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O aborto precisa ser descriminalizado?


- Atualizado no dia 8 de novembro de 2023 -

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          Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil de descriminalizar o aborto até os 3 meses de gestação em um caso isolado no final de 2015, uma grande polêmica tomou conta das redes sociais de forma imediata. Críticas em peso surgiram por grande parte da população, fomentadas pelas atuais leis brasileiras que só permitem o aborto em três casos excepcionais: estupro, feto anencefálico e gravidez de alto risco. Mas será que o STF agiu como um monstro, como muitos pintaram o quadro, ou apenas seguiu a razoabilidade e tratou a questão como um sério problema de saúde pública no país?


          Abortos podem ser classificados como seguros, menos seguros ou não seguros, dependendo do método usado para induzi-los e dos profissionais responsáveis por fornecê-lo. Entre 2010 e 2014, é estimado que, globalmente, 35 abortos não seguros ocorreram a cada 1000 mulheres entre 15 e 44 anos de idade (Ref.79). Nesse sentido, quase metade dos abortos realizados no mundo são feitos de forma não segura, com esse número chegando a 55% nos países em desenvolvimento e a 97% na África Subsaariana. E em mais de 50% dos abortos não seguros as mulheres acabam pedindo ajuda médica posterior por causa de hemorragias, sepse, útero perfurado e trauma em órgãos internos (trauma genital ou necrose no intestino). Em 2012, é estimado que aproximadamente 7 milhões de hospitalizações ocorreram em países em desenvolvimento devido à prática não segura de aborto.

           Os abortos feitos de forma não segura, ou seja, não supervisionados em centros de saúde credenciados ou realizados por profissionais de saúde capacitados, representam uma das maiores causas de mortalidade materna no mundo. Enquanto grande parte dos mais ricos, nos países onde o aborto é criminalizado, conseguem pagar por um bom acompanhamento profissional durante o procedimento, os indivíduos com menos recursos financeiros apelam para clínicas clandestinas, profissionais despreparados e até mesmo "receitas" de internet que prometem resolver o problema de forma caseira, incluindo chás de ervas potencialmente muito tóxicos (Ref.86). Estudos mostram que em torno de 25% das gravidez ao redor do mundo acabam em aborto - legal ou ilegal -, sendo que a grande maioria deles ocorrem em países subdesenvolvidos (em torno de 86%).        

            Em números absolutos, em torno de 56 milhões de mulheres realizam abortos (seguros e não seguros) todos os anos ao redor do mundo, com os abortos ilegais e não seguros chegando a somar 25 milhões anualmente e resultando em 4,7-13,2% das mortes maternas entre adolescente e mulheres adultas (Ref.70) - com estatísticas chegando a apontar um valor de 18% (Ref.71). Em torno de 8 milhões de abortos são realizados de forma não segura todos os anos, onde é estimado que 7 milhões dos casos acabam levando a complicações. Na África Subsaariana, cerca de 520 mulheres morrem a cada 100 mil abortos não seguros. Em regiões em desenvolvimento, como no Brasil, cerca de 220 mulheres morrem a cada 100 mil procedimentos não seguros. E entre as mulheres sobreviventes, cerca de 5 milhões delas irão sofrer de problemas colaterais de longos prazos. A infertilidade frequentemente acompanha esses problemas, e a OMS estima que 2% dos casos de infertilidade entre mulheres em idade reprodutiva são causados pelos abortos não seguros. E esses números podem ser muito maiores, já que a criminalização e o preconceito impedem que muitas mulheres admitam que fizeram o aborto ou que procurem um atendimento médico para resolver problemas consequentes de um aborto mal feito.

 
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (ONU), a cada 8 minutos uma mulher morre em um país em desenvolvimento vítima do aborto não seguro
       
           O sistema público de saúde brasileiro realiza gratuitamente o serviço que, nas ruas, é feito por preços exorbitantes e de maneira irresponsável. Por causa das restrições legais e do preconceito, a segunda alternativa é, infelizmente, a escolhida na maior parte das vezes. E percorrendo a internet, é fácil achar instruções amadoras sobre como induzir um aborto com chás suspeitos e o medicamento Misoprostol (Cytotec), este o qual pode trazer sérios danos à paciente se usado de maneira indevida. Além disso, métodos absurdos são usados pelas grávidas desesperadas, como arames e introdução de substâncias corrosivas pela vagina. 

          Dados de 1991, coletados no Rio de Janeiro, mostram que o gasto governamental por internações originadas de complicações pós-aborto seria suficiente para que o estado assumisse a realização de aproximadamente 62 mil abortos seguros, algo que representa 91% dos procedimentos abortivos estimados para aquele ano. E os números aumentaram nas últimas décadas. Em 2013, ainda no Rio, cerca de 67 mil abortos ilegais foram realizados. Em 2005, aproximadamente 1054242 abortos foram realizados no país e estimativas mostram que 1 em cada 5 brasileiras até 40 anos de idade já fizeram, no mínimo, um aborto ilegal. Isso sem contar aqueles realizados escondidos e não reportados pelas mulheres por medo e vergonha.

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> O perfil de mulheres em maior risco de óbito por aborto no Brasil: as de cor preta e as indígenas, de baixa escolaridade, com menos de 14 e mais de 40 anos, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, e sem companheiro (Ref.87). 

Estima-se que, anualmente, cerca de 230 mil mulheres sejam internadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em decorrência de abortos inseguros (Ref.88).

De 2008 a 2018, ocorreram quase 2,26 milhões de internações por aborto (espontâneos e provocados), representando 5% de todas as internações de mulheres em idade fértil (Ref.88).
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            Entre países com leis restritivas sobre aborto, caso do Brasil, quando não previstos em lei, os abortos são, muitas vezes, realizados sem as mínimas condições de segurança. Tal situação, além de não reduzir a ocorrência de abortos, eleva a mortalidade materna por essa causa, quando restringe dramaticamente o acesso ao aborto seguro. A interrupção voluntária de uma gravidez envolve conflitos morais, éticos e religiosos que, aliados à condenação social e reforçados pela ilegalidade, resultam em omissão do relato ou sua declaração como "espontâneo". Assim, dentro da taxa de internações por aborto espontâneo, há de se considerar uma parcela desconhecida - e provavelmente alta - que, de fato, corresponde a abortos provocados. Das pessoas que se submetem a um aborto inseguro, estima-se que até 50% são internadas por complicações (Ref.89).

           Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 1 mulher morre a cada 2 dias aqui no Brasil devido ao aborto inseguro. O aborto desse tipo também é estimado em ser a quinta ou até a terceira maior causa de mortalidade materna no Brasil. E existem casos de mortes ocorridas em clínicas clandestinas onde os criminosos até mesmo queimam o corpo da paciente para esconderem as provas.         
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ATUALIZAÇÕES (Status legal do aborto ao redor do mundo)

Em 2019, em uma decisão de retrocesso, o estado do Alabama, nos EUA, passou a mais rígida e restritiva lei contra o direito ao aborto, proibindo o procedimento em todos os casos com exceção para gravidezes de alto risco para a mãe (Ref.73). Crianças, adolescentes ou adultos de todas as idades que engravidarem, mesmo via estupro e incesto, terão que dar continuidade à gravidez sob a lei do estado. Médicos que realizarem o procedimento podem pegar penas que variam de 10 a 99 anos de prisão. Mulheres que realizarem o aborto em si mesmas não sofrerão penalidades. Ou seja, uma medida que aumenta enormemente o risco de abortos caseiros e clandestinos não seguros, e que marginaliza ainda mais os profissionais de saúde que realizam o procedimento de forma segura. Outros quatro estados nos EUA também passaram textos restringindo o direito ao aborto, mas geralmente seguindo a "lei do batimento cardíaco", ou seja, o aborto fica proibido quando batimentos cardíacos forem detectáveis no feto, o que ocorre geralmente em torno da 6° semana de gravidez.

Em 2020, o Senado da Argentina aprovou o projeto de lei de autoria do governo do presidente Alberto Fernández para legalizar o aborto no país até a 14° semana de gestação (Ref.78). Foram 38 votos a favor da legalização, 29 contra e uma abstenção. Com isso, a Argentina passa a ser o 67° país com o aborto legalizado, garantindo um procedimento seguro para as mães em hospitais credenciados. Após o período de 14 semanas, o aborto será permitido apenas em casos de risco de vida para a gestante ou quando a concepção é fruto de um estupro. 

Em 2022, a Justiça da Colômbia descriminalizou o aborto até a 24° semana de gravidez (6 meses), um limite que ultrapassa aquele tradicionalmente imposto (~3 meses, onde não existe típica viabilidade para vida fora do útero), mas defendido por muitos especialistas e estudos (Ref.80). Isso porque embora a maioria das mulheres reconheçam a gravidez no período inicial da gestação, realizando quando desejado o aborto dentro do primeiro semestre, muita mulheres só descobrem que estão grávidas bem mais tarde, no segundo semestre (!).  

> Nos EUA, a Suprema Corte derrubou o histórico caso Roe v. Wade, retornando a lei de aborto para os estados e criando dramáticos conflitos, tensões legislativas e perdas de direitos reprodutivos para as mulheres no país. Até mesmo medicamentos abortivos estão sob pressão de ser proibidos no território Norte-Americano (Ref.90-92).

