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Por que alguns lugares são mais afetados por terremotos?


- Atualizado no dia 21 de julho de 2023 -

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          No dia 6 de fevereiro de 2023, um terremoto de magnitude 7,8 atingiu o sudeste da Turquia e partes da Síria (epicentro a 26 km ao leste da cidade de Nurdagi e a uma profundidade de 17,9 km). Seguiu-se um evento de magnitude 7,5 a ~4 km ao sudeste de Ekinözü 9 horas depois, assim como mais de 200 tremores secundários. O número confirmado de mortes nos territórios Turco e Sírio já ultrapassa 23,6 mil (Ref.26).                   

Ruas se abrindo ao meio, prédios desmoronando, pontes caindo... mesmo tremores aparentemente fracos podem causar significativa destruição na infraestrutura de cidades.

         Temos a ideia que o nosso chão é algo inabalável e à prova de movimentos, um verdadeiro referencial de imobilidade. De fato, nossas ações no dia-a-dia são guiadas com base nessa referência. Assim, quando o chão começa a tremer violentamente, e perdemos nosso mais básico referencial, não é de se espantar que o pânico toma conta até do mais corajoso, mesmo em locais onde esses eventos são frequentes, como no Japão. Para compreendermos a causa desses tremores e o porquê deles serem muito comuns em certas regiões, vamos primeiro nos lembrar das aulas de geografia e acessar lá no fundo da memória algo chamado 'placas tectônicas', ou melhor, 'Teoria das Placas Tectônicas'. 

          Todos devem estar familiarizados com o termo 'Pangeia', associado à famosa 'deriva continental': várias placas rochosas carregando os continentes se movimentando há bilhões de anos, moldando a superfície do nosso planeta. Se antes os habitantes do planeta chegaram a viver em um gigantesco continente (Pangeia), agora temos vários blocos continentais separados por milhares de quilômetros de oceano. E são nesses processos de deriva continental onde encontramos a origem dos temidos terremotos.
Nosso planeta é dividido em camadas: 1. Núcleo Interno; 2. Núcleo Externo; 3. Manto Inferior; 4. Manto Superior; 5. Litosfera; 6. Crosta Terrestre

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         Nosso planeta é constituído, teoricamente, por várias camadas que incluem um núcleo (exterior e interior), um manto e uma litosfera. Apesar de não conhecermos tão bem quanto gostaríamos as camadas mais profundas da Terra, temos uma boa ideia do que ocorre nas partes superiores do manto e da litosfera. À medida que aumentamos a profundidade no planeta, as temperaturas e pressões aumentam dramaticamente, por causa do peso cada vez maior suportado (é o mesmo princípio da pressão aquática e atmosférica). No manto, existe uma camada de fronteira chamada astenosfera, a qual é bem quente e possui suas rochas em estado mais plástico e móvel, formando uma espécie de pasta de relativa baixa viscosidade. Em cima dela, encontra-se a litosfera, sobre a qual se encontra a nossa camada, a crosta terrestre, onde caminhamos.

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(!) É ainda pouco esclarecido o porquê da astenosfera ser relativamente macia. Apesar de uma camada de rocha parcialmente derretida ter sido recentemente identificada a uma profundidade de ~150 km de profundidade sobre a crosta terrestre e se estendendo por grande parte do mundo, regiões de rocha derretida na astenosfera não parecem ter influência significativa na baixa viscosidade e no movimento das placas tectônicas. A baixa viscosidade astesnoférica parece ser controlada primariamente por variações graduais de pressão e de temperatura ao longo da profundidade (Ref.25).
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          A litosfera, ao contrário da astenosfera, é formada por estruturas rochosas bem rígidas por causa da menor pressão e temperatura. Assim, podemos pensar que a litosfera 'flutua' por cima da astenosfera, navegando em seu mar de rochas maleáveis. Durante o processo de formação da Terra, diversos processos violentos de estresse no manto, por causa das condições físico-químicas extremas, levaram ao surgimento de várias falhas na rígida litosfera (ou seja, não se deforma, e, sim, quebra), e, consequentemente, na crosta, dividindo esta em vários blocos: as placas tectônicas. As tão conhecidas Falhas de San Andreas são um dos exemplos visíveis mais notáveis da separação entre duas dessas placas. (1)

