O que é um teratoma cístico no ovário?
Uma paciente de 16 anos de idade submeteu-se a uma apendicectomia de emergência para tratar uma apendicite aguda. Durante a operação, os médicos encontraram estranhos tumores císticos em ambos os ovários da paciente, os quais foram removidos 3 meses depois da apendicectomia (remoção cirúrgica do apêndice). Os tumores nos ovários da direita e da esquerda mediam 10.5 × 9 × 8.5 cm e 4.5 × 3 × 2.5 cm, respectivamente, e ambos mostravam típicas características patológicas de um teratoma cístico maduro. Nenhum tecido imaturo foi encontrado.
O tumor menor, no ovário esquerdo, continha uma pequena quantidade de tecido do sistema nervoso central que não possuía estruturas bem organizadas. Porém, o tumor no ovário direito (Figura 1) tinha um grande espaço cístico contendo material adiposo e coberto por cabelo. A parede do cisto continha uma placa-carapaça óssea lembrando um crânio. A porção sólida do tumor direito, a qual projetava-se para fora da parede cística como um nódulo, em maior parte englobava tecido cerebelar com camadas relativamente distintas. Somando-se a isso, um tecido do sistema nervoso central na forma de uma clava reminiscente do tronco cerebral foi também identificado. Por fim, uma grande quantidade de tecido adiposo foi observada. Em outras palavras, a paciente carregava no ovário direito uma massa tumoral contendo cabelo, gordura, osso e um cérebro malformado, uma espécie de "tumor-feto".
Em análise microscópica, a superfície interior do cisto no ovário direito estava em maior parte alinhada com o tecido epidérmico. A parede do cisto continha tecidos comumente vistos em teratomas maduros, como apêndices de pele, tecido adiposo e tecido da parede bronquial. A porção sólida do tumor era formada em maior parte por tecido cerebelar bem diferenciado e altamente organizado, medindo em torno de 28 mm na sua extensão máxima e coberto de várias camadas folhadas contendo tanto tecido cortical quanto matéria branca (axônios e sinapses). O córtex cerebelar tinha uma camada molecular, camada celular de Purkinje e camada celular granular bem formadas, indistinguíveis histologicamente daquelas encontradas no cerebelo de adultos normais.
O cerebelo é uma massa de matéria nervosa que forma a parte posterior do cérebro dos vertebrados, situada anteriormente e acima da medula; dividido em dois hemisférios, é notavelmente responsável pela coordenação muscular e pela manutenção do equilíbrio.
Ainda no tumor direito, o tecido do sistema nervoso central era consistente com o velo e o teto superiores medulares da porção mediana do cérebro, mas com ausência da região ventral, e estava anexado ao cerebelo. A estrutura óssea similar a um crânio cobria a superfície dorsal do cerebelo, e sua superfície interior estava coberta por fino tecido conectivo fibroso contendo células aracnoides de membrana epitelial antígeno-positivas.
O caso foi reportado e descrito em 2017 no periódico Neuropathology (Ref.1).
O QUE É UM TERATOMA?
Os tumores de células germinativas (TCGs) podem ocorrer tanto em crianças quanto em adultos e incluem um amplo espectro de subtipos histológicos, como teratomas, seminomas, coriocarcinomas, tumor do saco vitelino, carcinoma celular embrionário, e TCGs misturados. Esses tumores se originam de células germinativas primordiais (células-tronco que dão origem aos gametas sexuais nos vertebrados), as quais se tornam incorporadas nas gônadas fetais. Portanto, as GCTs podem ocorrer nos próprios tecidos gonadais ou ao longo do caminho de migração das células germinativas primordiais. Nos adultos, as GCTs ocorrem mais comumente nas gônadas. Nas crianças, os tumores sacrococcígeos predominam.
Teratomas são uma forma comum de TCG. Esses tumores são definidos histologicamente como contendo tecidos derivados de todas as três camadas celulares germinativas: ectoderma (tecido epitelial e neural), mesoderma (músculo, tecido adiposo, tecido ósseo, cartilagem; a maioria dos teratomas contêm gordura, um derivativo mesodérmico) e endoderma (tecido da tireoide, epitélio gastrointestinal). Mas raros casos podem exibir apenas duas camadas de células germinativas (Ref.11). Teratomas são também classificados como maduros ou imaturos, dependendo do grau de diferenciação dos seus componentes. Em adultos, tumores imaturos são mais prováveis de exibirem comportamento maligno.
