Por que preguiças descem ao chão para defecar?
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Figura 1. Preguiça-comum, espécie com ampla distribuição no Brasil. |
Preguiças são mamíferos herbívoros e arbóreos que passam a maior parte do dia descansando ou comendo no alto de árvores. Pendurados nos galhos a grandes alturas, esses animais ficam protegidos de vários potenciais predadores no solo. Porém, ocasionalmente, preguiças descem das árvores para defecar. O motivo para esse arriscado e aparentemente injustificado comportamento não foi ainda conclusivamente resolvido pela ciência, mas existem algumas hipóteses propostas.
BICHO PREGUIÇA
A superordem Xenarthra contém três distintos grupos de animais: tatus (1), tamanduás (2) e preguiças (Fig.2). Esses três grupos de animais estão distribuídos atualmente [ainda vivos] em 31 espécies. As preguiças (subordem Folivora) são representadas hoje por sete espécies ainda vivas, mas agrupadas em dois gêneros bem distintos entre si: preguiças-de-dois-dedos (Choloepus, clado Mylodontoidea) e preguiças-de-três-dedos (Bradypus, clado Megatherioidea) (Fig.3). Esses dois gêneros parecem ter divergido do ancestral comum há ~37 milhões de anos (Ref.1). É estimado que as primeiras preguiças emergiram no planeta há quase 64 milhões de anos.
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Leitura recomendada:
- (1) Qual é a relação entre Gliptodontes, Tatus e Anquilossauros?
- (2) Qual a função da cauda e do padrão preto-e-branco nos membros anteriores do tamanduá-bandeira?
> Uma recente revisão taxonômica dividiu o gênero Bradypus em duas espécies que são endêmicas da Mata Atlântica e que habitam, respectivamente, regiões no sudeste e no nordeste do Brasil: B. torquatus (preguiça-de-coleira-do-norte) e B. crinitus (preguiça-de-coleira-do-sul), com divergência evolutiva entre as duas no início do Plioceno. Ref.6
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A origem evolutiva das atuais preguiças é ainda incerta. Tradicionalmente é pensado que os gêneros Choloepus e Bradypus são derivados de antigas preguiças gigantes terrestres, evoluindo de forma independente e convergente o comportamento arborícola e locomoção atípica (pendurando-se em galhos de forma invertida). Porém, evidências mais recentes - baseadas em análises proteômicas e mitogenômicas - sugerem que o ancestral comum de ambos os gêneros era adaptado ao estilo de vida arborícola, com esse traço emergindo múltiplas vezes ao longo da evolução das preguiças (Fig.4) ou mesmo presente no ancestral comum ou grupo basal de todas as preguiças (Ref.7-8).
Preguiças dos gêneros Bradypus e Choloepus são animais poiquilotérmicos, ou sejam, exibem consideráveis variações na temperatura corporal e são vulneráveis às variações térmicas ambientais. Esses animais possuem uma anômala e baixa taxa metabólica para mamíferos e utilizam ajustes posturais em ordem de explorar microclimas favoráveis no topo das árvores e regular a temperatura interna. E fazendo jus ao nome ("preguiça"), esses animais exibem movimentos tipicamente lentos. Essas características são pensadas de ser uma estratégia para reduzir os custos de termorregulação considerando a dieta extremamente pouco calórica e o longo tempo de retenção do bolo alimentar no trato digestivo. As atuais mudanças climáticas, portanto, são uma séria ameaça às preguiças, especialmente àquelas do gênero Bradypus habitando grandes altitudes (Ref.23).
As preguiças-de-três-dedos (Bradypus sp.) possuem a dieta mais especializada entre as atuais preguiças e, nesse sentido, são aquelas que mais radicalmente conservam energia, além de exibirem a maior variabilidade de temperatura corporal (até 10°C ao longo do dia) e o mais baixo nível de movimentação corporal. Aliás, preguiças do gênero Bradypus possuem a menor taxa metabólica conhecida entre os mamíferos e uma temperatura corporal média de ~32,7°C (Ref.25). Preguiças-de-dois-dedos ocasionalmente também ingerem frutos e flores, mas a maior parte da dieta é constituída de folhas e brotos.
