Artigos Recentes

Qual é a principal presa da harpia?

Figura 1. Harpia adulta fêmea devorando uma jovem preguiça da espécie Choloepus didactylus. A harpia é uma das maiores águias do mundo e metade da distribuição dessa ave ocorre na Amazônia Brasileira. Ref.6

          O gavião-real ou harpia (Harpia harpyja) é uma das maiores aves do mundo (1) e ocorre nas florestas Neotropicais da América do Sul e Central. Em particular, a distribuição dessa espécie é ampla no Brasil, com a maior parte da população total concentrada na Amazônia Brasileira e na Mata Atlântica. Essa ave de rapina (2) pode ultrapassar 1 metro de comprimento, envergadura de asas pode alcançar 2 metros e fêmeas adultas podem somar até 9 kg de massa corporal. A dieta das harpias engloba primariamente mamíferos arborícolas de porte médio (1-10 kg) e sua principal presa, no geral e historicamente, são preguiças (3). Além de preguiças, outra presa comum são macacos. Porém, podem se alimentar de um amplo espectro de vertebrados reptilianos, aviários e mamíferos terrestres (Fig.2).

 

Figura 2. Apesar de predarem primariamente preguiças, harpias se alimentam de uma diversidade de presas. (A) Preguiça da espécie Choloepus didactylus. (B) Bugio (Alouatta sp.). (C) Porcos-espinhos (Coendou sp.) são importantes presas em algumas áreas. (D) Presas terrestres como cutias (Dasyprocta spp.) são raramente predadas em áreas florestais. (E) Carnívoros noturnos arborícolas, como o jupará (Potos flavus), são comumente predados em algumas áreas, mas contribuem pouco para a biomassa da dieta de harpias. E harpias podem caçar de forma oportunística, como (F) iguanas-verdes (Iguana iguana) e (G) filhotes em um ninho de japuaçu (Psarocolius bifasciatus). Ref.4

 

Figura 3. Harpia adulta chegando ao ninho com um tamanduá da espécie Tamandua tetradactyla para alimentar seu filhote, em uma reserva ambiental na Bahia. Os filhotes das harpias se desenvolvem tão rápido que apenas um é criado por vez no ninho. Casais de harpia são formados para a vida toda e os ninhos são construídos a mais de 40 metros de altura, no topo das árvores. Caçam ao longo de uma ampla área ao redor do ninho. Ref.5

Figura 4. Preguiça da espécie Choloepus didactylus capturada por uma harpia na floresta Amazônica. Preguiças da espécie Bradypus variegatus, popularmente conhecida como "preguiça-comum", também são comumente predadas por harpias. Preguiças ficam sob maior risco de predação durante atividades diurnas. Ref.6

 

Figura 5. Harpia chegando ao ninho com um macaco-prego da espécie Cebus apella. Primatas como bugios (Alouatta sp.) e macacos-pregos (Sapajus e Cebus spp.) são presas importantes para harpias. Ref.7

Figura 6. Harpia se alimentando de um macaco bugio no Suriname. Macacos são uma melhor fonte nutricional para hipercarnívoros como harpias (ex.: maior massa muscular por kg) do que preguiças. Aliás, grande parte da massa corporal das preguiças geralmente é constituída de fezes e bolo alimentar (ex.: folhas sob lenta digestão). Porém, preguiças (Choloepus sp. e Bradypus sp.) são bem mais abundantes no topo das árvores e são mais fáceis de capturar, e possivelmente seja essa a razão do porquê constituem a maior parte da dieta de harpias. Ref.8

Figura 7. Harpias no ninho com presas, na Reserva Nacional de Tambopata (Amazônia), Peru. Em (A), harpia fêmea com com um bugio da espécie Alouatta sara. Em (B), harpia macho (à esquerda) trazendo um macaco da espécie Saimiri boliviensis para uma harpia fêmea. Em (C), harpia fêmea (à esquerda) com uma preguiça da espécie Choloepus didactylus e uma harpia juvenil (à direita). Harpias adultas precisam de ~800 g de alimento por dia. Fêmeas possuem porte corporal maior (média de ~7,3 kg) do que machos (média de 5,9 kg). São as maiores aves da América Central. Ref.9

  

Figura 8. Garra de uma harpia. Essa ave possui uma força de pegada até 10x maior do que aquela de humanos. Aliás, possuem as maiores garras entre as aves. Além dos poderosos membros, harpias possuem visão aguçada e excelente audição. Ref.10

          

Leitura recomendada:


            Apesar de ser referida como uma "especialista em preguiças", a dieta das harpias parece ser oportunística e adaptativa. Na escassez de preguiças e macacos, são capazes de sobreviver complementando a dieta com outras presas vertebradas disponíveis - embora sejam adaptadas para a caça de mamíferos arborícolas.  

