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Por que envelhecemos? E existe como frear esse processo?


- Atualizado no dia 26 de dezembro de 2024 -

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           Pesquisas sobre envelhecimento e longevidade têm avançado dramaticamente em múltiplas áreas, buscando meios para estender de forma saudável a expectativa de vida humana. Apesar dos grandes avanços, ainda permanece um mistério o porquê exatamente de experienciarmos envelhecimento e eventualmente morte. Seria algo programado a nível genético e/ou epigenético? Seria simples consequência do acúmulo de danos causados por fatores endógenos e exógenos ao longo do tempo? Por que algumas pessoas ultrapassam facilmente 100 anos de idade enquanto outras sofrem para alcançar 80 anos? E por que os Amish Kindred de Berne, nos EUA, vivem em média 10 anos a mais do que outros Amish Kindred, mesmo com todos compartilhando um estilo de vida e ambientes similares?        

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    LONGEVIDADE E ENVELHECIMENTO

          A observação de que a maioria dos animais vivendo no ambiente selvagem raramente se tornam 'idosos' - por morrerem antes devido a predação, doenças, fome ou secas - sugere que o envelhecimento para idades avançadas é um fenômeno único aos humanos, apesar de, virtualmente, todos os organismos vivos passarem por um gradual envelhecimento (!). Em outras palavras, os avanços no conhecimento sobre higiene e biomedicina - especialmente os antibióticos e as vacinas - e tecnologias em geral permitiram que a 'terceira idade' se tornasse uma realidade comum para a nossa espécie (Homo sapiens). Enquanto nossa longevidade [potencial de vida máximo] ainda permanece a mesma nos últimos 100 mil anos (~125 anos) nossa expectativa de vida aumentou significativamente: no último século, ganhamos uma média extra de vida esperada de ~27 anos, em especial devido a avanços na medicina.

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(!Relevante:

- É alegado, de forma controversa, que o rato-toupeira-pelado (Heterocephalus glaber) não envelhece ou não envelhece de forma significativa. Entenda: Por que o Rato-Toupeira-Pelado é um mamífero tão único?

- Existe também uma espécie de água-viva que desafia a noção de envelhecimento, passando por ciclos indefinidos de rejuvenescimento. Entenda: Esse animal é imortal, e os cientistas estão começando a desvendar seus segredos genéticos
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         O processo de envelhecimento nos seres vivos é extremamente complexo e multifatorial, não existindo hoje uma teoria que englobe satisfatoriamente toda a sua extensão. Após fim do completo desenvolvimento do organismo, quando atividade reprodutiva é alcançada (ex.: fase adulta), existe uma deterioração progressiva e geral das funções desse organismo levando a uma reduzida capacidade de reagir de forma adaptativa a mudanças até uma eventual morte. Fatores diversos que atuam nesse processo incluem radicais livres, encurtamento progressivo dos telômeros, inflamações, sistema imunológico, regulação genética e mitocôndrias, todos associados a várias hipóteses e múltiplas teorias que tentam explicar o envelhecimento, e as quais são englobadas em duas categorias: envelhecimento programado (regulação genética e epigenética) ou envelhecimento consequente de erros e danos (radicais livres, desgaste celular, acúmulo de mutações).

         Nos humanos, o avanço de idade é o principal fator de risco para a maioria das doenças crônicas, incluindo diabetes tipo 2, síndrome metabólica, problemas cardiovasculares e problemas neurodegenerativos. E à medida que a população mundial tem sua parcela idosa cada vez crescente, essas doenças também crescem proporcionalmente de prevalência.

         E importante ressaltar que o envelhecimento não é uma doença e, sim, um processo natural. Mesmo se curássemos ou preveníssemos todas as doenças, principalmente cardíacas, que acompanham o envelhecimento, no máximo conseguiríamos algo em torno de 15 anos a mais de vida, ou seja, nessa hipotética situação de "imunidade" contra todas as doenças não nos tornaríamos imortais, apenas experimentaríamos uma inevitável morte sem essas doenças associadas. Para aumentar efetivamente a longevidade natural da nossa espécie, precisamos encontrar os mecanismos biológicos diretamente responsáveis por determiná-la e tentar bloqueá-los ou freá-los.

