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Método de Ovulação Billings e outros métodos observacionais de contracepção são efetivos?

          Planejamento familiar é crucial para a estruturação saudável de uma família. No caso de uma união heterossexual, o planejamento familiar é definido como um conjunto de ações de regulação da fertilidade (conceptivos e contraceptivos) que garante direitos iguais de constituição, limitação ou aumento do número de filhos pela mulher, pelo homem ou pelo casal. No caso dos métodos contraceptivos, existem várias ferramentas e estratégias que permitem aos casais reduzir as chances de uma gravidez indesejada. Entre essas estratégias, temos os assim chamados 'métodos naturais', os quais não envolvem interferências artificiais como hormônios, acessórios ou dispositivos, apenas observações cíclicas dos sinais de fertilidade da mulher (ex.: muco cervical) ou simples remoção do pênis de dentro da vagina durante o ato sexual (coito interrompido). No caso dos métodos naturais envolvendo a fertilidade feminina, um dos mais populares é o Método de Ovulação Billings. Mas qual é a eficácia e a efetividade do Billings e de outros métodos similares?


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   MÉTODOS CONTRACEPTIVOS OBSERVACIONAIS

          Existem, basicamente, cinco tipos de métodos contraceptivos:

- Métodos Naturais, incluindo método do muco cervical, método Billings, tabelinha (método rítmico) ou método da temperatura basal, e coito interrompido (1);

- Métodos Hormonais, incluindo pílulas (2), adesivos, injeções, implantes subcutâneos, anel vaginal, e contracepção de emergência, popularmente conhecida como pílula-do-dia-seguinte (3);

- Métodos de Barreira, incluindo camisinha masculina, camisinha feminina, diafragma e espermicida;

- Dispositivos Intrauterinos (DIU) de cobre ou de liberação hormonal (4);

- Métodos Definitivos, incluindo vasectomia e ligadura de trompas.

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Para mais informações:


          Métodos contraceptivos baseados na observação de sinais de fertilidade no corpo feminino (FAMs: Fertility Awareness Methods) buscam identificar os dias do ciclo menstrual onde o ato sexual é mais provável de resultar em gravidez. A mulher ou o casal rastreia mudanças em um ou mais marcadores (datas menstruais, temperatura corporal basal, posição ou muco cervical, e metabólitos hormonais urinários) para estimar os dias de maior fecundidade (a janela fértil). Nesse sentido, as pessoas querendo prevenir uma gravidez podem evitar relação sexual ou usar métodos adicionais de planejamento familiar (ex.: barreiras) durante a janela fértil.

          Nos cinco dias antes da ovulação, junto com o dia da ovulação (5-6), são os dias em que a mulher é mais provável de engravidar (uma janela fértil estimada de 6 dias para uma eventual concepção ocorrer). O espermatozoide pode viver até 5 dias dentro do corpo da mulher, e, portanto, se atividade sexual for realizada até 5 dias antes da liberação do óvulo, existe risco significativo de gravidez. Após a ovulação, o óvulo pode permanecer viável para fertilização por 12 até 24 horas (2). A probabilidade de gravidez é maior nos 2 dias antes da ovulação (~30%), então cai para 8-10% na data da ovulação e, finalmente, para 0% nos dias subsequentes. Como as mulheres nem sempre ovulam no mesmo dia do mês em cada ciclo, identificar a janela de fertilidade para a prevenção de gravidez é geralmente uma tarefa conservativa e leva em consideração um período maior do que 6 dias para cobrir variações.

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(5) A ovulação ocorre em um único dia durante um ciclo. Leitura recomendada: Processo de ovulação humana flagrado ao vivo durante uma histerectomia

(6) Em um mesmo ciclo menstrual, pode ocorrer a liberação de dois ou mais óvulos, e até mesmo fertilização desses óvulos por espermatozoides de diferentes pessoas, o que por sua vez pode gerar uma gravidez múltipla com fetos de diferentes pais. Para mais informações sobre esse fenômeno, acesse: O que é a Superfecundação Heteropaternal?