- Continua após o anúncio -


          A harpia está ameaçada de extinção, com status Vulnerável na classificação da IUCN (Ref.11). Na Mata Atlântica, em específico, está em crítico perigo de extinção. Rápido declínio populacional dessa espécie vem ocorrendo nos últimos 20 mil anos, coincidindo com a ocupação humana na América do Sul (Ref.12). Atualmente, as principais ameaças são a perda de habitat (ex.: desmatamento), caça e retaliação humana. Piora o cenário o fato dessa ave ser sensível a modificações no seu habitat e a baixa taxa reprodutiva, com casais produzindo um filhote a cada 30-36 meses. Estimativas sugerem que restaram de 100 mil a 250 mil harpias maduras no mundo.

> Harpias vivem tipicamente de 25 a 35 anos. Mas existe o registro de um indivíduo com pelo menos 54 anos de idade no meio selvagem (Ref.7).

> NÃO existe registro na literatura acadêmica de predação de harpias sobre humanos (ex.: captura de crianças ou bebês). Existem muitas alegações e relatos anedóticos nesse sentido, mas sem suporte científico. Raros "ataques" provocados por humanos têm sido documentados, embora fora de um contexto de predação. Válido mencionar, por outro lado, que existe um relato de caso na literatura acadêmica envolvendo captura e predação de uma criança de 4 anos de idade por uma águia-coroada (Stephanoaetus coronatus), no Quênia, em 1984. Outra válida menção é o recente reporte do ataque de um harpia contra uma mulher de 29 anos, na floresta Amazônica da Guiana Francesa, durante uma trilha com um grupo de turistas acompanhados por um guia nativo (Fig.9). Aparentemente, a harpia que desferiu o ataque não foi provocada, mas a mulher e seu marido estavam tentando tirar uma foto dela. O evento ocorreu em outubro de 2023. Ref.13

Figura 9. (A-B) Três cortes com ~2 cm de comprimento cada desferidos por uma harpia no escalpo de uma mulher. Abaixo, foto da harpia que desferiu o ataque. O agressivo avanço da ave foi interrompido pelo parceiro da vítima, que contra-atacou a harpia com um sapato. Antes do ataque, a harpia estava calma, apenas observando o grupo de turistas a ~6 metros de altura. O relato científico desse raríssimo incidente está atualmente sob revisão para ser publicado no periódico Ecology and Evolution (Ref.13).

> Harpias possuem grande importância cultural na República do Panamá, um país na América Central. No Panamá, a harpia está no emblema nacional (Fig.10), é a ave nacional e é totalmente protegida por lei. Ref.3

 

Figura 10. Emblema nacional (brasão de armas) do Panamá.


REFERÊNCIAS

  1. https://animals.sandiegozoo.org/animals/harpy-eagle
  2. Bowler et al. (2020). Harpy eagles (Harpia harpyja) nesting at Refugio Amazonas, Tambopata, Peru feed on abundant disturbance-tolerant species. Food Webs, Volume 24, e00154. https://doi.org/10.1016/j.fooweb.2020.e00154
  3. Springer, M. T., Nielsen, C. K., Carver, A. D., & Correa, N. J. (2011). Harpy Eagle (Harpia harpyja) Feeding Behavior on a Brown-throated Three-toed Sloth (Bradypus variegates). Journal of Raptor Research, 45(1), 100–103. https://doi.org/10.3356/JRR-10-45.1
  4. Miranda, E. B. P. (2015). Conservation implications of harpy eagle Harpia harpyja predation patterns. Endangered Species Research, Vol. 29: 69–79. https://doi.org/10.3354/esr00700
  5. Kaizer et al. (2023). The prey of the Harpy Eagle in its last reproductive refuges in the Atlantic Forest. Scientific Reports 13, 18308. https://doi.org/10.1038/s41598-023-44014-9
  6. Miranda et al. (2020). High moon brightness and low ambient temperatures affect sloth predation by harpy eagles. PeerJ, 8:e9756. https://doi.org/10.7717/peerj.9756
  7. Miranda et al. (2021). Tropical deforestation induces thresholds of reproductive viability and habitat suitability in Earth’s largest eagles. Scientific Reports 11, 13048. https://doi.org/10.1038/s41598-021-92372-z
  8. Miranda, E. B. P. (2018). Prey Composition of Harpy Eagles (Harpia harpyja) in Raleighvallen, Suriname. Tropical Conservation Science, 11. https://doi.org/10.1177/1940082918800789
  9. Bowler et al. (2020). Harpy eagles (Harpia harpyja) nesting at Refugio Amazonas, Tambopata, Peru feed on abundant disturbance-tolerant species. Food Webs, e00154. https://doi.org/10.1016/j.fooweb.2020.e00154 
  10. https://slothconservation.org/sloth-predators-harpy-eagle/ 
  11. https://www.iucnredlist.org/species/22695998/197957213 
  12. Canesin et al. (2024). A reference genome for the Harpy Eagle reveals steady demographic decline and chromosomal rearrangements in the origin of Accipitriformes. Scientific Reports 14, 19925. https://doi.org/10.1038/s41598-024-70305-w
  13. Epelboin et al. (2024). Unveiling the myth: Harpy eagle Harpia harpyja attacks on human Homo sapiens in the Amazon. Authorea [Preprint]. Link