno entra em fase de degradação, a qual é acelerada caso esteja exposto ao ambiente marinho, devido à ação da água altamente salina e constante impacto das ondas. Só que esse problema de durabilidade não é observado no poderoso concreto feito na Roma Antiga - apesar da menor versatilidade e limitações no tempo de preparação.
As paredes construídas de concreto dos Antigos Romanos, em grandiosos projetos de portos, resistiram ao ambiente marinho, contínuo ataque de ondas, zonas sísmicas e variações climáticas por mais de 2 mil anos! Diversos trabalhos científicos já foram feitos nas últimas décadas tentando decifrar os segredos do cimento romano, e dois cruciais componentes têm sido apontados como cruciais para explicar a extrema resiliência desse material.
"Uma massa rochosa única, impermeável às ondas e a cada dia mais forte."
- Gaius Plinius Secundus (23-79 a.C., cientista e autor Romano), em uma nota descrevendo o concreto dos Antigos Romanos; essas palavras, por muito tempo, eram um mistério em seu significado
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CONCRETO DA ROMA ANTIGA
Em menos de uma década (23 até 15 a.C.), construtores locais e Romanos trabalhando para o Rei Herodes da Judeia construíram o maior porto artificial já feito no mar aberto até então. A escala e a complexidade desse projeto, junto com a rapidez da sua execução, são impressionantes mesmo se julgados pelos padrões modernos de construção. A obra está entre os mais magníficos projetos de engenharia da Era Augustiana.
Chamado de Sebastos (o equivalente Grego para Augustus), o porto de Palestina Cesareia, também conhecido em Grego como Cesareia sobre o Mar, foi fundado em uma praia de areia instável sem nenhuma ideal característica física de suporte estrutural. O local foi escolhido primariamente por razões políticas, não porque a natureza favorecia a construção de um porto. Uma vez que a decisão governamental foi feita, ficou a cargo dos construtores do Rei Herodes executarem a ordem, mesmo enfrentando desafios de design e engenharia nunca antes encarados por engenheiros de portos no Mediterrâneo. Mas muitos dos obstáculos foram vencidos com a poderosa receita do concreto hidráulico Romano, e as estruturas de base da Palestina Cesareia continuam em grande parte ainda preservadas (na primeira imagem deste artigo, temos uma visão artística de como era o porto quando foi finalizado).
Outro exemplo magnífico é o Panteão em Roma, feito com estruturas desse concreto não reforçado. Com a sua cúpula de 43,4 metros, construída por Agripa entre ~118 e 125 d.C., sua infraestrutura permaneceu resistente ao tempo por quase 2 mil anos com somente alguns pequenos reparos (em grande parte também devido a certas características estruturais no projeto). E até hoje continua em uso, mesmo tendo sido danificado pelo fogo durante o reino de Trajano (53-117 d.C., nome original Marcus Ulpius Trajanus, primeiro imperador de Roma não italiano que expandiu seu império a leste e foi notório pelo seu extensivo programa de construção) e persistente roubo de telhas, adornos de mármore e vigas mestres de bronze nos séculos que se seguiram.
Enquanto Vitruvious estava escrevendo, o concreto ainda estava sendo usado de forma escassa, por ser uma inovação tecnológica relativamente recente. A estrutura de concreto mais antiga já datada vem de 121 a.C. e era de má qualidade, algo mudou dramaticamente nas décadas seguintes. Muitas das estruturas posteriores foram descritas em detalhe e esquematizadas por Andrea Palladio no Os Quatro Livros da Arquitetura, publicado em 1570 e traduzido para o inglês em 1738 por Isaac Ware.
