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Qual é a relação entre suicídio e armas de fogo?


- Atualizado no dia 26 de outubro de 2023 -

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           Nos EUA, a segunda causa mais comum de morte entre pessoas de 15 a 34 anos é o suicídio. E entre todas as mortes por armas de fogo no país, 60% delas ocorrem por suicídio (Ref.1). Em uma média diária, mais de 100 pessoas morrem por suicídio no país, onde cerca de metade das mortes ocorrem com o uso de armas de fogo (Ref.14). Além disso, um estudo realizado em 2016 pela Universidade de Harvard mostrou que o número de suicídios aumentam com o aumento na disponibilidade de armas de fogo de região para região do país (Ref.2). Diversos outros estudos feitos ao longo dos anos também mostram uma forte relação entre o acesso facilitado e porte de armas e o aumento no número de suicídios (Ref.2-19). E amplas medidas de redução da disponibilidade e acesso de armas de fogo em alguns países foram efetivas para diminuírem o índice de suicídios (Ref.19). E isso é só para citar alguns trabalhos acadêmicos. Não dá para ficar mais claro.


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   ASSOCIAÇÃO CLARA

          Resultados de um estudo publicado em 2018 no American Journal of Public Health (Ref.22) vieram para corroborar, mais uma vez, os inúmeros estudos prévios e posteriores ligando a prevalência de armas de fogo nos lares com o maior número de suicídios. Esses resultados mostraram que a taxa 35% maior de suicídios nas áreas rurais do Estado de Maryland do que nas áreas urbanas pode ser claramente atribuído ao maior uso de armas de fogo nessas regiões.

          De acordo com os pesquisadores responsáveis pelo estudo, este o qual analisou 6,2 mil suicídios no Estado entre os anos de 2003 e 2015, esses resultados vão ao encontro de inúmeros outros estudos ligando a maior presença dessas armas no ambiente familiar com um maior número de suicídios. Nas áreas rurais de Maryland, os suicídios por armas de fogo são 66% maior do que nas áreas urbanas.

         Ainda de acordo com os pesquisadores, os resultados sugerem que um melhor controle de armas e programas de conscientização/segurança precisam ser implantados para resolver esse grave problema de saúde pública. Apesar da mídia Norte-Americana sempre tender a retratar mais as mortes por armas de fogo em termos de homicídio, apenas 1 em cada três mortes por essas armas são relacionadas a um crime, sendo as outras duas ligadas ao suicídio.

          Nos EUA, os índices de suicídio aumentaram para 13,3 mortes para cada 100 mil habitantes em 2015, o maior nos últimos 30 anos. É a 10° maior causa de mortes no país e é a segunda em termos de fatalidades acidentais. Homens são quatro vezes mais suscetíveis a usar armas de fogo do que mulheres, estas as quais preferem usar outros métodos (os quais estão associados a uma maior taxa de falha). Entre crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, suicídios por armas de fogo nos EUA matam mais de 1000 anualmente

          Nesse caminho, podemos continuar citando vários outros estudos publicados nos últimos anos reforçando a associação entre posse de arma de fogo e suicídio:

- Um estudo de revisão sistemática publicado em 2017 (Ref.21), sobre a relação entre armas de fogo e índices de suicídio, mostrou que regiões nos EUA que adotaram leis mais duras quanto à compra de uma arma de fogo e rígida avaliação do histórico do comprador foram efetivas em diminuir a quantidade de suicídios. Em outras palavras, empecilhos para a entrega de armas de fogo para qualquer um ajudaram a frear os índices de suicídio em certas regiões do país.  

 - Um estudo publicado na Suicide and Life-Threatening Behavior (Ref.25), analisando diversas covariáveis que poderiam explicar as variações de taxas de suicídios cometidos entre os estados Norte-Americanos - como religião, psicopatologias, consumo de drogas, acesso a armas de diferentes naturezas, etc. - não conseguiu remover o grande fator de risco associado às armas de fogo.

