YouTube

Artigos Recentes

Qual é a eficácia do Coito Interrompido?


- Atualizado no dia 20 de fevereiro de 2022 -

           IMPORTANTE: O coito interrompido NÃO previne a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. Nesse caso, a camisinha é o método mais prático e seguro de prevenção.

Compartilhe o artigo:



           Desde a antiguidade e atravessando o período medieval, quando camisinhas e pílulas estavam longe da realidade, o coito interrompido era uma das únicas maneiras efetivas de se prevenir uma gravidez indesejada. A técnica é simples: na hora em que o homem percebe que irá ejacular, o pênis é retirado da vagina para impedir que o esperma atinja o canal vaginal, prevenindo a fecundação do óvulo com espermatozoides viáveis. Depois que as camisinhas e pílulas começaram a se tornar mais populares, esse método foi sendo deixado mais de lado, especialmente quando sua eficácia começou a ser bastante questionada e as doenças sexualmente transmissíveis mais visíveis. Porém, ainda hoje o método continua popular, especialmente entre os jovens e casais estáveis.

           Algumas mulheres que usam pílula pedem que o parceiro retire o pênis antes da ejaculação por não confiarem totalmente no medicamento. Alguns que usam camisinha, com ou sem pílula, durante o sexo, também fazem o coito interrompido por motivos de insegurança. Muitas mulheres que não se sentem bem usando as pílulas (efeitos colaterais) ou homens que perdem sensibilidade no pênis com as camisinhas também tendem a optar pelo coito interrompido. Muitos casais mais estáveis possuem uma grande tendência a usarem o método, pelo fato de descartarem o medo das doenças sexualmente transmissíveis e/ou por não se importarem muito caso exista uma gravidez. E, como último exemplo, muitos jovens usam esse método porque todos sabem que nessa fase o desejo fala mais alto do que a responsabilidade e quando vão ver já estão no meio do ato sexual sem estarem usando medida preventiva nenhuma. 

           Em um estudo publicado em 2020 no periódico Journal of Obstetrics and Gynaecology (Ref.23), analisando 759 mulheres na Turquia que reportaram usar métodos contraceptivos, mostrou que quase 43% delas usavam o coito interrompido, e por razões desde comodidade e preferência do parceiro até a crença de esse era o método contraceptivo mais eficaz; ~6% do total acabaram tendo uma gravidez não planejada. Por outro lado, um estudo publicado no mesmo ano, no periódico Revista Latino-Americana de Enfermagem (Ref.24), analisando 688 mulheres com idades de 18 a 49 anos na parte leste da cidade de São Paulo e usuárias do SUS, encontrou que o uso reportado do coito interrompido era quase inexistente, com maior preferência pela pílula e injeção trimestral; porém, mesmo entre mulheres com forte desejo de evitar uma gravidez, o uso de nenhum método contraceptivo revelou-se alto, próximo de 42%.

            Independentemente dos motivos e taxas de prevalência para o coito interrompido, a pergunta que fica no final é: esse é um método efetivo para a prevenção da gravidez, caso seja executado de maneira correta?


            A principal polêmica do coito interrompido reside em uma questão carregada de muito desentendimento, até mesmo entre os profissionais da área: existe espermatozoide viável no líquido (ou fluído) pré-ejaculatório? (1) Sim, esse é o principal problema que ronda esse método contraceptivo. Muitas agências de saúde e profissionais afirmam, com convicção, que existem dezenas de milhões de espermatozoides ativos já nesse fluído, mesmo (pasmem!..) não existindo evidência científica de suporte para essa afirmação! Na verdade, isso chega a ser quase um mito na ciência. 

          Para entender essa questão, primeiro precisamos entender o que é esse fluído.