Outros traços únicos associados às preguiças (Bradypus sp. e Choloepus sp.):
- dentes não possuem esmalte protetor, e, ao longo do tempo, ficam frequentemente pretos devido à contínua absorção de taninas das folhas que comem;
- as longas "garras" são dedos (ossos das falanges alongados e curvados) cobertos pelo mesmo material constituinte das nossas unhas (queratina); Fig.12
- não possuem células de cone na retina (monocromatismo), resultando em cegueira de cores, dificuldade de visão em ambiente com baixa luminosidade e completa cegueira em ambiente muito iluminado - são animais que usam o excelente olfato como sentido primário para explorar o mundo;
- possuem um laço no esôfago que impede que vomitem ou que alimento retorne para a boca enquanto estão se alimentando de cabeça para baixo;
- possuem adesões fibrinosas que ajudam a ancorar e manter no lugar os órgãos do corpo independentemente da posição corporal, reduzindo também o gasto energético para respiração e outros processos (até 7-13% ao longo do dia).
- possuem válvulas e esfíncteres especializados no sistema circulatório que asseguram fluxo adequado e constante de sangue independentemente da posição do corpo e forças gravitacionais.
- apesar do estilo de vida altamente arborícola, preguiças nadam muito bem, e são três vezes mais rápidas na água do que no solo. Fig.13
- Como regra geral, todos os mamíferos conhecidos possuem 7 vértebras cervicais ("do pescoço"), com três exceções: preguiças e peixe-boi (Trichechus). Preguiças-de-três dedos possuem 8 ou 9 vértebras cervicais, permitindo que a cabeça seja virada 270° e ajudando a reduzir gasto energético durante movimentação do corpo. Já as preguiças-de-dois-dedos e peixes-bois possuem apenas 5 vértebras cervicais. Esse número reduzido de vértebras cervicais nas preguiças parece permitir que a cabeça desses animais seja inclinada totalmente para trás, facilitando o acesso de folhas nos galhos (Ref.26).
- Devido ao grande volume e massa do estômago das preguiças (respondendo por até 30% da massa corporal!), esses animais possuem um grande número de costelas - garantindo proteção extra ao órgão estomacal. As preguiças-de-dois-dedos exibem 21 pares de costelas, comparado com 12 pares em humanos e 9 pares nas baleias.
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Curiosidade: Por várias décadas persistiu a alegação de que, em 13 de janeiro de 1951, membros do "O Clube de Exploradores" (The Explorers Club) jantaram a carne de um megatério congelado no Alasca. O clube é famoso nos EUA e, anualmente, seus integrantes se reúnem para experimentar pratos exóticos. Porém, a narrativa do jantar de 1951 possui um grande problema: megatérios eram nativos da América do Sul. De fato, um estudo de 2016, analisando uma amostra preservada da alegada carne de megatério (Fig.14), concluiu que se tratava de uma tartaruga-verde (Chelonia mydas). Além disso, os autores do estudo encontraram evidências arquivais de que o "jantar pré-histórico" foi apenas um boato inventado na reunião de membros visando atrair publicidade para o clube.
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Figura 14. Amostra da carne falsamente descrita por décadas como pertencente a um megatério, preservada no Museu Perot de Natureza e Ciência, em Dallas, EUA. Ref.28 |
> Preguiças terrestres do Quartenário Tardio foram extintas há ~10 mil anos, como parte do evento de extinção da megafauna que ocorreu no final da última Era do Gelo. Táxons nas ilhas do Caribe (Megalocnus, Neocnus, Acratocnus e Parocnus) se tornaram extintos há ~4400 anos. A causa exata da extinção das preguiças terrestres e insulares é incerta, mas pode estar ligada às atividades humanas (ex.: caça) e/ou a mudanças climáticas. Ref.29
Leitura recomendada:
> É provável que, antes da ocupação humana, a enorme semente do abacate era dispersada por preguiças gigantes. Esses animais eram um dos poucos herbívoros conhecidos na América capazes de engolir a semente inteira dessa fruta e evacuá-la, formando uma importante relação simbiótica (mutualística) com o abacateiro (Persea americana) - planta nativa da América Central e México. Aliás, preguiças gigantes exibiam dentes relativamente pequenos e sem corte, dificultando o processamento (destruição) das sementes na boca. Ref.31-32
Leitura recomendada:
> Atualmente, no Brasil, as espécies do gênero Bradypus torquatus está em perigo de extinção, e com status vulnerável a nível global). A espécie B. pygmaeus, encontrada exclusivamente em mangues da ilha Escudo de Veraguas, na costa do Panamá, está em crítico perigo de extinção, devido à perda do seu habitat. Ref.33-34
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POR QUE DESCER PARA DEFECAR?