A famosa Falha de San Andreas, na Califórnia, é um exemplo bastante explícito da falha entre duas placas (Pacífico e América do Norte). Foto: Google Images

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(1) Não significa que as falhas são uma rachadura até a astenosfera, estilo poço sem fundo, separadas fisicamente entre si. Elas são falhas porque o material rochoso ali é mais frágil, sofrendo rupturas frequentes com os movimentos das placas. Caso contrário não teríamos terremotos, já que as placas não estariam em contato umas com as outras.
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         Basicamente, as placas tectônicas estão navegando por cima da astenosfera e através do manto, via processos controlados primariamente por poderosas forças de convecção  (2). Acredita-se que existem oito grandes placas e várias outras menores ao redor da superfície terrestre, as quais se movem uma em relação às outras em velocidades que vão de >0 a 100 milímetros por ano. Durante esses movimentos, cria-se uma tensão aos longo das falhas, sobre as rochas que conectam as placas. Em determinados momentos, as forças elásticas das rochas não aguentam mais e essas últimas sofrem violentas fraturas. A energia elástica é, então, liberada na forma de energia térmica (resultado do atrito no movimento), propagação de rachaduras (absorção energética através de deformações) e abalos sísmicos que se propagam em onda pela litosfera e chegam na superfície terrestre na forma de terremotos. Sim, grandes terremotos são tipicamente frutos do esforço máximo de liberdade de movimento entre as placas tectônicas.


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(2) Existe muito debate na literatura acadêmica sobre o espectro e exata natureza das forças alimentando a movimentação das placas tectônicas. Teoricamente, as forças de maior impacto seriam geradas pelo movimento de convecção do material da astenosfera, o qual possui relativa baixa viscosidade. Assim, grandes volumes de rocha subiriam por estarem mais quentes e, quando resfriadas pelo contato com a litosfera (bem mais fria), desceriam novamente, em um movimento rotatório. Isso geraria movimento para impulsionar as placas. Porém, outras forças podem ser também relevantes, como as forças gravitacionais do Sol e da Lua (I) ou diferenças de massas dentro das placas tectônicas, algo que impulsionaria os movimentos pela ação gravitacional do planeta. De qualquer forma, evidências acumuladas apontam que convecção do calor e de rochas no manto é a influência prevalente sobre o movimento das placas (Ref.25).

(I) Artigo Complementar: A Lua pode disparar grandes terremotos!

> Próximo do segmento Parkifield da falha de San Andreas, terremotos de baixa frequência e eventos de lento deslizamento ocorrem mais profundamente do que a maioria dos eventos sísmicos, e em condições de temperatura tipicamente associadas com deslizamentos estáveis. Esses eventos sísmicos anômalos são regulares e geralmente possuem magnitude 6. Um estudo publicado no periódico Science Advances (Ref.19) mostrou via modelos matemáticos e simulações laboratoriais que esses terremotos parecem ocorrer devido ao aquecimento por fricção de rochas mais próximas da base da crosta  - envolvendo principalmente granito e quartzo - devido ao movimento das placas tectônicas, tornando essas rochas mais fluídas e a região mais suscetível a terremotos.
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          As ondas de abalo sísmico, mesmo poderosas, carregam algo em torno de apenas 10% da energia liberada pelas fraturas nas falhas tectônicas. Mas para se ter uma ideia do quão esses 10% são significativos, um terremoto de 8.6 na escala possui energia equivalente a 10 mil bombas atômicas do porte daquelas usadas durante a Segunda Guerra Mundial! Todos os anos, ocorrem cerca de 500 mil terremotos, onde apenas 100 mil são possíveis de serem sentidos pela população. O restante são detectados somente através de instrumentos altamente precisos de medição. O potencial de destruição deles depende da distância do epicentro (local onde teve início a propagação das ondas sísmicas) até as áreas populosas, onde casas podem ser destruídas, deslizamentos de terra podem ocorrer, entre diversos outros efeitos (3). Além disso, se o epicentro for abaixo do solo oceânico, as ondas de energia podem disparar violentos tsunamis (II). 