          Antes da ejaculação, o sistema reprodutor masculino, através das glândulas de Cowper e Littre, produz um fluído alcalino incolor e levemente viscoso formado por muco, glicoproteínas e diferentes enzimas, com uma composição química parecida com a do sêmen. Esse fluído pré-ejaculatório possui, aparentemente, a finalidade principal de neutralizar a acidez do canal urinário criada pela urina; outras possíveis funções podem ser apontadas: (i) fornecer lubrificação para o eventual sêmen liberado; (ii) neutralizar o fluído vaginal ácido após a ejaculação (aumentando a taxa de sobrevivência dos espermatozoides); lubrificar o pênis durante o coito; ajudar a coagulação do sêmen quando lançado para fora do pênis.

          A produção do fluído pré-ejaculatório é iniciada com o estímulo sexual durante a ereção, e é liberado em uma quantidade média de 4 mililitros (mas existem raros casos em que o homem não produz o fluído). E esse fluído é a única coisa que é liberada antes da ejaculação - e continua sendo liberado enquanto durar a excitação sexual. Portanto, para o método do coito interrompido funcionar é preciso não existir espermatozoides ativos nesse fluído.



    ESTUDOS CLÍNICOS

              Nos poucos estudos que exploram essa questão, podemos dividi-los em 'antes de 2011' e 'depois de 2011'. Antes de 2011, alguns poucos trabalhos científicos podem ser encontrados sobre o assunto (Ref.6, por exemplo) e surpresa: nenhum deles conseguiu encontrar espermatozoide algum no fluído pré-ejaculatório! Ou seja, até o fatídico ano, não havia evidência científica suportando que o método do coito interrompido era falho por existir liberação de significativas quantidades de espermatozoides antes da ejaculação. Só que um estudo de 2011 (Ref.1), analisando 27 homens, revelou que 11 deles liberavam espermatozoides junto ao líquido pré-ejaculatório, sendo que 10 produziram razoáveis quantidades ativas dessas células. Os outros 16 voluntários produziram o fluído com total ausência de espermatozoides.

            Aliás, é válido mencionar que os pesquisadores envolvidos nesse estudo admitiram que dois dos voluntários que produziram espermatozoides antes da ejaculação podem ter colocado o próprio líquido ejaculatório nas amostras a serem analisadas por possível 'vergonha' de não terem produzido fluído pré-ejaculatório algum (algo não previsto pelos cientistas). Além disso, a quantidade de espermatozoides no fluído de cada um dos 10 participantes era muito baixa, deixando os pesquisadores em dúvida quanto ao real risco de gravidez caso o líquido pré-ejaculatório entrasse em contato com o canal vaginal. De qualquer forma, o risco não é nulo e o uso de outros métodos anticoncepcionais seria recomendado para aumentar a segurança.

             Um estudo publicado em 2016 no periódico Journal of the Medical Association of Thailand (Ref.17), analisando amostras do líquido pré-ejaculatório de 42 homens Tailandeses saudáveis, encontrou espermatozoides ativos em 16,7% das amostras (7 dos 42 voluntários), corroborando os resultados do estudo de 2011.

            O porquê de alguns pacientes liberarem espermatozoides enquanto a maioria não, é algo ainda pouco compreendido, considerando que todos urinaram diversas vezes antes de realizarem o teste (para se ter certeza que não haveriam espermatozoides vivos ou mortos no canal urinário). É sugerido que a coleta em diferentes fases de liberação do fluído pré-ejaculatório durante a atividade sexual pode ser uma plausível explicação: quanto mais próximo da ejaculação, maior a probabilidade de espermatozoides precocemente liberados estarem presentes no fluído (Ref.24).

            Por outro lado, é válido mencionar um estudo mais recente publicado no periódico Obstetrics & Gynecology (Ref.19) apontou que os estudos avaliando a presença ou não de espermatozoides no fluído pré-ejaculatório são muito escassos e limitados, e envolvendo pequenos grupos de voluntários. Os pesquisadores no estudo concluíram que não é possível fazer firmes conclusões a partir desses estudos.

