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Quais são as causas de um teste urinário de gravidez falso-positivo?

 

          Os testes urinários de gravidez têm sido largamente utilizados e aceitos como o primeiro passo na detecção da gestação precoce em emergências ginecológicas, por serem rápidos (5-10 minutos para o resultado), sensíveis, confortáveis ao paciente e não necessitarem de prescrição médica. Desde sua introdução no mercado, em 1975, o número de marcas disponíveis aumentou significativamente (1), com a produção dos anticorpos monoclonais contra a subunidade β do hCG (2) e a utilização de imunoensaios enzimáticos. Inicialmente, esses testes necessitavam de duas horas para dar o resultado. Nos anos 1980, surgiram os testes imunocromáticos para detectar o hCG na urina, e nos anos 1990, a geração dos "dipstick". Atualmente, os fabricantes desses produtos anunciam uma sensibilidade a partir de 15-20 mUI/mL e uma acurácia de até ~99%. Essa sensibilidade para detectar o hCG urinário não seria afetada pela diluição da urina, a não ser que sejam utilizados testes com sensibilidade > 200 mUI/mL.

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(1) No Brasil, há mais de 100 tipos de exames para detectar a presença de gravidez pela análise de urina. Porém, é preciso ficar atento porque diferentes marcas podem oferecer diferentes taxas de acurácia, inclusive inferiores ao garantido nas instruções. Muitos testes de farmácia não detectam hCG hiperglicosilado (maior parte do hCG no início da gravidez), resultando em um amplo espectro de sensibilidade.

(2) Gonadotrofina coriônica humana (hCG) é um hormônio produzido por tecido trofoblasto, tecido tipicamente encontrado no início do desenvolvimento embrionário e o qual será eventualmente parte da placenta. É crítico para a manutenção da gravidez, com receptores HCG amplamente distribuídos nos tecidos reprodutivos. Na gestação normal as moléculas intactas de hCG começam a ser detectadas no sangue materno 2 a 3 semanas após a concepção. Níveis detectáveis de 20-50 mIU/L correspondem a níveis após aproximadamente 4 semanas da concepção (implantação do embrião no útero) (!). Sua concentração aumenta exponencialmente no primeiro trimestre, dobrando a cada dois dias e alcança as maiores concentrações entre a 11-13ª semana. No segundo trimestre diminui em 80% até a 16-20ª semana e permanece nessa concentração até o termo.
 

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          Um teste de hCG qualitativo na urina ou sangue é solicitado cerca de dez dias (8-14 dias) após a ausência da menstruação na data esperada e se uma mulher deseja confirmar se está grávida ou não (alguns métodos podem detectar o hCG ainda mais precocemente, uma semana após a concepção). Também pode ser usado para identificar uma gravidez patológica ou ser útil para acompanhar uma gravidez abortada. Em um típico teste urinário de gravidez:

- Urina é colocada dentro ou sobre um receptáculo especificado;

- Um indicador (geralmente uma linha colorida ou símbolo), junto com um controle, irá aparecer se o teste der positivo;

- Um símbolo/linha de controle ficará evidente se o teste der negativo.

          Existem múltiplos fatores que podem resultar em um resultado falso-negativo ou, menos comum, falso-positivo. Geralmente, o falso-negativo ocorre devido a medidas muito precoces em relação ao início da gravidez (concentração muito baixa de hCG), urina muito diluída (reduzindo a concentração de hCG) ou a concentrações muito elevadas de hCG (~500000 mIU/mL), nesse último caso produzindo o "Efeito Hook" (Ref.4). Taxa geral reportada, na prática, de falsos-negativos para um típico teste urinário de gravidez é de ~1,6% (Ref.5). No caso de resultados falsos-positivos, causas incluem:

- Sangue ou proteína na urina;

- Erro humano na interpretação do resultado;

- Produção ectópica de hCG;

- Administração exógena de hCG;

- Certos medicamentos (aspirina, carbamazepina, metadona, inibidores seletivos de recaptação de serotonina);

- Alto pH da urina ou presença de fluído seminal.

- Tumores ovarianos de células germinativas, tumores trofoblásticos gestacionais, tumores trofoblásticos locais placentários, carcinoma urotelial (câncer de bexiga) com diferenciação coriocarcinômica, carcinoma pulmonar e melanoma metastático;

- Síndromes nefrótica e paraneolásticas;

- Transfusão sanguínea (sangue com presença de hCG);

- Abscessos tubo-ovarianos;

- Má-formações anatômicas urogenitais;

- Gravidez ectópica (fora do útero);

- Síndrome de hCG Familiar.

          A detecção ectópica de hCG é um importante sinal que pode indicar a presença de tumores trofoblásticos, especialmente associados à doença trofoblástica gestacional. Mola hidatiforme, tumor pós-molar, coriocarcinoma gestacional, testicular coriocarcinoma e doença trofoblástica local placentária produzem hCG em variáveis níveis que podem ser detectados pelos testes urinários. Um nível total de hCG maior do que 100000 mIU/mL no início da gravidez é altamente sugestivo de mola hidatiforme, uma complicação da gravidez com potencial de evolução para doença com comportamento maligno.