Como exposto, preguiças dos gêneros Bradypus e Choloepus são "preguiçosas", no sentido e serem altamente adaptadas para reduzir ao máximo o gasto energético. O gasto energético diário mínimo desses animais é estimado em apenas ~147 kJ: um adulto de 4 kg precisa comer apenas 60 g de folhas diariamente para atender as necessidades calóricas (Ref.9). Apenas 25-30% da massa corporal dessas preguiças é constituído de músculos (órgão com relativa alta demanda metabólica), enquanto outros mamíferos tipicamente exibem 40-45% de músculo. Com um grande estômago multi-compartimentar similar àquele de ruminantes, até a digestão é extremamente lenta: o bolo alimentar pode permanecer na cavidade estomacal de preguiças por até 90 horas e pode levar 1 semana para alcançar o ânus. Aliás, até 30% da massa corporal das atuais preguiças consiste de comida no estômago e urina.
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> Embora sejam atualmente um dos mamíferos menos móveis do planeta, as preguiças não passam a maior parte do tempo dormindo como comumente pensado. No meio selvagem, gastam ~9,5 horas por dia dormindo, ou seja, passam a maior parte do tempo acordadas, quietas e imóveis nas árvores. Por outro lado, dormem de forma intermitente ao longo do dia: curtos períodos diurnos e noturnos de sono (<1 hora) interrompidos por períodos ocasionais de atividade. Nesse sentido, não são animais nem noturnos nem diurnos.
Leitura recomendada: Qual é a duração ideal e a função do sono em humanos?
> Preguiças da espécie Choloepus hoffmanni possuem a terceiro metabolismo mais baixo (234 kJ/dia/kg) de todos os mamíferos, com um gasto energético diário um pouco maior do que pandas (Ailuropoda melanoleuca: 185 kJ/dia/kg). A preguiça da espécie Bradypus variegatus possui o menor metabolismo conhecido entre mamíferos (162 kJ/dia/kg) e a menor taxa de digestão conhecida entre mamíferos Ref.44
Leitura recomendada: Afinal, pandas são carnívoros, onívoros ou herbívoros?
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Com pouca agilidade e sem defesas muito efetivas, as preguiças arborícolas dependem de estratégias crípticas contra predadores (Fig.15). A imobilidade em meio aos galhos e folhas ajuda muito nesse sentido, ao reduzir o fator "chamar a atenção" e dificultar a detecção visual. Além disso, a pelagem especial desses animais abriga um verdadeiro ecossistema constituído de algas, fungos e invertebrados diversos, resultando também em uma coloração esverdeada que aparentemente (!) ajuda na camuflagem em meio às folhas (Fig.16). E preguiças fazem quase tudo no alto das árvores.
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Leitura recomendada:
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Porém, mesmo nesse contexto de extrema economia energética, estilo de vida altamente arborícola e grande vulnerabilidade física contra predadores, preguiças a cada 4-8 dias fazem algo impensável: descem da proteção no alto das árvores para defecar no chão da floresta. E, no ambiente terrestre, ficam amplamente expostas a predadores diversos, desde canídeos até felinos de médio a grande porte. De fato, descer de uma árvore é a principal causa de mortalidade para uma preguiça: mais da metade de todas as mortes de preguiças adultas parecem ocorrer quando esses animais estão no chão ou próximos do chão (Ref.37).
Essa descida até o solo é significativamente custosa em termos energéticos (aproximadamente 8% do total de energia diária gasta) e muito arriscada. Por que então esses animais encaram essa aventura para ir até o banheiro? Por que simplesmente não evacuam do alto das árvores, deixando as fezes caírem no solo?
