É normal liberação espontânea de leite das mamas de lactantes durante atividade sexual?
O pós-parto ou puerpério é o período que se inicia após o parto e que possui como marcador fisiológico a expulsão completa da placenta. Essa fase prolonga-se até o retorno do organismo materno às condições pré-gestacionais. O tempo para o retorno do corpo da mulher [ou pessoas em geral do sexo feminino] às condições anteriores à gestação é indefinido, pois enquanto a mulher estiver amamentando as modificações relacionadas ao processo da lactação estarão ocorrendo no corpo feminino. Essas modificações podem afetar de forma notável as experiências sexuais, somando-se aos efeitos das mudanças de responsabilidade e de rotina devido às novas funções maternas.
Dentre alguns aspectos biológicos que ocorrem no pós-parto e que podem trazer alterações na saúde sexual da mulher, temos a sensibilidade das mamas, a flacidez abdominal, a diminuição do estrogênio e da progesterona, o aumento da prolactina, o incômodo trazido pelas suturas ocorridas na vagina (1), entre outros. Oscilações hormonais após o parto são intensas, e o aumento dos hormônios ocitocina e prolactina agregado à diminuição dos hormônios estrogênio, progesterona e testosterona (2) podem interferir no senso de humor, no sono e no desejo sexual feminino. Os baixos níveis de esteroides sexuais podem influenciar na falta de desejo sexual e na baixa lubrificação da genitália feminina. Por outro lado, algumas mulheres gostam das alterações relacionadas ao volume e firmeza das mamas, no período da lactação, sentindo-se mais atraentes e sensuais - embora exista o tabu da erotização das mamas (dualismo entre o seio maternal e o seio erótico).
Leitura recomendada:
- (1) O que é a Síndrome do Pênis Perdido?
- (2) Terapia de testosterona é efetiva para tratar baixa libido na mulher?
O aleitamento materno em específico é de fundamental importância para o desenvolvimento inicial do bebê (3). A prolactina é um hormônio responsável pela produção do leite materno e funciona como inibidor da receptividade sexual, e níveis cronicamente elevados desse hormônio diminuem a testosterona, potencialmente reduzindo o orgasmo. Por outro lado, a ocitocina (Fig.1) - principal hormônio que atua na ejeção láctea - atinge o seu ápice na fase de orgasmo, favorece a receptividade sexual e promove contrações uterinas durante o clímax. Além disso, a elevada concentração da ocitocina nas mamas provoca alguns dos mesmos efeitos que o ápice do prazer sexual pode despertar, sendo estes a ereção dos mamilos, o aumento de volume das mamas e as contrações uterinas (4).
Leitura recomendada:
Nesse sentido, devido à ação da ocitocina, algumas mulheres podem experimentar um sentimento de satisfação e/ou prazer intenso durante a sucção em seus seis, incluindo durante o ato de amamentação (4). E, por ser responsável pela ejeção láctea, a ocitocina, presente tanto no ato de amamentar quanto na relação sexual, pode causar o extravasamento involuntário de leite materno durante o coito e outras atividades envolvendo estímulos sexuais. Níveis de ocitocina aumentam de forma significativa durante a estimulação sexual e, em especial, durante orgasmos femininos (Ref.6, 12-13). Sim, leite pode ser ejetado ou espirrar em significativa quantidade dos mamilos durante atividades sexuais e orgasmos no período de lactação, e níveis de oxitocina podem permanecer altos até 5 minutos após o orgasmo.
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> Além de estimular contrações uterinas, a ocitocina causa contrações das células mioepiteliais nas mamas femininas. Essa atividade ocorre nos dutos alveolares. Tais contrações são o que forçam o leite através desses dutos para sinos maiores, permitindo a expulsão do leite pelos mamilos. Nesse processo (reflexo da ejeção do leite materno) existe um feedback positivo. Um bebê sugando a região mamilar sinaliza a secreção de ocitocina no sangue, permitindo a ejeção de leite, e, ao mesmo tempo, a ocitocina liberada retorna ao cérebro e estimula a secreção de mais ocitocina. No mesmo sentido, choro de bebês também ativa neurônios hipotalâmicos de ocitocina. Ref.8, 15
> Entre outras funções importantes desse hormônio, é comumente pensado que a ocitocina é crítica para a ereção peniana. Porém, resultados de um estudo experimental recente envolvendo roedores apontaram que a ocitocina não é essencial para a ereção peniana. Por outro lado, o estudo apontou que a atividade de neurônios ocitocinérgicos no hipotálamo é requerida para a ereção do pênis. Ref.14
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Enquanto alguns casais ou parceiros podem achar confuso, desconfortável ou desagradável o vazamento de leite materno durante o ato sexual - com possibilidades de interrupção instantânea do ato -, outros podem encontrar no fenômeno uma fonte a mais de prazer - incluindo vontade do parceiro/a de experimentá-lo ou criar jogos eróticos. Em outros casais, o fenômeno pode ter um impacto neutro. Algumas mulheres podem ficar constrangidas e desencorajadas a engajar em atividades sexuais durante a lactação devido à liberação involuntária de leite, muitas vezes desconhecendo a causa do fenômeno e sua normalidade.
