Artigos Recentes

Como os vulcões afetam o clima? Emitem mais dióxido de carbono do que os humanos?


> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre Mudanças Climáticas, Paleoclimatologia, efeito estufa atmosférico e evidências da ação humana (antropogênica) no atual processo de Aquecimento Global. Para saber mais, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade.

- Atualizado no dia 13 de abril de 2025 -

Compartilhe o artigo:



             Os vulcões podem influenciar o clima de duas formas principais que geram consequências antagônicas entre si: via emissão de dióxido de carbono (aquecimento) e via produção de partículas e aerossóis (resfriamento). No registro paleoclimático, a atividade vulcânica mostra ser determinante para vários eventos de mudanças climáticas que marcaram a história do nosso planeta. Mas será que o aquecimento global hoje testemunhado pode ser explicado pelas atividades vulcânicas?

- Continua após o anúncio -



   REFRIGERADORES

            Por mais contraditório que possa parecer à primeira vista, os vulcões podem promover substancial resfriamento na baixa atmosfera devido à capacidade reflexiva de pequenas partículas (aerossóis) lançadas em grande quantidade pelas grandes erupções vulcânicas. Esses aerossóis ficam dispersos na alta atmosfera e refletem (via dispersão) boa parte da luz do sol, reduzindo o aquecimento solar da superfície terrestre. Parte das partículas emitidas também atua simplesmente bloqueando a luz solar incidente (absorvendo os fótons). Em ambos os casos, um significativo resfriamento ocorre no nível habitável do planeta (troposfera).

----------
> Erupções vulcânicas explosivas injetam muito enxofre na estratosfera, levando à formação de aerossóis de sulfato a partir de gases como dióxido de enxofre (SO2) e sulfeto de hidrogênio (H2S). Esses aerossóis são dispersados globalmente, espalhando e refletindo energia solar incidente enquanto absorvem radiação infravermelha, resultando em uma redução na incidência solar na superfície terrestre e subsequente resfriamento direto e indireto (ao reduzir o efeito estufa) na troposfera. Para mais informações: Quais os mecanismos do efeito estufa atmosférico
------------ 

           E esse processo de resfriamento tende a perdurar por longos períodos (anos), porque diversas partículas de sulfeto (altamente reflexivas) são lançadas de forma dispersa e violenta da boca do vulcão, alcançando as porções mais altas da atmosfera, principalmente a estratosfera. Nessa camada, a formação de nuvens é mínima e as precipitações são muito raras. Sem água de chuva para arrastar as partículas de sulfeto, o processo de reflexão solar pode durar anos. Além disso, a baixa estratosfera acaba aquecendo, enquanto a troposfera resfria, mudando a dinâmica das massas de ar da região afetada, ou até mesmo do globo inteiro, dependendo do tamanho da explosão vulcânica. Processo similar ocorre com grandes impactos de asteroides ou cometas no planeta (!).

(!) Sugestão de leitura:

          Além disso, os aerossóis, poeira, cinzas e outras minúsculas partículas lançadas pelas erupções vulcânicas - grande parte delas formadas por compostos de enxofre expelidos, especialmente o dióxido de enxofre - servem como sementes para a formação de mais nuvens. Assim, as atividades vulcânicas também fomentam uma maior presença de nuvens na atmosfera, as quais ajudam a resfriar o clima ao refletir boa parte da luz solar que incide sobre o planeta.

         Alguns exemplos marcantes de "invernos" decorrentes de atividades vulcânicas: 

1. Um artigo escrito por Benjamin Franklin, em 1783, responsabilizou as cinzas vulcânicas pelo anômalo frio do verão de 1783 na Islândia, onde a erupção do vulcão Laki tinha produzido enorme quantidade de dióxido de enxofre, resultando na morte de grande parte do gado e uma catastrófica fome que matou um quarto da população local. As temperaturas no hemisfério norte caíram em aproximadamente 1°C no ano seguinte à erupção do Laki.

2. A erupção de 1815 do Monte Tambora, na Indonésia, resultou em mudanças climáticas afetando notavelmente o estado de New York e produzindo neve em junho por todo o território de New England, fenômeno que foi apelidado de 'Ano de Verão' de 1816. No geral, houve registros de temperaturas extremamente baixas na América do Norte e na Europa em 1816.