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COMPOSIÇÃO DO CONCRETO ROMANO
Soluções pré-Romanas para a construção de portos geralmente incluíam cascalho ou pedras retangulares polidas quebra-ondas e quebra-mares rochosos. Apesar desses métodos continuarem a ser utilizados ao longo da Era Romana, outra técnica foi introduzida que revolucionou o design de portos e outras estruturas marítimas: o uso de concreto hidráulico. Este material, o qual poderia ser colocado e ajustado debaixo d´água, começou a usado na estrutura de portos em algum ponto do segundo século a.C. Arquitetos e engenheiros Romanos estavam finalmente livres para criar projetos no mar ou ao longo das praias que antes eram muito difíceis, ou mesmo impossíveis, de serem concretizados.
O ingrediente ativo que reagia com a cal para formar a variante hidráulica era a pozolana - ou cinza vulcânica - e fez o que nós hoje chamamos de concreto pozolânico. Por acidente ou a partir de observações na formação de rochas vulcânicas, os construtores Romanos descobriram que quando areia de cinza vulcânica oriunda de pedreiras ao redor da Baía de Pozzuoli era misturada com cal, dava-se origem a uma argamassa bem dura que poderia ser depositada e curada debaixo da água. Contido dentro de espaços de preenchimento adequados e depositado em camadas com grandes pedaços agregados de pedra ou rochas vulcânicas (formadas por deposição de cinzas vulcânicas), esse concreto forma uma sólida massa que provou-se resistente à ferocidade do mar por milênios. O concreto Romano, à base do cimento pozolânico, também permitiu a construção dos magníficos e duráveis aquedutos que conduziam água fresca para Roma.
Ao contrário das argamassas de cal comuns feitas com cal hidratada e areia (silício) inerte que reage com dióxido de carbono no ar para ser reformado em calcário - a qual já vinha sendo usada na Ásia e no Egito Antigo há muito mais tempo -, argamassas pozolânicas são feitas com um componente aluminossilicato altamente reativo (pedras-pomes ou cinza vulcânica) que quando misturado com cal gera produtos que assumem a forma de géis, bastões, fibras e pratos que fortalecem e ligam todos os materiais juntos.
Aliás, Vitruvius recomendava que quando visava-se construir estruturas de concreto no mar, a matéria-prima pozolânica deveria ser idealmente retirada das regiões ao redor da Baía de Pozzuoli, no norte de Nápoles. E os Antigos Romanos faziam questão de viajar milhares de quilômetros com carregamentos desses materiais exigidos para as construções e garantir o uso da nova tecnologia de engenharia. Na construção da Palestina Cesareia, por exemplo, análises químicas de 1991 revelaram que a pozolana tinha sido transportada por embarcações da Baía de Nápoles, distante 2000 km do local de construção.
"Existe um tipo de pó que por causas naturais produz fantásticos resultados. É encontrado nas vizinhanças de Baiae e em cidades que circundam Monte Vesuvius. Essa substância, quando misturada com cal e cascalho, não apenas fortalece construções diversas, mas também garante que pilares construídos no mar se tornem extremamente duros e resistentes."
- Vitruvius, se referindo à argamassa pozolânica
Mas qual o segredo por trás desse concreto desenvolvido pelos Antigos Romanos, o qual resistia invejosamente às investidas do mar?
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> IMPORTANTE mencionar que existe ainda muito debate acadêmico sobre a correta ordem de operações para a produção da argamassa Romana, sendo sugerido inclusive que o cimento usado para o concreto de construções marítimas diferia daquele usado para construções terrestres.
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SEGREDOS REVELADOS
Analisando a microestrutura do concreto Romano do Portus Cosanus, Orbetello, Itália, a partir de técnicas analíticas envolvendo o raio-X, pesquisadores publicaram em 2017 um estudo detalhando as características físico-químicas que permitiram o sucesso da argamassa superpoderosa, especialmente em áreas marítimas.
De acordo com o estudo, as características únicas da argamassa pozolânica em ambiente marinho são devidas a um processo de ciclagem mineral autigênica, a qual envolve a reação de componentes da cinza vulcânica; produção de fluídos alcalinos em microambientes; precipitação de novos minerais, principalmente filipsita nessas microestruturas; e evolução de processos químicos nos poros estruturais gerando a cristalização de Al-tobermorita (alumínio-tobermorita) em estruturas subaéreas e submarinas.
