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Por que humanos não possuem um osso no pênis?


- Atualizado no dia 30 de julho de 2023 -

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           Enquanto alguns podem achar que o pênis do homem possui algum tipo de estrutura óssea no seu interior, os mecanismos responsáveis pela sua ereção estão relacionados ao seu corpo cavernoso, este o qual é parecido com uma esponja. Circundando a uretra, o corpo cavernoso recebe sangue e, consequentemente, aumenta o seu volume, levando à ereção peniana. Em outras palavras, não existe algo como 'quebrar' o pênis, ou coisas do tipo comumente ditas no meio popular, porque não existe qualquer osso dentro dele. O que pode ocorrer são danos na estrutura do pênis causados pela aplicação de grandes forças, como em acidentes durante atividades físicas/sexuais diversas. De qualquer forma, não é loucura pensar que possa existir algum osso dentro do pênis da nossa espécie, porque outros primatas o possuem!

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          Diferente de nós, vários dos nossos "parentes" evolucionários mais próximos possuem um osso no pênis conhecido como 'báculo' (cientificamente chamado de baculum) (I), o qual participa do processo de ereção. Chimpanzés-comuns e bonobos são dois primatas que possuem o báculo na estrutura peniana, e esse traço anatômico é expresso em todos os primatas superiores e do Velho Mundo. Na verdade, grande parte dos mamíferos possuem esse osso, incluindo roedores, morcegos, carnívoros e alguns insetívoros, os quais variam de forma dramática em termos de forma e de tamanho entre as espécies, independentemente do tamanho ou forma do pênis. Essa alta diversidade morfológica - uma das maiores entre os ossos do esqueleto de mamíferos - serve inclusive como uma excelente referência para a caracterização de fósseis e pode até prever como era o comportamento sexual de animais não mais presentes no planeta. Os extintos lobos-gigantes (Canis dirus) (!), por exemplo, provavelmente mantinham hábitos agressivos de cópula devido à grande quantidade de báculos quebradas encontradas junto aos seus fósseis.

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(!) ATUALIZAÇÃO: Recentemente foi revelado que esses canídeos não eram lobos (gênero Canis), mas pertencentes a um clado bem distinto (gênero Aenocyon, espécie A. dirus). Para mais informações, acessse: Os lendários Lobos-Terríveis não eram lobos
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           Consistindo de uma estrutura óssea isolada, o báculo - também conhecido como pêmur, osso-do-pênis, os penis ou os priapi - é derivado do tecido conectivo e localizada no fim distal do pênis e acima da uretra. Possui uma menor densidade mineral e menor dureza do que outros ossos do sistema esquelético do corpo, provavelmente para diminuir os riscos de fraturas durante a cópula, algo que vez ou outra pode acontecer. Nos roedores, em particular, o báculo é constituído de real tecido ósseo, e inclui tecido hemopoiético na porção basal mais larga (Ref.32). Por fim, o desenvolvimento e o crescimento do báculo são controlados por andrógenos de forma similar a outros componentes penianos, e evidências sugerem que atuação local de estrógenos aromatizados está envolvida no crescimento e desenvolvimento inicial dessa estrutura (Ref.15). Mas qual seria a função específica do báculo, considerando também que muitos mamíferos não possuem essa estrutura óssea?


Na imagem acima, temos exemplos de báculo de mamíferos norte-americanos. No canto superior esquerdo, temos a bácula de diferentes espécies de esquilos terrestres (Spermophilus sp.); no canto superior direito, temos várias báculas de ratos do arroz (Oryzomys sp.) - aqueles em forma de tridente - e de arganazes (Microtus sp.); e, na parte inferior, temos as duas primeiras báculas pertencentes a espécies de ursos (Ursus) e, a última, a um leão-marinho (Zalophus).

          A presença do báculo é documentada ao longo de nove ordens modernas de mamíferos (Afrosoricida, Carnivora, Chiroptera, Dermoptera, Erinaceomorpha, Lagomorpha, Primates, Rodentia e Soricomorpha) e suspeita-se que essa estrutura emergiu de forma independente pelo menos nove vezes ao longo do percurso evolutivo dos mamíferos placentários e perdido 10 vezes (ex.: é ausente nos cetáceos e sirênios). Evidências apontam que o ancestral comum dos carnívoros possuía um báculo, a qual foi perdida em duas linhagens independentes (hienas e a espécie de civeta Arctictis binturong). Em contraste, o báculo parece ter emergido uma única vez no ancestral comum dos primatas, seguido por oito subsequentes perdas (Ref.18).