           Pelo menos doze marcadores de avanço da idade têm sido identificados, incluindo perda de células-tronco, função mitocondrial reduzida, disfunção na homeostase de energia e proteínas, encurtamento de telômeros e aumento da senescência celular. Em indivíduos do sexo masculino, existe progressiva e significativa perda de cromossomos Y nas células (1). Mas o que exatamente causa essas mudanças? 
 
Leitura recomendada
        E, ultimamente, por que nós envelhecemos? Quando nós começamos a envelhecer? Qual é o marcador primário do envelhecimento? Existe um limite do quanto nós podemos avançar na idade? Essas perguntas perseguem a humanidade há muito tempo, e, apesar dos avanços acadêmicos em campos biológicos diversos, especialmente na genética e, mais recentemente, na epigenética, os mistérios que controlam a longevidade humana e dos organismos vivos em geral ainda permanecem relativamente pouco esclarecidos.

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   TEORIA EVOLUCIONÁRIA DO ENVELHECIMENTO

           O envelhecimento, do ponto de vista evolucionário, pode ser visto de duas formas: individual ou populacional.

         Do ponto de vista individual, o envelhecimento seria fruto de um declínio na força da seleção natural (sombra seletiva). Potenciais pacientes com a doença de Huntington, por exemplo, resultante de uma mutação dominante letal, deveriam ser eliminados durante a seleção natural, mas, pelo contrário, o gene mutante continuou sendo perpetuado dentro da população humana. Como a doença começa a se manifestar tipicamente a partir de idades entre 30 e 40 anos, esse espaço de tempo já permite que o indivíduo se reproduza e passe adiante seus genes - inclusive aqueles deletérios.

         Nessa linha de raciocínio, a seleção natural atuaria garantindo chance máxima de sobrevivência apenas até o ponto em que o organismo consiga passar adiante seus genes via reprodução sexuada ou assexuada, ou gerar quantidade suficiente de descendentes de modo a garantir perpetuação dos genes. Nesse mesmo contexto, aumento de predação, escassez de recursos (ex.: alimentos) e de outros fatores exógenos limitando a expectativa de vida da espécie faz com que pressão seletiva atue filtrando ou otimizando com maior eficiência o material genético em uma faixa de tempo cada vez mais reduzida, reduzindo a longevidade ao permitir que cada vez mais fatores deletérios (ex.: doenças e mutações) sejam acumulados ou combatidos com menor eficiência com o avanço da idade. E, de fato, observações científicas mostram que espécies próximo relacionadas tendem a viver mais tempo quando estão em um ambiente mais seguro e livre de predadores.

         Já do ponto de vista populacional, podemos pensar que o limite de longevidade é algo programado (ou adaptativo), onde humanos e a maioria dos outros organismos complexos possuiriam mecanismos biológicos visando especificamente limitar a longevidade porque isso cria uma vantagem adaptativa, de uma forma parecida com a menopausa (Por que a menopausa nos humanos é tão adiantada?). Nesse caso, o organismo estaria concedendo benefícios a nível populacional - ex.: menos indivíduos explorando recursos do ambiente - e não individual, ou seja, sacrifício em prol do bem comum. No mesmo caminho, longevidade saudável seria garantida até o ponto onde os indivíduos sejam capazes de gerar quantidade suficiente de descendentes para manter a população estável e longe do risco de extinção.

          Faz sentido, nesse sentido, experimentos com animais invertebrados e vertebrados diversos mostrando que restrição calórica consistentemente promove maior longevidade (Ref.22). Em um ambiente pouco favorável ao desenvolvimento de filhotes (recursos energéticos mais escassos), seria vantajoso a liberação e/ou ativação de fatores pró-sobrevivência para garantir maior período de persistência do organismo vivo até o retorno de condições favoráveis. Portanto, taxa de envelhecimento parece ser controlada também por fatores endógenos.

          Atualmente tende-se a aceitar mais a ideia de que a extensão da longevidade é determinada ao longo do percurso evolucionário no sentido de favorecer máxima reprodução efetiva dos indivíduos e, consequentemente, garantir a perpetuação da espécie, entrando em concordância com a Teoria da Regulação Genética. A maior ou menor longevidade refletiria apenas uma janela ótima para oportunidade de reprodução (período de tempo sob mais intensa pressão seletiva pró-sobrevivência).