> Mais recentemente, a Suprema Corte do México descriminalizou o aborto a nível nacional (Ref.94).
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            Como visto no mapa acima, quase todos os países permitem o aborto no início de gravidez em algum grau. Para ser mais exato, apenas 6 países não permitem o aborto de forma alguma, os quais cobrem apenas 1% da população mundial. Outro padrão que podemos observar é que a maior parte dos países desenvolvidos e democráticos não criminalizam o aborto até os 3 meses de idade sob pedido (seguindo a mesma decisão tomada pelo STF). Nesses países, o governo reconhece os direitos devidos às mulheres e compreende que a não discriminação e não criminalização referentes ao procedimento nos hospitais é uma questão de saúde pública que supera quaisquer discussões religiosas. E essas discussões são repletas de falhas lógicas e são, na maioria das vezes, carregadas por fatores puramente emotivos, machistas e por dogmas religiosos, como será explorado ao longo deste artigo.

Na maior parte dos países onde o aborto é liberado (descriminalizado, dependendo apenas da vontade da mulher) o limite para o procedimento é de 3 meses, com algumas poucas exceções, para baixo ou para cima, que são: o Portugal (10 semanas), Espanha (14 semanas), Áustria (13 semanas), Suécia (22 semanas) e Noruega (18 semanas); nos dois últimos casos, é algo que exige diversas exigências e investigações. 

            Aqui, no Brasil, é crime com pena de 1 a 3 anos de prisão para a mulher que consentir ou fizer o aborto, e de 1 a 4 anos para quem fizer - sob o consentimento da mãe - o aborto, com as exceções já mencionadas e garantidas pelo Código Penal: estupro, feto anencefálico e gravidez de alto risco. [entre a comunidade médica, porém, o profissional de saúde pode escolher não realizar o procedimento nesses casos se o feto possuir mais de 22 semanas ou uma massa corporal superior a 500 gramas]. E isso só foi conquistado a partir de 1985, porque antes todo tipo de aborto era proibido. 

           Porém, por causa da baixa escolaridade, limitado conhecimento político e civil, e alto preconceito em torno do aborto, muitas mulheres nem sabem que existem casos onde o procedimento é legalizado. Para piorar a situação, a burocracia antes do procedimento do aborto, após ser requisitado pela mulher, é enorme devido às grandes restrições legais. A polícia acaba envolvida, boletins de ocorrência devem ser preenchidos, entre outros embaraços não previstos, em teoria, na lei. Isso acaba causando uma maior exposição da mulher, desconforto e intimida outras na mesma situação a procurarem ajuda legal. Para não enfrentarem a "vergonha pública", muitas continuam não reportando o caso de abuso sexual às autoridades mesmo sabendo estarem grávidas, ajudando a deixar livre um criminoso e fazendo com que, possivelmente, mais uma mulher enfrente um aborto clandestino não seguro e sem necessidade. Muitas mulheres que acabam conseguindo um aborto, legal ou ilegal,  com certa segurança e confiança em meio a criminalização e julgamento social são as que possuem um maior poder financeiro, a partir da contratação de profissionais de saúde particulares e sigilosos.


A criminalização do aborto não fere as ricas, mas condenam as pobres, principalmente as adolescentes, estas as quais na maioria das vezes não possuem recursos financeiros próprios ou uma mínima autonomia. E falando em questões financeiras, as centenas de milhares de internações aqui no Brasil decorrentes de abortos não seguros geram um prejuízo para o governo de cerca de 45 milhões de reais por ano

     
      "LEGALIZAÇÃO" POR ESTUPRO

          E no caso de estupro, onde o aborto é legal no Brasil, a mulher, já traumatizada e emocionalmente quebrada pela violência brutal sofrida, pode ainda enfrentar vários empecilhos para ter um resquício do seu direito respeitado. Para começar, existem poucos serviços e mínima infraestrutura para a realização dos abortos legais no país, além de serem fracamente divulgados e expostos, dificultando ainda mais a situação. E quando a mulher consegue ter acesso a uma clínica, ela é barrada por muitos médicos antes de conseguir o seu aborto realizado, mesmo o Ministério da Saúde estabelecendo que não é necessário nenhum documento de comprovação, apenas o princípio de veracidade na palavra da mulher.

           Segundo dados de uma pesquisa de 2015 do "Serviço de Aborto Legal no Brasil - Um Estudo Nacional" (Ref.58), 94% dos abortos realizados em 37 instalações hospitalares aptas a realizarem o procedimento legal foram solicitados por motivo de violência sexual.  Mas houve o relato de exigência de uma autorização por escrito da mulher em 34 dessas instituições, incluindo BO em 5 delas, laudo do IML em 3, alvará judicial em 3, parecer do Comitê de Ética institucional em 4 e, ainda, despacho do Ministério Público em 3. Isso sem contar muitos médicos que ficam tentando investigar se a mulher sofreu ou não alguma violação sexual, ou nem mesmo o realizam sob qualquer tipo de suspeita e chegam a acionar a polícia. Ora, se não existe nem real direito garantido à mulher, quem dirá confiança, certo? Só em 2013, foram cerca de 50,32 mil estupros registrados no país, sendo que pesquisas apontam que apenas 35% das vítimas procuram a polícia para registrar o crime, por causa do medo e vergonha.  


Depoimento de profissionais de saúde sobre mulheres que buscam o aborto relativo à violência sexual (Ref.59)Adicionar legenda


           Na pesquisa, os serviços em atividade informaram que foram atendidas 5,08 mil mulheres em busca do aborto legal, sendo que apenas ~2,44 mil tiveram a interrupção da gravidez. Os motivos para menos da metade dos pedidos não terem sido atendidos não foi esclarecido. Estima-se que somente 20 e 30% das mulheres que sofrem de violência sexual procuram um atendimento médico e o serviço oferecido nem sempre se mostra eficiente ou apto a atender essas vítimas, onde muitas vezes tratamentos básicos são deixados de lado, como a profilaxia de DST não virais e virais, e a coleta de material para a possível identificação dos suspeitos. Alguns, inclusive, não prescrevem anticoncepcionais de emergência. Nesse descaso todo, se juntarmos as milhares que possuem dificuldade em obter um aborto, ou sequer chegam a tê-lo, vemos que não só os agressores sexuais violentam a mulher em nosso país.

           Somando-se a isso, existe pouca disponibilidade de médicos para o aborto e escassa capacitação da equipe envolvida. Na verdade, como mostrado acima, nota-se a falta de comprometimento com o serviço de muitos deles, ao não saberem nem mesmo os protocolos de atendimento nesses casos. Ainda na pesquisa mencionada0, as 37 instituições/serviços vieram de 68 analisados que teoricamente deveriam realizar também o procedimento, entre 56 hospitais previstos em leis que deveriam estar aptos a fazer o aborto legal. Além disso, sete estados não possuíam, sequer, um serviço do tipo, havendo uma concentração deles na região Nordeste (11) e Sudeste (12) do país. E dos 37, 35 não possuíam uma equipe médica específica para os procedimentos de aborto, sendo estes feitos por profissionais em regime de plantão. Em outra pesquisa de 2012, feita com ginecologistas e obstetras de todo o país, foi mostrado que 81,6% deles solicitavam BO ou outro tipo de documento (como laudo do IML, autorização do comitê de ética hospitalar ou alvará judicial) antes de realizarem o aborto (Ref.58), algo não necessário desde 2005. Outro fato preocupante, é que a baixa disponibilidade dos profissionais de saúde acaba sendo devido ao estigma de poderem ser chamados de "aborteiros" ou "assassinos", por medo de serem processados ou ainda por objeção de consciência moral ou religiosa. Assim, muitos acabam recusando fazer o procedimento.  Mais uma vez, a criminalização fomenta o preconceito, e vice-versa, resultando em descaso para com a mulher em um momento tão difícil em suas vidas.

          Em um estudo mais recente (2019) realizado pela organização britânica de direitos humanos Artigo 19 (Ref.74), apenas 43% dos hospitais listados no Ministério da Saúde e no CNES (confederação de estabelecimentos de saúde) - 76 de 176 instituições - como locais que fazem aborto nos três casos previstos por lei realizam de fato o procedimento. Dos hospitais que fazem o aborto legal, 16 citaram o BO como necessário para a realização do procedimento e um deles disse que só faria a interrupção mediante exame de corpo de delito. E mesmo na apresentação do BO, foi reportado que equipes médicas recusavam o procedimento se a vítima entrasse em qualquer contradição com o depoimento dado na polícia, julgando-a como mentirosa. No caso da idade gestacional para a realização do aborto no caso de estupro, as respostas variaram de 12 a 22 semanas nessas instituições, sendo que o limite é na 20º semana (se estendendo para a 22º semana caso o feto tenha uma massa corporal inferior a 500 g), ou seja, reforçando a baixa capacitação dos profissionais de saúde envolvidos.

           Segundo dados de uma pesquisa do Datafolha divulgados em setembro de 2016 (Ref.59), 85% das brasileiras temem ser vítimas da violência sexual. Porém, 33,3% dos brasileiros acreditam que a culpa é da vítima no caso dos estupros. Entre os homens, 42% corroboram com essa opinião, com justificativas do tipo 'olha a roupa que ela está usando' ou 'ela é quem provocou'. Entre as pessoas entre 16 e 34 anos, o total que concordam com esse pensamento foi de 23%, e, entre os idosos, o total é de 44%. O que temos aqui é apenas mais uma prova de que a sociedade possui uma influência tão machista, que até mesmo muitas mulheres acabam culpando elas mesmas por sofrerem violência sexual dos homens. É fácil entender porque aqui no Brasil é difícil conceber que o aborto seguro e a sua descriminalização são um direito da mulher.