          A detecção de níveis mais elevados de hCG não associada com gravidez pode ser devido a câncer testicular, câncer ovariano, câncer de bexiga, câncer pulmonar, entre outros, os quais precisam ser investigados como fonte de teste hCG persistentemente positivo. Um número de diferentes cânceres epiteliais podem produzir uma forma da subunidade beta-hCG e levar a falsos-positivos (Ref.6).

          Na síndrome nefrótica, proteinúria (excesso de proteína na urina) pode levar a um falso-positivo, dependendo da quantidade e características da proteína (ex.: presença de sequências similares ao fragmento beta-core) na urina.

          Crianças com má-formações urológicas (ex.: extrofia na bexiga), e submetidas a uma reconstrução de bexiga com enterocistoplastia, podem eventualmente (infância, adolescência, fase adulta) apresentar um resultado falso-positivo devido, provavelmente, à desnaturação de complexas proteínas encontradas no muco do segmento intestinal usado para reconstruir o órgão (Ref.7).

           Por fim, a causa de frequentes falsos-positivos pode ser devido a uma rara condição genética chamada de Síndrome de hCG Familiar (Ref.8). Nessa síndrome, existe a produção de uma forma truncada do hCG na ausência de gravidez, tumores ou disfunção pituitária, e familiares do afetado (ex.: irmãos) geralmente também expressam a condição. A forma truncada é um mutante da subunidade beta. Testes de gravidez que detectam o heterodímero hCG intacto (ex.: Elecsys®hCG STA) não são sensibilizados pelo hCG mutante e podem ser usados no caso de suspeita ou diagnóstico prévio para essa síndrome. O mesmo é válido para pacientes com cânceres epiteliais, onde a detecção de hCG intacto pode reduzir em >90% as taxas de falsos-positivos (Ref.6).

          Alguns casos de persistente falso-positivo na literatura acadêmica permanecem não resolvidos (Ref.9).  

          É importante a população em geral estar atenta para existência de um significativo número de resultados falsos-positivos (geralmente ignorados como uma real possibilidade), para evitar preocupações familiares e ações desnecessárias, ou mesmo para não atrasar o tratamento de condições potencialmente sérias de saúde que podem ser confundidas com uma gravidez.

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> IMPORTANTE: Após tratamento medicamentoso (mifepristona e misoprostol) para aborto, resultado falso-positivo em teste de urina pode persistir por várias semanas, devido ao fato dos níveis de hCG continuarem elevados por pelo menos 18 dias pós-terminação. Um estudo publicado em 2021 no periódico Contraception (Ref.10), analisando 472 participantes que realizaram aborto medicamentoso, encontrou que 19% delas continuaram com resultado positivo mesmo 28 dias (4 semanas) após o tratamento.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Moraes et al. (2011). Análise comparativa da acurácia in vitro de testes de detecção de hCG urinário. Revista da Associação Médica Brasileira, 57 (5). https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000500008
  2. Theofanakis et al. (2017). Human Chorionic Gonadotropin: The Pregnancy Hormone and More. International Journal of Molecular Sciences, 18(5), 1059. https://doi.org/10.3390/ijms18051059
  3. Geenen et al. (2022). Human Chorionic Gonadotropin and Early Embryogenesis: Review. International Journal of Molecular Sciences, 23(3), 1380. https://doi.org/10.3390/ijms23031380
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK532950/
  5. DeLaney & Wood (2021). Urine pregnancy testing: When does no mean maybe?. Journal of the American College of Emergency Physicians open, 2(5), e12567. https://doi.org/10.1002/emp2.12567 
  6. McCash et al. (2017). Reducing False-Positive Pregnancy Test Results in Patients With Cancer. Obstetrics and gynecology, 130(4), 825–829. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000002244
  7. Nakhal et al. (2011). False-positive pregnancy tests following enterocystoplasty. BJOG: An International Journal of Obstetrics & Gynaecology, 119(3), 366–368. https://doi.org/10.1111/j.1471-0528.2011.03031.x
  8.  Gruson et al. (2021). False-positive pregnancy test: beware of familialhCG syndrome. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine (CCLM), Volume 59, Issue 11, 59(11): e424–e425. https://doi.org/10.1515/cclm-2021-0533
  9. Kiong et al. (2009). False-positive urine pregnancy test in a woman with adenomysosis. The American Journal of Emergency Medicine, Volume 27, Issue 8. https://doi.org/10.1016/j.ajem.2008.12.023 
  10. Raymond et al. (2021). “False positive” urine pregnancy test results after successful medication abortion. Contraception, 103(6), 400–403. https://doi.org/10.1016/j.contraception.2021.02.004