(7) Algumas fontes citam um tempo maior de viabilidade do "óvulo" (oócito II) (!) após a ovulação (até 48 horas) (Ref.11), mas isso está longo do consenso hoje na literatura acadêmica, onde é estabelecido que o oócito II permanece viável até 24 horas. Nesse sentido, caso fertilização e, se a fertilização não se realiza, essa célula sofre autólise e é reabsorvida pelo trato reprodutor feminino. É reportado que as maiores taxas de gravidez ocorrem quando o óvulo e o espermatozoide se encontram dentro de 4 a 6 horas após a ovulação (Ref.12) - apesar de ser difícil saber exatamente quando a ovulação irá ocorrer.

(!) IMPORTANTE: Na ovulogênese, temos a formação de um ovócito (ou ovócito) primário a partir de células germinativas primordiais (diploides, 2n) e, após meiose I, é produzido um oócito secundário (II), haploide (n). O oócito II inicia a segunda etapa da meiose: a meiose II. Nos humanos e em muitas outras espécies animais, a meiose II só se completa se ocorrer a fecundação. No caso da mulher, o ovócito II é eliminado do ovário após ter iniciado a segunda fase da meiose, mas com esse processo interrompido na metáfase II. Essa célula é liberada na tuba uterina e, se houver a fecundação, a meiose II se completa. Nesse caso, formam-se o segundo glóbulo polar e o óvulo. Ou seja, tecnicamente, o que é liberado na ovulação é um oócito II, e não um óvulo.

> Para mais informações sobre o ciclo menstrual e suas fases, acesse: Três mitos esclarecidos: Ciclo menstrual de 28 dias, corrida dos espermatozoides e exclusividade masculina da próstata

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           Métodos observacionais de contracepção são baseados nos sinais fisiológicos variáveis ao longo do ciclo menstrual, os quais podem ser registrados para a identificação de um padrão que possa ser usado para prever os dias férteis e inférteis. Esses sinais incluem:

- Temperatura corporal basal, ou temperatura do corpo em descanso, é bifásica, menor durante a fase folicular e aproximadamente 0,3°C maior durante a fase lútea. Seguindo a ovulação, o corpo lúteo, uma glândula endócrina temporal dinâmica no ovário, se forma para melhorar a vascularidade endometrial e promover concentrações elevadas de progesterona, ambos os quais são necessários para suportar uma potencial gravidez. Esses processos resultam em um aumento da temperatura corporal que continua até aproximadamente 1-2 dias antes do começo da menstruação. Uma observação contínua desse aumento de temperatura pode ser usada para confirmar a ocorrência de ovulação e sinaliza o fim da janela fértil. A medição de temperatura deve ser feita aproximadamente no mesmo horário diariamente e imediatamente após o despertar.

- Fluído cervical (ou muco cervical ou secreções cervicais), é uma secreção aquosa produzida no canal endocervical, constituída principalmente de água, ácidos graxos, carboidratos, colesterol células epiteliais, sais inorgânicos, leucócitos e uma mistura de glicoproteínas (mucina) produzida pelas células que revestem a cérvix (colo do útero). Essa secreção - indispensável para a concepção - torna a vagina menos ácida e cria uma espécie de duto de passagem dos espermatozoides para o útero. Sua produção e composição mudam em resposta à presença de hormônios, especificamente estradiol e progesterona. Nesse sentido, o fluído cervical é inicialmente produzido após o início da menstruação e tipicamente tem uma consistência viscosa, pegajosa e consistente. À medida que o ciclo progride, a composição do fluído cervical muda, se tornando claro, mais esticável e abundante 2 ou 3 dias antes, durante e imediatamente após a ovulação, consistente com o início e o fim da janela fértil. Seguindo a ovulação, o fluído cervical se torna novamente viscoso e reduz seu volume ou desaparece completamente pelo restante da fase lútea. Observação e identificação dessas mudanças podem apontar o início e o fim da janela fértil.