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(3) A magnitude/força dos terremotos era tradicionalmente medida pela famosa Escala Richter, a qual atribui valores logarítmicos na base 10 para os valores de amplitude dos terremotos. Assim, um terremoto de magnitude 5 possui dez vezes mais amplitude do que um de 4 e irá liberar cerca de 30 vezes mais energia. Valores abaixo de 2 são imperceptíveis (os mais comuns), e valores acima de 10 ainda não foram testemunhados por humanos. Apesar disso, a força destrutiva dos terremotos dependerá mais da sua proximidade de áreas habitadas do que pela sua magnitude. Outros métodos modernos e mais acurados são usados para medir a magnitude dos terremotos.

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         Um dos mais devastadores terremotos (em número de mortes) da história humana foi um que ocorreu em 1556 na província de Shaanxi, na China, o qual causou a morte de mais de 830 mil pessoas. No mais violento do século XX, também na China, um terremoto de 8,2 na escala Richter foi responsável pela morte de algo entre 240 mil e 655 mil pessoas na província de Tangshan, em 1976. Já o terremoto mais poderoso registrado ocorreu no Chile, em 1960, com uma magnitude de 9,5. E por que eles ocorrem com maior frequência e são mais intensos em algumas áreas do que em outras?

A partir de fraturas ocasionadas pela movimentação entre placas, ondas de abalo sísmico são geradas a partir do ponto (epicentro - ponto vermelho) de ruptura das rochas de coesão.


          Como explicado, as fraturas entre as falhas são os responsáveis primários pelos terremotos. Portanto, quanto mais longe dessas falhas, menor é o alcance das ondas sísmicas. O Japão, a China e o México, por exemplo, estão situados muito próximos dessas falhas, como pode ser visto no mapa da figura abaixo. O Japão e a China estão do lado da falha de encontro entre a Placa do Pacífico e a Placa da América do Norte. Já o México está ao lado do deslizamento horizontal entre as mesmas placas. Outro exemplo é o Irã e regiões próximas, que sofrem frequentemente com fortes terremotos por causa de choques entre as placas tectônicas Eurásia e Arábia. Por outro lado, no caso do Brasil, por exemplo, são muito raros os eventos de terremotos, porque estamos situados quase no meio da placa Sul-Americana, longe de qualquer falha (pelo menos grande parte do nosso território).  
         
Separação da crosta em diversas placas tectônicas (!) É possível notar que a placa do Pacífico (placa amarela maior) está em movimento de encontro em várias pontos, ficando fácil de entender o porquê de terremotos tão violentos nas suas bordas e tantas atividades vulcânicas.


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> Em um estudo publicado em 2017 no Earth and Planetary Science Letters (Ref.11), pesquisadores mostraram que terremotos que acontecem no Himalaia, por exemplo, são mais poderosos do que nos Alpes porque as placas tectônicas envolvidas colidem mais rápido. No geral, os resultados do estudo sugerem que a frequência e magnitude de grandes terremotos próximos de cadeias montanhosas - como os Alpes, Apennines, Himalaia e os Zagros - dependem diretamente da taxa de colisão das placas tectônicas menores. Isso seria porque quanto mais rápido elas colidem, menor as temperaturas médias envolvidas e maior as áreas que geram os terremotos.
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          Junto com os terremotos, as fraturas nas falhas podem desencadear atividades vulcânicas (induzem perturbações que permitem a lava do manto a abrirem caminho pela superfície do planeta). Por isso a região de encontro entre várias placas com a placa do Pacífico é chamada de Círculo de Fogo, e é onde concentra-se a grande maioria dos vulcões ativos do mundo. Se voltarmos ao mapa, veremos que essa placa está se chocando com várias outras placas de fronteira, criando tensões e fraturas ainda mais energéticas. Um terremoto próximo a um vulcão, por exemplo, é um indicativo de que ele pode entrar em erupção a qualquer momento.