- No início de 2019, um estudo publicado no periódico American Journal of Preventive Medicine (Ref.30), e realizado por pesquisadores da Universidade de Boston, mostrou que para cada 10% de aumento na prevalência na posse de armas de fogo existe um aumento associado de 26,9% na taxa de suicídios de jovens. Os dados mostraram claramente que não existia apenas uma troca entre métodos de suicídio com a menor disponibilidade de armas de fogo. Um aumento na disponibilidade dessas armas aumenta substancialmente o número total de suicídios.

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Para não ficarmos presos em análise aos EUA, um estudo publicado em setembro de 2018 no Journal of Health Economics (Ref.27) mostrou que a diminuição na prevalência de armas de fogo entre a população na Suíça está diretamente associada à diminuição nas taxas de suicídio por armas de fogo e total. Para uma diminuição de 1000 armas de fogo para cada 100 mil habitantes, os autores do estudo encontraram que houve uma diminuição de 9% nas taxas de suicídio através dessas armas, mas nenhuma variação no número de suicídios via outros métodos.

- Já no maior estudo sobre o tema até o presente, publicado em 2020 no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.30), os pesquisadores analisaram a posse de armas de fogo e a mortalidade ao longo de um período de 12 anos em um cohort de 26,3 milhões de adultos residentes na Califórnia. Quase 700 mil participantes adquiriram sua primeira arma de fogo durante o período de estudo. Ocorreram 17894 mortes por suicídio - 70% entre homens -, das quais 6691 foram suicídios por arma de fogo, estas as quais foram usadas em 89% dos suicidas com posse de arma e por 33% entre aqueles sem posse prévia de arma. A taxa de suicídio efetivo por qualquer método foi 3 vezes maior entre os homens com posse de arma do que entre aqueles sem posse, e 7 vezes maior entre as mulheres com posse do que entre aquelas sem posse. O pico de suicídios ocorreu no primeiro ano após a aquisição de arma de fogo, mas permaneceu alto mesmo após 12 anos (52% dos suicídios ocorreram após o primeiro ano). 

          Outro fato válido de ser apontado é que o suicídio é a principal causa de morte entre policiais ao redor do mundo. Vítimas de um trabalho desgastante e em contato diário com a violência, o estresse e traumas podem fomentar os atos de suicídio entre esses profissionais. Nesse sentido, o contato permanente e facilitado com as armas de fogo pode também ser um fator importante a ser levado em conta, especialmente considerando que esses profissionais são constantemente treinados para enfrentarem situações traumáticas e estressantes. Um estudo publicado na Comprehensive Psychiatry (Ref.28) em junho de 2018 mostrou que a taxa média anual (2006-2015) de suicídios entre os policiais do Rio Grande do Sul (12,5/100000) é maior do que aquela vista na população geral do estado (10,5/100000) e quase três vezes maior do que aquela vista entre a população geral do Brasil (5,1/100000).

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> Historicamente, policiais estão associados a maiores taxas de pensamentos e comportamentos suicidas, e piora o fato de que a maior parte deles possuem uma ou mais armas de fogo em casa e frequentemente não empregam medidas de segurança para o armazenamento adequado dessas armas. Ref.34
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   EFEITO E CAUSA

           Obviamente, ter a posse de uma arma de fogo não aumentará a idealização suicida no indivíduo. Um pessoa determinada a tirar a própria vida - resultante de um pensamento momentâneo ou acumulativo - irá tentar o ato com qualquer tipo de método ou arma a disposição, priorizando meios de fácil acesso. Nesse sentido, os três principais fatores para tornar as armas de fogo aliadas número um dos suicídios são:

1. Elas são um dos métodos mais mortais para se cometer tal ato, enquanto outros meios frequentemente tendem a falhar (afogamento, envenenamento, cortes com faca, etc.) ou demoram tempo suficiente para um socorro chegar. E, após a falha no suicídio, o indivíduo tende a desistir da ideia de colocar fim à própria vida seja por ter mais tempo para racionalizar sobre seus problemas seja por receber maior apoio externo de familiares e profissionais de saúde. De fato, apesar das mulheres tentarem mais vezes o suicídio do que homens, os métodos mais frequentemente utilizados (ex.: veneno) tornam o suicídio bem menos efetivo e, como apontando anteriormente, as taxas de suicídio efetivo entre as mulheres é dramaticamente inferior à taxa observada entre os homens.