        

          Facilitar o acesso ao aborto legal não apenas previne interrupções feitas em condições inseguras que, não raras vezes, causam a morte da mulher ou sequelas irreversíveis, como também evita suicídios. Um estudo feito entre as vítimas de estupro atendidas no Pérola Byington mostrou que 20% delas tinham ideações suicidas (Ref.74).


        MESMO SABENDO DESSES FATOS, A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO É INÚTIL?

          Talvez o mais absurdo são as pessoas que defendem o argumento de que descriminalizar o aborto não deve ser colocado em pauta porque o que deve ser feito pelo governo é aumentar as campanhas sobre práticas de sexo seguro e garantir um acesso facilitado às ferramentas de prevenção (ex.: camisinha). Mas é óbvio que essas políticas de conscientização devem sempre ser o foco do governo, não só para a melhor prevenção de gravidezes indesejadas mas também como parte das armas contra a transmissão das doenças sexualmente transmissíveis. Porém, ao mesmo tempo, é preciso garantir um aborto seguro no início de gravidez para as mulheres, oras! Mesmo em países onde a educação sexual é altíssima - algo ainda raro devido ao tabu associado ao tema -, acidentes ocorrem. Em 2017, por exemplo, foram 12733 abortos na Noruega, com o número de nascimentos em torno de 56600 (Ref.72). Seja por causa de falha na pílula, furo na camisinha, ou ao estado não sóbrio devido ao consumo alcoólico em festas, são muitos os fatores de risco, os quais se aplicam tanto a casais quanto a solteiros.

        Impedir o acesso a um aborto seguro é o mesmo que o governo decretar a proibição do voto à maioria da população brasileira porque a mesma não possui uma satisfatória escolarização e/ou consciência política por causa do descaso público. A educação e a conscientização política brasileiras precisam melhorar, e muito, mas não é por isso que iremos negar o direito ao voto até que a situação se resolva, porque o voto é direito básico de todo cidadão. Outro exemplo que podemos dar é impedir o uso de cinto de segurança e airbag nos carros com a justificativa de que se o motorista dirigir bem, não haverá acidentes de trânsito. Ora, os acidentes de trânsito acontecem com os mais habilidosos e responsáveis motoristas por motivos que não dependem apenas dele, já que ele pode se descuidar por um momento, sofrer um acidente por culpa de outros motoristas, em falhas de sinalização, etc. Sim, quanto melhor o trânsito de uma cidade e conscientização dos motoristas, menos acidentes ocorrerão, mas isso não quer dizer que eles deixarão de ocorrer. Por causa disso, existir um cinto de segurança e um airbag é imprescindível para uma ótima segurança do motorista. 

"Aborto não seguro" é definido como um procedimento de finalização de uma indesejada gravidez por profissionais despreparados e/ou em um ambiente que não oferece um padrão mínimo de qualidade hospitalar


       A RELIGIÃO POSSUI A RESPOSTA?

           Evidência recente sugere que atitudes conservadoras de oposição contra o aborto e a eutanásia, ao invés de serem motivadas por um deseja de reduzir danos aos indivíduos ou sociedade, é parcialmente baseada na visão que terminar uma vida, mesmo a própria vida, viola o 'design natural de Deus' e, nesse sentido, mancha a pureza espiritual dos indivíduos e viola princípios fundamentai religiosos (Ref.93). A preocupação é com fundações morais e dogmáticas, principalmente pureza/santidade, e não com as implicações sociais e de saúde pública.

           Aliás, temos sistemas religiosos, como o Cristianismo, que pregam até mesmo o não uso de métodos contraceptivos porque esses estariam impedindo a vida de ser gerada, e caracterizam contraceptivos de emergência (ex.: pílula do dia seguinte) como abortivos. Isso só dificulta o acesso aos meios de prevenção à gravidez indesejada e induz mais mulheres a procurar os procedimentos inseguros para efetuar o aborto. Ou pior, dependendo do grau religioso da pessoa, adolescentes muito jovens podem acabar levando a gravidez adiante, independente da causa, e prejudicando sua vida profissional futura, já que as entidades religiosas, principalmente a Cristã, consideram um pecado mais do que grave abortar em quaisquer situações. Com a pressão da lei e da Igreja, crianças e adolescentes podem esconder uma violência sexual e manter um filho gerado de forma traumática - com pesadas consequências socioeconômicas para o indivíduo persistentes por vários anos (Ref.90).

          Mesmo querendo um aborto, o preconceito relativo ao procedimento e a influência religiosa são tão grandes que muitas mulheres pensam que a prática é proibida em todo o mundo sob quaisquer circunstâncias, assim como sugere a Doutrina Cristã. Essas mulheres acabam tentando procedimentos inseguros para efetuar um aborto ou acabam deixando a gestação resultante de um ato terrível seguir em frente, frequentemente sem adequado suporte familiar ou de outras pessoas próximas. Não é nada raro as pessoas chamarem as mulheres que provocam um aborto de 'assassinas' e 'monstros'. A criminalização e o preconceito acabam virando parceiros do estupro de menores e podem gerar uma mulher reprimida e marcada por pesados traumas para o resto da vida, tanto físicos quanto emocionais, especialmente quando menores de idade.

A criminalização total religiosa e o forte preconceito só servem para potencializar os danos causados nas mulheres, principalmente as jovens, que sofreram abusos sexuais e que são forçadas a continuar a gestação e ter o seu primeiro filho em meio a dor, desespero e crime do mais brutal - a Igreja Cristã está realmente pensando no bem das pessoas nessas situações?

            E muitas vezes, por trás de argumentos religiosos, escondem-se anseios e empreendimentos políticos. Ora, no Brasil, para entidades católicas e evangélicas sustentarem o seu poder de influência na sociedade e manter diversas cadeiras no sistema político, é preciso que suas leis "divinas" sejam cumpridas pelo rebanho. Homossexualidade, aborto, uso de contraceptivos, sexo somente após o casamento, entre outros. Todas questões delicadas e de grande impacto social sendo tratadas de forma irresponsável pelas entidades religiosas em prol do poder político. Para justificar e aliviar a obrigatoriedade da gravidez por estupro, alguns líderes religiosos chegam até a desvirtuar, vergonhosamente, a problemática envolvida. Um exemplo bem ilustrativo disso é o comentário que o bispo de Garulhos, Luiz Gonzaga Bergonzini, chegou a fazer em entrevista:

          "É muito difícil uma violência sem o consentimento da mulher, é difícil", comenta. O bispo ajeita os cabelos e o crucifixo. "Já vi muitos casos que não posso citar aqui. Tenho 52 anos de padre... Há os casos em que não é bem violência... [A mulher diz] 'Não queria, não queria, mas aconteceu...'", diz. "Então sabe o que eu fazia?" Nesse momento, o bispo pega a tampa da caneta da repórter e mostra como conversava com as mulheres. "Eu falava: bota aqui", pedindo, em seguida, para a repórter encaixar o cilindro da caneta no orifício da tampa. O bispo começa a mexer a mão, evitando o encaixe. "Entendeu, né? Tem casos assim, do 'Ah, não queria, não queria, mas acabei deixando'"

       Em mais um absurdo, tivemos a excomunhão, pelo bispo de Olinda e Recife, José Cardoso Sobrinho, em março de 2009, de familiares e médicos que realizaram aborto legal numa criança de nove anos, vítima de estupro. Será que não existem limites éticos para reforçar o poder de autoridade?

          O Papa Francisco, por exemplo, têm sido o primeiro líder supremo da Igreja Católica que se mostra bastante liberal, demonstrando ter uma atitude de aceitação em relação aos homossexuais, bissexuais e transgêneros, maior bom senso frente ao aborto (não condená-lo no caso das infecções do Zika, por exemplo, e permitir que padres possam perdoar o "pecado", tirando a exclusividade de altos membros da Igreja), entre outros. E, como resposta, ele recebe o ódio de vários dos líderes católicos espalhados pelo mundo, com muitos não aceitando-o como Papa. Vê? Mesmo sendo uma obrigação respeitar o Papa, a "voz mais próxima de Deus na Terra", segundo a crença católica, esses líderes religiosos blasfemam sua própria fé para manter as leis de opressão religiosa.
 
Questionou a repressão religiosa de leis cristãs retrógradas, você será alvo do ódio de muitos líderes católicos, mesmo se o questionador for o próprio Papa

           Outro exemplo, abordado no excelente filme Spotlight (2015, Direção de Thomas McCarthy, Oscar de Melhor Filme), é a ação da Igreja Católica no abafamento de inúmeros casos de pedofilia e abuso sexual praticados por padres. Só na arquidiocese católica de Boston, uma equipe investigativa de repórteres norte-americanos encontrou 90 padres violentadores sexuais acobertados por advogados e pela influência da Igreja Católica sobre o sistema judiciário dos EUA. Após essa investigação, diversos outros casos foram descobertos, disparando uma enorme crise no círculo de autoridades católicas. Em outras palavras, temos um claro exemplo de uma entidade religiosa pensando mais em seu prestígio e poder do que na coisa certa a ser feita.