Dias ao longo do ciclo menstrual (exemplo genérico). Variações hormonais fazem o muco cervical mudar de textura, volume e cor ao longo do ciclo menstrual. O muco é tipicamente espesso, branco e seco antes da ovulação. Pouco antes da ovulação, o muco irá ficar claro - com uma cor semelhante àquela da clara de ovo - e escorregadio. Ref.15

- Duração do ciclo menstrual, ou o tempo entre o início de um ciclo menstrual e outro. Enquanto que a duração do ciclo varia substancialmente entre as mulheres, e até mesmo entre um ciclo e outro de uma mesma pessoa, a ovulação é mais provável de ocorrer 9-16 dias antes do fim do ciclo. Sabendo a duração aproximada do ciclo, é possível apontar os dias com maior ou menor probabilidade de gravidez. Na média, entre mulheres com um ciclo durando de 26 a 32 dias, a janela fértil provavelmente se estende dos dias 8 até o 19 (em relação ao início do ciclo). 

- Hormônios reprodutivos na urina, primariamente hormônio luteinizante (LH), mas também níveis de estradiol e de glucuronídeo de pregnanediol, variam ao longo do ciclo menstrual. A presença e/ou quantidade de hormônios reprodutivos pode ser identificada para determinar se a ovulação ocorreu. Excreção de hormônios, como o LH, ocorre ou aumenta imediatamente antes da ovulação, permitindo identificar o fim do período fértil, mas pode ser insuficiente para identificar seu início.

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          Diferentes métodos observacionais de contracepção envolvem o rastreamento de um ou mais sinais de fertilidade, e cada um fornece diferentes "regras" para a aplicação desse rastreamento com a finalidade de determinar o início e o final da janela de fértil. Esses métodos são usados tipicamente por casais que querem realizar sexo sem proteção, mulheres que não se adaptaram ou não querem usar métodos hormonais, ou, em alguns casos, por motivos religiosos.

          Entre esses métodos, talvez um dos mais populares e ganhando cada vez mais atenção é o Método de Ovulação Billings. No método Billings, a mulher usa as variações do muco/fluído cervical para determinar a janela fértil, sendo instruída a evitar sexo desprotegido com penetração vaginal nesse período, retornando essa prática apenas no terceiro dia seguindo a cessação do "fluído fértil". Esse método é, às vezes, combinado com outros métodos observacionais, como o rastreamento da temperatura corporal e dos níveis de hormônios reprodutivos na urina (via dispositivos eletrônicos de medição).  

          O método Billings não é recomendado caso a mulher tenha sangramento anormal descendo pela vagina; no caso de inflamação no cérvix ou na vagina; ou caso esteja utilizando certos medicamentos, incluindo antibióticos, anti-histamínicos ou aqueles visando a tireoide, os quais podem alterar o muco cervical. Excitamento sexual ou presença de esperma na vagina pode tornar difícil aferir a real natureza do fluído cervical relativo ao ciclo menstrual. Por fim, o método Billings pode ser dificultado por fluído oriundo de infecção (o qual pode ser confundido com fluído cervical); nesse sentido, usuários são tipicamente ensinados a identificar sintomas de infecção.

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> Para mais detalhes do Método de Ovulação Billings, fica a sugestão de um artigo [muito] favorável (!) ao método publicado em 2021 no periódico Revista Bioética: Método de Ovulação Billings: entre eficácia e desconhecimento

(!) Importante apontar que os dois autores citam apenas a eficácia de uso perfeito, e não efetividade (uso típico no mundo real), essa última ainda pouco esclarecida na literatura acadêmica.

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          Enquanto que a literatura acadêmica aponta alto potencial de eficácia caso esses métodos sejam seguidos de forma ideal (uso perfeito) - acima de 95% ao longo de 1 ano (Ref.6) -, os estudos alertam que, na prática (uso típico), essa eficácia tende a ser inferior e pode divergir de forma significativa, dependendo provavelmente de fatores como motivação, educação sobre o método e facilidade de uso. Nesse caminho, evidência de efetividade (eficácia no mundo real) não é muito clara. Um estudo de revisão sistemática publicado em 2018 no periódico Obstetrics & Gynecology (Ref.7) concluiu que a base de evidência para a recomendação desses métodos era ainda pequena e de baixa a moderada qualidade. Estudos mais recentes (Ref.6, 8) também reforçam que a avaliação da aplicação prática e testes em estudos clínicos dos métodos contraceptivos observacionais têm enfrentado múltiplos problemas, resultando em uma falta de evidência de boa qualidade e, consequentemente, incerteza da efetividade a nível populacional.


