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O que é a Papilomatose Vestibular?

- Atualizado no dia 2 de outubro de 2023 -

          Uma mulher de 29 anos de idade, casada e nulípara (nunca deu a luz) foi encaminhada a pedido de um ginecologista para diagnóstico de possíveis verrugas genitais. Ela apresentou-se à clínica de referência com um histórico de múltiplos e assintomáticos crescimentos na vulva com projeções similares a "dedos" (Fig.1). As "lesões" foram notadas após o casamento e estavam gradualmente crescendo em tamanho. Ela não sofria de qualquer desconforto ou sangramento durante atividades sexuais. Nesse último ponto, a paciente possuía uma relação monogâmica com o seu marido e não deu nenhum histórico de qualquer contato sexual pré- ou extramarital. 

          No exame médico, a vulva da paciente parecia normal, exceto aparentemente pelas lesões em questão. Não existia úlceras vaginais ou na vulva. Exame do vestíbulo e aspecto interno do lábio direito menor revelou papilas rosadas translúcidas e alongadas. Ao toque, essas papilas eram macias, não-dolorosas e não sangravam. 

          Dermatoscopia sob luz polarizada confirmou a presença de canais profusos e irregulares em múltiplas projeções cilíndricas filiformes (Fig.2). As bases das projeções individuais permaneciam separadas. Não havia crescimento queratótico e nenhum ponto colorido sugestivo de vasos com trombose, portanto confirmando que as lesões não eram verrugas.




          Análise histopatológica das lesões revelou as seguintes características (Fig.3): projeções papiladas cobertas por epiderme hiperplástica com leve espongiose em foco. Um aumentado número de capilares dilatados de finas paredes com uma esparsa mistura de infiltrados inflamatórios de linfócitos, neutrófilos e células do plasma foi observado sobre a derme. Coilócitos não foram observados, e, portanto, o diagnóstico de papilomatose vestibular vulvar foi confirmado.

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          A paciente foi assegurada sobre a natureza benigna das papilas, e que tratamento não era necessário. O caso foi reportado e descrito em 2020 no periódico Indian Dermatology Online Journal (Ref.1).


   PAPILOMATOSE VESTIBULAR

          Papilomatose vestibular (PV) é uma variante anatômica benigna da vulva, comumente confundida com verrugas genitais (ex.: condiloma, caracterizado por lesões causadas pelo vírus HPV) ou com outras doenças venéreas. A prevalência reportada na literatura acadêmica é de 1-33% na população feminina, e afeta em especial mulheres com idade entre 21 e 56 anos. Primeiro descrita em 1981, a condição tem sido desde então reportada sob uma variedade de nomes: papilomas hirsutoides da vulva, papilomatose escamada vulvar, micropapilomatose labial, micropapiloma escamoso vestibular, entre outros. Apesar do nome mais comumente usado "papilomatose vestibular", as papilas do PV frequentemente aparecem sobre a face interna dos lábios, não apenas no vestíbulo da vulva (!). Geralmente casos de PV são assintomáticos, mas alguns podem envolver prurido (coceira), sensação de ardência ou mesmo dispareunia (dor na relação sexual). 

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> Para fotos de de típicas manifestações do PV em diferentes vulvas, acesse aqui.

> Papilomatose, no geral, caracteriza-se por elevação da superfície da pele causada por hiperplasia e aumento de papilas dérmicas contíguas. Apresenta-se como projeções digitiformes de estruturas papilares, em forma regular, superfície lisa, vasos típicos e sem coalescências.

(!) Vulva faz referência à genitália feminina externa e inclui o monte pubiano, lábio maiores, lábios menores, clitóris, vestíbulo vulvar, meato uretral, introito vaginal (1) e glândulas vestibulares de Bartholin e de Skene (2). O vestíbulo é a região da vulva entre os lábios menores, onde se localizam as aberturas do meato uretral e da vagina.

(1) Na abertura vaginal temos uma estrutura associada chamada de hímen. Sobre o hímen, um esclarecimento importante: Toda mulher sangra quando "perde a virgindade"?

(2) A glândula de Skene (ou próstata feminina) é uma estrutura homóloga à próstata masculina. Para mais informações, acesse: Três mitos esclarecidos: Ciclo menstrual de 28 dias, corrida dos espermatozoides e exclusividade masculina da próstata

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          É importante o diagnóstico diferencial de aparentes lesões na região vulvar sempre considerar a possibilidade do PV para evitar preocupações, exames laboratoriais, biópsias e tratamentos invasivos desnecessários. Em mulheres grávidas, diagnóstico errôneo de um PV como verrugas genitais pode levar à realização de parto por cesárea devido ao risco de papilomatose laríngea em bebês nascidos pela via vaginal em mães com infeção ativa de HPV. Diferente de verrugas genitais (tipicamente causadas pelo HPV), as papilas do PV são simétricas ou lineares, macias e geralmente possuem uma cor rosada, e as bases de cada projeção papilar permanecem separadas umas das outras. Já as verrugas genitais são duras e irregulares, e as projeções tendem a coalescer (fundem-se) em uma base comum. Por fim, quando submetidas ao teste de ácido acético (5% V/V), verrugas genitais exibem um esbranquiçamento, algo que não é tipicamente observado no PV.