          Para exemplificar, a República do Haiti é um país marcado por uma longa história de significativas atividades sísmicas. O Haiti está situado na Ilha de Hispaniola, esta a qual se encontra no limite da placa Caribenha. O lento movimento dessa placa - em contato com várias outras placas tectônicas (a Sul-Americana, Nazca, Cocos e, de principal importância nesse caso, a Norte-Americana) - acumula estresse de forma mais notável em uma rede de fraturas que cruza a Península Sul do Haiti, coletivamente chamadas de zona de falha Enriquillo-Plantain Garden. O estresse nessa zona de falha e em outros sistemas de falhas associados vai se acumulando até ser eventualmente liberado na forma de atividade sísmica. O Haiti é o mais pobre país da América e sua infraestrutura não é preparada para enfrentar terremotos. Em 2010, um terremoto de magnitude 7,0 - com um epicentro próximo da cidade mais povoada do país (Porto Príncipe) - causou cerca de 300 mil mortes, desabrigou 1,5 milhão de pessoas e provocou danos econômicos de até US$14 bilhões de dólares, quase duas vezes o PIB do país (Ref.20). Na imagem abaixo, são indicados vários eventos sísmicos registrados e ligados à placa Caribenha com magnitude (M) maior do que 5.


           No dia 14 de agosto de 2021, pelo menos 304 pessoas morreram no Haiti após um terremoto de magnitude 7,2. O epicentro do terremoto foi identificado a 8 km da cidade de Petit Trou de Nippes (no oeste da ilha), a cerca de 150 km da capital Porto Príncipe, e a uma profundidade de 10 km. As cidades de Cayes e de Jérémie, no sudoeste da ilha, foram as mais afetadas pelo tremor. Autoridades dizem que centenas de Haitianos estão soterrados ou desaparecidos. Nesse  o mecanismo de falha parece ter envolvido um movimento oblíquo reverso ao longo da zona de falha Enriquillo-Plantain Garden (Ref.24).

          O evento sísmico de grandes proporções mais recente - mencionado no começo deste artigo - também envolveu uma placa tectônica menor. A maior parte da Turquia está situada sobre a Placa de Anatólia, entre duas principais falhas, a Fenda da Anatólia do Leste e a Fenda da Anatólia do Norte. A Placa Arábica está colidindo ao norte com a borda sul da Placa Eurasiática e forçando a Turquia a ser espremida para fora no sentido oeste (~2 cm/ano), ao longo da Fenda da Anatólia do Leste - e metade da extensão dessa falha enfrenta agora terremotos (Ref.27). Os graves danos e grande perda de vidas humanas observados na Turquia e na Síria seguindo os eventos se devem em maior parte à infraestrutura muito vulnerável a eventos sísmicos nesses países (Ref.28), especialmente na Síria onde os intensos conflitos de guerra tornam prédios e casas mais frágeis. Além disso, a natureza rasa do terremoto principal (epicentro a uma profundidade de "apenas" ~18 km) produziu violentas ondas de choque afetando áreas centenas de quilômetros distantes do epicentro (Ref.29).

Ilustrações mostrando a localização da Placa de Anatólia e a falha ("fenda) leste ao longo da qual o terremoto principal (7,8) e o evento sísmico subsequente (7,5) ocorreram. 

          Mesmo com as mais avançadas tecnologias de hoje, ainda é impossível prever a ocorrência de um terremoto em um espaço de dias, semanas ou até mesmo meses. Certas falhas bem conhecidas podem ter potenciais terremotos de alta periculosidade previstos, em teoria, para ocorrem dentro de algumas décadas. E é isso. Por isso os países do mundo inteiro que estão situados em áreas de risco, como o Japão, focam os esforços em construir melhores edificações e estruturas gerais (pontes, metrôs, etc.) que aguentem bem até os mais fortes terremotos. Em outras palavras, esforços de minimização dos danos. Infelizmente, tecnologias de previsão mais acuradas e urgentes estão ainda longe de serem desenvolvidas e os danos tendem a ser grandes quando terremotos de significativa magnitude chegam sem aviso, especialmente em países e regiões subdesenvolvidas. 