         A seguir, algumas principais teorias e hipóteses suportando um ou outro cenário.


   TEORIA DOS RADICAIS LIVRES

          Durante os processos metabólicos do corpo, radicais livres (O que são os radicais livres?) acabam sendo gerados e vão se acumulando no corpo com o passar do tempo, causando danos generalizados, desde o DNA até os tecidos. Isso levaria ao progressivo envelhecimento do corpo, através de mutações indesejáveis e inutilização de células. Estresse oxidativo elevado está associado com câncer, doença renal crônica e neurodegeneração.

         A respiração mitocondrial, a base de produção energética de todos os eucariontes, gera espécies oxigenadas reativas através do vazamento de intermediários da cadeia de transporte de elétrons.  Danos no DNA mitocondrial podem levar à mais falhas e vazamento de mais radicais livres. Danos no DNA nuclear levariam à mutações diversas que resultariam nas mudanças vistas durante o envelhecimento. E o DNA mitocondrial, apesar de conter apenas de 1 a 3% do material genético de um organismo eucariótico, é de extrema importância. Como não possui histonas de proteção como o DNA nuclear, acaba sendo várias vezes mais sensível aos danos radicalares.

         Aliás, fatores endógenos e exógenos diversos afetando qualitativamente e quantitativamente as mitocôndrias parecem influenciar de forma significativa a taxa diferencial de envelhecimento biológico entre diferentes indivíduos (Ref.20).

           Além disso, o excesso de espécies reativas no corpo é uma dos principais fatores de causa para a inflamação nos tecidos, outro marcador de envelhecimento.

          Nesse sentido, podemos entender a vida como uma forma de metabolismo com efeitos colaterais potencialmente danosos, com estes se acumulando no corpo ao longo dos anos e promovendo diferentes mudanças. Muitas dessas mudanças se tornam patogênicas e, juntas, levam ao processo de envelhecimento que eventualmente mata o organismo.

         Para atenuar a ação dos radicais livres, existem os antioxidantes. Portanto, o balanço entre essas duas espécies resultaria em uma maior ou menor taxa de envelhecimento.

          Um estudo publicado em 2018 no periódico FEBS Journal (Ref.17) mostrou que a enzima tioredoxina-1 (TRX-1) e seu antagonista parecem estar intimamente ligada com o processo de envelhecimento. As espécies reativas de oxigênio são em grande parte neutralizadas pela TRX-1 como um mecanismo de proteção do corpo. Enquanto isso, seu antagonista TXNIP bloqueia a ação dessa enzima, de forma a garantir uma população saudável de compostos oxidativos (1) - em específico a manutenção do equilíbrio redox intracelular. Como os genes que expressam O TRX-1 e o TXNIP são cruciais, eles acabaram sendo altamente conservados ao longo do percurso evolutivo dos animais, sendo encontrados de moscas até humanos. Os cientistas no novo estudo, analisando as células-T de um grupo de voluntários com idades acima de 20 anos, primeiro mostraram que indivíduo com mais de 55 anos de idade produzem significativamente mais TXNIP do que indivíduos entre 20 e 25 anos. Já na segunda parte do estudo, os pesquisadores encontraram que moscas-da-fruta - a espécie Drosophila melanogaster no caso - expressando mais TXNIP viviam bem menos do que aquelas produzindo menos desse antagonista no corpo. Esses achados reforçam a teoria dos radicais livres.

          Um estudo publicado em 2018 na Proceedings of the National Academy of Sciences (Ref.15) mostrou que moscas-da-fruta (Drosophila) geneticamente modificadas para não produzirem a proteína Sirt4 - a qual também é encontrada nos humanos - vivem significativamente menos, enquanto os insetos modificados para uma maior produção dessa proteína viviam mais do que o normal. Além disso, os insetos com a falta da Sirt4 mostraram uma maior sensibilidade à fome, uma diminuição na fertilidade e nas atividades gerais, e uma inabilidade de usar energia armazenada em seus corpos. A Sirt4 - encontrada nas mitocôndrias - faz parte de uma classe de proteínas, chamada 'sirtuina', que são responsáveis por regular aspectos da longevidade, metabolismo, estabilidade genômica, diabetes e neurodegeneração.