          Mesmo já sendo exaustivamente estudada, no mínimo, desde o século XVII, o báculo é ainda um relativo mistério para a ciência, especialmente considerando sua conturbada história evolutiva de "vai-e-vem" e sua alta diversidade morfológica. Existem várias hipóteses que tentam explicar a evolução e funcionalidade desse curioso osso peniano nos mamíferos, as principais podendo sendo enumeradas a seguir:

1. Essa estrutura óssea pode proporcionar melhor suporte mecânico para o pênis, fortalecendo-o e auxiliando-o a vencer a resistência da parede vaginal. Nesse mesmo caminho, pode também servir para forçar uma melhor abertura vaginal durante e após a ejaculação, aumentando as chances de efetiva fertilização e gravidez;

2. Maior proteção à uretra contra a compressão durante a copulação, e, ao mesmo tempo, facilitando a saída do fluxo de esperma ao mantê-la aberta;

3. Pode servir como uma ferramenta estimulante para as fêmeas durante a cópula, facilitando o transporte de esperma, a ovulação e a receptividade sexual, e possivelmente melhorando a fricção contra a parede vaginal (algo que pode estimular o sistema neuroendócrino associado ao trato reprodutivo feminino);

4. Em algumas espécies, pode servir para remover esperma de machos rivais do canal vaginal de fêmeas, onde o báculo exibe uma ponta em formato de "colher", como observado no ratel (Mellivora capensis);

5. A ampla variedade e ausência de um significativo padrão para a ocorrência do báculo entre os mamíferos pode representar o resultado de seleção sexual (dimorfismo) sem direta funcionalidade reprodutiva, assim como a juba de um leão.

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         Referente às duas primeiras hipóteses, ou seja, explicações em termos mecânicos, o báculo mostra-se maior em certos carnívoros e primatas que possuem prolongadas copulações. Sendo assim, pode existir a necessidade de uma estrutura mais robusta para suportar desgastantes práticas sexuais, justificando a existência desse osso peniano. Sobre a terceira hipótese (uma ferramenta extra de estimulação do trato reprodutivo feminino), evidência recente relativa aos camundongos domésticos (Mus musculus domesticus) suporta função estimulante marcando a evolução do báculo (Ref.29). Aliás, existem báculos que se estendem além da ponta da cabeça peniana e fêmeas de esquilos terrestres exibem estruturas na vagina que são complementares ao formato de "colher-dentada" do báculo do macho. Essa última observação entra em conflito com o tradicional argumento de que a imensa diversidade e complexidade de formatos desse osso nos mamíferos seria apenas uma característica evolucionária não adaptativa, ou seja, apenas resultado colateral associado a outras características adaptativas no corpo ou a seleções neutras. De fato, nos últimos anos, evidências acumuladas apontam forte assinatura de seleção sexual marcando variações no grau de complexidade da estrutura bacular.

           Nesse caminho, um estudo publicado em 2020 no periódico Proceedings of the Royal Society B (Ref.26) encontrou que entre os carnívoros a evolução da complexidade e da forma do báculo foi marcada por seleção sexual pós-copulação, variando com o sistema social presente em cada espécie. Animais socialmente monogâmicos, em especial os canídeos, mostraram possuir maior nível de complexidade no báculo - não confundir com 'monogamia genética', onde dois indivíduos mantêm exclusiva relação sexual entre si. Já entre animais que vivem em grupo, especialmente os pinípedes (superfamília de mamíferos aquáticos, que inclui focas, os leões-marinhos e lobos-marinhos e as morsas), os pesquisadores encontraram báculos evoluindo no sentido de maior simplicidade. A ponta do báculo mostrou também aumentar de complexidade com prolongada duração da intromissão e com a presença de ovulação estimulada.

        Ok, tudo muito bonito, mas a pergunta que não quer se calar: por que alguns mamíferos possuem esse osso peniano e outros não? E, nesse mesmo sentido, por que entre os primatas superiores, somos os únicos que não temos esse osso? Um notável estudo publicado em 2016 no periódico Proceedings of the Royal Society B. (Ref.2) traçou a linha evolucionária da bácula e mostrou que essa estrutura ósssea primeiro emergiu entre 145 e 95 milhões de anos atrás, estando presente nos ancestrais comuns de todos os primatas e carnívoros, apesar de inexistir no ancestral comum de todos os mamíferos. Esses achados reforçam que que os humanos (gênero Homo) ou ancestrais mais próximos (tribo Hominini) realmente perderam esse osso durante o percurso evolucionário, enquanto outras linhagens de primatas o mantiveram. Válido reforçar que, até o momento, nenhum fóssil humano foi encontrado sugerindo a presença de uma bácula (Ref.18).