          Atualmente, os melhores sistemas de alerta conseguem notificar apenas com 1-2 minutos de antecedência - e apenas se o tremor não começa muito próximo da superfície. Décadas de busca por melhores sinais de alerta - flutuações na geoquímica subterrânea, efeitos eletromagnéticos na atmosfera superior e até mudanças no comportamento de animais - têm falhado. Em um estudo publicado recentemente na Science (Ref.29), os pesquisadores encontraram, estatisticamente, uma aceleração exponencial de deslize [fase inicial] de ~2 horas de duração que começa antes da ruptura principal em grandes terremotos (magnitude >7). O achado aponta que os terremotos são previsíveis. Porém, os atuais sistemas de alerta ainda não são capazes de detectar o sinal de ~2 horas identificado (e talvez associado com um processo precursor mais longo); possíveis deslizes precursores precisariam de instrumentos mais sensíveis para detecção em eventos individuais.

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OBSERVAÇÕES 

> Podem existir também tremores secundários depois de um terremoto. Eles são respostas do reajuste entre as placas depois da fratura e possuem magnitude bem inferior ao evento principal. Não confundir esses tremores secundários com os 'Terremotos Múltiplos', os quais são caracterizados por serem várias tremores de escala próxima provocados por várias fraturas consecutivas.

> Tecnicamente falando, 'terremoto' pode ser qualquer onda de abalo sísmico, seja gerado por forças geológicas naturais ou humanas. A detonação de uma bomba atômica, por exemplo, gera terremotos de média magnitude ao seu redor quando o teste é subterrâneo. As agências internacionais de inteligência, por exemplo, detectam os locais e as forças de explosão das bombas atômicas detonadas pela Coreia do Norte através dos terremotos gerados.
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   (!) TERREMOTOS NO BRASIL
      
          Terremotos de menor intensidade podem ocorrer no interior das placas por causa de estresse geológico acumulado e transmitido a partir das falhas - via pressões que atuam sobre as rochas no subsolo -, além de certas atividades humanas de construção e exploração de recursos naturais serem capazes também de disparar tremores, como assentamento de grandes sedimentos de terra envolvidos em obras civis e o uso de certos métodos para a extração de gás e óleo do solo. 

         As causas específicas da sismicidade intra-placas e suas relações com a geologia são sempre difíceis de serem apontadas ou detalhadas. Fraqueza litosférica e/ou concentração local de estresse são as explicações mais comuns. No geral, os padrões de estresse intra-placas podem ser explicados por quatro principais fontes: (i) forças associadas a cadeias de montanhas; (ii) espalhamento de estresses a partir de variações de densidade lateral na litosfera (como entre o Altiplano Andino e a estável plataforma Sul-Americana, ou entre as crostas oceânica e continental); (iii) forças de interação entre placas (como na margem convergente Nazca-América do Sul); e (iv) arraste basal litosfera/astenosfera. Aqui na América do Sul, esses estresses alcançam altos valores estimados a partir de energia potencial gravitacional no Altiplano Andino e nas regiões sub-Andinas.

          Em 4 de agosto de 1885, na fronteira da Guiana Francesa-Brasil, tivemos o mais forte terremoto na zona estável da América do Sul, com magnitude de 6.9, com o epicentro localizado na província geocronológica transamazoniana no Escudo das Guianas. Os exemplos mais notáveis de eventos sísmicos dentro do nosso país foram os terremotos em Porto dos Gaúchos (MT), com 6,2 de magnitude, e em Vitória (ES), com 6,1, ambos em 1955. No dia 15 de junho de 2009, na Bacia do Pantanal, ocorreu um terremoto de magnitude 4,8 e profundidade de 6 km, o qual foi sentido em várias cidades localizadas ao redor, incluindo Campo Grande e Goiânia. Em 1922 um terremoto de 5.1 atingiu  São Paulo. Mas a região do Nordeste, de longe, é a que mais frequentemente experiencia terremotos. 