           Mais recentemente, pesquisadores revelaram que o gene OSER1 que possui grande influência na longevidade humana (Ref.21). Esse gene é regulado pelo fator de transcrição FOXO e sua função está ligada a respostas ao estresse oxidativo, senescência celular e reprodução. Expressão excessiva desse gene mostrou ser capaz de estender a expectativa de vida em múltiplas espécies de animais (bicho-da-seda, nematódeos e moscas). Variantes polimórficas desse gene em humanos estão associados com longevidade na nossa espécie. A proteína OSER1 é altamente conservada em animais diversos que melhora a resistência ao estresse oxidativo, mantém a integridade da função mitocondrial e aumenta a expectativa de vida, portanto concordante com a ideia de que danos radicalares e oxidativos interferem de forma significativa na longevidade.

         Apesar da maior ingestão de frutas, vitaminas - principalmente a C e a E - e outros antioxidantes já ter mostrado benefícios para o corpo, é inconclusivo se o processo de envelhecimento é significativamente freado com esse tipo de intervenção. Aliás, certas doses de antioxidante podem ser perigosas por causa do (1Paradoxo dos Antioxidantes.
     

   TEORIA DA REGULAÇÃO GENÉTICA

          Aqui, o envelhecimento seria o resultado de mudanças ocorrendo na expressão de genes. Não apenas mudanças, as proteínas codificadas por genes específicos poderiam ter papel em regular a longevidade. E estudos têm mostrado que certos fatores genéticos parecem influenciar no controle de longevidade de animais como vermes, moscas e ratos.

         Apesar de ser claro que muitos genes exibem mudanças na expressão com a idade, foi tópico de muito debate histórico se a seleção natural teria atuado em genes que promovem o envelhecimento de forma direta, o que tornou esse campo controverso até em torno do ano de 1950. Porém, ao longo das últimas décadas, os mecanismos evolucionários darwinianos sofreram significativas reformulações e adições, devido aos avanços da genética e melhor entendimento dos processos evolutivos. Novos traços que impactam negativamente ou positivamente a nível populacional possuem significativa influência em processos evolucionários - mesmo um "envelhecimento precoce" deletério a nível individual pode trazer benefícios para a população.

          Aliás, chega até a ser difícil conciliar mecanismos não programados (ex.: danos gerados por radicais livres) com as dramáticas diferenças de longevidade entre espécies pertencentes um mesmo grupo e compartilhando um perfil estrutural e bioquímico muito similar entre si. Por exemplo, entre os os mamíferos, temos baleias que podem alcançar quase 200 anos mas muitos roedores não passam de 1 ano de idade; e apesar de existir uma relação clara entre tamanho e longevidade, temos roedores de pequeno porte que podem viver por dezenas de anos. Além disso, simples acúmulo de mutações no DNA somático em leveduras não possui um papel causal no envelhecimento desses organismos. E análises genéticas entre espécies com dramáticas diferenças de longevidade têm revelado uma maior expressão de reparadores de DNA naquelas com uma maior longevidade. Por que tais mecanismos de reparo não existem em espécies com baixa longevidade? Isso tudo indica que existe uma administração genômica superior, a qual pode incluir tanto genética quanto epigenética, controlando a longevidade.


          Outro exemplo é a proteína quinase codificada pelo gene MTOR, a qual participa de dois distintos complexos: mTORC1 e mTORC2. O mTORC1 é altamente conservado em várias espécies, desde leveduras, vermes e moscas até ratos e humanos, e controla sínteses proteicas, crescimento celular e proliferação celular. Nesse contexto, esse complexo está envolvido também em processos de sinalização associados com a longevidade. Inibição do mTORC1 com rapamicina é capaz de estender significativamente a expectativa de vida de animais diversos (Ref.24). Em camundongos, expectativa de vida é aumentada em ~10-60%. Desregulação do gene MTOR é observada em vários tipos de cânceres (Ref.25).