Báculos, na parte inferior, da esquerda para a direita: leão-marinho-de-steller (Eumetopias jubatus), foca-comum (Phoca vitulina), foca-barbada (Erignathus barbatus), leão-marinho-da-Califórnia (Zalophus californianus), foca-anelada (Pusa hispida), castor-da-montanha (Aplodontia rufa), rato-verdadeiro (Peromyscus maniculatus), marmota-olímpica (Marmota olympus), geomiídeos (Thomomys sp.), arminho (Mustela erminea olympica), furão (Mustela frenata), visom (Mustela vison), lontra-norte-americana (Lutra canadensis), texugo (Taxidea taxus), lobo-vermelho (Canis rufus), coiote (Canis latrans), raposa-do-Ártico (Alopex lagopus), raposa-anã (Vulpes macrotis), urso-negro (Ursus americanus), lince-pardo (Lynx rufus), onça-parda (Puma concolor); já o enorme osso peniano na parte superior é o báculo das morsas (Odobenus rosmarus), o qual alcança até 62,4 cm de comprimento e uma massa de >1 kg, e é o maior do mundo (os elefantes, em geral, mesmo possuindo pênis muito maiores, possuem um báculo com cerca de ~30 cm).

Báculo de morsa de ~56 cm usado como porrete por Inuítes, no século XIX, Alasca. Ref.34


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           Na segunda parte do estudo (Ref.2), analisando os primatas e carnívoros que possuem o báculo e aqueles que não a possuem, foi mostrado que a presença dessa estrutura óssea parece estar intimamente ligada com o tipo de cópula efetuado por cada espécie, corroborando a hipótese mais bem aceita no meio acadêmico. Em primatas com tempo de intromissão maior, ou seja, com um maior tempo gasto com o pênis dentro da vagina, o báculo é mais prevalente. Essa tendência segue espécies com comportamento poligâmico, onde vários machos cruzam com várias fêmeas, e algo não comumente observado nos humanos modernos - apesar da nossa suposta natureza "monogâmica" ser motivo de debate. Consequentemente, a competição pela fertilização no maior número de fêmeas possível faz com que os machos passem mais tempo copulando com uma mesma fêmea, para impedir o acesso sexual dela por outros machos. Isso submete o pênis a um excessivo trabalho, e, nesse sentido, o osso peniano entraria como suporte mecânico extra, como estrutura de proteção e para manter a uretra aberta. 

         Somando-se ao achado, o estudo mostrou mais uma vez que quanto maior o tempo de intromissão, maior tende a ser o báculo, tanto nos primatas quanto nos carnívoros, também corroborando a ideia de que esse osso entraria como suporte extra para o excesso de atividade sexual.


Humanos, primatas do gênero Tarsius e vários primatas do gênero Platyrrhines não possuem báculo, em contraste com inúmeros outros primatas, incluindo chimpanzés e bonobos (nossos parentes evolucionários mais próximos ainda vivos)











           Um estudo subsequente (2018) também publicado na Proceedings of the Royal Society B (Ref.17), analisando a estrutura peniana de carnívoros através de simulações computacionais baseadas em modelos biomecânicos, mostrou que o báculo tende a se tornar mais robusta para superar resistência mecânica durante a intromissão inicial e confirmou que a presença de uma ranhura ventral no báculo reduz deformação da uretra. Esses dois achados reforçam a hipótese sugerindo que o báculo evoluiu em resposta a pressões seletivas associadas à duração da copulação e à proteção da uretra.

          Porém, é importante apontar que entre os primatas superiores (gorilas, chimpanzés, orangotangos, humanos) o báculo, quando presente, tende a ser uma estrutura quase vestigial e com aparente pouco valor funcional. E apesar de expressarem báculos frequentemente complexos, essas estruturas também são diminutas e tradicionalmente consideradas pouco funcionais, rudimentares ou residuais nos felídeos (0,4-1,2 cm de comprimento), apesar de opiniões acadêmicas conflitantes nesse aspecto (Ref.16). Por exemplo, o leão (Panthera leo) possui uma massa corporal em torno de 200 kg e um báculo de apenas ~0,75 cm de comprimento, enquanto o urso-pardo-Europeu (Ursus arctos) de massa similar e na mesma ordem (Carnivora) possui um báculo medindo ~13,5 cm (Ref.33).

