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Afinal, o que é e como tratar Ejaculação precoce?

          Ejaculação precoce é uma das disfunções sexuais mais comuns na população masculina, com prevalência tipicamente reportada na literatura acadêmica de 20-30%. Essa disfunção continua pouco esclarecida entre o público, alvo de desinformações em vídeos nas plataformas das redes sociais (ex.: TikTok) e sub-tratada, sendo estimado que apenas 9% dos pacientes com ejaculação precoce clinicamente significativa procuram atendimento médico especializado (Ref.1). Entre pacientes mais jovens, a prevalência estimada dessa disfunção é em torno de 20-25%. Porém, essas estimativas epidemiológicas são baseadas em questionários muito limitados, e especialistas têm sugerido que a real prevalência da condição - com importância clínica - pode ser bem menor, em torno de 5%. 

> Para detalhes sobre os mecanismos associados à ejaculação, acesse: O que é a Ejaculação Retrógrada?

          Muitos homens afetados pela ejaculação precoce são relutantes em procurar ajuda médica por vários motivos, que incluem uma falta de conhecimento mínimo sobre a condição, estigma associado ao diagnóstico, vergonha, desesperança e uma problemática relutância de discutir saúde sexual masculina com médicos. Como resultado dessas barreiras, muitos pacientes afetados persistem sofrendo com os efeitos secundários do problema na vida sexual. Muitos afetados acabam também buscando ajuda de forma anônima na internet e nas redes sociais, frequentemente encontrando desinformações ou informações incompletas sobre o tema. Nesse último ponto, qual é exatamente a definição de ejaculação precoce trazida pela literatura médica e quais os tratamentos cientificamente suportados?

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          Durante décadas a definição do que é ejaculação precoce (EP) foi alvo de intensos debates e conflitos dentro da comunidade acadêmica - e ainda hoje existem propostas sendo apresentadas. Essa falta de consenso, somada com fatores culturais e amostrais, provavelmente espelha as dramáticas diferenças de prevalência da EP na população reportadas em estudos epidemiológicos: faixa de 5% a 30%. Em 2013, a Sociedade Internacional de Medicina Sexual trouxe a primeira definição de EP baseada em evidência científica; a PE pode ser primária (presente desde o início da vida sexual do indivíduo) ou adquirida (emergindo em algum ponto após o início da vida sexual do indivíduo) e é uma disfunção sexual masculina caracterizada pelos seguintes critérios (Ref.2):

- Ejaculação que sempre ou quase sempre ocorre antes ou dentro de ~1 minuto de penetração vaginal (EP primária) ou uma redução clinicamente significativa ou incômoda no tempo de latência (período entre a penetração e a ejaculação), frequentemente dentro de ~3 minutos ou menos (EP adquirida);

- Inabilidade de atrasar a ejaculação em todas ou quase todas penetrações vaginais;

- Consequências pessoais negativas, como estresse, preocupação, frustração e/ou evitação de intimidade sexual.

          Essa definição, porém, é ainda considerada limitada, em especial por claramente não incluir indivíduos com orientação homossexual ou bissexual (Ref.3-5). Nesse último ponto, a Associação Americana Urológica trouxe em 2020 uma versão atualizada para o diagnóstico de PE, esta a qual deve atender dois critérios gerais diferenciando as manifestações primária e adquirida (Ref.6): 

- Ejaculação precoce primária é definida como um baixo controle ejaculatório, incômodo associado, e ejaculação dentro de ~2 minutos de iniciação do sexo penetrativo presentes desde o início da vida sexual.

- Ejaculação precoce adquirida é definida como consistente baixo controle ejaculatório, associado incômodo, e latência de ejaculação que é substancialmente reduzida em relação a experiências sexuais prévias durante sexo penetrativo.

          Em um estudo mais recente, publicado no periódico Sexual Medicine (Ref.7), pesquisadores propuseram um novo conceito e definição, com base em um estudo experimental envolvendo 481 homens com ejaculação precoce e idades entre 18 e 67 anos (~93% heterossexuais): transtorno do excitamento progressivo. Esse transtorno substituiria o termo ejaculação precoce e seria caracterizado pela inabilidade de modular, regular ou reduzir o excitamento durante qualquer atividade sexual, mesmo com breves pausas de estimulação sexual, causando uma ejaculação indesejável. Essa entidade não envolveria alterações na fase de orgasmo.