O mineral silicato filipsita encontrado pelos pesquisadores, comum em rochas vulcânicas, são a base para a formação de cristais de Al-tobermorita no concreto Romano, um raro mineral hidrotermal na crosta terrestre. Esse mineral especial, segundo o estudo, estava crescendo da filipsita quando a água marinha interagia com o concreto, tornando-o mais alcalino e permitindo a cristalização, a partir de trocas iônicas com os componentes da mistura marinha. À medida que a tobermorita vai crescendo, ano após ano, o mineral vai fortalecendo o concreto, porque a estrutura dos seus cristais permitem que o material seja curvado ao invés de ser partido quando sob estresse. Além disso, a precipitação de filipsita e Al-tobermorita em contato com água marinha refina os espaços porosos, otimiza as ligações entre as pedras misturadas e sequestra cátions alcalinos (principalmente sódio e potássio) - já o concreto de cimento Portland libera cátions alcalinos de pedras agregadas, geralmente produzindo géis expansivos de sílica-álcali que atualmente degradam as estruturas de concreto ao redor do mundo. Isso explica as observações de Pliny ("... mais fortes a cada dia.").
A Al-tobermorita dificilmente ocorre na natureza, e sua cristalização somente tem sido observada em locais como o Vulcão Surtsey, na Islândia. Apesar de ser possível produzi-lo em laboratório, não existe ainda um processo de síntese à temperatura ambiente, como observado no concreto Romano (apesar de levar muitos anos nesse último caso). Encontrar compostos alternativos mas com a mesma propriedade ou descobrir métodos para sintetizar Al-tobermorita à temperatura ambiente, e de forma mais acelerada, pode potencialmente resolver problemas atuais de engenharia civil, especialmente construções em áreas marítimas.
Marie Jackson (foto ao lado), líder do time responsável pelo estudo de 2017 e uma geóloga na Universidade de Utah, em Salt Lake City, há um bom tempo vem trabalhando para recriar a receita do concreto Romano em laboratório. Ela é também uma consultora para uma companhia de cimento em Nevada que está usando cinza vulcânica do oeste dos EUA para formular o superconcreto.
"Eu não estou dizendo que este seria o concreto para ser usado em todas as obras de infraestrutura", disse Jackson em entrevista à Science (Ref.7), lembrando que muitas estruturas em obras modernas precisam de concretos de endurecimento muito mais rápido do que o Romano. "Mas para materiais que visam o ambiente marinho, nós podemos formular misturas com cal e cinza vulcânica do jeito que os Antigos Romanos faziam."
Hoje a produção de cimento libera até 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2) por tonelada de material produzido, e atuais estratégias para reduzir esse impacto são insuficientes à medida que a demanda continua aumentando. Essas emissões são primariamente geradas quando calcário e argila são calcinados para formar clínquer (principalmente silicatos de tricálcio e dicálcio), os quais são finamente macerados. Um meio de reduzir as emissões de CO2 na produção de cimente (responsável por até 8% das emissões totais de gases estufas) é aumentar a longevidade do concreto através da incorporação de propriedades de autocura observadas no concreto Romano.
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SEGREDOS REVELADOS
Analisando a microestrutura do concreto Romano do Portus Cosanus, Orbetello, Itália, a partir de técnicas analíticas envolvendo o raio-X, pesquisadores publicaram em 2017 um estudo detalhando as características físico-químicas que permitiram o sucesso da argamassa superpoderosa, especialmente em áreas marítimas.
De acordo com o estudo, as características únicas da argamassa pozolânica em ambiente marinho são devidas a um processo de ciclagem mineral autigênica, a qual envolve a reação de componentes da cinza vulcânica; produção de fluídos alcalinos em microambientes; precipitação de novos minerais, principalmente filipsita nessas microestruturas; e evolução de processos químicos nos poros estruturais gerando a cristalização de Al-tobermorita (alumínio-tobermorita) em estruturas subaéreas e submarinas.
