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É proibido enterrar os mortos em Longyearbyen, na Noruega?

Figura 1. Cemitério em Longyearbyen, onde pessoas foram enterradas de 1918 até 1950, incluindo sete vítimas da Gripe Espanhola.

 
          Longyearbyen é o centro administrativo do arquipélago de Svalbard, especificamente localizado na ilha principal, Spitsbergen. Com uma população total de ~2500 habitantes (Ref.1), Longyearbyen é considerado o assentamento humano mais ao norte do mundo com >1000 habitantes (78,25°N, no Ártico). A região está sob domínio da Noruega desde 1920 (Tratado de Svalbard) (Ref.2). Longyearbyen em específico foi fundado em 1906 como uma cidade focada na atividade de mineração e sob propriedade inicial do empresário Norte-Americano John Munro Longyear, sendo 10 anos mais tarde comprada pela companhia Norueguesa SNSK (Ref.2). 

Figura 2. Localização de Longyearbyen.

Figura 3. Fotos da cidade de Longyearbyen. Ref.9

          Sem população nativa, os habitantes de Longyearbyen possuem origem de >55 países. A tundra Ártica com limitada vegetação e pergelissolo (solo permanentemente congelado) é amplamente disseminada na região. 

          Nesse último ponto, e de fato, hoje não é permitido enterrar corpos em Longyearbyen (ex.: em caixão tradicional). Existia um cemitério com enterros tradicionais que funcionou de 1918 até 1950 em Longyearbyen. Mas corpo ali enterrados acabam sendo preservados devido ao pergelissolo e podem ser inclusive empurrados para a superfície (Ref.3). Por esse motivo e devido ao medo de "reaparecimento de patógenos" (!), o cemitério parou de aceitar corpos para enterro (esses devem ser enviados e enterrados na Noruega).

           PORÉM, o cemitério continuou funcionando até 2017, recebendo urnas para enterro com cinzas de falecidos cremados. Foi então totalmente desativado devido ao risco de deslizamentos de terra, em especial exacerbado pelas atuais mudanças climáticas (Ref.4).

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Relevante apontar a existência de um mito muito disseminado na internet alegando que é "proibido morrer em Longyearbyen". Isso obviamente é falso, incoerente e certamente é uma distorção relativa à proibição de enterrar corpos na região.

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          Desde 2020 existem esforços para realocar o cemitério para uma área mais segura de ~600 metros quadrados e a 100 metros da igreja local (Fig.4), restabelecendo seu funcionamento (Ref.4-5).

Figura 4. Igreja de Longyearbyen, cuja responsável desde 2019 é a pastora Siv Limstrand (foto de baixo), membro da Igreja da Noruega (uma denominação evangélica luterana e protestante e a maior igreja cristã da Noruega). Todos são bem-vindos na igreja, independente da religião, e ela foi primeiro construída e consagrada em 1921. Durante o bombardeamento da região pela marinha Germânica na Segunda Guerra Mundial, a igreja foi queimada e apenas em 1958 reconstruída. (Foto da igreja: Bjørn Christian Tørrissen/Wikimedia). Ref.10-11

          Aliás, falando em mudanças climáticas - causadas atualmente pelo aquecimento global antropogênico -, Svalbard é uma das regiões do globo que mais rápido está aquecendo: +4ºC nos últimos 50 anos! (Ref.5-6). No aeroporto de Svalbard, em Longyearbyen, a temperatura aumentou >5°C entre 1979 e 2021 (Ref.7).

           Nesse ritmo de aquecimento, em um futuro próximo é provável que não mais exista pergelissolo na região.

> Mineração de carvão, a coluna vertebral histórica de Svalbard, tem sido progressivamente abandonada em prol de uma transição para uma economia mais verde na região e mais focada no turismo, pesquisa e educação. (Ref.9)

> O maior perigo histórico enfrentado pelos habitantes em Longyearbyen são os ursos-polares, e uma das principais preocupações do governo local (Ref.8). Mudanças climáticas estão adicionando novas e mais preocupantes ameaças, como deslizamentos de terra devido às precipitações extremas, avalanches mais frequentes e eventos de inundação (Ref.6). Em 2015 e 2017, duas avalanches ligadas às mudanças climáticas causaram séria destruição e mortes na cidade. E os ursos-polares acabam também sofrendo nas duas frentes: humanos invasores e aquecimento global antropogênico.

Figura 6. Pastora Siv Limstrand, depois da missa, carregando seu rifle para se proteger de eventuais ursos-polares. Ref.10

> Longyearbyen abriga o famoso Silo Global de Sementes de Svalbard, administrado e financiado pelo governo Norueguês e pela Crop Trust (incluindo a  Fundação Bill & Melinda Gates e vários países). O enorme silo serve como um "backup" para sementes de plantas de todo o mundo, e atualmente armazena >1,2 milhão de sementes de >6 mil espécies de plantas. Ref.1,7


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(!) Enquanto a "ameaça patogênica" do cemitério possui convincente justificativa científica, existe ameaça similar e mais preocupante em relação ao degelo em geral do pergelissolos ao redor do mundo com o aquecimento global antropogênico. 

Para mais informações:


Sugestão de leitura:


REFERÊNCIAS

  1. Meyer & Sokolíčková (2024). ‘Melting Worlds’ and ‘Climate Myths’: Diverging Stories of Climate Change in Longyearbyen, an Arctic ‘Frontline Community’. Journal of Anthropology. https://doi.org/10.1080/00141844.2024.2329690
  2. Sokolíčková, Z. (2022). The trouble with local community in Longyearbyen, Svalbard: How big politics and lack of fellesskap hinder a not-yet-decided future. Polar Record, 58:e36. https://doi.org/10.1017/S0032247422000286
  3. https://gjestehuset102.no/facts-about-longyearbyen-102/
  4. https://polarjournal.ch/en/2020/12/11/new-cemetery-planned-for-longyearbyen-in-2022/
  5. https://www.bbc.com/news/world-europe-63387233
  6. https://www.npolar.no/en/
  7. https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1757-899X/1294/1/012036/meta
  8. https://www.sysselmesteren.no/en/
  9. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/2154896X.2020.1819016
  10. https://agencevu.com/en/serie/a-priestess-under-the-arctic-circle-2022/
  11. https://lutheranworld.org/news/searching-identity-svalbards-arctic-region