TERATOMA CÍSTICO
Teratomas ovarianos são amplamente classificados histologicamente como teratomas monodérmicos (ex.: tumores carcinoides, tumores neurais), teratomas imaturos e teratomas císticos maduros. O tipo mais comum entre esses tumores é o teratoma cístico maduro, também conhecido como "cisto Dermoide".
O teratoma cístico é a forma mais comum de neoplasma ovariano, representando cerca de 20% dos tumores ovarianos de células germinativas. Consiste de camadas celulares germinativas contendo tecidos bem diferenciados, resultando na presença de cabelo, músculo, dentes, ossos e/ou outros tecidos na massa tumoral. Esses tumores são geralmente benignos mas podem passar por uma transformação maligna em 1% a 2% dos casos. Devido às maiores taxas de incidência em mulheres (sexo feminino) com idades entre 20 e 40 anos, e o risco de complicações (particularmente torção), é importante tratar esses tumores via remoção cirúrgica.
Os locais de ocorrência comum do teratoma cístico são os ovários e os testículos. No entanto, esses tumores podem ser observados raramente no mediastino anterior, região sacrococcígea e até mesmo no pescoço e na cabeça. Teratoma cístico maduro é quase sempre benigno com uma lenta taxa de crescimento de 1,8 mm/ano, preenchido com material sebáceo que é líquido a temperatura corporal e sólido a temperatura ambiente, e o tamanho das massas variam desde cistos muito pequenos até estruturas maiores do que 39 cm. Cerca de 80% dos teratomas císticos medem 10 cm ou menos. Esses tumores são mais frequentemente unilaterais, envolvendo o ovário direito (72%), e bilaterais em 12% dos casos.
A mais antiga evidência de um teratoma data de ~2000 a.C. O primeiro caso de teratoma cístico maduro foi reportado por Johannes Scultetus em 1659, enquanto registrava os achados da autópsia de uma jovem mulher que morreu de um tumor ovariano descrito como um "cisto dermoide do ovário". Em 1863, Rudolf Virchow introduziu o termo "teratoma", derivado da palavra Grega "teras", significando 'monstro'. Desde a descoberta de grotescas lesões teratômicas lembrando fetos gravemente deformados, várias hipóteses emergiram baseadas em conceitos desde religiosos até suposições científicas.
Algumas das ideias pseudocientíficas ou sobrenaturais mais notáveis sobre a origem de teratomas envolviam causas como bruxaria, gestação pervertida, atos imorais e ingestão de cabelos e ossos embebidos nos ovários. Mais tarde começou-se a acreditar que esses tumores originavam de óvulos degenerados, impregnação in situ de óvulos nos ovários (fetus in fetu). Eventualmente, evidência de teratomas císticos em virgens, mulheres na pós-menopausa, homens, e em locais extra-ovarianos (estômago, mediastino) convenceu a comunidade científica de que estruturas como osso, dentes e cabelo podem se desenvolver dentro de um tumor ao invés da sua origem como uma fertilização aberrante.
----------
> Fetus in fetu, também conhecido como gêmeo parasita, é uma condição muito rara - ocorrendo em 1 de cada 500 mil nascimentos - e bem distinta em relação aos teratomas. O gêmeo parasita emerge de uma embriogênese aberrante, na qual um gêmeo monozigótico malformado se desenvolve dentro do corpo de um feto viável ou de uma criança. O mecanismo dessa incorporação ("feto no feto") ainda não é totalmente entendido. Geralmente a condição é detectada como uma massa abdominal na infância, mas pode ocorrer em várias partes do corpo, incluindo dentro do crânio.
-----------
Nesse sentido, análises bioquímicas e citogenéticas têm mostrado que os teratomas císticos do ovário são tumores partenogenéticos (!) formados pelo desenvolvimento espontâneo de um óvulo [oócito] não fertilizado após a primeira divisão meiótica - basicamente um "feto" parcial desorganizado. Por outro lado, óvulos maduros - após completada a meiose II - podem ser também fonte de homúnculos (Ref.10). Outra explicação é a alteração de elementos blastodérmicos em um óvulo fertilizado. Apesar dessas teorias, a patofisiologia da formação de teratomas é ainda relativamente obscura e o foco de vários estudos experimentais.