          Historicamente, as tentativas de explicar a etiologia da EP incluíram diversas teorias biológicas e psicológicas. A maioria das etiologias propostas não são baseadas em evidência, sendo especulativas na melhor das hipóteses. As hipóteses psicológicas incluem o efeito de experiência precoce e do condicionamento sexual, ansiedade, técnica sexual, frequência de atividade sexual e explicações psicodinâmicas. As explicações biológicas incluem teorias evolucionistas (1), hipersensibilidade do pênis, níveis de neurotransmissores centrais e sensibilidade de receptores, grau de excitação, velocidade do reflexo ejaculatório, nível de hormônios sexuais, desordens endócrinas e até níveis variantes de vitamina D (Ref.8-9). Nos últimos anos, variantes genéticas também têm sido apontadas, como polimorfismo no gene transportador de dopamina (DAT1) (Ref.10). Em geral, existe pouca evidência empírica para o estabelecimento de um nexo causal entre a EP e quaisquer dos fatores propostos como sua causa, esta a qual provavelmente é multifatorial; algumas condições como hipertiroidismo e inflamação prostática estão significativamente associadas com um maior risco de EP (Ref.15). No caso de fatores psicológicos, é difícil estabelecer causa e consequência. 

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(1) Com base em observações de outros primatas, já foi sugerido que ejaculação precoce representa um traço vantajoso em termos evolucionários (seleção sexual), mas que perdeu seu valor adaptativo com a evolução social da nossa espécie - em especial movimentos feministas que se intensificaram a partir da década de 1960 (Ref.11). Quanto mais rápido o coito - e ejaculação - menor a chance de ser repelido pelas fêmeas e/ou de ser atacado por outros machos sexualmente excitados durante o ato sexual. Como resultado, mais oportunidades de cópula com fertilização efetiva - favorecendo a fixação do traço de ejaculação cada vez mais rápida nas gerações subsequentes. Esse seria o motivo do porquê a ejaculação precoce ser ainda muito prevalente nas atuais populações de humanos modernos (Homo sapiens).

Curiosidade: Reconhecimento de ejaculação precoce como uma condição pode ser traçada até a Antiguidade. É descrito na mitologia Grega que Erictônio, o Rei de Atenas, foi concebido por uma semente lançada de forma impetuosa e apaixonada por Hefesto nas coxas da deusa da sabedoria, Atenas (Ref.12). Mas apenas no final do século XIX a ejaculação precoce ganhou um status de patologia/transtorno, e o qual vem sendo reforçado desde então. Existem especialistas que criticam essa tendência, a qual seria inclusive prejudicial para a experiência sexual da mulher no sentido de favorecer o resumo do ato sexual à penetração - minimizando o papel de outros estímulos talvez mais importantes, como beijos, carinhos e, especialmente, estimulação adequada do clitóris (Ref.12) (2). 

(2) Leitura recomendada: O Ponto G existe?

> Existe evidência de que o tempo de latência ejaculatória é significativamente maior durante a masturbação do que durante o sexo com parceiro/a em homens com EP. Em homens sem EP, a tendência é o contrário: o tempo de latência ejaculatória é tipicamente menor durante a masturbação (Ref.13). Esse padrão pode apontar um componente psicológico na patogênese da EP.

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           Um estudo observacional prospectivo publicado em 2019 (Ref.14) encontrou alta prevalência de transtornos de ansiedade, disfunção erétil, depressão e prostatite crônica entre pacientes com EP adquirida, e talvez esses fatores podem atuar na etiologia do problema. Aliás, disfunção erétil pode afetar até 50% dos pacientes com EP, e pesquisadores têm proposto inclusive criar novas entidades taxonômicas para adereçar comorbidades concorrentes e de risco para a EP (Ref.15): "ejaculação precoce subclínica" e "perda de controle da ereção e ejaculação". Nesse último ponto, reconhecer fatores de risco pode evitar progressão do quadro de EP através de tratamento precoce visando outros aspectos do problema.