2. Boa parte (mas não a maioria) das pessoas tendem a estar, quando decidem se suicidar, sob um impulso instantâneo de desprezo à vida, ou seja, agem pelo momento. Com uma arma de fogo à disposição, o ato fica mais fácil e rápido de ser cometido, enquanto outros métodos mais planejados e calculistas permitem que a pessoa tenha mais tempo para pensar durante a preparação, fazendo-as desistir bem mais frequentemente no momento de execução. Isso também é especialmente válido para os casos de homicídio;

3. Puxar o gatilho dá uma sensação de alívio instantâneo, sem sofrimento, enquanto os outros métodos podem passar uma ideia de grande tortura antes da morte. Além disso, o ato de puxar o gatilho cria uma ilusão de que um terceiro está tirando sua vida, e não você mesmo, deixando o ato mais fácil de ser executado. Este último ponto também vale para os casos de homicídio.

          Todos esses fatores de incentivo são potencializados caso o indivíduo possua transtornos mentais - como depressão - ou sofra com o abuso de substâncias de vício (ex.: alcoolismo). No caso de crianças e adolescentes, os pais que possuem armas de fogo em casa precisam a todo custo mantê-las bem longe e seguras dos filhos, especialmente porque nessa faixa de idade os indivíduos tendem a agir mais impulsivamente. Pais que possuem armas de fogo precisam também ter mais urgência em procurar tratamento profissional para os filhos caso estes sofram com problemas relacionados ao abuso de drogas e a transtornos mentais.

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> Evidência recente sugere que proibição de armas de fogo para menores de 21 anos pode ter significativo impacto na redução das taxas de suicídio (Ref.33).
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      CASO JAPÃO

          Muitos gostam de citar o alto índice de suicídios no Japão - 18,5 mortes para cada 100 mil habitantes em 2015 (Ref.24) -  para desacreditar a associação entre armas de fogo e o aumento no número de suicídios, já que no território Japonês a presença dessas armas entre a população é extremamente baixa. Apesar das taxas Japonesas de suicídio terem diminuído substancialmente neste século após alcançarem um pico total de 34427 mortes em 2003 - em 2016 o número total foi de 21897 mortes, resultado de grandes esforços das políticas públicas aderençando a situação alarmante - o suicídio continua sendo um problema grave no país. Em 2014, o Japão era o 6° país em taxa de suicídio, ficando atrás de países como Lituânia (30,8 suicídios para cada 100 mil habitantes), Coreia do Sul (28,5) e Suriname (24,2).

           Porém, algo óbvio nunca é levantado entre os críticos mais apaixonados contra as políticas de desarmamento da população civil ou de maior regulamentação armamentista: e se as armas de fogo fossem mais amplamente disseminadas entre a população Japonesa, será que a variação da taxa média anual de suicídios persistiria a mesma ou aumentaria substancialmente? O Japão possui uma cultura e história bem diferente daquela associada aos países no Ocidente, e pressão social sobre os jovens adultos é muito elevada e geralmente deletéria. É preciso diferenciar fatores associados às tentativas e idealizações suicidas daqueles fatores associados ao suicídio efetivo.

            Na Guiana, um dos países com maiores índices de suicídio no mundo (44,2 para cada 100 mil habitantes, enquanto a média mundial é 16, segundo a OMS), a principal ferramenta de suicídio é o uso de pesticidas (65%), os quais são muito fáceis de serem adquiridos nas zonas rurais do país. Em seguida, vem o método de enforcamento, contando com 1 em cada 5 casos. Mas o mais importante vem agora: para cada suicídio bem sucedido, existem mais 25 tentativas fracassadas, segundo profissionais de saúde no país (Ref.20). Agora imagine se as armas de fogo fossem amplamente disseminadas pelo país, ao invés dos pesticidas.             