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          As colisões entre as placas provocam dois tipos de terremotos, os terremotos de borda de placa, mais fortes, como os que ocorrem no Chile e os terremotos intra-placa, historicamente mais fracos, como os que ocorrem no Nordeste. Como citado anteriormente, a placa em que viajamos é a Placa Sul-Americana, que colide com a Placa de Nazca a oeste, e a leste, ela se afasta da Placa Africana. A colisão a oeste é do tipo zona de subducção, onde a placa de Nazca que é oceânica e mais densa mergulha sob a placa Sul-Americana, que é continental e menos densa. Já na borda leste, o mecanismo envolve uma célula de convecção que faz o magma ascender à superfície afastando as duas placas, dando origem à cadeia meso-atlântica. Nesse sentido, fica claro que a Placa Sul-Americana está submetida a um regime compressivo provocado pelo empurrão da Placa de Nazca de oeste para leste, e pela ascensão magmática na cadeia meso-atlântica, que a empurra para oeste.

Mapa de localização das principais placas tectônicas da Terra. Ilustração: Rainer Lesniewski / Shutterstock.com


          Essa compressão a que está submetida a Placa Sul-Americana, é a principal responsável pela maioria dos abalos sísmicos que ocorrem no Nordeste. Estando sobre uma unidade geológica muito antiga, mas cheia de falhas, chamada Província Borborema, o Nordeste é sismologicamente instável. As falhas mais extensas e profundas constituem verdadeiras zonas de fraqueza da crosta terrestre, (desuturas), tendem a se movimentar, provocando diversos abalos sísmicos. Uma dessas suturas corta o estado de Pernambuco desde o Recife até a divisa com o estado do Piauí. Essa grande falha geológica, de pelo menos 550 milhões de anos, constitui uma sutura vertical da ordem de 30 km de profundidade (Zona de Cisalhamento Pernambuco ou Lineamento Pernambuco). Ao longo da Zona de Cisalhamento Pernambuco os sismos se distribuem às vezes sobre a própria zona de cisalhamento, às vezes acima ou abaixo da mesma, associado a alguma falha de menor extensão.

        Quando comparamos com os terremotos que ocorrem na borda oeste da placa Sul-Americana, os abalos sísmicos do Nordeste são geralmente muito menos intensos, devido à sua situação intra-placa. Não há, como no Chile, uma placa mergulhando por baixo da outra provocando grandes terremotos. Como já exposto, o Nordeste brasileiro está longe das bordas da placa. Os terremotos são de magnitude baixa e ocorrem provocando pequenos abalos, às vezes em grande quantidade. Existe também possível contribuição significativa de estresses flexurais locais devido à carga sedimentar no relevo continental.

          Válido mencionar, em uma área não-sísmica no nordeste, existe evidência de estresses regionais não-uniformes comumente encontrado em margens continentais passivas - principalmente ligados a contrastes de densidade lateral ao longo da crosta continental-oceânica - para explicar o terremoto inter-placa de 4.0 de magnitude no Maranhão (Bacia do Parnaíba), no dia 3 de janeiro de 2017 (Ref.13).

          E talvez o mais notável evento de terremotos no Nordeste Brasileiro ocorreu no município de João Câmara, no Rio Grande do Norte - aliás, esse município é inclusive conhecido como Terra do Abalo devido aos frequentes eventos sísmicos. Em 5 de agosto de 1986, um terremoto de magnitude 3.0 deu início à mais longa sequência de terremotos registrada no Nordeste. Três eventos com magnitude acima de 4.0 seguiram durante o próximo mês. No dia 30 de novembro, um evento de 5.1 ocorreu após várias semanas de pouca atividade. Mais 12 eventos com magnitude acima de 4.0 ocorreram até o dia 7 de fevereiro e a atividade continuou a um nível menor desde então, com vários eventos adicionais acima de 3.0 até janeiro de 1988. Um total de 14 mil eventos foram registrados (Ref.14)! Danos a propriedades foram extensivos ao longo desses terremotos, com 400 casas e vários prédios e obras públicas danificados ou destruídos (no total, foram ~4 mil construções danificadas).