            Quando vamos para os Evangélicos, então, não precisamos nem nos esforçar muito para mostrar que boa parte dos líderes apenas comercializa a fé e age com fervor para assegurar cadeiras no quadro político. Pastores milionários; mentiras sobre curas instantâneas de doenças diversas sendo demonstradas com a ajuda de teatro na televisão e nas missas; exigência de pesados dízimos dos seus seguidores; e por aí vai.

        Existem líderes e políticos representantes da Igreja Cristã, claro, que aparentemente não pensam apenas no poder, como o próprio Papa Francisco. Mas isso está longe de ser uma regra. Questionem se as entidades que proclamam sua fé como base de existência estão querendo o seu bem ou apenas o seu voto e oferendas. Siga sua fé livremente, mas cuidado com quem apenas comercializa sua crença. Isso não é um ataque à fé religiosa, e, sim, um ataque aos religiosos corruptos.




        OPINIÃO PÚBLICA

           Por causa do forte preconceito e criminalização imposta pela lei, além das pesadas campanhas religiosas cristãs que abominam quaisquer práticas de aborto, a opinião pública, em sua maioria, tende a rejeitar a prática de aborto aqui no Brasil. Em torno de 80% normalmente concordam com a criminalização do aborto na forma da atual lei, mas existe um porém nessa história.

            Apesar da gigantesca maioria ser contra o aborto, essa não deveria ser a real pergunta a ser feita. Ora, obviamente, ninguém é a favor do aborto e nenhuma mulher gosta de praticar o aborto. Esse é o sentido em que muitos tendem a pensar quando são questionados sobre o aborto. E quando as pessoas escutam ´criminalização do aborto´, elas tendem a entender isso como algo puramente ´contra o aborto´. Mas, muitos não pensam seriamente sobre o fato de que as mulheres que passam por uma aborto voluntário ilegal, pelo menos aqui no Brasil, estão sujeitas a pagar uma pena na prisão. E se mudássemos a pergunta para: "Se você descobrisse que a sua mãe, sua irmã, ou qualquer outra parente ou amiga fizeram um aborto, você estaria de acordo em deixá-las cumprindo anos de prisão?" Sim, porque analisando as estatísticas aqui no Brasil, é grande as chances de alguém afetuosamente muito próximo  de você ter praticado um aborto.

          E um estudo no Estado de São Paulo fez algo parecido, entre os anos de 2010 e 2011. Os pesquisadores reuniram 1660 servidores públicos e 874 estudantes de medicina e fizeram duas perguntas:

1) Sob quais circunstâncias o aborto deveria ser permitido pela lei?

2) E uma mulher em geral e uma mulher conhecida por você deveriam ser punidas com prisão, como manda a lei brasileira?

         Em relação à segunda pergunta, a maioria respondeu que não colocariam a mulher na prisão e, além disso, 60% dos servidores públicos e 25% dos estudantes de medicina conheciam, no mínimo, uma mulher que passou por um aborto ilegal. Nesse último caso, 85% dos estudantes de medicina e 83% dos servidores públicos disseram que não colocariam essa mulher na prisão. (Ref.56)

          Sim, esse é o problema dessas polêmicas: muitos que opinam não sentem na pele ou convivem com a polêmica, apenas observam de longe e opinam com achismos. Quando a realidade da polêmica cai em seus colos, toda a suposta certeza de moralidade acaba tendo suas bases abaladas. A necessidade de um aborto pode atingir qualquer mulher e quando ela atinge alguém que você conhece muito bem e sabe se tratar de uma boa pessoa, seus olhos começam a se abrir para a realidade. Quando você tem um maior conhecimento da vida, peculiaridades e dificuldades enfrentadas por aquela mulher, um procedimento de aborto passa a ser bem mais tolerável e justificado. É como o estupro: a culpa é da mulher até que a mulher seja sua filha.

          Além desse exemplo, temos o caso da Cidade do México, a única cidade ou estado mexicano onde o aborto é legalizado e amplamente disponível para a população, sendo aberto para todo o país. Em 2007, imediatamente antes dessa legalização ocorrer na cidade, apenas 38% da sua população adulta apoiavam a decisão. Mas, dois anos depois da descriminalização, 74% da população adulta passou a apoiar a reforma, a qual incluía também melhores planos de educação sexual e conhecimento/acesso aos métodos contraceptivos, além de conscientização sobre o aborto seguro. (Ref.55) Com vários estabelecimentos hospitalares bem expostos ao público e o governo federal e municipal apoiando a descriminalização do aborto, as pessoas começam a vencer o preconceito e entender realmente a problemática do aborto. 
 
Quase todos os abortos (95%) na América Latina e na região do Caribe são feitos de forma não segura, com os mesmos sendo responsáveis por 12% de toda a mortalidade materna da população caribenha e latina. Apenas o Uruguai, Cuba, Guiana, Porto Rico e a Cidade do México possuem o aborto descriminalizado.


          "ABORTO É SEMPRE UM PROCEDIMENTO PERIGOSO"

           Outro argumento sem valia alguma é dizer que os procedimentos de aborto realizados em clínicas licenciadas é perigoso e que pode levar ao óbito da mulher mesmo sob a supervisão de profissionais de saúde. Até o terceiro mês de gestação, o aborto é um dos procedimentos médicos mais seguros e bem estabelecidos do mundo. Além disso, as técnicas (aspiração a vácuo manual - MVA, por exemplo) e medicamentos requisitados são simples de serem administrados, não necessitando de maiores custos, como eletricidade, água corrente ou aparelhos sofisticados. Usando o MVA, leva-se entre 3 e 10 minutos para o procedimento ser finalizando, com a mulher podendo sair do hospital após 30 minutos de observação pós-operacional. Além de simples e muito barato, é extremamente rápido, não acarretando em nenhum gasto adicional significativo para o país. O serviço poderia ser oferecido de forma gratuita e ampla para a população sem maiores problemas.

         Um estudo realizado nos EUA entre os anos de 1998 e 2010 mostrou que mortes oriundas de procedimentos legais de aborto eram muito raras: menor do que 1 em cada 100 mil procedimentos. (Ref.1) Para se ter uma melhor ideia sobre essa taxa, o risco de morte durante o parto, algo muito seguro hoje, é de 8,8 mortes para cada 100 mil nascimentos, enquanto o risco de morte de um aborto responsável é de apenas 0,6 para cada 100 mil procedimentos segundo estatísticas mais precisas, algo menos do que irrisório e mais do que 14 vezes mais seguro do que dar a luz. Outro efeito de comparação: a colonoscopia, exame médico padrão, possui um risco de morte de 24 pacientes para cada 100 mil. E quando o procedimento é realizado por um profissional de saúde já experiente nessa área, o risco de complicações se torna extremamente baixo.

          Existem rumores que sempre voltam associando a prática do aborto com um maior risco de desenvolvimento do câncer de mama. Isso é fomentado por alguns estudos cheios de falha no passado que foram depois revistos e corrigidos com novos e mais confiáveis dados. Não existe nenhuma associação entre o aborto e o câncer de mama.

         Outro mito é dizer que as mulheres sofrem de 'síndromes pós-aborto', onde uma grande sensação de arrependimento, terrível estresse, forte depressão, entre outros sintomas, seriam experienciados por um longo período de tempo. Isso não existe e, na verdade, a maior parte das mulheres, após o aborto de uma gravidez não desejada se sentem aliviadas e bem mais felizes do que quando descobriram a gravidez indesejada. No máximo passam por alguma experiência normal de estresse após o procedimento, mas é muito raro algum sintoma emocional muito negativo ocorrer.

         Um recente e grande estudo publicado no JAMA Psychiatry (Ref.67), analisando quase 400 mil mulheres Dinamarquesas nascidas entre 1980 e 1994, encontrou que um aborto não aumenta o risco de depressão. Além disso, a National Academies of Science, após a análise de vários estudos sobre o assunto, mantém firme a conclusão de que um aborto não aumento o risco das mulheres desenvolverem depressão, ansiedade ou PTSD (Ref.68).

         Uma dúvida que pode surgir, ou acusação infundada, é se o procedimento de aborto seguro prejudica gestações posteriores na mulher, como bebês com baixo peso ou prematuros, e/ou maiores riscos de abortos induzidos. Não, revisões sistemáticas da literatura científica não encontram ligação entre o aborto seguro e complicações em gestações posteriores. O mesmo já não se pode dizer dos abortos não seguros, os quais podem, inclusive, provocar infertilidade dependendo dos danos e métodos utilizados.

          Em relação ao uso de medicamentos para terminar uma gravidez em seu início - no caso o Mifeprex, o qual é usado em conjunto com outro medicamento chamado de misoprostol (!) -, essa via é completamente segura, mais do que usar anticoncepcionais hormonais ou mesmo do que o uso de viagra, quando orientada por profissionais de saúde. Sua segurança é reforçada pelo FDA (Ref.69). Esse medicamento é usado para terminar uma gravidez de até 70 dias. O perigoso é não ter acesso legalizado a esse medicamento e orientação médica, o que leva as mulheres a buscarem por ele, sozinhas, através da internet e outros meios suspeitos, o que as expõem a medicamentos não fiscalizados ou mesmo falsos. A criminalização leva a esse último cenário.