Alguns relatos negativos de mulheres sobre o fenômeno durante o ato sexual (Ref.9-10):
"Eu assim, eu fiquei com bastante vergonha, porque na hora os seios começaram a sair leite, aí eu fiquei com um pouco de vergonha." - 28 anos de idade
"Agora eu fico com vergonha, tem que ficar de sutiã, por causa do leite. Está sendo difícil pra mim, está sendo muito difícil! [...] Tenho muito leite e aí vaza, aí não tem como [...] É atrapalha! Interfere (risos)! A amamentação interfere [...] Interfere muitas coisas... é ruim demais, é ruim, eu não sei lhe explicar como é que é ruim." - 31 anos de idade
"[...] aí vem aquele leite... é tanto que não pode, não pode nem triscar não é? Nem tocar, que já sai o leite. E aquele alimento ali, é só para ele, é dele, ele é dono do terreno, vamos dizer assim (risos) [...] Incomoda um pouquinho. [...] Mas a gente vai tentando, levando daqui, dali, dando um jeitinho, jeitinho brasileiro, a gente chega lá!" - 41 anos de idade.
"Ele [parceiro] é ao contrário, eu que já não gosto porque fica vazando leite aí ele fala pra mim: não tem problema, porque eu quero te tocar, mas é nojento eu digo, aí ele briga comigo."
No cenário de desconforto ou constrangimento, algumas estratégias têm sido usadas durante a relação sexual, como o uso de sutiã, fraldas e protetores, além da inibição da estimulação sexual das mamas e mamilos em mulheres com seios sensíveis (Ref.11). Porém, se a ejeção láctea ocorre, algumas mulheres relatam que interrompem o ato sexual devido à lembrança do filho/a - por entenderem que está na hora de amamentá-lo -, à ideia de desperdício do leite, ou simplesmente por ter vergonha e achar uma situação desagradável para o companheiro.
REFERÊNCIAS
- Bonelli, M. C. P. (2020). "Repercussões da Autoeficácia em Amamentar na Satisfação Sexual entre Puérperas de Ribeirão Preto (SP)." Tese (Doutorado em Ciências). Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP. Link do PDF
- Yurtsal & Uslu (2023). Sexual Aspects of Breast and Lactation. In: Geuens, S., Polona Mivšek, A., Gianotten, W. (eds) Midwifery and Sexuality. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-18432-1_9
- Martins et al. Perceptions of women about sexuality during breastfeeding: an integrative literature review. https://www.e-publicacoes.uerj.br/enfermagemuerj/article/download/13670/10462
- Simetinger, G. (2023). Relevant Sexual Anatomy, Physiology and Endocrinology. In: Geuens, S., Polona Mivšek, A., Gianotten, W. (eds) Midwifery and Sexuality. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-18432-1_2
- Holanda et al. (2021). Relationship of the type of breastfeeding in the sexual function of women. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 29:e3438. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.3160.3438
- Cera et al. (2021). How Relevant is the Systemic Oxytocin Concentration for Human Sexual Behavior? A Systematic Review, Sexual Medicine, Volume 9, Issue 4, Page 100370. https://doi.org/10.1016/j.esxm.2021.100370
- Gutzeit et al. (2020). Postpartum Female Sexual Function: Risk Factors for Postpartum Sexual Dysfunction, Sexual Medicine, Volume 8, Issue 1, Pages 8–13. https://doi.org/10.1016/j.esxm.2019.10.005
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK507848/
- Salim et al. (2010). Corpo e sexualidade: a experiência de um grupo de puérperas1. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 18(4).
- Oliveira et al. (2015). Discursos de Mulheres sobre Sexualidade na Amamentação. Revista de Enfermagem UFPE, 9(6):8270-6.
- Martins & Vargens (2014). Percepções de mulheres a respeito da sexualidade durante a amamentação: uma revisão integrativa. Revista de Enfermagem UERJ, 22(2):271-7.
- Gianotten, W.L. (2023). Sexual Aspects of Labour and Birth. In: Geuens, S., Polona Mivšek, A., Gianotten, W. (eds) Midwifery and Sexuality. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-18432-1_7
- Carter, C. Sue (2023). Close encounters with oxytocin. Comprehensive Psychoneuroendocrinology, Volume 15, 100189. https://doi.org/10.1016/j.cpnec.2023.100189
- Wen et al. (2023). Oxytocinergic neurons, but not oxytocin, are crucial for male penile erection. Neuropharmacology, Volume 235, 109576. https://doi.org/10.1016/j.neuropharm.2023.109576
- Valtcheva et al. (2023). Neural circuitry for maternal oxytocin release induced by infant cries. Nature 621, 788–795. https://doi.org/10.1038/s41586-023-06540-4