          De qualquer forma, no caso dos humanos modernos (Homo sapiens), os resultados desses estudos sugerem que talvez nossos ancestrais homininis perderam o báculo durante o percurso evolucionário simplesmente porque passaram a não necessitar desse osso genital, ou seja, a estrutura parou de ser selecionada como fator importante para o sucesso reprodutivo, com os genes funcionais responsáveis por sua expressão sendo progressivamente inutilizados até se tornarem não-funcionais ao longo de milhares ou milhões de anos (mutações, deriva genética) (II). Por outro lado, existem também pelo menos outras cinco hipóteses onde a seleção natural e/ou a seleção sexual podem ter atuado de forma determinante para a perda do báculo na linhagem evolutiva associada aos humanos.

          A primeira hipótese está associada com as dimensões do nosso órgão sexual. O pênis humano é um dos maiores em termos de proporção corporal na ordem dos primatas, apenas com o chimpanzé possuindo um igual ou maior na média. Seu tamanho e formato (especialmente as bordas da glande) sugerem que esse órgão na linhagem humana evoluiu como uma ferramenta única de remoção de esperma de outros machos rivais do canal vaginal durante o ato sexual. À medida que o ancestral do gênero Homo se tornou bípede, o canal vaginal da fêmea se tornou mais estendido, dificultando o trabalho de pênis pequenos. A seleção natural, então, teria selecionado pênis mais longos e, com isso, trazendo também um báculo maior e mais pesado. Isso teria levado a substancial desconforto e vulnerabilidade, fomentando novamente seleção natural, só que dessa vez no sentido de eliminar o osso peniano ao longo do percurso evolucionário associado ao gênero Homo. Além disso, a perda do báculo teria permitido a emergência de um pênis mais vascularizado no qual máximo alongamento durante a ereção pode ser alcançado.

          Já o famoso Biólogo Evolutivo e pesquisador da Universidade de Oxford, Richard Dawkins, em 2006, apresentou uma curiosa hipótese para a ausência do báculo nos humanos (Ref.14). Sem esse osso, a ereção peniana humana é alcançada estritamente via pressão sanguínea, através de um sistema de bombeamento hidráulico. Falha na ereção, ou disfunções eréteis, pode ser um sinal precoce de alerta de diabetes e de certas doenças neurológicas, ou pode resultar de fatores psicológicos, incluindo depressão, ansiedade e estresse. Dawkins sugere que, como as habilidades de diagnóstico das fêmeas estavam refinadas, elas teriam sido capazes de inferir o estado de saúde dos machos a partir da firmeza e qualidade geral da ereção peniana. Porém, a presença de um báculo preveniria um diagnóstico útil já que esse osso auxilia a manter a ereção e firmeza do pênis. Nesse sentido, fêmeas teriam passado a escolher parceiros sexuais (seleção sexual) que claramente não possuíam um báculo devido a mutações.   

          Posteriormente, a hipótese de Dawkins foi expandida para englobar uma sinalização honesta de resistência ao estresse. Ou seja, sem o osso do pênis, fêmeas passariam a perceber com maior facilidade machos que eram capazes de lidar melhor com estresse (situações de perigo, ameaça, fome), esses os quais seriam capazes de manter uma firme ereção mesmo em situações estressantes (Ref.20).

          É proposto também que a evolução do bipedalismo aumentou os riscos de sérios acidentes com o pênis ereto, e considerando que ereção sustentada e mais frequente é favorecida com a presença da bácula - incluindo também maior suscetibilidade a danos debilitantes com essa estrutura óssea -, esta teria sido desfavorecida através de mecanismo de seleção natural (Ref.20).