   TRATAMENTOS RECOMENDADOS

          As técnicas comportamentais foram a base do manejo da EP por muitos anos, embora a evidência de sua eficácia a curto prazo seja limitada. Alguns homens utilizam-se de abordagens de autoajuda adquiridas por experiência pessoal, biblioterapia (livros) ou pesquisa na internet. Essas técnicas incluem masturbação imediatamente antes da relação sexual, uso de múltiplos preservativos para reduzir a sensibilidade peniana ou técnicas de distração (exercícios mentais) durante as preliminares, durante a relação sexual, ou ambos.

          Duas estratégias tradicionalmente muito usadas são a técnica de "para-e-reinicia" e o método de "aperto" (Ref.16). No primeiro caso, a estimulação sexual é interrompida sempre que ejaculação está próxima, e subsequentemente a estimulação é iniciada; esse ciclo é repetido de forma sistemática em toda relação sexual até que o homem tenha melhor controle ejaculatório. No segundo caso, quando a ejaculação está próxima, o parceiro/a para a estimulação sexual e aplica um firme aperto com os dedos na cabeça (glande) do pênis por 5-10 segundos - onde o dedão fica sobre o frênulo e o indicador e dedo médio ficam logo acima da borda coronal no lado oposto.

          Terapias tópica e medicamentosa são mais recomendadas e suportadas por forte evidência científica. As terapias tópicas da EP agem por meio da dessensibilização do pênis e não alteram a sensação de ejaculação. Um creme tópico contendo os anestésicos tópicos lidocaína e prilocaína é eficaz para prolongar o tempo de latência ejaculatória em 6 a 8 minutos (contra 1 a 2 minutos com placebo), mas deve ser aplicado pelo menos 20 minutos (não mais que 45 minutos) antes do contato sexual - é a primeira linha de tratamento farmacológico.

           Na terapia medicamentosa, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) - normalmente usados no tratamento da depressão - são efetivos no tratamento da EP. O tratamento com medicamentos da classe ISRS (ex.: dapoxetina e paroxetina) ativa o receptor 5-HT2C, eleva o ponto de ajuste do limiar ejaculatório e retarda a ejaculação. O grau de retardo ejaculatório pode variar bastante em diferentes homens, de acordo com a dosagem e a frequência de administração do ISRS, e o ponto de ajuste geneticamente determinado do limiar ejaculatório. É recomendado uso diário, sempre sob orientação médica (Ref.17-18). A interrupção do tratamento leva ao restabelecimento do ponto de ajuste anterior após 5 a 7 dias em homens com EP primária.

          Existem tratamentos farmacológicos alternativos promissores, ainda em testes clínicos, visando outros neurotransmissores além da serotonina, como adrenalina e oxitocina (Ref.19). Inibidores da fosfodiesterase 5 (iPDE5) - considerados como terapia de primeira linha para homens com disfunção erétil (ex.: sildenafila, vardenafila e tadalafila) - possuem possível benefício, porém a evidência é muito limitada (Ref.20-21) (3). Tratamentos não-farmacológicos como intervenções cirúrgicas e neuromodulação estão ganhando popularidade, no entanto sem sólido suporte científico. Existe também limitado suporte científico para o uso de camisinhas mais grossas (Ref.22).

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(3) Em um estudo publicado em 2020 (Ref.23), pesquisadores sugeriram que a combinação de fármacos ISRS + iPDE5 é atualmente a mais efetiva terapia para a EP a médio-longo prazo (≥8 semanas de terapia). Para curto prazo (<8 semanas de terapia), eficácia de anestésicos locais parece ser melhor.