A resposta para essas perguntas é ainda um mistério na ciência.
As preguiças-de-três-dedos, antes de defecar, cavam um pequeno buraco com a cauda vestigial (Fig.18) na base da árvore em que estavam. Após depositar as fezes nesse buraco, esses animais cobrem parcialmente o material fecal com solo - similar a um gato ou um cão - e sobem de volta para o topo da árvore. Já as preguiças-de-dois-dedos, com ausência de cauda, simplesmente defecam no solo exposto, mas mesmo assim fazem também questão de descer (vídeo abaixo) - apesar de ocasionalmente serem observadas defecando do alto das árvores. Esses animais podem perder até um terço da peso corporal em uma única defecação.
Um número de hipóteses têm sido propostas para tentar explicar esse estranho comportamento, mas nenhuma ainda consensual entre os cientistas. Quatro delas merecem destaque e não são necessariamente excludentes entre si.
- Fertilizante de Árvores
Ao descer e depositar as fezes junto às árvores preferidas, preguiças estariam fertilizando o sistema de raízes dessas plantas e promovendo o crescimento do seu alimento favorito: folhas e brotos. Porém, essa hipótese possui importantes limitações. As fezes desses animais são extremamente duras e secas e não são facilmente processadas por organismos recicladores. Frequentemente as fezes ficam intocadas no chão da floresta por vários dias (Fig.19). Segundo, por que descer ao solo para defecar próximo da árvore se o animal pode fazê-lo do alto, em segurança? Por fim, preguiças estão constantemente e lentamente mudando de árvore, e uma árvore particular fertilizada pode ficar meses sem nova visita (por outro lado, o benefício pode ser a nível populacional). E mais: preguiças tipicamente defecam em um único lugar. Por que ter uma árvore favorita para amontoar as fezes?
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Figura 19. Múltiplas pilhas de fezes frescas e velhas de uma preguiça, no seu local favorito de defecação no chão. |
- Síndrome do Mutualismo
Como mencionado, preguiças abrigam um mini-ecossistema na pelagem, constituído principalmente por algas do gênero Trichophilus e por traças da família Pyralidae (espécies Bradypodicola hahneli e Cryptoses choloepi) que são encontradas apenas nesses mamíferos. Preguiças são inclusive referidas como ecossistemas móveis. As traças em específico (Fig.20-21) só deixam a pelagem das preguiças para depositar ovos e justamente nas fezes do seu hospedeiro. É sugerido que o hábito de descer das árvores e defecar no mesmo local do chão facilita a interação entre as traças adultas e as fezes frescas para a deposição de ovos (Ref.37). Mas neste ponto temos o problema: o que as preguiças ganham ajudando o ciclo de vida dessas mariposas? Alguns cientistas especulam que existe uma relação mutualística entre preguiças e traças, talvez com esses insetos promovendo maior proliferação de algas verdes na pelagem (!). Mas essa especulação não possui suporte de evidência científica.
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(!) Antigamente era pensado que, além da camuflagem no meio selvagem, as algas verdes forneciam nutrientes essenciais para preguiças. Mas essa ideia parece ser falsa. Preguiças em cativeiro sem algas na pelagem são saudáveis e não exibem deficiências nutricionais sob alimentação natural. Também inexiste evidência observacional de preguiças lambendo ou ingerindo algas através da pelagem. Ref.38, 44
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- Comunicação e Reprodução
Feromônios presentes na urina e nas fezes das preguiças fornecem várias informações importantes sobre os indivíduos, em especial considerando o olfato muito eficiente desses animais. Se as preguiças apenas deixam as fezes caírem em qualquer lugar e de muito alto, essas informações podem ser muito diluídas ou perdidas. E se preguiças deixassem rastros odoríferos e feromônicos apenas nos galhos das árvores, outras preguiças podem ter dificuldade de encontrá-los entre os inúmeros galhos. Concentrando as fezes em um local específico e sob um único tronco, indivíduos podem transmitir suas informações (ex.: status de saúde e hormonal) para outros indivíduos de forma mais efetiva.