A Al-tobermorita dificilmente ocorre na natureza, e sua cristalização somente tem sido observada em locais como o Vulcão Surtsey, na Islândia. Apesar de ser possível produzi-lo em laboratório, não existe ainda um processo de síntese à temperatura ambiente, como observado no concreto Romano (apesar de levar muitos anos nesse último caso). Encontrar compostos alternativos mas com a mesma propriedade ou descobrir métodos para sintetizar Al-tobermorita à temperatura ambiente, e de forma mais acelerada, pode potencialmente resolver problemas atuais de engenharia civil, especialmente construções em áreas marítimas.
Marie Jackson (foto ao lado), líder do time responsável pelo estudo de 2017 e uma geóloga na Universidade de Utah, em Salt Lake City, há um bom tempo vem trabalhando para recriar a receita do concreto Romano em laboratório. Ela é também uma consultora para uma companhia de cimento em Nevada que está usando cinza vulcânica do oeste dos EUA para formular o superconcreto.
"Eu não estou dizendo que este seria o concreto para ser usado em todas as obras de infraestrutura", disse Jackson em entrevista à Science (Ref.7), lembrando que muitas estruturas em obras modernas precisam de concretos de endurecimento muito mais rápido do que o Romano. "Mas para materiais que visam o ambiente marinho, nós podemos formular misturas com cal e cinza vulcânica do jeito que os Antigos Romanos faziam."
Em um estudo mais recente publicado na Science Advances (Ref.10), pesquisadores realizaram uma detalhada análise química da argamassa Romana oriunda da antiga cidade de Privernum, próximo de Roma, Itália (Fig.1). Com o uso das técnicas de espectroscopia de raio-X de energia dispersiva (SEM-EDS), difração de raio-X (XRD) e imagem por Raman confocal, os pesquisadores descobriram forte evidência de que os Romanos usavam uma mistura quente de argamassa adicionando cal viva ao invés de, ou em adição à, cal apagada. Esse processo proposto para a antiga argamassa Romana acaba criando fragmentos brancos ricos em cálcio no concreto, incluindo minerais baseados em carbonato de cálcio (CaCO3); esses depósitos exibem alta superfície de contato devido à microestrutura particulada associada e podem ser dissolvidos quando em contato com água, preenchendo rachaduras através de precipitação e recristalização e também fortalecendo a estrutura com outras reações (incluindo aquelas envolvendo a Al-tobermorita).
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(!) O óxido de cálcio (CaO), mais conhecido comercialmente como cal ou cal virgem, é obtido pela decomposição térmica (calcinação ou queima) de rochas calcárias moídas em diversos tipos de fornos, a uma temperatura média de 900°C. Quando água é adicionada à cal, temos uma reação exotérmica (liberação de energia térmica), com aumentos de 55-60°C na temperatura (e aumentos pontuais excedendo 200°C) e eventual transformação da cal em hidróxido de cálcio [Ca(OH)2], ou cal apagada.
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Para testar a hipótese, os pesquisadores recriaram uma versão moderna de concreto Romano com significativa adição de cal virgem na mistura da argamassa (Fig.2). Na "receita", eles usaram cimento Portland comum, cinza pulverizada, areia e água em uma proporção de 1:0.2:2:1, além de cal virgem em diferentes concentrações (7,5 a 15% da massa). A mistura final (quente, devido à reação exotérmica entre água e cal) foi colocada em moldes cilíndricos medindo 10 cm de diâmetro e 10 cm de altura, e curados sob a água por 28 dias antes do uso experimental. Subsequentemente, eles induziram rachaduras em amostras cilíndricas do concreto produzido com ~0,5 mm de espessura após junção. Em apenas duas semanas, os danos foram naturalmente e efetivamente curados, enquanto o mesmo experimento usando concreto moderno tradicional falhou em demonstrar regeneração (Fig.3).
