Qual é a função dos cílios?
Figura 1. Típicos cílios humanos. |
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Cílios são uma estrutura capilar na circunferência ocular muito comum em mamíferos (Fig.2) e estruturas similares têm sido também encontradas em répteis e aves (Fig.4). Em humanos modernos (Homo sapiens), a pálpebra inferior contém 75-80 cílios dispersados em três a quatro fileiras, enquanto a pálpebra superior possui 90-160 cílios espalhados em cinco a seis fileiras (Ref.2). Os cílios humanos possuem uma anatomia similar aos fios de cabelo, mas com algumas significativas diferenças (Fig.3). Por exemplo, raramente ficam brancos com o avanço de idade (6) e não ficam arrepiados (7), mantendo continuamente uma posição curvada e fixa. Formando uma barreira entre os ambientes externo e interno do olho e ajudando a manter a integridade da margem palpebral, os cílios possuem diferentes características e funções para animais vivendo em diferentes ambientes
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Atualmente é um consenso na literatura acadêmica que o papel primário dos cílios é de proteger e manter a saúde da margem das pálpebras - garantindo a homeostase da superfície ocular - e fornecer proteção física direta contra agressores externos. Como um todo, a margem da pálpebra é responsável pela produção da camada lipídica do filme lacrimal e por distribuir o fluido lacrimal até o ponto nasolacrimal através do reflexo de piscar (9), mantendo a superfície ocular hidratada e saudável. Para a proteção ocular direta, múltiplos mecanismos têm sido propostos e demonstrados em experimentos:
- Cílios são sensores mecânicos delicados e sensitivos que podem ajudar o animal a evitar a ameaça de objetos externos contra os olhos. Nesse sentido, pode fornecer um sinal de alerta quando os olhos são expostos a estímulos externos, engatilhando o reflexo de piscar.
- Cílios podem agir como filtros ou "guarda-sóis" que ajudam os animais a se adaptares ao ambiente. Por exemplo, camelos, girafas e avestruzes vivendo em áreas secas, poeirentas e fortemente expostas à radiação solar possuem grossos e numerosos cílios que ajudam a barrar a poeira no ar e o excesso de radiação solar sobre a superfície ocular. Corroborando o papel de "filtro solar", nos humanos, os cílios tendem a ser os fios capilares mais escuros (ricos em melanina) do corpo e são os últimos a perderem pigmentação.
- Cílios parecem ser otimizados nos mamíferos para um comprimento correspondendo a ~1/3 da largura ocular (Ref.3). Os fios nesse comprimento ótimo atuam desviando o fluxo de ar para longe da superfície ocular, reduzindo de forma significativa a deposição de partículas à deriva no ar e a evaporação do filme lacrimal, e, ao mesmo tempo, sem comprometer a visão (Fig.2). Cílios com um comprimento de ~15-30% da largura ocular reduzem a evaporação da água no filme lacrimal em ~10-30% (Ref.5).
- Cílios humanos são constituídos por fibras flexíveis, hidrofóbicas e com características micro- e macroestruturais (ex.: curvatura) que permitem rápida e eficiente expulsão de líquidos externos indesejados, como gotas de suor e de chuva (Fig.4). Esse eficiente sistema passivo de dreno foi revelado e descrito recentemente em um estudo publicado no periódico Science Advances (Ref.6). Essa função dos cílios ajuda a manter a claridade visual em ambientes e situações diversas (durante lavagem do rosto, em atividades físicas exaustivas, durante chuvas, etc.).
Figura 4. Gotas de água sendo conduzidos e expulsos da região ocular através dos cílios. Ref.6 |
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> A margem das pálpebras também abriga um microbioma diverso e dinâmico, incluindo bactérias comensais e parasitas (Ref.2). E os folículos capilares associados aos cílios são importantes no sustento desse microbioma e na manutenção de um equilíbrio microbiótico saudável. Por exemplo, minúsculos aracnídeos do gênero Demodex evoluíram uma relação simbiótica com humanos e estão comumente associados aos folículos dos cílios e ligados a efeitos benéficos ao consumirem o excesso de sebo produzido na pele (10).
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> Em humanos, a formação dos cílios é iniciada na 12° semana de gestação, quando as pálpebras estão ainda fusionadas, e completam o desenvolvimento na 22-26° semana de gestação. Ref.1
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Perda dos cílios (milfose) ou anormal crescimento desses fios capilares (ex.: tricomegalia) podem afetar negativamente essas funções e estão associados com o desenvolvimento de doenças e infecções. E, nesse contexto, temos inclusive forte evidência de seleção sexual agindo sobre o fenótipo associado aos cílios. Humanos, em particular, prestam muita atenção à área dos olhos e periocular quando interagem entre si. E, nesse contexto, os cílios humanos são um dos traços que contribuem para a atratividade facial (!) e estudos nos últimos anos têm apontado que o comprimento intermediário dos fios é mais atrativo, refletindo potencialmente o comprimento ótimo e filogenicamente conservado de ~1/3 da largura dos olhos (Ref.7-8). Fios muito curtos ou muito longos - com impacto deletério nas funções biológicas dos cílios - parecem ser menos atrativos em rostos masculinos e femininos e ao longo de diferentes etnias.