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          Interessante também observar que o PV é considerado o equivalente de manifestações cutâneas bem semelhantes e comumente observadas na glande do pênis, conhecidas como pápulas perláceas penianas (PPP). Assim como o PPP, o PV não possui um agente infeccioso como causa e casos assintomáticos não precisam de tratamento (exceto para fins estéticos se esse for o desejo do paciente).

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> Além da papilomatose vestibular, existem várias dermatoses vulvares não-venéreas que podem ser semelhantes a infecções sexualmente transmissíveis e/ou serem difíceis de diferenciar de verrugas genitais. Um exemplo são siringomas vulvares, tumores benignos com origem de células intraepidérmicas de glândulas écrinas de suor (Ref.11). Esses tumores são caracterizados por múltiplas pápulas com cor de pele ou levemente amareladas, e tipicamente aparecem simetricamente e bilateralmente sobre os lábios externos. Intenso prurido (coceira) pode acompanhar a condição, e ficar mais severo durante a menstruação, gravidez e no verão. Não existe um tratamento padrão, mas a opção terapêutica mais comum é o uso de laser de dióxido de carbono (CO2) tanto para o alívio do prurido quanto para a resolução das lesões (Ref.12). Para fotos e relatos de dois casos, acesse aqui.

> Para quem estiver interessado em um estudo de revisão recente abordando manifestações cutâneas comuns e benignas na vulva que são frequentemente confundidas com condições patológicas, acesse a Ref.5.

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Thakare & Udare (2020). Importance of Dermoscopy to Diagnose Vulvar Vestibular Papillomatosis vs. Warts. Indian Dermatology Online Journal, 11(4): 680–681. https://doi.org/10.4103%2Fidoj.IDOJ_463_18
  2. Kakkar & Sharma (2017). Benign vulvar vestibular papillomatosis: An underreported condition in Indian dermatological literature. Indian Dermatology Online Journal; 8(1):63-65. https://doi.org/10.4103%2F2229-5178.198777
  3. Karlı & Özen (2019). A benign disease characterized by vulvar itching: vulvar vestibular papillomatosis. Clinical and Experimental Obstetrics & Gynecology, 46(6), 969–971. https://doi.org/10.12891/ceog4962.2019
  4. Thapa, D. P. (2021). Vulvar vestibular papillomatosis: All genital lesions are ulvar vestibular papillomatosis: All genital lesions are not sexually transmitted diseases ot sexually transmitted diseases. Our Dermatology Online, 12(e):e43. https://doi.org/10.7241/ourd.2021e.43   
  5. Sally et al. (2021). Benign “lumps and bumps” of the vulva: A review. International Journal of Women's Dermatology, Volume 7, Issue 4, Pages 383-390. https://doi.org/10.1016/j.ijwd.2021.04.007
  6. Chan & Chiu (2008). Vestibular Papillomatosis. The New England Journal of Medicine, 358:14. DOI: 10.1056/nejmicm076056
  7. Mathew & Kutty (2020). Cryosurgical Management of Symptomatic Vulvar Vestibular Papillomatosis. Journal of Cutaneous and Aesthetic Surgery, 13(3):259-260. https://doi.org/10.4103%2FJCAS.JCAS_187_19
  8. Muhammed et al. (2018). Vestibular papillomatosis: a normal variation commonly misdiagnosed as genital condylomata. American Journal of Obstetrics & Gynecology, Volume 220, Issue 4, P403. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2018.08.025
  9. Agharbi et al. (2022). The Role of Dermatoscopy to Differentiate Vestibular Papillae from Condyloma Acuminate in a Pregnant Woman. Clinical Medical Reviews and Case Reports, Volume 9, Issue 3, 9:386. https://doi.org/10.23937/2378-3656/1410386
  10. Shin et al. (2018). Vestibular papillomatosis in the Korean female population. https://papersearch.net/thesis/article.asp?key=3633023
  11. Tambe & Patil (2022). Case series of rare nonvenereal vulvar dermatoses. Indian Journal of Sexually Transmitted Diseases and AIDS, 43(2): 210-213. https://doi.org/10.4103%2Fijstd.ijstd_40_21 
  12. Alsaidan, M. S. (2022). Efficacy and safety of lasers in treating syringomas: a review of the literature. Journal of Dermatological Treatment, Volume 33, Issue 8. https://doi.org/10.1080/09546634.2022.2127307  
  13. Karam et al. (2020). Syringoma of the Vulva: A Rare Case Report. Open Access Library Journal, 7, 1-4. https://doi.org/10.4236/oalib.1106114