Um dos Objetivos do Milênio definidos pela ONU é a redução em 75% da mortalidade materna. A OMS afirma que a forma mais fácil de prevenir a mortalidade materna é o combate ao aborto não seguro, através de uma melhor educação sexual, maior acessibilidade aos métodos anticoncepcionais e descriminalização do aborto

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(!) Evidência recente inclusive aponta que o uso isolado de misoprostol é altamente efetivo e seguro para a terminação da gravidez, não necessitando combiná-lo com outros fármacos. Ref.
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          "LEGALIZAR PLENAMENTE O ABORTO AUMENTA AS TAXAS DE ABORTO"

           Essa é uma das falácias mais disseminadas sobre as políticas de descriminalização do aborto, onde a justificativa é que a mulher passaria a confiar no aborto como método contraceptivo padrão, deixando os métodos anticoncepcionais de lado. Restringir o acesso ao aborto NÃO diminui os índices de aborto, você apenas aumenta os números de abortos não seguros dentro do total. Na Europa, por exemplo, onde a prática do aborto é bem liberal e amparada pela lei, o índice de aborto é de 27 para cada 1000 mulheres entre as idades de 15 e 44 anos, sendo que esse número é bem reduzido em diversos países, especialmente onde o aborto não é criminalizado. Já no leste e centro da África, onde a prática do aborto é bastante restrita, o índice de aborto é entre 36 e 38 para cada 1000 mulheres, um número bem elevado quando comparado com diversos países com aborto descriminalizado, subdesenvolvidos ou não. No Brasil, estimativas colocam um número de 24 para cada 1000 mulheres, não muito longe de toda a Europa.
  

         Nos EUA, um país onde o aborto segue uma das leis mais liberais do mundo e de acesso bastante facilitado, o número de abortos legais diminuiu 20% entre os anos de 2004 e 2013. Além disso, os índices de abortos nos EUA são similares àqueles na Austrália, onde as leis de aborto são bem restritas. No Reino Unido, houve uma redução de 6,4% entre 2004 e 2014 (a lei é restritiva em certos pontos, mas relativamente liberal no país). Em Israel, mesmo a sociedade possuindo fortes tradições religiosas, o aborto é permitido em quase 98% dos pedidos (além da mulher não ser necessariamente criminalizada pelo ato feito de forma ilegal, e, sim, quem o fez), e, em anos recentes taxa de abortos vem diminuindo no país. No Uruguai, onde o aborto foi descriminalizado em 2012, o governo vem reportando uma queda no número total de abortos feitos, sendo mais do que válido mencionar que nos seis primeiros meses da descriminalização do aborto nenhuma morte materna foi registrada no país.

Entre regiões em desenvolvimento, a média de mortalidade materna em países com leis restritivas de aborto é de 227 para cada 100 mil nascimentos, enquanto em países com políticas mais liberais de aborto, o número é de 97 para cada 100 mil nascimentos, segundo dados da ONU
 
             Essa diminuição vista é, em boa parte, devido às consultas com psicólogos e profissionais de saúde preparados para o atendimento das mulheres que buscam o aborto. Em vários casos, a mulher acaba decidindo dar prosseguimento à gravidez quando o motivo é apenas uma insegurança mínima ou relacionamento frustrado, por exemplo, mas onde existe boas condições financeiras, de comodidade em seus planos profissionais e psicológicas para a chegada de um filho. A mulher acaba não encontrando isso em abortos clandestinos ou feitos em casa, ambos sem apoio e com alto risco à saúde. As pessoas têm que entender que a mulher é um ser com vontade e urgências próprias, assim como o homem, sendo necessário garantir a ela todos os seus direitos de escolha, não encurralá-la. Infelizmente, em uma sociedade machista, tende-se a ver a mulher apenas como um objeto para fins sexuais e reprodutivos. E é preciso deixar isso bem claro: em qualquer país, independentemente da cultura, religião e política, muitas mulheres abortam, porque esse é um momento crucial na sua trajetória de vida, envolvendo enormes mudanças em seu corpo e no seu futuro. O consenso dos estudos científicos mostram que o grau de legalidade do aborto não é um indicador da proporção de procedimentos realizados no país. Um país pode ter uma taxa de abortos muito alta ou muito baixa independente se é legal ou ilegal, restrito ou muito restrito.
 
Dados obtidos da ONU (Ref.38); no caso do Brasil, os dados foram obtidos de estudos nacionais (Ref.39); observe que o nível de restrição legal do aborto está longe de ser um fator determinante para o número de abortos. A França e a Alemanha, por exemplo, possuem uma política de legalização muito parecida, são ambos países desenvolvidos e vizinhos, estão inseridos no mesmo bloco econômico, mas a taxa de abortos na França é mais do que duas vezes maior daquela encontrada na Alemanha.

          E diminuindo o número de abortos não seguros, você diminui dramaticamente a mortalidade materna, especialmente quando o número de abortos não seguros onde existem muitas restrições são mais de 4 vezes maiores do que em países mais liberais. Na Romênia, após o aborto ser legalizado, o índice de mortalidade materna caiu de 170 mortes para cada 100 mil nascimentos para 60 em cada 100 mil, entre os anos de 1989 e 1992. Na África do Sul, onde a legalização é plena e sob pedido no primeiro trimestre de gravidez desde 1997, houve um declínio de 91% das mortes relacionadas com os abortos não seguros entre os anos de 1994 e 1998-2001. Na Etiópia, após a liberalização das leis de aborto em 2004, os índices de mortalidade relacionada com complicações do aborto não seguro caíram de 22-40% antes de 2002 para 6% em 2007-2008.

         Somando-se a isso, os índices de gravidez na adolescência, por exemplo, se mantêm altos em diversos países, independente do estado de legalização do aborto. Nessa idade, a responsabilidade ainda está sendo construída e comportamentos que subestimam a segurança são comuns, especialmente em relação à sexualidade. Apesar de poder ser algo que pode ser minimizado com uma melhor educação, isso ainda faz parte da natureza humana. E, para piorar, o contato sexual está começando cada vez mais cedo. Criminalizar o aborto só obriga mais adolescentes a terem um filho muito cedo, em uma alta responsabilidade incompatível com a idade,  e com o seu desenvolvimento social, escolar e profissional comprometidos. Estudos mostram que para cada 1 ano de adiamento na chegada de um filho para as jovens mulheres, estas têm seus ganhos financeiros e de experiência no mercado de trabalho aumentado em cerca de 9% (Ref.62). Isso sem contar as inúmeras que são incentivadas pelos namorados também adolescentes, e receosos com o futuro, a buscar um aborto clandestino em países onde o aborto é muito restrito.

            E, para finalizar, algo bom de ser destacado é que o número de crianças abandonadas ou deixadas em instituições de adoção tendem a cair com a descriminalização do aborto, como mostrado em uma pesquisa realizada em 2002 nos EUA (Ref.32). Na verdade, é mais do que óbvio que o direito à mulher à interrupção de uma gravidez indesejada diminui o número de crianças abandonadas. Aliás, crianças que ficam mofando em centros de adoção, à espera de algum defensor da criminalização do aborto vir adotá-las, especialmente se carregam deformidades ou doenças genéticas graves. Quantos de vocês sequer visitam regularmente a instituição Caminhos para Jesus, para estarem munidos de pedras contra as mulheres que já abortaram?


       (!SENSACIONALISMO A FAVOR DA CRIMINALIZAÇÃO
    
           O pessoal a favor da criminalização do aborto  precisa parar de disseminar propagandas distorcidas sobre a prática do aborto. Quase todas as propagandas desse tipo mostram imagens de crianças mortas ou bebês em estágios avançados de gestação sendo abortados. Isso foge completamente da realidade tanto em países sem muitas restrições quanto naqueles muito restritos. A grande maioria dos abortos ocorrem no início da gestação, próximo da descoberta da gravidez já que esta muitas vezes não é desejada desde o início. Estima-se que quase metade de todas as gravidezes são não-planejadas (Ref.72). Abortos mais tardios muitas vezes estão relacionados com problemas médicos, onde existe grande risco de morte para a mãe.

         Nos EUA, por exemplo, segundo as estatísticas do CDC para 2013, 91,6% dos abortos ocorrem antes das 13 semanas de gravidez, com 66% acontecendo antes das 8 semanas. No Reino Unido, segundo estatísticas do sistema de saúde do país em 2014, os dados são parecidos, com 92% dos abortos ocorrendo antes das 13 semanas e 80% antes das 10 semanas.

As propagandas sensacionalistas se apoiam em imagens fortes que passam longe de ilustrar a realidade


           Eventuais atrasos no reconhecimento da gravidez - e ocasionais necessidades de abortos tardios - são devidos a vários fatores (Ref.81), como uso de anticoncepcionais (dando falsa sensação de total proteção contra gravidez), primeira gravidez (falta de experiência com sintomas de gravidez), menstruação irregular, entre outros. Muitas mulheres, que não fazem um teste genético e outros exames no pré-natal, podem só descobrir sérias anomalias genéticas no feto no segundo trimestre. Razões comuns para procurar aborto no segundo trimestre englobam má-formações fetais, gravidez resultante de violência sexual e, ocasionalmente, mulheres com condições médicas precisando de tratamento urgente que pode potencialmente prejudicar o feto (ex.: câncer) (Ref.82). 