(!) Leitura recomendada: Partenogênese: É possível nascimento virgem em humanos?
Uma extraordinária característica do teratoma é sua habilidade de não apenas se diferenciar em tecidos celulares mas também de deflagrar o desenvolvimento de órgãos. Por exemplo, epitélio respiratório com blocos de cartilagem, fragmentos ósseos suportando dedos ou membros parciais, intestino e mesmo complexas estruturas cerebrais - como descrito no relato de caso acima - são alguns raros exemplos.
Teratomas císticos são geralmente assintomáticos ou manifestam sintomas mínimos, e são frequentemente identificados em estudos radiográficos, durante um exame físico ou uma cirurgia pélvica/abdominal. Taxas de tumores assintomáticos variam de 6% até 65% dos casos diagnosticados. Um sintoma muito comum é dor na região inferior do abdômen (44-47% dos casos), seguido por massa pélvica ou abdominal palpável. No caso de torção ovariana, uma das mais comuns complicações do teratoma cístico (3-21% dos casos), o paciente manifesta sintomas abdominais agudos (súbita dor abdominal, náusea, vômito), requerendo tratamento urgente. Outras sérias complicações são mais raras, como ruptura (ex.: vazamento de material adiposo) ou infecção da massa tumoral, ambos com taxas de 1-4% de ocorrência.
Após remoção cirúrgica do teratoma cístico benigno, o prognóstico geralmente é muito bom, com algum risco de recorrência em 2 a 10 anos. No caso de tumor maligno, a taxa de sobrevivência irá variar dependendo do estágio, padrão de crescimento e invasão vascular do tumor; a taxa de sobrevivência em 5 anos varia de 50-75% no estágio I, 25% no estágio II, 12% no estágio III e nenhum sobrevivente no estágio IV.
HOMÚNCULO
Teratoma fetiforme (homúnculo) é um termo que tem sido dado a uma rara forma de teratoma ovariano que se assemelha a um feto malformado. O conceito de um homúnculo (homunculus, Latim para "pequeno homem", às vezes soletrado homonculus) é frequentemente usado para ilustrar o funcionamento de um sistema, representado por uma entidade ou agente. O termo parece ter sido primeiro usado pelo alquimista Paracelso (1493-1541), o qual chegou a alegar a criação de um humano falso com cerca de 30 cm de altura a partir de material inanimado: ossos, esperma, fragmentos de pele e cabelo de qualquer animal (ou seja, o homúnculo seria um híbrido); a receita era finalizada ao se colocar esses "ingredientes" cercado por esterco de cavalo por 40 dias, no qual a um certo ponto o embrião seria formado.
Deixando a alquimia e a pseudociência de lado, teratomas ovarianos altamente diferenciados e organizados ocasionalmente formam estruturas lembrando em parte um corpo humano miniaturizado e deformado. Dependendo do grau de diferenciação e presença de órgãos e outras estruturas do corpo humano, esses teratomas são classificados como homúnculos.
Localizações comuns dos homúnculos ou teratomas fetiformes incluem os ovários, retroperitônio e região sacrococcígea (Ref.12). Em 2021, um caso inesperado de teratoma fetiforme se desenvolvendo na vagina de uma mulher de 38 anos de idade foi reportado (Ref.13). Esse tipo de teratoma pode emergir também durante o desenvolvimento fetal e na infância (Ref.14-15). E frequentemente os teratomas fetiformes são confundidos com gêmeos parasitas durante análise médica inicial - e inclusive as duas condições são diagnósticos diferenciais entre si.
Talvez o caso mais notável na literatura acadêmica recente seja um teratoma ovariano maduro altamente diferenciado removido de uma paciente virgem* de 25 anos de idade, reportado e descrito em 2004 no periódico Clinical and Molecular Tetralogy (Ref.6). O tumor-cápsula em questão tinha 17 x 14 x 12 cm e uma massa de 1,1 kg (Figura 3). Quando a cápsula tumoral (preenchida com uma mistura de gordura e de cabelo) foi aberta, uma massa sólida com cerca de 10 cm de extensão foi descoberta. Subsequentemente, quando a gordura foi removida, uma pequena estrutura similar a um boneco foi revelada (Figura 4): um homúnculo trazendo uma cabeça, cérebro, olho, nervo espinhal, orelha, dentes, glândula tireoide, osso, medula espinhal, coluna vertebral, membros intestino, traqueia, vasos sanguíneos e um pênis!