3. Em 1883, as explosões do Krakatoa (Krakatau) também geraram um inverno vulcânico. Os quatro anos seguintes à erupção foram mais frios, e, no verão de 1888, nevou pela primeira vez na região. Nevascas recordes foram registradas ao redor do mundo.

4. Na poderosa erupção do Monte Pinatubo, em 1991, foram lançadas uma enorme quantidade de partículas e próximo de 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre, em uma gigantesca nuvem se estendendo por mais de 32 km de altura. É estimado as temperaturas baixaram globalmente por três anos seguindo a erupção, freando um pouco o aquecimento global antropogênico nesse período.

Monte Pinatubo durante a erupção de 1991 (Foto: Google Images)

5. É fortemente sugerido que há 74 mil anos a gigantesca erupção do Monte Toba, na Indonésia - aproximadamente 100 vezes maior do que a mencionada erupção do Monte Pinatubo -, levou a temperatura da superfície terrestre a cair mais de 3-5°C, engatilhando uma expansão glacial extra durante a última Era do Gelo. É estimado que três quartos das plantas no Hemisfério Norte foram exterminadas e que a evolução humana esteve por um fio (Ref.2). Essa super-erupção e seus efeitos no clima global podem explicar um possível e drástico evento de deriva genética associado à evolução humana entre 50 mil e 100 mil anos atrás, onde a população de humanos modernos (Homo sapiens) no mundo inteiro foi reduzida a um máximo de 10 mil indivíduos.

6. Nos últimos 2 mil anos, diversos estudos mostram que mudanças climáticas regionais e hemisféricas foram causadas por grandes erupções vulcânicas, como a famosa Pequena Era do Gelo. Para mais informações: Os últimos milênios foram marcados por vários resfriamentos e aquecimentos globais?

7. O mito do Ragnarök - o famoso Apocalipse Nórdico - parece ter nascido no contexto de uma gigantesca erupção vulcânica na Islândia que mergulhou a Europa e boa parte da Ásia em escuridão e intenso frio, causando graves prejuízos agrícolas e grandes ondas de fome no século VI d.C. Para mais informações: 536 d.C.: O pior ano para se estar vivo

-----------
> No geral, é sugerido que o clima global é mais afetado por erupções tropicais (nos trópicos) do que erupções extratropicais. Erupções tropicais dispersam aerossóis vulcânicos para ambos os hemisférios, eventualmente alcançando ambos os polos e isso leva a impactos aparentemente mais prolongados e pronunciados comparado a erupções extratropicais. No entanto, redução na temperatura a curto prazo devido a aerossóis pode ser mais pronunciada nos trópicos e em menores latitudes onde a energia solar é tipicamente mais intensa. Porém, existe evidência mais recente de que erupções vulcânicas em altas latitudes podem ter efeitos mais fortes de resfriamento ao afetar padrões de circulação atmosférica (Ref.10).

> A redução da incidência solar na superfície da Terra e o aquecimento da baixa estratosfera resultantes de erupções vulcânicas de grande escala alteram a troca energética entre oceanos e atmosfera. Consequentemente, dinâmicas atmosféricas e circulação oceânica são alteradas, as quais, por sua vez, modificam concentrações estratosféricas de ozônio e afetam o ciclo hidrológico. Por exemplo, a erupção do Monte Pinatubo em 1991 que injetou entre 14 e 22 teragramas (Tg) de dióxido de enxofre na estratosfera, é estimada de ter resfriado o clima global entre 0,14 e 0,5°C no período de 1992-1993 e de ter reduzido a precipitação (chuva) sobre as porções continentais.

> Injeção estratosférica de dióxido de enxofre por erupções vulcânicas são a causa dominante de variações da temperatura superficial ao longo do último milênio antes da ascensão dos gases estufas antropogênicos. Ref.11
----------

           Porém, enquanto uma grande erupção lança enorme quantidade de aerossóis nas altas camadas da atmosfera que podem esfriar o clima na troposfera, erupções de menor porte geram gases e partículas que ficam em grande parte na troposfera, contribuindo também para um resfriamento em menor escala ao fomentar a formação de nuvens. Contudo, essas partículas e muitos gases como os óxidos de enxofre duram pouco tempo na atmosfera, por causa das chuvas.