          Aliás, existe evidência na literatura acadêmica de substancial aumento nas taxas de mortalidade infantil por causa de limites muito baixos de idade gestacional impedindo o aborto no contexto de sérias anomalias genéticas (Ref.83). Nesse mesmo caminho, abortos feitos além de 13 semanas de gestação estão associados com altas taxas de morbidade e mortalidade em mulheres pobres que buscam procedimentos clandestinos ou uso inadequado de medicamentos abortivos; são procedimentos mais complicados e seguros de serem feitos apenas em hospitais credenciados (Ref.84).

            Outro absurdo é sempre colocar a culpa exclusiva dos abortos nas mulheres. MUITAS vezes a decisão vem do casal, do parceiro responsável também pela gravidez e até da família. E isso, quando analisado globalmente, é influenciado pelas questões financeiras, culturais ou deformidades genéticas no feto. Na China, Coreia do Sul, Vietnã, Geórgia e na Índia, a cultura patriarcal induz muitas famílias a abortarem filhas mulheres, quando exames no pré-Natal indicam o sexo do feto. Essa é uma das maiores causas de aborto nesses países, onde na Geórgia atinge níveis maiores que 34 a cada 1000 mulheres. Nesses lugares, o machismo controla o futuro e corpo da mulher por todos os lados. Isso sem contar a política de ´Um único filho´ como parte do controle de natalidade na China, aplicado entre 1979 e começo de 2016, onde boa parte das mulheres eram obrigadas a ter um único filho, mas sendo permitido um segundo filho caso o primeiro fosse uma menina, já que as mulheres possuem menor status no país! Isso fomentou vários abortos de seleção de sexo ou outros quando uma gravidez excedia o número de "filhos permitidos". Não é preciso dizer que todas as agências humanitárias internacionais repudiaram essa ação do governo chinês, sendo um absurdo pensar que famílias possam ter o seu número de integrantes controlados dessa forma.



           Já na Rússia e em Cuba, as taxas de aborto são altas - como mostrado no mapa acima - por causa das várias crises, regimes extremistas e péssimos programas de acesso aos métodos anticoncepcionais, fomentando várias instabilidades sociais. No caso de Cuba, as várias crises no país diminuíram bastante a quantidade de pílulas e camisinhas disponíveis para a população durante um bom tempo no país, fazendo com que surgisse uma cultura de rejeição ao longo das décadas das camisinhas por parte dos homens e pílulas por parte das mulheres, além de outros métodos anticoncepcionais. Os casos de mortalidade materna começaram a aumentar bastante antes da imposição da descriminalização contra o aborto, esta a qual foi implantada como um plano de emergência. Mas como a cultura de gigantesca irresponsabilidade sexual no país continuou e não foi minimamente sanada, as taxas de aborto continuaram altas, com o ato continuando sendo visto como quase um método anticoncepcional, tanto pelos homens quanto pelas mulheres. Nesse caso específico, o governo foi o grande culpado.

          Já em muitos países tradicionalistas, uma mulher engravidar/ter relações sexuais muito jovem ou antes do casamento pode ser visto como grande vergonha para a família, as quais induzem as mesmas a abortarem, especialmente em países onde o Islã é bastante presente (apesar dessa religião não condenar fortemente o aborto e até ser um tanto liberal em diversos casos e interpretações).

            Em todos esses exemplos culturais apontados acima, se fosse criminalizado o aborto, o número de mortes gerados pelos abortos não seguros seria gigantesco, e, por isso, o governo resolveu legalizar o mais rápido possível a prática. Percebe que a legalização não veio como uma causa dos aumentos de aborto, mas como uma óbvia medida para salvar a vida de inúmeras mulheres? Se o governo ou as tradições do país ferem os direitos humanos e não existe uma mínima solução para o problema, é mais do que desumano empurrar sua população feminina para um abismo de morte. E o mais engraçado nesses países é que a criminalização nem sofreu forte resistência para serem promovidos, por causa da influência patriarcal, machismo e maior interferência de homens na decisões de aborto para satisfazer desejos culturais, somando-se ao fator de urgência da saúde pública. Aqui, é a mulher tendo o seu direito de escolha muitas vezes negado, só que no sentido oposto.



           E como será mencionado mais à frente, muitos casais ao descobrirem que o feto possui uma deformidade genética, como a síndrome de Down, optam pelo aborto, e provavelmente recorrem em peso a métodos clandestinos quando as leis do país criminalizam o aborto. 


        ONDE A VIDA HUMANA COMEÇA?

           Ah, entramos no ponto chave de defesa daqueles que são a favor da criminalização do aborto: o momento onde a vida humana tem início durante a gravidez. Se este é o ponto "chave de defesa", desculpe-me, mas ele é extremamente falho.

          Assim como no caso das pesquisas com células-troncos embrionárias e tratamentos de infertilidade, o aborto também lida com o dilema do começo da vida e o quão admissível é manipulá-la. Existem várias visões científicas sobre o suposto começo existencial de uma pessoa e visões ainda são divergentes quanto ao começo da vida humana. Alguns dizem que uma pessoa começa a existir já em torno do período de concepção, ou seja, quando o espermatozoide fertiliza o óvulo. Já outros preferem estabelecer que uma pessoa começa a existir após cerca de 14 dias, quando o sistema nervoso começa a ser formado. Outros já acham que esse tempo pode se estender entre 6 e 8 semanas, quando ondas cerebrais começam a surgir na parte inferior do cérebro ou quanto batimentos cardíacos são detectados. Outros mais polêmicos colocam que só a partir do surgimento de ondas cerebrais na parte superior (no córtex cerebral), ou seja, entre 22 e 24 semanas. E por aí vão indo inúmeras interpretações científicas sobre o assunto.

          Bem, é óbvio que se formos ver do ponto de vista puramente biológico, a vida humana começa na concepção. Esse momento onde o espermatozoide fecunda o óvulo pode ocorrer algumas horas após a ejaculação no canal vaginal, ou após 24-48 horas, ou até mesmo chegando a atingir 5 dias, tempo de aproximado de sobrevivência do espermatozoide dentro da região reprodutiva da mulher (1). Independentemente disso, o fato é que o zigoto (união entre espermatozoide e óvulo) já representa uma vida humana, possuindo todo o material genético do futuro indivíduo e a capacidade de se diferenciar e multiplicar para a formação de um ser humano completo dentro do útero.

           Nos outros períodos de gestação a questão não é sobre a existência de uma vida humana, e, sim, a existência de um SER humano, ou seja, sobre a existência de características que o fazem único entre os animais. Por isso foca-se tanto na questão do sistema nervoso, já que o nosso cérebro avançado é o nosso diferencial máximo quando comparado com os outros animais. Mas, claro, existem outros parâmetros que alguns cientistas usam, como a capacidade do feto sobreviver fora do útero por exemplo, algo que coloca a existência de um ser humano somente após os 5 meses de gestação. Não é preciso dizer que é uma data mais do que polêmica.

           Apesar dessas discussões não chegarem a lugar nenhum, e ser óbvio que a vida humana começa desde o momento da concepção, temos um dado muito importante em mãos: até o terceiro trimestre de gravidez (3 meses) o sistema nervoso é ainda muito incompleto, tornando impossibilitado qualquer sensação de dor por parte do feto. Embora qualquer procedimento que interrompa uma gravidez é impedir que uma vida humana floresça, temos em mãos parâmetros para decidir quando isso é tolerado. E é aqui também que o argumento da "vida" perde todo o seu sentido em termos da criminalização do aborto.

          Quando vamos para o campo das religiões várias regras sem sentido surgem, baseadas na interpretação diferenciada de um mesmo texto sagrado, fazendo com que a confusão aumente ainda mais. No Islã, a maior religião em número de seguidores do mundo, não entra em acordo sobre o aborto, por não ser algo previsto, explicitamente, nas escrituras sagradas. Apesar da maioria dos muçulmanos achar errado o aborto, eles não o condenam com fervor, especialmente em casos especiais, como no estupro. Diversos estudiosos do islamismo e líderes dessa religião não entram em um consenso sobre quando a alma passa a habitar o embrião ou feto, para dar uma "real" vida humana às células em gestação. Alguns colocam isso a partir dos 40 dias, outros a partir de 120 dias e, claro, muitos acham que desde a concepção a alma já está instaurada. Já as regras católicas, apesar de clamarem serem de puro teor "pró-vida", promovem também o celibato, onde podemos incluir inúmeros padres e freiras que são submetidos a uma vida sem relações sexuais, sem procriação e sem formação de família. Aliás, o próprio desejo sexual é visto como um pecado quando fortemente presente, na forma de luxúria, sendo que as relações sexuais são as que promovem a vida. Irônico, não?

          E juntando os fatos acima com aquele de que nem todos seguem a mesma fé ou mesmo seguem qualquer fé, não faz sentido impor as leis religiosas sobre toda a população. Isso é ainda mais verdade aqui no Brasil, onde, pelo menos no papel, somos um Estado Laico. Políticas relacionadas com o aborto, mesmo deixando de lado as confusões em torno do "pró-vida religioso", não devem ser marteladas ou baseadas sobre crenças diversas. E eu nem estou lembrando aqui que a busca pelo poder costuma falar ainda mais alto na maior parte das vezes, onde a religião é apenas usada como bandeira de desculpa. De qualquer forma, os argumentos a favor da criminalização do aborto baseadas na existência de uma vida humana desde a concepção não partem somente de grupos religiosos, e é aqui onde as contradições se intensificam.



