Artigos Recentes

Por que elefantes inserem a tromba no ânus de outros elefantes?

Figura 1. Elefante flagrado introduzindo a tromba no ânus de outro elefante.

          Elefantes (família Elephantidae) usam a tromba para explorar o ambiente e interagir com outros membros do grupo. Essa tromba possui ~40 mil músculos - comparado com apenas 600-70 músculos no corpo humano - e é inervada por um grande número de neurônios motores associados à sua musculatura: ~54 mil nos elefantes asiáticos (Elephas maximus) e ~63 mil nos elefantes africanos (Loxodonta africana). A ponta da tromba - similar em função à mão humana e com protusões similares a dedos - é altamente sensitiva a estímulos sensoriais e associada a uma densa inervação tátil. E assim como a mão humana, a tromba dos elefantes é habilidosa (1) e suas ações são fortemente lateralizadas (2). Grossos e numerosos pelos ("bigode") na ponta da tromba parecem contribuir de forma importante para a função tátil dessa estrutura (Fig.2).

----------

Leitura recomendada:

Figura 2. Visão frontal e lateral da ponta da tromba de um elefante africano adulto (ac) e de um elefante asiático adulto (bd), com destaque para os pelos do "bigode" emergindo de dobras na pele (a-b). Como observado nas fotos, elefantes africanos possuem duas protusões triangulares na ponta da tromba, chamadas de dedos dorsal e ventral, enquanto elefantes asiáticos possuem apenas um dedo dorsal. Essa diferença morfológica parece refletir o comportamento diferencial entre essas duas espécies: elefantes africanos tendem a apertar objetos com os dois "dedos", enquanto elefantes asiáticos tendem a agarrar objetos com a tromba inteira. Ref.1

> A tromba dos elefantes é uma estrutura facial derivada, resultante da fusão de um nariz dramaticamente alongado com o lábio superior. Essa fusão ocorre nos estágios fetais tardios e fetos de elefantes no início do desenvolvimento possuem apenas um nariz longo. Ref.1

----------

           Na exploração do corpo de outros membros do grupo, trombas interagem inclusive com a genitália alheia. Aliás, esse é um hábito comum que ocorre entre elefantes de todas as idades e sexos em um amplo espectro de contextos, incluindo avaliação do estado de saúde ou sexual de machos e fêmeas e a receptividade de fêmeas por machos através do aguçado olfato e do órgão de Jacobson no palato superior da boca (Ref.2-3). Elefantes machos podem inclusive introduzir ponta da tromba dentro da genitália feminina e aspirar o conteúdo genital (Ref.2).  

           Mas um atípico uso invasivo da tromba tem chamado a atenção de usuários das redes sociais, em vídeos mostrando elefantes introduzindo a ponta da tromba dentro do ânus de outros elefantes em cativeiro (Fig.1), removendo fezes no processo e ingerindo parte do conteúdo fecal removido (!). Coprofagia (ingestão de fezes) é um hábito comum entre animais diversos e, nos elefantes, é comumente observado em bebês. Quando muito novos, elefantes consomem frequentemente fezes de outros elefantes mais velhos e familiares, contribuindo para a construção de um microbioma intestinal saudável e com alta capacidade de fermentação (Ref.4-6). Entre elefantes adultos, coprofagia é também reportada, mas, assim como observado nos bebês, tipicamente após a expulsão das fezes (consumo no chão).

----------

(!) Vídeo registrando esse comportamento: 

          

> Herbívoros e generalistas, elefantes se alimentam de folhas, frutos, galhos, gramíneas, raízes, cascas de árvores e solo [fonte de minerais]. Mas apesar do grande porte corporal e da grande capacidade intestinal, é reportado que elefantes possuem uma relativa baixa digestibilidade para alimentos diversos, entre 40% e 50%, aparentemente devido ao rápido transito no trato intestinal (Ref.8-9). Nesse sentido, é possível encontrar partes não digeridas de alimentos nas fezes, como cascas e pedaços de frutos.