   Erupção do Hunga

          A erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, em 15 de janeiro de 2022, produziu a maior explosão subaquática já registrada por instrumentos científicos modernos, lançando enorme quantidade de água e de gases vulcânicos na alta atmosfera. A erupção ocorreu a ~200 metros de profundidade, a partir de uma venta submarina, injetando ~120-150 teragramas (1 Tg = 1 bilhão de kg) de vapor de água e até ~0,7 Tg de dióxido de enxofre na estratosfera. O dióxido de enxofre foi subsequentemente convertido em aerossóis de sulfato ao longo de várias semanas. Esses dois componentes, aerossóis de sulfato e vapor de água, possuem efeitos climáticos opostos: os aerossóis resfriam o planeta ao espalhar radiação solar, enquanto vapor de água - um poderoso gás estufa - provoca resfriamento estratosférico e aquecimento da superfície terrestre. O efeito radiativo final vai depender da altitude de ação desses agentes e propriedades dos aerossóis.

Sequência de imagens de satélite (NASA) mostrando o desenvolvimento da erupção do Hunga, próximo da ilha de Tonga, no Oceano Pacífico Sul. Ref.6-7

          Devido à grande injeção de vapor de água na alta atmosfera e apenas limitada liberação de dióxido de enxofre, acreditava-se que a erupção iria aquecer de forma significativa o planeta. No entanto, evidência mais recente aponta que a erupção causou um resfriamento de ~0,1°C no hemisfério sul ao longo do período de 2022 até o final 2023 (Ref.8). Isso sugere que os aerossóis injetados na estratosfera tiveram influência dominante no clima. Em específico, a erupção formou aerossóis muito pequenos com eficiente efeito de resfriamento e, ao mesmo tempo, o vapor de água interagiu com o dióxido de enxofre e outros componentes atmosféricos, incluindo ozônio, de modo a não amplificar aquecimento. 

-----------
> Super erupções vulcânicas com emissões de dióxido de enxofre iguais ou acima de 4000 Tg podem produzir aquecimento do clima a longo prazo através de feedbacks climáticos, incluindo aquecimento da alta troposfera e potencial aumento da quantidade de vapor de água estratosférica por um fator de 8-600 - embora a curto prazo forte resfriamento seja esperado. Ref.12
----------


- Continua após o anúncio -



   CICLO DO CARBONO

          Existe também uma grande quantidade de dióxido de carbono sendo produzido durante os eventos de erupção e atividades vulcânicas em geral. Os vulcões emitem dióxido de carbono de duas formas: durante erupções e através do magma subterrâneo. Dióxido de carbono do magma subterrâneo é liberado através de ventas, rochas porosas e solos, e água que alimenta lagos vulcânicos e fontes termais. A liberação direta de CO2 dos vulcões ativos possui três principais fontes: CO2 dissolvido no manto, CO2 reciclado do material crustal de subducção e a descarbonização de material crustal raso.

          A maior parte do carbono na Terra é armazenado nas rochas (~65500 bilhões de toneladas). O vulcanismo, nesse sentido, é o mecanismo primário pelo qual carbono (C) armazenado no interior da Terra é transferido para o ambiente da superfície para alimentar as trocas no sistema atmosfera-oceano-biosfera. Em uma escala de tempo geológica, as emissões vulcânicas têm sido fundamentais para o controle dos níveis atmosféricos-oceânicos de CO2, ultimamente regulando a evolução do clima e da vida no nosso planeta. Mas é um mito muito comum pensar que as emissões de dióxido de carbono dos vulcões ultrapassam as emissões antropogênicos.