          Uma vida humana é sagrada, não importa qual ela seja, certo? Bem, não de acordo com muitos, já que assassinos, estupradores e outras pessoas horrendas, deveriam morrer. Então, ela é sagrada somente aos inocentes? Bem, não, porque na guerra, de acordo com muitos, os inimigos devem morrer, independentemente se eles apenas estão servindo a mando dos seus líderes. Mas, ao mesmo tempo, fica impossível dizer se muitos estão na guerra matando por prazer ou apenas por causa da pressão sofrida. Quem são os assassinos aqui e quem precisa ser perdoado ou condenado? Muitos acreditam que qualquer morte é inadmissível, mas muitos outros (provavelmente a grande maioria) acha certo as mortes na guerra e como pena em alguns crimes, e, se não certo, no mínimo, necessárias. E dentro desses dois grupos existem pessoas defendendo a criminalização do aborto e aqueles contra.

          Ok, então excetuando-se as guerras e as questões sobre pena de morte, a vida é sagrada aos puros inocentes, certo? Não, mais uma vez temos uma grande contradição e, esta, é crítica para entendermos o porquê da existência de uma vida desde a concepção não ser algo plausível como defesa. Como já citado, cerca de 99% da população mundial vive, e grande parte as aceita, sob leis de aborto com algum grau de permissibilidade. E o grau mínimo universal de permissibilidade do aborto envolve duas situações: a vida da mãe corre grande risco por causa da gravidez e o estupro. Em ambas as situações o aborto é aceito sem mais questionamentos por quase todo mundo, mesmo para quem segue a religião Cristã, a qual condena o aborto sob quaisquer situações. Só que aqui entra um fato importante: a vida sendo gerada nessas duas situações são inocentes.

          Quando você apoia o aborto nessas duas situações, estará sendo deixado levar pelo bom senso, ou seja, está seguindo o que é melhor para a saúde da mulher, tanto mental quanto física, mas guiado pela sua moral e exclusivo julgamento da situação. Você esquece as questões sobre a vida humana porque está seguindo parâmetros e referências de razoabilidade. Mas, isso não significa que você está deixando de destruir uma vida humana. Uma gravidez de alto risco não necessariamente significa que a mulher vai morrer. Em um estupro, o embrião ou feto se desenvolvendo não possui culpa alguma. Por que é certo terminar com a sua vida nessas condições? Ah, sim, a razoabilidade. Então, a partir desse momento, paremos de questionar a existência da vida humana, algo virtualmente inútil nessas discussões. Vamos nos voltar para a razoabilidade.

          No caso de um estupro, aquela mãe irá ter traumas para o resto da vida, e estes só aumentarão caso uma gravidez acabe derivada do ato criminoso. Além de criar um filho fruto de uma violência tão brutal, piorando os traumas ganhos, ela ainda terá grandes chances de criar o filho, por um bom tempo, sem o amparo da figura de um pai. Já em uma gravidez de alto risco, a mãe poderá morrer, assim como o futuro bebê sendo gerado durante a gestação, não valendo os riscos prosseguir com a mesma. Fica claro, nesse momento, que devemos agir com base na lógica e na ética médica consensual. Nesse caso, os direitos da mãe estão sendo respeitados, mas apenas porque a situação chocou os observadores externos. E entra mais um grande fator de ajuda nessa história: até os 3 meses o feto não é capaz de sentir dor ou sensações parecidas, já que o seu sistema nervoso é bastante incompleto ainda. Seria uma terminação de vida tranquila e traria gigantescos benefícios para a mulher. Mas o principal: alivia consciência daqueles fazendo o julgamento, mas que nada tem a ver com a vida da mulher.


          Sim, somente nessas situações é que a sociedade, frequentemente como um todo, consegue sentir os grandes benefícios que o aborto nos estágios iniciais da gravidez pode trazer. Em situações extremas. Saindo das duas exceções acima, muitos não conseguem mais achar argumentos de razoabilidade para permitir o aborto. Claro, em um mundo machista, apenas extremos afetando os direitos da mulher conseguem ser sentidos. Se não é algo que se encontra no limiar de ´vida e morte´ ou que represente um crime tão hediondo, fica impossível para a sociedade machista, especialmente as entidades religiosas (comandadas por homens), encontrarem qualquer compaixão. Não interessa se a chegada de um filho acabe com os planos de vida de uma mulher ou adolescente, porque isso não importa, já que a função da mulher, no máximo, é ficar em casa cuidando dos filhos enquanto o homem pode sair por aí largando suas responsabilidades e subindo na vida.

            Por que impedir uma gravidez em uma menina de 13 anos, não é mesmo, se ela não vai ser ninguém na vida? Nos não muito casos que o pai foge, por que não forçá-la a ficar com alguém de quem ela não realmente goste ou queira ter um compromisso para o resto da vida? A mulher não precisa ter escolha sobre o seu corpo ou seu futuro, porque elas são seres inferiores, não é mesmo? Não existe razoabilidade nessas situações, porque elas se aplicam apenas aos julgamentos masculinos, certo? O sofrimento aqui acaba não quebrando a barreira do egoísmo patriarcal porque é algo que apenas afeta aquela mulher em desespero, não é algo que reverbera de forma extrema dentro da sociedade.

             A política brasileira deixa esse machismo e menor voz ativa da mulher na sociedade mais evidente. No nosso quadro político, são muito poucas as mulheres, e ainda temos uma presença fortíssima da religião cristã, especialmente evangélica, ocupando as cadeiras dos nossos representantes. Na Câmara, menos de 10% são mulheres, e é muito difícil vermos elas no poder executivo. E isso se reflete no aborto, uma questão mais do que crucial para a saúde da mulher, mas tratado com descaso. Entre 2003 e 2008, apenas 519 discursos pronunciados no plenário da Câmara dos Deputados mencionaram as palavras "aborto" ou "abortamento" ou a expressão "interrupção da gravidez" ou "interrupção voluntária da gravidez" – em um total de 124.318 pronunciamentos no período. Em 225 deles, o aborto era um tema central; em outros 112, era um tema secundário; em 174, havia apenas uma referência lateral; e, nos 8 restantes, a palavra "aborto" aparecia como mera metáfora. O número de discursos favoráveis à legalização do aborto, à ampliação dos casos de aborto legal ou à redução das punições às mulheres que optam pela interrupção da gravidez fica em apenas 47, nos seis anos pesquisados. (Ref.5). Na verdade, o tema do aborto ficou apagado das discussões políticas e sociais até a decisão do STF este mês.
 
           A mulher merece isso? Não, meu caro. A mulher possui os mesmos direitos ao seu corpo e à sua trajetória de vida do que os homens. Não importa se a gravidez surgiu por acidente, por pura falta de responsabilidade ou qualquer outro motivo. Se ela não quer ter um filho naquele momento, quem é você para dizer o contrário? Um filho gera responsabilidades enormes e dependendo da idade, das condições financeiras e dos planos traçados pela mulher para o seu futuro, essa gigantesca responsabilidade irá transformar tudo isso. E se o filho não é desejado, existem grandes chances dele não ser amado ou tratado como deveria. Existe grandes chances da mulher cair em grande depressão e arrependimento por perder várias oportunidades para realizar o seu sonho. 

            E isso porque não estamos  tocando no campo das doenças e deformidades genéticas. De acordo com estimativas, cerca de 90% das mulheres (em grande parte casais) optam por abortar no Reino Unido quando sabem que o filho vai ter síndrome de Down (Trissomia do cromossomo 21) - após exame pré-natal não-invasivo (NIPT) -,  mesmo com os métodos de análise não sendo 100% eficazes. Nos EUA, fica em torno de 67%, na Islândia, alcançou os 100% nos últimos cinco anos, e na Suíça até 63% (Ref.75) (Síndrome de Down sendo extinta?) (2). Em 2019, na Dinamarca, o Centro Dinamarquês de Registros Citogenéticos reportou que apenas 18 bebês nasceram com síndrome de Down no país (Ref.77). Um estudo mais recente publicado no periódico European Journal of Human Genetics (Ref.79) encontrou que o número de bebês com síndrome de Down nascidos na Europa diminuiu em média 54% entre 2011 e 2015, e vêm crescendo de forma rápida desde a ampla adoção de testes pré-natais NIPT em 2011. No sul da Europa, essa diminuição alcançou uma média de 71% (na Espanha, 83%).

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> NIPT é um teste de triagem pré-natal não-invasivo que avalia o risco de algumas cromossomopatias que podem afetar a saúde do bebê e indica o sexo da criança. O teste pode ser realizado a partir da 10ª semana de gravidez, por meio de uma simples coleta de sangue da mãe.
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         Outras doenças e graves deformidades genéticas estão também associadas a altas taxas de abortos. E eu pergunto para você, leitor: você condena esses casais? Melhor: você adotaria um filho com problemas genéticos ou graves deformidades genéticas? Muito provavelmente grande parte dos que defendem a criminalização do aborto acabariam abortando caso soubessem que o feto em desenvolvimento estivesse carregando problemas genéticos graves. 

          E será que o aborto de fetos com sérias defeitos genéticos é desumano? Você estará prevenindo que uma criança seja abandonada, marginalizada, ou, no mínimo, que sofra dificuldades para o resto da vida. Na verdade, muitas delas estão mofando em instituições de caridade, esperando que alguém as adote. As pessoas nem visitar essas instituições visitam, quanto menos adotam essas crianças. E qual a diferença entre interromper uma gravidez agora, e prosseguir com outra substituinte no futuro? A vida estará sendo gerada de uma forma ou de outra, e regada com maior respeito ao futuro daquela criança.