          Mais recentemente, um estudo publicado no periódico Mammal Review (Ref.21) e de autoria do pesquisador Ivan Jakovlic da Universidade de Lanzhou, China, também propôs uma curiosa hipótese que não envolve seleção sexual. Ivan propõe que a presença do báculo começou a ser desfavorecida por seleção natural na nossa linhagem evolutiva quando os homininis começaram a perceber que desferir violentos golpes no pênis levava a graves traumas nesse órgão devido à presença do osso genital, causando potencial disfunção erétil e removendo machos rivais da competição por fêmeas. Considerando uma maior capacidade de aprendizado social e transmissão cultural entre os nossos ancestrais homininis mais próximos, essa agressiva estratégia pode ter começado a se tornar um comportamento de ataque padrão entre os machos, favorecendo com o tempo (pressão seletiva) a prevalência cada vez maior de machos com mutações genéticas para um pênis sem o báculo. Mas é válido ressaltar que essa hipótese tem sido escassamente citada ou pouco defendida, e encarada com bastante ceticismo. 

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(I) Muitas fêmeas entre os mamíferos possuem um osso correspondente ao báculo no interior do clitóris chamado de clitórides ou baubellum. baubellum, em termos evolutivos e de desenvolvimento, parece ser bem mais lábil do que o báculo, sugerindo que essa estrutura não é funcional, apenas homóloga à estrutura peniana (Ref.18-19) - como a presença se mamilos nos indivíduos do sexo masculino.


(IILeitura recomendada: O que é a Deriva Genética? 

CURIOSIDADE:  Em 2007, um báculo fossilizado de 1,4 metro de comprimento, pertencente a uma espécie de morsa já extinta, foi vendido como um item raro por 8 mil dólares. (Ref.9)
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      BÁCULA E O JARDIM DO ÉDEN

         Publicada no American Journal of Medical Genetics (Ref.12), com o título ´Congenital human baculum deficiency: the generative bone of Genesis 2:21-23´ ('Deficiência humana congênita do báculo: o osso gerador do Gênesis 2:21-23', na tradução), uma carta que chamou bastante a atenção no meio acadêmico da teologia em 2001 propôs a hipótese de que Deus (Yahweh) não teria tirado o osso da costela do Adão para a criação de Eva no Jardim do Éden, mas, sim, o osso do báculo! Essa seria a real forma da crença Cristã presente na Bíblia para explicar a visível "cicatriz" mediana (rafe mediana)  que todo homem carrega no períneo, pênis e saco escrotal (esta a qual vai do ânus até o períneo, está presente também na mulher e origina-se da fusão das dobras urogenitais) e a ausência do báculo no ser humano. Em outras palavras, Deus teria arrancado o osso do pênis do homem, abrindo a região genital deste último e, consequentemente, deixando a cicatriz.

           A controversa hipótese foi proposta pelo teólogo Norte-Americano Ziony Zevit, também professor da American Jewish University, em Maryland, em colaboração com Scott F. Gilbert, professor de Biologia e Genética da mesma Universidade. Segundo Zevit, essa suposta confusão em relação à escolha da costela para o papel teria surgido com a tradução errada da palavra hebraica ´tsela´ presente nos textos sagrados, esta a qual pode ser traduzida como 'costela', mas que também pode ter um significado mais geral, como uma estrutura de sustentação, ou seja, algo que pode ser remetido ao báculo. E o báculo, como algo pertencente a um órgão do sistema reprodutor masculino, teria um valor de 'gerador de vida' muito maior do que um osso da costela. Isso também explicaria porque os homens e as mulheres possuem o mesmo número de costelas. 


          Além disso, o Hebreu Bíblico (ao contrário do Hebreu rabínico) não possui um termo específico para "pênis", sendo sempre referido indiretamente através de várias convoluções e descrições indiretas, das quais tsela poderia ser uma delas. Quando foi traduzido para a linguagem Grega no século II a.C., essa potencial interpretação teria sido perdida.

          Em 2015, Zevit publicou um livro de estudos bíblicos dando mais suporte acadêmico a essa hipótese (Ref.13). A publicação do livro reforçando a alegação da origem 'peniana' da Eva fomentou bastante polêmica entre os Cristãos. No livro é citado que a palavra 'tsela' aparece várias vezes e em diferentes contextos no Velho Testamento, o que pode ter levado ao erro de tradução. Ainda segundo o livro, a palavra teria sido usada para se referir a partes sobressaindo do corpo, como pé, braços e o pênis, e que uma passagem no Gênesis 2:21, na qual Deus fechou a carne sob o tsela, se refere à carne que existe na parte de baixo do pênis.