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    CONCLUSÃO

          Tentativas de suicídio são frequentemente atos impulsivos, fomentados por crises de vida transientes. A maioria das tentativas não são fatais, e a maioria das pessoas que tentam o suicídio não morrem em futuros suicídios (ou seja, as tentativas de suicídio não são recorrentes). Nesse sentido, se uma tentativa de suicídio será fatal ou não depende pesadamente da letalidade do método usado, e armas de fogo são extremamente letais e práticas.

            A grande presença das armas de fogo no ambiente domiciliar e no cotidiano são um claro risco à saúde pública. Por trás da ilusão de proteção, existem acidentes de manuseio, homicídios não-intencionais, letal curiosidade infantil e maiores riscos de suicídio. Armas com esse nível de periculosidade deveriam idealmente ter o seu uso restrito para agentes da lei e segurança que possuem treinamento específico para usá-las, e os quais estarão sendo constantemente monitorados para que esses artefatos atuem, em princípio, apenas durante momentos específicos e necessários, e de forma profissional.

          Estimular a ampla posse e uso em massa de armas de fogo não é, e nunca será, solução para resolver o problema da criminalidade. Não existe evidência científica convincente de que isso é uma estratégia efetiva de segurança pública. Aliás, quem mais promove a ideologia pró-arma é a indústria das armas de fogo, a qual lucra bastante com a venda dos seus produtos, como a NRA (Associação Nacional do Rifle, EUA) (!). O excesso de violência na sociedade precisa ser solucionado na raiz do problema, e não aumentando o potencial de letalidade da violência em todos os lados.

           Frente ao estabelecimento de políticas que facilitam o posse e/ou o porte de armas de fogo pela população, é preciso que as autoridades públicas aumentem as campanhas de conscientização e de prevenção a problemas associados a esse contexto, especialmente no que diz respeito a acidentes domésticos e suicídios.

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(!) CURIOSIDADE: Um estudo publicado em 2020 na Nature Humanities and Social Sciences Communications (Ref.32) identificou um terceiro motivo antes ignorado para explicar a cultura pró-armamentista nos EUA: simples reafirmação da Segunda Emenda, a qual protege o direito da população e dos policiais de garantia a legitima defesa, seja por meio de manter ou portar armas ou qualquer equipamento. Esse motivo/subcultura se soma ao real desejo de legítima defesa e ao desejo de uso recreativo, e as pessoas que o abraçam acreditam que defender/reforçar a Segunda Emenda é essencial para garantir qualquer tipo de liberdade no país e para impedir uma investida autoritária e ilegal do governo. Essas três subculturas formam o que os autores apelidaram de Gun Culture 3.0, e variam entre estados e com o tempo: o desejo de legítima defesa está crescendo cada vez mais, e o desejo de uso recreativo está diminuindo. A subcultura do ativismo pró-Segunda Emenda está se tornando mais prevalente especialmente nos estados liberais aplicando medidas mais restritivas de controle de armas de fogo (como pode ser visto na imagem abaixo). Seria algo se refletindo também no Brasil?



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REFERÊNCIAS
  1. http://www.nytimes.com/2015/12/14/opinion/to-reduce-suicides-keep-the-guns-away.html
  2. https://www.hsph.harvard.edu/magazine-features/guns-and-suicide-the-hidden-toll/
  3. http://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJM199208133270705
  4. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1485564/
  5. http://onlinelibrary.wiley.com/enhanced/doi/10.1111/sltb.12243
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  7. http://heinonline.org/HOL/Page?handle=hein.journals/bclr56&div=37&g_sent=1&collection=journals
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  17. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022395615300285
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  19. http://ajp.psychiatryonline.org/doi/abs/10.1176/appi.ajp.2016.16010069
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  21. http://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/article-abstract/2582989
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  23. http://pediatrics.aappublications.org/content/early/2018/02/19/peds.2017-3884
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  32. Boine et al. What is gun culture? Cultural variations and trends across the United States. Humanit Soc Sci Commun 7, 21 (2020). https://doi.org/10.1057/s41599-020-0520-6
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