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Bernstein et al. (2023). TikTok as a source of information regarding premature ejaculation: a qualitative assessment, Sexual Medicine, Volume 11, Issue 2, qfac020. https://doi.org/10.1093/sexmed/qfac020
  2. Serefoglu et al. (2014). An evidence-based unified definition of lifelong and acquired premature ejaculation: report of the second international society for sexual medicine ad hoc committee for the definition of premature ejaculation. Sexual Medicine, 2(2):41–59. https://doi.org/10.1002/sm2.27.PMID:25356301
  3. David et al. (2022). The Unfinished Business of Defining Premature Ejaculation: The Need for Targeted Research, Sexual Medicine Reviews, Volume 10, Issue 2, Pages 323–340. https://doi.org/10.1016/j.sxmr.2021.11.003
  4. Rowland et al. (2022). "Are the Criteria for the Diagnosis of Premature Ejaculation Applicable to Gay Men or Sexual Activities Other than Penile-Vaginal Intercourse?" Sexual Medicine, Volume 10, Issue 3, 100516. https://doi.org/10.1016/j.esxm.2022.100516
  5. Althof et al. (2022). Advances and Missteps in Diagnosing Premature Ejaculation: Analysis and Future Directions, The Journal of Sexual Medicine, Volume 19, Issue 1, Pages 64–73. https://doi.org/10.1016/j.jsxm.2021.10.010
  6. American Urological Association. (2020) Disorders of ejaculation: An AUA /SMSNA guideline.   https://www.auanet.org/guidelines/disororders-of-ejaculation
  7. Bustos et al. (2023). Progressive arousal: a new concept and definition for premature ejaculation, Sexual Medicine, Volume 11, Issue 2, qfad014. https://doi.org/10.1093/sexmed/qfad014
  8. Francischi et al. (2011). "Ejaculação precoce: existe terapia eficiente?" Einstein, 9(4). https://doi.org/10.1590/S1679-45082011RB1929
  9. Coskuner & Ozkan (2022). Premature Ejaculation and Endocrine Disorders: A Literature Review. The World Journal of Men's Health, 40(1): 38–51. https://doi.org/10.5534%2Fwjmh.200184
  10. Santtila et al. (2010). The Dopamine Transporter Gene (DAT1) Polymorphism is Associated with Premature Ejaculation, The Journal of Sexual Medicine, Volume 7, Issue 4_part_1, Pages 1538–1546. https://doi.org/10.1111/j.1743-6109.2009.01696.x
  11. Hong, L. K. (1984). Survival of the fastest: On the origin of premature ejaculation. The Journal of Sex Research, 20(2), 109–122. https://doi.org/10.1080/00224498409551212
  12. Grunt-Mejer, K. (2021). The history of the medicalisation of rapid ejaculation—A reflection of the rising importance of female pleasure in a phallocentric world. Psychology & Sexuality, 1–18. https://doi.org/10.1080/19419899.2021.1888312
  13. Rowland et al. (2022). Premature Ejaculation Measures During Partnered Sex and Masturbation: What These Findings Tell Us About the Nature and Rigidity of Premature Ejaculation. Journal of Sex & Marital Therapy, Volume 48, Issue 7. https://doi.org/10.1080/0092623X.2022.2042442
  14. Colonnello et al. (2021). Redefining a sexual medicine paradigm: subclinical premature ejaculation as a new taxonomic entity. Nature Reviews Urology 18, 115–127. https://doi.org/10.1038/s41585-020-00417-1
  15. Culha et al. (2019). Frequency of etiological factors among patients with acquired premature ejaculation: prospective, observational, single-center study. International Journal of Impotence Research, 32(3), 352–357. https://doi.org/10.1038/s41443-019-0188-x
  16. Majzoub et al. (2021). An update on the treatment of premature ejaculation: A systematic review. Arab Journal of Urology, Volume 19, Issue 3. https://doi.org/10.1080/2090598X.2021.1943273
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  18. Zhang et al. Paroxetine in the treatment of premature ejaculation: a systematic review and meta-analysis. BMC Urology 19, 2. https://doi.org/10.1186/s12894-018-0431-7
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  21. Ibrahim et al. (2023). Phosphodiesterase type 5 inhibitors and premature ejaculation: an overview of systematic reviews/meta-analyses using the AMSTAR 2, ROBIS, and GRADE tools. Sexual Medicine Reviews, Volume 11, Issue 1, Pages 23–51. https://doi.org/10.1093/sxmrev/qeac003
  22. Wang & Yu (2022). Efficacy evaluation of thickened condom in the treatment of premature ejaculation. Translational Andrology and Urology, 11(2): 253–259. https://doi.org/10.21037%2Ftau-22-8
  23. Deng et al. (2020). Comparative efficacy and safety of drug treatment for premature ejaculation: A systemic review and Bayesian network meta-analysis. Andrologia, Volume 52, Issue 11, e13806. https://doi.org/10.1111/and.13806