          Uma pronta objeção à proposta de Zevit baseia-se no fato de que, na passagem bíblica, o termo ṣēlā‘ (ou tsela) está no plural ("de entre seus ṣal‘ōt"), ou seja, fazendo mais sentido uma referência às costelas (plural) do homem (Ref.27). Zevit, por outro lado, contra-argumenta que o plural faz referência a "apêndices" do corpo, ou seja, de que o báculo foi retirado entre os apêndices do corpo do homem.

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   OSSIFICAÇÃO DO PÊNIS

          Apesar de não existir bácula nos humanos modernos, um ligamento distal equivalente é arranjado centralmente e age como um tronco de suporte para a glande do pênis. Nesse sentido também é válido mencionar que é possível a ocorrência de calcificação na estrutura do pênis humano, gerando um tecido similar ao ósseo. Ossificação peniana humana é uma rara condição urológica com aproximadamente 40 casos patologicamente confirmados e reportados na literatura médica até o momento.

          A calcificação patológica ocorre através de mineralização heterotópica dos tecidos moles do pênis - processo onde sais de cálcio se acumulam no tecido mole, formando um osso extra-esquelético - e tem sido associada com doenças renais em estágio terminal, diabetes, traumas, malignâncias, hemodiálise crônica, gonorreia, sífilis e desregulação do metabolismo de cálcio. No entanto, o mecanismo de gatilho não é totalmente entendido. A ossificação geralmente ocorre na parte mediana da haste peniana, mas em alguns casos pode se estender por toda a haste. Historicamente, a ossificação do pênis era assumida de ter uma origem evolutiva ancestral (atavismo) devido à presença do osso peniano (báculo) em outros mamíferos e, especificamente, entre primatas. Porém, nas últimas décadas, essa ossificação têm sido associada com uma manifestação puramente patológica - a qual, de fato, gera prejuízos para o pênis e frequente disfunção sexual -, caracterizada primariamente por um processo metaplástico sustentado por fibrose.



          A condição mais comumente associada com a ossificação do pênis é a doença de Peyronie. Essa condição é caracterizada pelo desenvolvimento de um tecido peniano cicatrizado fibroso, resultando em uma forçada curvatura e dolorosa atividade sexual. Nesse caso, reconstrução cirúrgica é frequentemente necessária para restaurar a função sexual.
 
          No entanto, é importante ressaltar o caso de um garoto de cinco anos de idade descrito em 1964, o qual era afetado por uma ossificação peniana congênita, sugerindo que atavismo (reaparecimento de uma estrutura ancestral latente no código genético) pode não ser totalmente descartada como causa (Ref.25). O pedaço de osso removido do paciente tinha 2,5 cm de comprimento, e mostrou ter uma real estrutura óssea porosa sob análise microscópica.

        Por outro lado, o corpo humano é capaz de formar tecido ósseo ou cartilaginoso em locais afetados por condições patológicas quando tecido conectivo está presente. De fato, tecido ósseo é conhecido de se originar mesmo em locais do corpo que não possuem nenhuma relação com o esqueleto, incluindo glândulas mamárias, glândulas salivares e testículos. Nesse sentido, muitos patologistas realçam que tecido fibroso possui a habilidade de se transformar em um novo tecido, incluindo tecido ósseo na estrutura peniana, tornando desnecessária uma explicação filogenética.

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Artigos Recomendados:
  1. http://www.cell.com/cms/attachment/2021740668/2041556107/main.pdf.png
  2. http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/283/1844/20161736
  3. http://icb.oxfordjournals.org/content/early/2016/06/03/icb.icw057.abstract
  4. http://www.bioone.org/doi/abs/10.1660/062.117.0317?journalCode=tkas
  5. http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0073711
  6. http://www.nhm.org/site/sites/default/files/pdf/contrib_science/lacm-42.pdf#page=59
  7. http://science.sciencemag.org/content/351/6270/214
  8. http://www.ingentaconnect.com/content/miiz/actac/2014/00000016/00000001/art00016
  9. https://web.archive.org/web/20071106050910/http://www.sfgate.com/cgi-bin/article.cgi?f=/n/a/2007/08/26/state/n154935D40.DTL
  10. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajmg.1387/abstract
  11. https://blogs.ucl.ac.uk/researchers-in-museums/2012/11/26/how-did-man-lose-his-penis-bone/
  12. http://cabinetmagazine.org/issues/28/gilbert_zevit.php
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  20. https://academic.oup.com/emph/article/2019/1/147/5554655
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