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          O evento sísmico mais recente e de grandes proporções registrado no nordeste ocorreu na Bahia, na região das cidades de Mutuípe, no Mutuípe, que fica no Vale do Jiquiriçá, e Amargosa, no Recôncavo Baiano. Segundo cálculos do Laboratório de Sismologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o terremoto foi de magnitude 4.6, com os tremores sendo sentidos em Salvador (Ref.15).


         No caso de terremotos causados pelas atividades antropogênicas (eventos sísmicos induzidos), temos um exemplo bem conhecido no norte do país. Em Manaus, uma série de pequenos terremotos têm sido causados por fraturas hidráulicas associadas à exploração de óleo e gás na região, fenômeno já notado desde a década de 1920 (Ref.17).

          Aliás, falando em Manaus, é sugerido que em 1690, na região do atual estado do Amazonas, tivemos um terremoto de magnitude 7.0, baseando-se em documentos históricos reportando um raio de 1000 km onde o terremoto pôde ser sentido (Ref.18).


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://sioviz.ucsd.edu/~fialko/papers/fialkoNature06.pdf
  2. https://www.sciencedaily.com/releases/2008/04/080403131923.htm
  3. http://web.archive.org/web/20120305205843/http://www.gps.caltech.edu/uploads/File/People/kanamori/HKjgr79d.pdf
  4. http://web.archive.org/web/20111005053447/http://mineralsciences.si.edu/tdpmap/pdfs/impact.pdf
  5. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2010JB008070/full
  6. http://science.sciencemag.org/content/333/6041/413
  7. http://www.crustal.ucsb.edu/outreach/faq.php
  8. http://www.nap.edu/read/10493/chapter/6#277
  9. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0012821X17306210
  10. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0895981116301080
  11. https://pubs.geoscienceworld.org/ssa/srl/article-abstract/90/6/2217/574151/Seismic-Intensity-Attenuation-for-Intraplate
  12. Correia, Paulo de Barros. Origem dos terremotos no Nordeste, ComCiência, n.117, Campinas, 2010 (Link)
  13. https://academic.oup.com/gji/article-abstract/213/1/387/4780288
  14. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0040195189900620
  15. https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/08/30/moradores-relatam-tremor-de-terra-em-varias-cidades-da-bahia.ghtml
  16. Dias et al., 2016. The 2009 earthquake, magnitude mb 4.8, in the Pantanal Wetlands, west-central Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, vol.88, no.3, Rio de Janeiro. (Link)
  17. https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/8755293020944178
  18. https://pubs.geoscienceworld.org/ssa/srl/article-abstract/doi/10.1785/0220190325/586518/The-1885-M-6-9-Earthquake-in-the-French-Guiana
  19. https://advances.sciencemag.org/content/6/36/eabb2057
  20. https://edition.cnn.com/2021/08/14/world/haiti-earthquake/index.html
  21. http://www.geologie.ens.fr/~ecalais/research/the-january-12th-2010-haiti/
  22. https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2011GL049799
  23. https://pubs.er.usgs.gov/publication/sim3353
  24. https://www.usgs.gov/news/magnitude-72-earthquake-haiti
  25. Hua et al. (2023). Asthenospheric low-velocity zone consistent with globally prevalent partial melting. Nature Geoscience. https://doi.org/10.1038/s41561-022-01116-9
  26. https://www.nytimes.com/2023/02/10/world/europe/turkey-syria-earthquake-united-nations.html
  27. https://www.nature.com/articles/d41586-023-00364-y
  28. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0267726121005510
  29. Bletery et al. (2023). The precursory phase of large earthquakes. Science, Vol. 381, No. 6655. https://doi.org/10.1126/science.adg2565