              De qualquer forma, considerando os poucos trabalhos científicos que exploraram a questão, as evidências acumuladas justificam porque esse método foi usado por milhares de anos e quebra esse mito entre profissionais de saúde e população em geral de que o fluído pré-ejaculatório sempre conterá espermatozoides. Na verdade, a tendência é o contrário. Somando-se a isso, temos alguns estudos, como um publicado em 2009 (Ref.2), mostrando que o uso do coito possui eficácia apenas levemente inferior àquela associada ao uso da camisinha em relação à prevenção da gravidez, quando estatísticas de censos são analisadas. O fato desse método anticoncepcional ser tão cercado de desinformações na área médica é bem difícil de se entender. Não se sabe ao certo, por exemplo, de onde partiu o mito de que todo fluído pré-ejaculatório contém altas quantidades de espermatozoides. Especula-se que seja devido a um estudo de 1966, do famoso time Masters & Johnson (Ref.3), no qual é afirmado que o líquido pré-ejaculatório pode conter espermatozoides, mesmo sem base em estudos clínicos prévios para tal alegação. 

          No geral, estudos concordam que a taxa estimada de falha para o coito interrompido caso efetuado de forma correta é de 4% comparado com o valor de 3% associado às camisinhas (Ref.20-21). De forma similar, no primeiro ano de uso, 18% dos casais que utilizam o método irão experienciar uma gravidez, comparado com com uma taxa de 17% dos casais que usam camisinha (no caso, não é necessariamente falha da camisinha, mas no seu uso correto e regular).




          Porém, contudo, todavia, muitos especialistas argumentam contra a promoção do coito interrompido como um método contraceptivo válido, por causa dos riscos associados com doenças sexualmente transmissíveis - especialmente entre adolescentes - e indivíduos que podem ter menor controle no ato de retirada do pênis da vagina (Ref.22). De fato, movimentos profundos de penetração são involuntariamente engatilhados em vários homens que estão a ponto de ejacular. E caso o casal não seja capaz de se comunicar efetivamente durante o ato sexual, as posições sexuais podem ser limitadas para um efetivo coito interrompido (homem em uma posição superior ou pelo menos em uma posição controlada pelo homem). Por fim, o ato de retirar o pênis - ou ficar ansioso pensando na hora certa de retirá-lo - pode trazer orgasmos menos intensos e frustrações de clímax para ambos (homem e mulher), especialmente para o homem. 

       Enquanto que a eficácia contraceptiva reportada para o coito interrompido, quando feito de forma correta (uso ideal), é de 96%, a eficácia reportada para um típico uso desse método contraceptivo é de apenas 78% (Ref.24).


    CONCLUSÃO

           É preciso reforçar que o coito interrompido, mesmo sendo um método aparentemente eficaz para a prevenção da gravidez, apresenta importantes limitações na prática:

1. É preciso que o homem tenha total confiança e habilidade em sempre retirar o pênis antes da ejaculação, algo que pode ser bem difícil em certos momentos de excitação ou quando esquecido (no caso desse não ser um método frequente na sua rotina). E, claro, o método não é recomendado para homens que possuem ejaculação precoce;

2. Esse método NÃO previne doenças sexualmente transmissíveis. Apesar disso, pode existir redução no risco de algumas infecções (ex.: vírus HIV) quando consideramos um homem infectado tendo relação sexual com uma mulher não infectada. Isso se deve ao fato de menos fluídos contaminados entrarem em contato com o canal vaginal, já que não haveria ejaculação nessa região. Porém, o vírus pode ser encontrado também no fluído pré-ejaculatório, além da transmissão poder ocorrer através de feridas no pênis. Além disso, obviamente, se a ejaculação ocorrer na boca ou no ânus, o risco de infecção volta a ser muito elevado;

3. Mesmo estudos clínicos sugerindo que a maior parte dos homens não apresentam espermatozoides no líquido pré-ejaculatório, parte considerável da população pode tê-los em pequena quantidade, o que já impõe um risco de gravidez acima de zero, mesmo o coito interrompido sendo feito de forma correta.