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   CONCLUSÃO

          Mulheres que querem usar um ou mais métodos contraceptivos observacionais devem estar cientes das limitações relativas às evidências científicas suportando recomendação, e é importante reforçar que esses métodos só funcionarão bem caso as instruções associadas sejam seguidas muito cuidadosamente e com alto comprometimento - e isso inclui colaboração do parceiro. Para mulheres e casais querendo mais comodidade, métodos tradicionais e altamente eficazes como camisinha e DIU tendem a ser uma melhor opção. E lembrando mais uma vez: como os métodos observacionais se baseiam em sintomas e sinais fisiológicos, condições afetando a saúde e o trato reprodutivo podem interferir negativamente com a acuracidade desses métodos. 

           Idealmente, é aconselhável sempre buscar orientação de um profissional de saúde reprodutiva, especialmente se uma gravidez inesperada estiver como última prioridade no planejamento de vida ou familiar da pessoa. Um profissional médico capacitado na área terá condições de melhor escolher uma estratégia contraceptiva adequada com base no estilo de vida, preferências e objetivos individuais.

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> IMPORTANTE: Aplicativos de rastreamento da fertilidade (usados geralmente a partir de smartphones), baseados nos métodos contraceptivos observacionais, têm sido cada vez mais usados por mulheres sexualmente ativas e na idade reprodutiva para a determinação da janela fértil. Porém, a eficácia desses aplicativos como um método contraceptivos não é alta e estão associados com uma significativa taxa de falha especialmente se usados como única ferramenta de contracepção (Ref.9). Evidência científica de recomendação para esses aplicativos é muito limitada (Ref.10), sendo prudente usá-los, no máximo, como um método contraceptivo complementar. 

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Santos et al. (2017). Sentimento de mulheres em relação ao uso do Método de Ovulação Billings. Revista Rene, 18(1):11-8. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2017000100003
  2. https://www.healthdirect.gov.au/fertility-awareness-natural-family-planning
  3. MOREIRA, LMA. Métodos contraceptivos e suas características. In: Algumas abordagens da educação sexual na deficiência intelectual [online]. 3rd ed. Salvador: EDUFBA, 2011, pp. 125-137.
  4. Simmons & Jennings (2020). Fertility awareness-based methods of family planning. Best Practice & Research Clinical Obstetrics & Gynaecology, 66, 68–82. https://doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2019.12.003
  5. https://www.mayoclinic.org/tests-procedures/cervical-mucus-method/about/pac-20393452
  6. Peragallo Urrutia, R., Polis, C. B., Jensen, E. T., Greene, M. E., Kennedy, E., & Stanford, J. B. (2018). Effectiveness of Fertility Awareness–Based Methods for Pregnancy Prevention. Obstetrics & Gynecology, 1. https://doi.org/10.1097/aog.0000000000002784
  7. Urrutia & Polis (2019). Fertility awareness based methods for pregnancy prevention. BMJ, l4245. https://doi.org/10.1136/bmj.l4245
  8. Turner, J. V. (2020). Misrepresentation of contraceptive effectiveness rates for fertility awareness methods of family planning. Journal of Obstetrics and Gynaecology Research, 47(7), 2271–2277. https://doi.org/10.1111/jog.14593
  9. Al-Rshoud et al. (2021). The Use and Efficacy of Mobile Fertility-tracking Applications as a Method of Contraception: a Survey. Current Obstetrics and Gynecology Reports 10, 25-29. https://doi.org/10.1007/s13669-021-00305-4
  10. LéaDudouetBSc, MPhil (2021). Social Sciences & Humanities Open, Volume 5, Issue 1, 2022, 100261. https://doi.org/10.1016/j.ssaho.2022.100261
  11. https://www.winchesterhospital.org/health-library/article?id=21221
  12. https://medlineplus.gov/ency/article/007015.htm 
  13. https://www.mayoclinic.org/healthy-lifestyle/getting-pregnant/expert-answers/ovulation-signs/faq-20058000
  14. https://www.womenshealth.gov/menstrual-cycle/your-menstrual-cycle
  15. https://my.clevelandclinic.org/health/body/21957-cervical-mucus