         De acordo com U.S. Geological Survey (Ref.1), as emissões subaéreas e submarinas anuais de dióxido de carbono emitidos pelos vulcões desde o início do período pós-Era Industrial variam de 130 milhões para 440 milhões de toneladas, e um valor preferencial de 260 milhões de toneladas. A maior estimativa é de um estudo de 2013, onde Burton et al. (Ref.1) encontrou um valor em torno de 637 milhões de toneladas anuais das emissões totais de dióxido de carbono das atividades vulcânicas. Porém, os humanos emitem cerca de 35 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano - 55 vezes mais do que a maior estimativa para as atividades vulcânicas - ao queimar combustíveis fósseis e via atividades industriais diversas, como produção de cimento (Ref.1). Se considerarmos a reciclagem geoquímica ilustrada acima, o balanço líquido final nas emissões de dióxido de carbono via atividades vulcânicas é de algo em torno de 310 milhões de toneladas, considerando 640 milhões de toneladas (bruto) emitidas pelos vulcões.




          Erupções grandes e violentes podem igualar ou ultrapassar as taxas de emissões das atividades humanas pelas poucas horas que duram, mas elas são muito raras para tornar as emissões vulcânicas anuais minimamente próximas de competirem com as emissões antropogênicas. Por exemplo, as erupções do Monte Santa Helena (1980) e do Pinatubo (1991) liberaram dióxido de carbono em uma escala similar a das atividades humanas por cerca de 9 horas. Porém, essa enorme escala de produção de dióxido de carbono é mantida continuamente por dias, semanas, meses, anos, décadas pelos humanos desde o início da Era Industrial.




          Os vulcões também emitem anualmente cerca de 20-25 milhões de toneladas de dióxido de enxofre. As atividades humanos emitem cerca de duas vezes mais dióxido de enxofre na atmosfera.

Para mais informações: 

- Continua após o anúncio -



   CONCLUSÃO

          Os vulcões, de fato, influenciam o clima, através da liberação de gases estufas e a partir da injeção de grande quantidade de partículas reflexivas - em especial aerossóis - na alta atmosfera. No entanto, as atividades vulcânicas nas últimas décadas não conseguem explicar, nem de longe, o padrão de acelerado aquecimento global observado desde o século XX. Estamos emitindo no pós-industrial inúmeras vezes mais dióxido de carbono que as atividades vulcânicas, e, portanto, a contribuição atual dos vulcões para a exacerbação do efeito estufa atmosférico é muito pequena. As mudanças climáticas sendo agora observadas continuam sendo muito bem explicadas pela Teoria do Aquecimento Global Antropogênico.

Sugestão de leitura:


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.saberatualizado.com.br/2017/08/aquecimento-global-uma-problematica.html 
  2. https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00376-019-8241-8
  3. https://volcanoes.usgs.gov/vsc/file_mngr/file-154/Gerlach-2011-EOS_AGU.pdf
  4. https://volcanoes.usgs.gov/vhp/gas_climate.html
  5. Burton, M.R., Sawyer, G.M., Granieri, D. (2013). Deep carbon emissions from volcanoes. Reviews in Mineralogy and Geochemistry, 75, 323–354.
  6. https://www.uaf.edu/news/hunga-volcano-eruption-provides-an-explosion-of-data.php
  7. https://research.noaa.gov/hunga-tonga-2022-eruption/
  8. Gupta et al. (2025). The January 2022 Hunga eruption cooled the southern hemisphere in 2022 and 2023. Communications Earth & Environment 6, 240. https://doi.org/10.1038/s43247-025-02181-9
  9. Meuer et al. (2024). Fingerprints of past volcanic eruptions can be detected in historical climate records using machine learning. Communications Earth & Environmental 5, 455. https://doi.org/10.1038/s43247-024-01617-y
  10. Arthur et al. (2024). The impact of volcanism on Scandinavian climate and human societies during the Holocene: Insights into the Fimbulwinter eruptions (536/540 AD). The Holocene. https://doi.org/10.1177/09596836231225718
  11. Marshall et al. (2025). Last-millennium volcanic forcing and climate response using SO2 emissions. Climate of the Past, Volume 21, Issue 1. https://doi.org/10.5194/cp-21-161-2025
  12. Guzewich et al. (2024). A Potential Surface Warming Regime for Volcanic Super-Eruptions Through Stratospheric Water Vapor Increases. JGR Atmospheres, Volume 129, Issue 13, e2023JD038667. https://doi.org/10.1029/2023JD038667