Em suporte dessa hipótese, existe evidência observacional de que fêmeas no cio descem ao chão para defecar uma vez por dia (Ref.39), ou seja, com frequência muito maior do que o normal e em um período reprodutivo crítico marcado por significativas mudanças hormonais e comportamentais. Fêmeas de preguiças-de-três-dedos entram no cio uma vez por mês por aproximadamente 7 dias, período marcado por aumento de atividade em ~200% e frequentes vocalizações agudas de alta intensidade que são atrativas para machos (Ref.40). Fêmeas de preguiças-de-dois-dedos não vocalizam, mas secretam feromônios a partir de glândulas genitais que são esfregadas em galhos e troncos de árvores para potenciais machos seguirem (Ref.40).
- Suplementação Nutricional
A dieta folívora e muito restrita das preguiças pode suprir de forma insuficiente certos minerais importantes para o desenvolvimento saudável desses animais. É proposto que durante a descida para a defecação, preguiças aproveitam para consumir um pouco de terra (geofagia) rica em nutrientes minerais. Bebês de preguiças já foram observados ingerindo solo enquanto a mãe estava defecando (Ref.41). Em cativeiro, preguiças gostam de lamber sais, e esse hábito é naturalmente e comumente observado em preguiças do gênero Choloepus: descem ocasionalmente das árvores para ir em locais conhecidos como "saladeros" para o consumo de minerais no solo (Ref.45). O hábito geofágico das preguiças-de-dois-dedos parece melhorar a digestão de toxinas e suplementar sais minerais não presentes na dieta. E a ida até os saladeros é uma viagem perigosa - como mostrado no vídeo abaixo - e tipicamente feita à noite. Por fim, e ainda mais interessante, preguiças no Peru e na Costa Rica já foram observadas descendo das árvores para se alimentar de dejetos humanos em latrinas (Fig.21).
> No vídeo, preguiça adulta da espécie Choloepus didactylus é atacada por uma jaguatirica (Leopardus pardalis) adulta na Estação de Biodiversidade Tiputini, na Amazônia do Equador, durante descida diurna das árvores para ir a um saladero. Ref.45
Embora não exista ainda observação direta e cientificamente validada de geofagia em preguiças adultas do gênero Bradypus sp. no meio selvagem, é plausível que, durante a interação com o solo, os dedos curvados desses animais fiquem impregnados com terra, que pode ser então lambida. Por outro lado, essa hipótese não explicaria por que a geofagia precisa acompanhar a defecação, esta última um processo que demanda significativo tempo e um ritual de "dança", aumentando o risco de predação. Talvez complemente outros potenciais benefícios previamente explorados?
- Herança do Ancestral Terrestre
Esse ritual terrestre de defecação nas duas linhagens de preguiças ainda vivas seria fruto de evolução convergente ou resquícios comportamentais de ancestrais terrestres extintos? O pesquisador e ecólogo Julian Monge-Najera, analisando todas as hipóteses propostas para o comportamento de defecação das preguiças, propôs em 2021 uma explicação alternativa nesse sentido: herança comportamental de preguiças terrestres (Ref.43). Segundo Julian, durante a adaptação evolutiva das preguiças para o estilo de vida arborícola, não houve tempo suficiente para que pressão seletiva atuasse para eliminar o [suposto] traço deletério de defecação terrestre.
Em suporte da "hipótese vestigial", Julian cita que preguiças da espécie B. tridactylus - um grupo fortemente arborícola e sedentário - são ocasionalmente observadas defecando do alto de galhos, um potencial sinal de que pressão seletiva está atuando para eliminar a defecação terrestre. O mesmo talvez válido para a espécie C. hoffmanii, que frequentemente é observada defecando do alto de árvores.
Porém, essa hipótese é sustentada pela suposição de que o estilo de vida terrestre é o traço basal ou presente em todas as linhagens de preguiças levando aos gêneros Bradypus e Choloepus. E evidências genéticas nos últimos anos têm desafiado a validade dessa suposição. Além disso, não é totalmente consistente com a extrema especialização do corpo das atuais preguiças no sentido de viver no alto das árvores e economizar energia.
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