> Aliás, elefantes são importantes dispersadores de sementes através da defecação. Esses animais podem depositar quase 3200 sementes por dia e transportá-las por até 65 km nas savanas. Ref.10-11

-----------

           Na literatura acadêmica, parece existir um único estudo explorando a atípica interação invasiva entre tromba, ânus e fezes. Publicado em 1982 no periódico Elephant (Ref.8), o autor do estudo descreve um grupo de elefantes africanos vivendo em um parque de Israel. O parque possuía 11 elefantes no total, todos fêmeas e inicialmente separados pela faixa de idade: três com ~24 anos de idade, cada uma com um filhote, e cinco com ~14 anos de idade. Uma das fêmeas de ~14 anos, chamada de Etty, desenvolveu o hábito de inserir sua tromba no reto dos outros membros do grupo, até uma profundidade de ~30 cm (Fig.3). No processo, removia fezes e analisava o conteúdo em busca de alimento que não foi bem digerido. Quando detectava frutas e vegetais não digeridos em meio às fezes, ingeria.

Figura 3. Etty inserindo sua tromba no ânus de um elefante fêmea chamado Mazal. Ref.8

            Esse comportamento parece ter sido inventado por Etty e foi primeiro reportado no parque no final de 1980, e aparentemente associado à hierarquia mais alta desse indivíduo no grupo antes da eventual mesclagem com os elefantes mais velhos. E importante apontar que o hábito de coprofagia era muito comum no grupo liderado por Etty, onde os elefantes frequentemente investigavam e ingeriam partes de interesse do bolo fecal uns dos outros (pós-defecação). Nesse contexto, o autor do estudo sugeriu que Etty pode ter começado a inserir sua tromba no ânus de outros membros para ganhar vantagens nutricionais e reduzir a competição por alimentos não digeridos nas fezes.

          Após unir os dois grupos de idade, o atípico comportamento de Etty não foi observado entre os elefantes mais velhos, mas algumas das fêmeas mais jovens começaram a se aproximar do reto de outros elefantes com a tromba imediatamente após detectarem sinais de pré-defecação (parada em um local específico, abertura das pernas traseiras e urinação). Além disso, elefantes bebês com cerca de 2 anos de idade foram observados inserindo a tromba no ânus dos elefantes mais velhos. Aparentemente, esses elefantes aprenderam o comportamento após observarem Etty e outros membros que previamente a seguiam como líder (Etty passou a ser a terceira em comando após a mesclagem de grupos).

- Continua após o anúncio -


          O autor do estudo chegou a fazer a previsão de que esse [aparente] novo comportamento se tornaria padrão no grupo analisado e recomendou que mais pesquisas fossem feitas investigando se esse comportamento estaria presente também em outros grupos de elefantes em cativeiro ou no meio selvagem. Porém, aparentemente, nenhum outro estudo etológico foi publicado explorando esse tópico específico.


REFERÊNCIAS

  1. Deiringer et al. (2023). The functional anatomy of elephant trunk whiskers. Communications Biology 6, 591. https://doi.org/10.1038/s42003-023-04945-5
  2. https://www.elephantvoices.org/elephant-ethogram/ethogram-table/behavior
  3. https://seaworld.org/animals/all-about/elephants/reproduction/
  4. https://www.reteti.org/blog/the-surprising-eating-habits-of-baby-elephants
  5. https://www.kariega.co.za/blog/why-does-a-baby-elephant-eat-poo
  6. Ilmberger et al. (2014) A Comparative Metagenome Survey of the Fecal Microbiota of a Breast- and a Plant-Fed Asian Elephant Reveals an Unexpectedly High Diversity of Glycoside Hydrolase Family Enzymes. PLoS ONE 9(9): e106707. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0106707
  7. Sach et al. (2019). African savanna elephants (Loxodonta africana) as an example of a herbivore making movement choices based on nutritional needs. PeerJ 7:e6260. https://doi.org/10.7717/peerj.6260
  8. Sever, Z. (1982). An Unusual Method of Feeding Behavior in Captive African Elephants. Elephant, 2(1), 140-143. https://doi.org/10.22237/elephant/1521731911 
  9. Clauss et al. (2003). Studies on feed digestibilities in captive Asian elephants (Elephas maximus). Journal of Animal Physiology and Animal Nutrition, Volume 87, Issue 3-4, Pages 160-173. https://doi.org/10.1046/j.1439-0396.2003.00429.x
  10. Dudley, J. P. (2006). Seed Dispersal by Elephants in Semiarid Woodland Habitats of Hwange National Park, Zimbabwe. Biotropica, Volume 32, Issue 3, Pages 556-561. https://doi.org/10.1111/j.1744-7429.2000.tb00503.x
  11. Bunney et al. (2017). Seed dispersal kernel of the largest surviving megaherbivore—the African savanna elephant. Biotropica, Volume 49, Issue 3, Pages 395-401. https://doi.org/10.1111/btp.12423