4. Depois da primeira ejaculação com o coito interrompido, se uma segunda relação sexual com penetração for feita logo em seguida, esperma remanescente no canal urinário contendo enormes quantidades de espermatozoide pode cair no canal vaginal, anulando tanto o primeiro coito interrompido quanto o segundo. É recomendado que o homem urine depois do coito interrompido caso ele planeje engajar com uma segunda penetração, para 'lavar' o esperma restante no canal urinário. Mesmo assim, corre-se o risco de uma parte considerável dos gametas ainda sobreviver por algum tempo. Depois da primeira interrupção do coito, portanto, é melhor ou usar um método de barreira, como a camisinha, ou fazer outras atividades sexuais com o parceiro com exceção da penetração, ou parar o sexo ali.

             Considerando esses pontos, vale a pena investir em outros métodos anticoncepcionais (pílulas e DIU, por exemplo) e de prevenção às DSTs (como a camisinha) em concomitância com o coito interrompido, caso você opte por utilizá-lo. Se você apenas quer evitar a gravidez por possuir uma relação estável e de confiança com seu parceiro, tente investir, pelo menos, em um método anticoncepcional efetivo extra. E converse com o seu médico para uma melhor avaliação das opções e balanço dos riscos e benefícios.

-------------
(1) Estamos desconsiderando aqui uma prévia ejaculação recente antes do método do coito interrompido. O esperma remanescente dentro do canal urinário costuma não sobreviver por períodos de poucas horas após a ejaculação, especialmente se o homem urinar depois (além de varrer o esperma para fora do pênis, a urina deixa o ambiente ácido, criando um ambiente totalmente desfavorável à sobrevivência dos espermatozoides). Porém, se você ejaculou antes de fazer sexo e nem mesmo urinou após isso, é grande as chances do fluído pré-ejaculatório carregar esperma com ele, ou o próprio esperma dentro da uretra cair na vagina por conta própria.

REFORÇANDO NOVAMENTE: PÍLULAS ANTICONCEPCIONAIS E DIU NÃO PREVINEM DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS! O MELHOR MÉTODO PARA ISSO É O USO DAS CAMISINHAS!
------------



Artigos relacionados:

           



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3564677/
  2. https://www.guttmacher.org/sites/default/files/pdfs/pubs/journals/reprints/Contraception79-407-410.pdf  
  3. Masters, W.H. (1966). Johnson, V.E. Boston, MA: Little, Brown and Company. p. 211.
  4. http://www.ajol.info/index.php/ijmbr/article/view/102501
  5. http://www.jstor.org/stable/2137833
  6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12762415
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12286905
  8. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15811067
  9. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1363/4210210/full
  10. http://onlinelibrary.wiley.com/enhanced/doi/10.1111/jsm.12375/
  11. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0010782414007926
  12. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S001078241400208X
  13. http://www.statemaster.com/encyclopedia/Birth-control
  14.  https://www.plannedparenthood.org/learn/birth-control/withdrawal-pull-out-method
  15. http://americanpregnancy.org/getting-pregnant/can-you-get-pregnant-with-precum/
  16. Gupta, S., & Kumar, A. (2017). The Human Semen. Basics of Human Andrology, 163–170.
  17. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27266214/
  18. https://www.cdc.gov/reproductivehealth/contraception/mmwr/mec/appendixh.html
  19. https://journals.lww.com/greenjournal/Abstract/2020/05001/Is_There_Sperm_in_Pre_ejaculate__How_to_Study.340.aspx 
  20. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4254803/
  21. https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-030-46391-5_12
  22. https://journals.lww.com/stdjournal/fulltext/2011/04000/coitus_interruptus_is_not_contraception.22.aspx
  23.  Demir et al. (2020). Evaluation of the frequency of coitus interruptus and the effect of contraception counselling on this frequency. Journal of Obstetrics and Gynaecology, 1–6. https://doi.org/10.1080/01443615.2020.1754370
  24. Melo et al. (2020). Uso de métodos contraceptivos e intencionalidade de engravidar entre mulheres usuárias do Sistema Único de Saúde. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 28. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3451.3328
  25. Kelly, M. C. (2021). Pre-ejaculate fluid in the context of sexual assault: A review of the literature from a clinical forensic medicine perspective. Forensic Science International, 318, 110596. https://doi.org/10.1016/j.forsciint.2020.110596