Por muito tempo especulou-se que os fragmentos brancos presentes em antigas estruturas de concreto Romano - as quais podem ser observadas facilmente a olho nu - eram apenas fruto de excesso de impurezas na matéria-prima ou baixa qualidade na mistura dos ingredientes. Porém, isso entra contradição com os grandes esforços que os antigos Romanos colocavam para a produção de concreto. Os resultados do estudo fortemente sugerem que a presença desses fragmentos brancos impregnando toda a estrutura do concreto - ricos em cálcio - era proposital e desejável. Além disso, o estudo traz uma receita prática que pode ser otimizada para aplicações na engenharia.
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Hoje a produção de cimento libera até 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2) por tonelada de material produzido, e atuais estratégias para reduzir esse impacto são insuficientes à medida que a demanda continua aumentando. Essas emissões são primariamente geradas quando calcário e argila são calcinados para formar clínquer (principalmente silicatos de tricálcio e dicálcio), os quais são finamente macerados. Um meio de reduzir as emissões de CO2 na produção de cimente (responsável por até 8% das emissões totais de gases estufas) é aumentar a longevidade do concreto através da incorporação de propriedades de autocura observadas no concreto Romano.
CURIOSIDADES
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- As primeiras estruturas similares ao concreto foram construídas pelos comerciantes da Nabataea ou Beduínos que ocuparam e controlaram uma série de oásis e desenvolveram um pequeno império nas regiões do sul da Síria e norte da Jordânia ao redor do ano de 6500 a.C. Mais tarde eles descobriram cimento que endurecia debaixo d´água. Essa primeira forma de concreto para as construções foi um dos motivos para esses povos sobreviverem tão bem nos desertos na época, especialmente nos projetos de cisternas subterrâneas à prova d´água. No Egito, a partir do ano em torno de 3000 a.C., e na China, materiais também similares ao concreto foram desenvolvidos, e foram parte essenciais para grandes construções, como a Muralha da China e as Pirâmides.
- A tecnologia de fazer concreto foi praticamente perdida por quase 1000 anos durante a Idade Média após a queda do Império Romano em 476 d.C.! Entender a engenharia por trás do Panteão, então, nem em sonhos. Apenas no ano de 1414 que manuscritos descrevendo as técnicas para se fazer o cimento pozolânico foram encontrados, reascendendo o interesse em se construir com concreto.
- Após a queda do Império, diversas outras tecnologias e conhecimentos de engenharia e arquitetura foram perdidos, sendo que até o século XV, os habitantes de Roma não tinham construído canais que rivalizassem com os aquedutos da Roma Antiga feitos há mais de mil anos. Aliás, a maioria dos Romanos nessa época nem mesmo sabiam para que serviam os aquedutos, com muitos acreditando que a Acqua Claudia era usada para importar óleo de oliva de Nápoles.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Jackson et al. (2017). Phillipsite and Al-tobermorite mineral cements produced through low-temperature water-rock reactions in Roman marine concrete. American Mineralogist, Volume 102, pages 1435–1450. http://ammin.geoscienceworld.org/content/gsammin/102/7/1435.full.pdf
- https://web.uvic.ca/~jpoleson/ROMACONS/Caesarea2005.htm
- http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi
- https://mediterranee.revues.org/1952
- http://www.nature.com/news/seawater-is-the-secret-to-long-lasting-roman-concrete-1.22231
- http://news.berkeley.edu/2013/06/04/roman-concrete/
- http://www.sciencemag.org/news/2017/07/why-modern-mortar-crumbles-roman-concrete-lasts-millennia
- Seymour et al. (2023). Hot mixing: Mechanistic insights into the durability of ancient Roman concrete. Science Advances, Vol. 9, No. 1. https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.add1602