Os tecidos e órgãos nesse extraordinário caso não estavam apenas altamente diferenciados, mas também relativamente bem organizados em relação a um plano corporal normal de um feto em desenvolvimento. O único olho presente (mas sem córnea) estava localizado na frente da cabeça, o nervo espinhal estava estabelecido dorsalmente aos ossos espinhais, a glândula tireoide estava anterior à traqueia, e o intestino estava localizado dentro do tronco. Além disso, ossos do tronco compatíveis com vértebras estavam divididos em duas ou três colunas até a região do quadril, e as protuberâncias compatíveis com membros traziam ossos. Esses achados indicam que a informação necessária para a organização do plano corporal pode ser conservada e transmitida em mamíferos mesmo em um evento partenogenético.
-----------
*O uso do termo "virgem" para fazer referência a pessoas que nunca tiveram relação sexual é controverso, especialmente quando envolve mulheres. Fica o convite de leitura: Toda mulher sangra quando "perde a virgindade"?
------------
No caso do relato de caso inicialmente descrito (paciente de 16 anos), os pesquisadores concluíram que o teratoma bem desenvolvido removido da paciente pode ser considerado uma forma restrita (ou parcial) de homúnculo.
Sugestão de leitura:
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Shintaku et al. (2017). Well-formed cerebellum and brainstem-like structures in a mature ovarian teratoma: Neuropathological observations. Volume 37, Issue 2, Pages 122-128. https://doi.org/10.1111/neup.12360
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK564325/
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK567728/
- Peterson et al. (2012). Teratomas: a multimodality review. Curr Probl Diagn Radiol. Nov-Dec;41(6):210-9. https://doi.org/10.1067/j.cpradiol.2012.02.001
- Weiss et al. (2006). Fetiform Teratoma (Homunculus). Archives Pathology & Laboratory Medicine. 130 (10): 1552–1556. https://doi.org/10.5858/2006-130-1552-FTH
- Kuno et al. (2004). Mature ovarian cystic teratoma with a highly differentiated homunculus: A case report. Birth Defects Research Part A: Clinical and Molecular Teratology, 70(1), 40–46. https://doi.org/10.1002/bdra.10133
- AlEssa et al. (2022). Well-differentiated cerebellum in an ovarian mature cystic teratoma: a case report and review of the literature. Journal of Medical Case Reports 16, 215. https://doi.org/10.1186/s13256-022-03444-1
- Gedamu et al. (2024). Ovarian Fetiform Teratoma in 38 Years Nulliparous Woman: A Case Report. Clinical Case Reports, Volume 13, Issue 1, e70029. https://doi.org/10.1002/ccr3.70029
- Brisighelli et al. (2024). Neonatal Sacrococcygeal Fetiform Teratoma Containing Bowel: A Case Report. European Journal of Pediatric Surgery, 12(01): e11-e15. https://doi.org/10.1055/a-2206-4825
- https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10345652/
- https://www.mdpi.com/2072-6694/16/13/2412
- Palo et al. (2025). Fetiform teratoma: a systematic review with insights into concepts and controversies in differentiating it from fetus-in-fetu. Pediatric Surgery International 41, 170. https://doi.org/10.1007/s00383-025-06087-7
- Hong et al. (2021). Vaginal presentation of a fetiform teratoma. Human Pathology Reports, Volume 26, 300555. https://doi.org/10.1016/j.hpr.2021.300556
- https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7885532/
- Sharma et al. (2024). Infantile fetiform abdominal mass: Teratoma or fetus in fetu? A case report with insights into radiological diagnosis and surgical management. Radiology Case Reports, Volume 19, Issue 4, Pages 1304-1308. https://doi.org/10.1016/j.radcr.2023.12.031
- Trento et al. (2025). Cystic teratoma of the head and neck region in the neonate – description of three cases. Journal of Stomatology Oral and Maxillofacial Surgery. https://doi.org/10.1016/j.jormas.2025.102381