Portanto, contrário a certas crenças populares, a atratividade facial feminina tende a ser reduzida com cílios muito longos, potencialmente por envolver sinalização de doenças congênitas e adquiridas que aumentam o risco de infecções e outros danos oculares. Mas fatores culturais também parecem influenciar em alguma extensão na preferência por cílios. Além disso, no rosto de mulheres, cílios mais longos parecem ser mais atrativos do que cílios mais curtos, sinalizando também maior feminilidade e saúde (Ref.9).
(!) Modificações Artificiais dos Cílios
Adornos e modificações dos cílios possuem um longo registro histórico, desde pelo menos 4000 a.C. no Egito Antigo. Atualmente, o uso de técnicas e produtos para modificar os cílios, em especial por mulheres, é muito popular. Apenas nos EUA, as vendas de máscaras para cílios ultrapassou US$1 bilhão em 2023 (Ref.6). Técnicas como extensão e levantamento de cílios, encorajadas por padrões modernos de beleza, alteram a curvatura dos fios ciliares e, junto com as máscaras hidrofílicas, podem prejudicar ou inibir os mecanismos que ajudam a proteger os olhos contra contaminações externas e evaporação excessiva do filme lacrimal. Como resultado, muitas pessoas podem estar sob risco aumentado de infecções e outras doenças oculares e nem estarem cientes disso. O mesmo alerta é válido para o uso de cílios postiços.
Extensões de cílios são responsáveis por um grande número de consultas em clínicas oftalmológicas e estão associadas com vários sintomas de desconforto ocular. Esse procedimento estético aumenta o volume, a curvatura, a espessura e o comprimento natural dos cílios ao anexar fibras sintéticas (ex.: nylon) ou naturais (ex.: pelos) junto aos fios ciliares com o auxílio de um adesivo. Essa intervenção nos cílios pode causar desconfortos como coceira, vermelhidão dos olhos, inflamação, dor e sensação de peso extra nas pálpebras. Outras complicações podem incluir ceratoconjuntivite e blefarite alérgica (Ref.11). Apesar desses efeitos adversos, muitas mulheres e alguns homens insistem no uso por causa de desejos estéticos. E, ao interferir com as funções naturais dos cílios, as extensões podem levar a um desbalanço na homeostase da superfície ocular, resultando em defeitos epiteliais córneos e redução da estabilidade do filme lacrimal (Ref.13).
REFERÊNCIAS
- Paus et al. (2016). Biology of the eyelash hair follicle: an enigma in plain sight. British Journal of Dermatology, 174(4), 741–752. https://doi.org/10.1111/bjd.14217
- Aumond & Bitton (2018). The eyelash follicle features and anomalies: A review. Journal of Optometry, Volume 11, Issue 4, Pages 211-222. https://doi.org/10.1016/j.optom.2018.05.003
- Amador et al. (2015). Eyelashes divert airflow to protect the eye. Journal of the Royal Society Interface, Volume 12, Issue 105. https://doi.org/10.1098/rsif.2014.1294
- Martin & Coetzee (2004). Visual fields in hornbills: precision-grasping and sunshades. International Journal of Avian Science, Volume 146, Issue 1, Pages 18-26. https://doi.org/10.1111/j.1474-919X.2004.00211.x
- Xiao et al. (2019). How eyelashes can protect the eye through inhibiting ocular water evaporation: a chemical engineering perspective. Journal of the Royal Society Interface, Volume 16, Issue 159. https://doi.org/10.1098/rsif.2019.0425
- Zhou et al. (2024). Rapid water drainage on human eyelashes of a hydrophobic Brachistochrone fiber array. Science Advances, Vol. 10, Issue 51. https://doi.org/10.1126/sciadv.adr2135
- Pazhoohi & Kingstone (2022). The effect of eyelash length on attractiveness: A previously uninvestigated indicator of beauty. Evolutionary Behavioral Sciences, 16(2), 176–180. https://doi.org/10.1037/ebs0000243
- Pazhoohi & Kingstone (2023). Eyelash length attractiveness across ethnicities. Scientific Reports 13, 14849. https://doi.org/10.1038/s41598-023-41739-5
- Adam, A. (2021). Beauty is in the eye of the beautiful: Enhanced eyelashes increase perceived health and attractiveness. Evolutionary Behavioral Sciences, 15(4), 356–367. https://doi.org/10.1037/ebs0000192
- Radeva, M. (2023). Eyelash extensions—the hidden threat. Bulgarian Review of Ophthalmology. http://dx.doi.org/10.14748/bro.v67i1.8713
- Idu et al. (2024). Ocular Side Effects of Eyelash Extension Use Among Female Students of the University of Benin, Benin City, Edo State, Nigeria. Cureus, 27;16(1):e53047. https://doi.org/10.7759/cureus.53047
- Han et al. (2024). The effects of eyelash extensions on the ocular surface. Contact Lens and Anterior Eye, Volume 47, Issue 2, 102109. https://doi.org/10.1016/j.clae.2023.102109