           É justamente por ser uma nova vida humana no mundo, completamente dependente do cuidado dos pais, é que a mulher deve tomar a decisão de assumir ou não essa responsabilidade, e o companheiro deve aceitar a decisão no momento. Caso a parceira não tenha as mesmas pretensões que você, apenas procure outra companheira. Ela não é a sua escrava. E não vamos achar, em nenhum momento, que a mulher é sempre a responsável por decidir o prosseguimento da gravidez. Muitos homens obrigam a mulher a abortar mesmo contra a vontade dela. Todo casal deve entrar em um consenso, e chegar a uma decisão na qual todos aceitam. Se esse consenso não chega em decisões tão importantes como essa, é sinal de que é o relacionamento que não deve prosseguir.

            Achamos que os problemas relatados pelas mulheres são apenas frescuras ou frutos da "TPM" (3), extrapolando achismos baseados da nossa excentricidade masculina. A sociedade machista inferioriza os dilemas no universo feminino ou tapa seus olhos por puro preconceito e ignorância. Regras são criadas por preceitos falsos e comodidades distorcidas.

            Aqui você tem sua razoabilidade: o direito da mulher de traçar o seu futuro de acordo com os seus planos. O direito de ter controle sobre o seu futuro. E esse direito, meus caros, é o que de mais importante uma mulher, ou qualquer outro cidadão, possui. E é por isso que tantas mulheres correm desesperadas para métodos não seguros de aborto por não ter o governo, que deveria garantir-lhes todos os seus direitos, para apoiá-las nessa hora tão difícil e crucial para o seu futuro. Elas querem apenas a liberdade de controle, algo mais do que justo.




           E, somando-se a isso, estaremos salvando milhares de mulheres da morte gerada pelos abortos não seguros e dos danos permanentes à saúde, incluindo uma possível infertilidade. A "razoabilidade" é mais do que justificada para acabar com a criminalização do aborto até os três meses de gestação, e não a questão da existência de uma vida, a qual é guiada pelo preconceito. É um bom tempo para a mulher descobrir a gravidez e/ou pensar sobre o que ela quer para seu futuro, além de não causar dor ao feto.  A mulher poderá gerar uma vida humana quando ela estiver segura de o fazer e ver a mesma incluída seguramente em seus planos. Tanto o futuro da criança quanto o da mãe estará sendo protegido


        ONDE DEVERIA ESTAR O FOCO?

           Ao invés de brigas intermináveis estarem sendo feitas em favor da criminalização do aborto, o foco de ação deveria estar voltado para as medidas de prevenção a gravidezes indesejadas. Melhor educação sexual nas escolas e pelos pais e políticas para permitir o maior acesso e esclarecimentos dos métodos anticoncepcionais, são as principais armas para diminuir as taxas de aborto. Mas, ao mesmo tempo, obviamente, é necessário garantir a segurança do aborto, independente do seu índice.          

         Porém, o que vemos são os grupos religiosos disseminado repúdio contra os métodos anticoncepcionais. Vemos uma grande vergonha dos educadores em abordar o tema da sexualidade em sala de aula. Vemos os programas de conteúdo escolar com escassas pautas voltadas para esse tema, sendo que o correto deveria ser a existência de uma disciplina voltada para o assunto pelo menos durante uma fase de aprendizado do estudante (4). Vemos raras campanhas para a realização do sexo seguro, onde as mesmas apenas passam a ser mais propagandeados, pelo menos aqui no Brasil, durante o Carnaval. Deixamos tudo isso de lado e ainda negamos um aborto seguro em hospitais.

          Um estudo conduzido recentemente na parte leste da cidade de São Paulo (Ref.85), analisando 688 mulheres com idades de 18 a 49 anos usuárias do SUS, mostrou que 42% daquelas com forte desejo de evitar uma gravidez não estavam usando nenhum método contraceptivo. 

          Além disso, precisamos combater o patriarquismo na nossa sociedade. É comum ouvir-se, nas discussões sobre a legalização do aborto, que se a mulher não quisesse um filho, ela "não abria as pernas". Ou coisas do tipo: "Se a mulher quer evitar uma gravidez, não faça sexo". O triste é que geralmente a culpa toda da gravidez recai sobre a mulher, e não no homem. Isso sem contar que esses últimos, possuindo naturalmente um maior desejo sexual devido à ação da testosterona, incentivam bastante as mulheres a realizarem o ato sexual. Ora, ambos são responsáveis por uma eventual gravidez e a responsabilidade de prevenção precisa partir dos dois. A mulher também possui suas necessidades sexuais, assim como os homens, e está no seu direito de fazer sexo, obviamente.


      CONSIDERAÇÕES FINAIS

      Aqui, podemos chegar a quatro conclusões principais:

1. As restrições muito grandes sobre o direito ao aborto geram um número elevado de abortos não seguros, os quais ceifam a vida de dezenas de milhares de mulheres ao redor do mundo e causam danos preocupantes à saúde de milhões delas, incluindo uma possível e permanente infertilidade;

2. Argumentos falaciosos e hipócritas que cercam o aborto acabam prejudicando a saúde pública e brincando com os direitos e futuro da mulher;

3. Práticas para levar uma melhor educação sexual para os jovens e programas que facilitam o acesso aos métodos anticoncepcionais precisam ter prioridade. Mas, ao mesmo tempo, o Estado precisa assegurar o acesso ao procedimento seguro do aborto no caso de acidentes e escolha da mulher em não levar a gravidez adiante por motivos diversos. No primeiro caso, diminui-se drasticamente o aborto de forma geral, e, no segundo caso, diminui-se drasticamente os abortos não seguros. Unidas, ambas promovem uma melhora sem precedentes na saúde pública, especialmente na saúde da mulher.

4. Não existe sentido em nomear os grupos contrários dentro das discussões sobre a legalidade do aborto em 'pró-vida' e 'pró-aborto'. Os grupos do "pró-vida" seguem regras que vão totalmente contra o seu argumento principal e nome. Já o grupo "pró-aborto" não está fazendo campanhas promovendo o aborto, e, sim, no sentido de retirar o status de criminalização da prática no início de gravidez, seguindo princípios justos de razoabilidade. Nenhuma em princípio mulher quer ou gosta de abortar.

5. Para que leis menos restritivas em relação ao aborto sejam aprovadas com maior facilidade, talvez seria uma melhor estratégia começar com um limite de 2 meses para a prática não-criminal do aborto, ao invés de 3 meses.

        Fica óbvio também entender que a decisão do STF Brasileiro em 2016 não visou denegrir os direitos humanos, apenas seguiu a razoabilidade. E fica cada vez mais claro porque em quase todos os países democráticos e desenvolvidos o aborto é descriminalizado. É impossível tratar o tema apenas como assunto de saúde pública - apesar de ser um problema de saúde pública -, porque não podemos excluir os elementos religiosos e morais da nossa sociedade. Porém, todos esses elementos devem ser abordados com razoabilidade nas tomadas de decisões políticas importantes que dizem respeito ao bem estar da população, respeitando os direitos individuais de cada um e os direitos da mulheres.
     
           E deixar as leis menos opressivas em relação ao aborto é apenas o primeiro passo. A conscientização pública e o acesso às informações também precisam seguir juntos para reduzir os abortos não seguros e diminuir a extrema negatividade que segue a sonoridade/leitura da palavra. Mesmo legalizado, muitas mulheres podem não procurar os meios legais para fazê-lo com receio da receptividade das pessoas ao seu redor. E assim como ocorre com as mulheres vítimas de estupro que não sabem ter direito ao aborto, é necessário que a população seja melhor conscientizada sobre os seus direitos civis. Fica a sugestão do artigo É hora de uma mudança no nosso ensino!

          E, obviamente, é preciso investir sempre e cada vez mais na educação sexual dos nossos jovens, ajudando a evitar gravidezes indesejadas tão cedo na vida, ainda mais quando estatísticas mostram que mais de um terço das gravidezes no mundo não são desejadas. O certo seria ter como prioridade a educação sexual para ambos os sexos. 

           Por fim, independentemente dos avanços educacionais e de conscientização, é ainda necessário que os abortos não sejam criminalizados no início da gravidez, seja qual for o motivo. Garantir acesso a um aborto seguro fomenta melhor saúde e segurança para a mulher, salva vidas e respeita os direitos humanos.




(1) Entenda mais sobre o assunto no artigo Depois da relação sexual, quanto tempo até engravidar?

(2) Entenda mais sobre o assunto no artigo Síndrome de Down sendo extinta?

(3) Aproveite para ler o artigo O que é a TPM?

(4) Vale a pena dar uma conferida no artigo É hora de uma reforma no ensino brasileiro!

OBS.: O objetivo deste artigo não é criticar a fé ou religião de ninguém, apenas daqueles que se aproveitam dela para nutrir interesses próprios às custas da crença de terceiros. Religiões provavelmente foram importantes para a estabilidade das primeiras grandes civilizações humanas (Religião e Desenvolvimento Humano), mas não podem continuar sendo ferramentas de decisões governamentais ou de imposição ideológica na nossa atual sociedade.


Artigos Recomendados:

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