Por que humanos pré-históricos na Turquia produziam estatuetas de mulheres obesas?
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| Visão frontal e traseira da estatueta de Çatalhöyük. |
A fascinante estatueta nas fotos acima, representando uma mulher obesa sentada em um trono ladeada por duas leoas, é pré-histórica, feita há pelo menos 8 mil anos! Essa e várias outras estatuetas - feitas em sua maioria de argila - foram encontradas no sítio arqueológico de Çatalhöyük, na planície aluvial de Konya, no Centro-Sul da Turquia (Anatólia Central). Nesse local, existia um grande e sofisticado assentamento Neolítico, ocupado continuamente desde 7100 a.C. até 5950 a.C. Estima-se que chegou a ser ocupado por até 8 mil pessoas.
Ao longo desses ~1000 anos de ocupação, no Monte Leste, a comunidade pré-histórica em Çatalhöyük parece ter mantido uma estrutura social igualitária e com sepultamentos sob o piso do lar, onde crianças e adultos que morriam eram enterrados dentro das casas ainda em uso. Os adultos geralmente eram sepultados sob plataformas elevadas do cômodo central e os subadultos (ex.: neonatos e bebês) frequentemente perto de lareiras ou sob depósitos.
Um Patrimônio Mundial da Unesco, o local de habitação tem sido comumente referenciado como uma das "cidades" mais antigas do mundo e possuía uma área de 13 hectares - um dos maiores assentamentos Neolíticos na Anatólia - e as construções eram feitas com tijolos de barro. Não existem evidências de edifícios públicos ou de desigualdade socioeconômica sistemática entre as casas, apesar da aparente presença de armazenamento privado de alimentos e da variação no tamanho das casas e no número de sepulturas O local traz também traços de atividades ritualísticas além dos túmulos intramurais, incluindo esqueletos pintados de vermelho e pinturas diversas nas paredes (Ref.6).
A ocupação neolítica milenar de Çatalhöyük é subdividida em quatro fases. Essas fases apontam importantes mudanças culturais e demográficas. Entre os períodos de ocupação Inicial (7100–6700 a.C.) e Média (6700–6500 a.C.), a população aumentou gradualmente, as casas tornaram-se maiores e a elaboração simbólica no local aumentou. Durante os períodos de ocupação Tardia (6500–6300 a.C.) e Final (6300–5950 a.C.), as famílias tornaram-se mais autônomas. De 6500 a.C. até o abandono do local, os dados disponíveis sugerem maior mobilidade da população, independência econômica entre as famílias e aumento da especialização e diferenciação. No período final de ocupação do Monte Leste, parte da população migrou para uma região vizinha (Monte Oeste) que foi ocupada de 6100 a.C. até 5500 a.C., no início do período Calcolítico da Anatólia.
Para os habitantes de Çatalhöyük, a transição para a agricultura aumentou a exposição a doenças (Ref.5). As taxas de natalidade mais elevadas levaram a um robusto crescimento populacional, com um pico de aproximadamente 3,5 mil a 8 mil indivíduos - uma população relativamente grande para a época. À medida que a comunidade crescia, as demandas por mão de obra e a necessidade de obter alimentos aumentavam. As condições de vida precárias contribuíram para a violência interpessoal, como indicado por traumatismos cranianos em esqueletos, bem como para o aumento do risco de infecção e transmissão de patógenos. As ovelhas, hospedeiras intermediárias de diversos parasitas humanos, representavam uma grande preocupação para a saúde pública. O consumo abundante de carboidratos vegetais, bem como de pão e mingau, levou a problemas dentários. A cultura material, incluindo pinturas murais e estatuetas, ilustra a evolução de uma sociedade complexa, e os túmulos ancestrais sob os pisos das casas atestam um forte senso de comunidade, tornando o local mais do que um simples assentamento.
Apesar das doenças e outras dificuldades que acompanharam a evolução do assentamento, evidências bioarqueológicas sugerem uma população geralmente saudável, dado o grande número de sepultamentos de subadultos nas casas, indicando alta fertilidade. A agricultura e a pecuária eram as principais fontes de subsistência em ambos os montes (leste e oeste), embora a caça de animais selvagens também tenha continuado e se refletisse fortemente no simbolismo de Çatalhöyük (ex.: pinturas).
O significado simbólico da figura feminina obesa em um trono (estatueta referenciada no início deste artigo) é incerto. Pesquisadores sugerem uma divindade - culto de uma Deusa Mãe - ou um símbolo de fertilidade. É difícil elucidar o pensamento simbólico de antigos humanos em um contexto pré-histórico. Aliás, foram reveladas várias outras estatuetas femininas similares no local, como exemplificado na foto abaixo. Seria indício de uma sociedade matriarcal?
REFERÊNCIAS
- http://users.stlcc.edu/mfuller/catalhuyuk.html
- https://student-journals.ucl.ac.uk/pia/article/id/1375/
- https://www.catalhoyuk.com/book/export/html/54
- Hendy et al. (2018). Ancient proteins from ceramic vessels at Çatalhöyük West reveal the hidden cuisine of early farmers. Nature Communications 9, 4064. https://doi.org/10.1038/s41467-018-06335-6
- Larsen et al. (2019). Bioarchaeology of Neolithic Çatalhöyük reveals fundamental transitions in health, mobility, and lifestyle in early farmers. PNAS, 116 (26) 12615-12623. https://doi.org/10.1073/pnas.1904345116
- Schotsmans et al. (2022). New insights on commemoration of the dead through mortuary and architectural use of pigments at Neolithic Çatalhöyük, Turkey. Scientific Reports 12, 4055. https://doi.org/10.1038/s41598-022-07284-3
- Yüncü et al. (2025). Female lineages and changing kinship patterns in Neolithic Çatalhöyük. Science, Vol. 388, Issue 6754. https://doi.org/10.1126/science.adr2915