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ALERTA: Muitos estão usando baixas doses de rapamicina como um "suplemento" para aumentar a longevidade, mesmo sem sólido suporte científico para tal. Esse fármaco é usado em tratamentos oncológicos e possui vários efeitos colaterais preocupantes, incluindo imunossupressão (!), hiperlipidemia e hiperglicemia. Além do mTORC1, a rapamicina parece também inibir o mTORC2, causando efeitos negativos no metabolismo de glicose e de lipídios; aumento de 40% no nível de triglicerídios no sangue tem sido reportado em exposição sistêmica e crônica a essa substância. Embora doses baixas ou intermitentes de rapamicina e derivados tenham sido sugeridas como relativamente seguras para pessoas saudáveis em um número de estudos clínicos (Ref.26-27), não existe dose segura e efetiva em humanos cientificamente comprovada. 
 

(!) Aliás, a rapamicina é comumente também usada para prevenir rejeição a órgãos transplantados, ao inibir ativação das células-T do sistema imune.
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          Padrões de envelhecimento em plantas também sugerem um processo programado. Por exemplo, a erva Borderea pyrenaica é conhecida de alcançar idades de >300 anos. O crescimento e fecundidade entre machos e fêmeas continuam por mais de 260 anos nessa espécie, sem experienciar significativa senescência até quase próximo do fim da longevidade. O pinheiro Pinus longaeva pode viver até 5 mil anos sem demonstrar perda de condução de água ou nutrientes, declínio anual de crescimento de brotos, ou evidência de envelhecimento mutacional.

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          Em um envelhecimento programado, teríamos mecanismos atuando da mesma forma que aqueles que controlam os passos de crescente maturidade dos indivíduos, ou seja, uma orientação via relógio biológico. Seria similar à morte celular programada em organismos multicelulares, onde células individuais disfuncionais são eliminadas do corpo para manter o sistema inteiro funcionalmente adequado. É sugerido, por exemplo, que "memórias" ambientais (epigenética) acumuladas no organismo ao longo da vida e que não podem ser corrigidas podem tornar o organismo disfuncional, sendo vantajoso eliminá-lo após um período de tempo através de mecanismos endógenos diversos (apoptose, piroptose, autofagia ou vacuolização) - um processo que seria marcado pelo fenótipo do envelhecimento (Ref.19). Isso abre as portas para intervenções artificiais que barrem esses mecanismos e prolonguem a longevidade humana.
 
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   TEORIA DO TELÔMERO

         O telômero, basicamente, é a porção final de um cromossomo, sendo constituídos de repetitivas sequências de nucleotídeos no DNA não-codificadoras. O telômero possui a função principal de proteger o cromossomo de danos, mas cada vez que uma célula se divide, ele se torna mais curto. Eventualmente os telômeros se tornam tão curtos que a célula não mais pode se dividir.

          O telômero está presente em ambas as pontas finais dos cromossomos e protegem o o genoma da degradação nucleotídica, recombinações desnecessárias, reparo e fusão intercromossômica. A atividade telomerase - a habilidade de estender os telômeros - está presente em germes diversos e certas células hematopoiéticas, mas baixa ou indetectável em células somáticas, levando a um progressivo encurtamento a cada replicação e eventual morte celular. Telomerases são reativadas na maior parte das células de cânceres e células imortalizadas (algumas também mantêm o telômero a partir de outros mecanismos, provavelmente envolvendo recombinação genética).

.          Estudos têm mostrado que os telômeros, de fato, encurtam mais lentamente em animais selvagens que envelhecem mais devagar do que aqueles que envelhecem mais rápido. Além disso, o tamanho reduzido dos telômeros está associado com um maior risco de desenvolver certas doenças, como cânceres e problemas cardíacos. Algumas evidências até sugerem que o tamanho dos telômeros pode predizer a longevidade de um espécime.

         Certos fatores de estilo de vida, como o fumo, obesidade, sedentarismo e dieta não saudável como aumentar a taxa de encurtamento dos telômeros, podendo levar a uma morte prematura ou à doenças.

            Nesse sentido, encontrar meios de frear o encurtamento dos telômeros pode aumentar substancialmente a longevidade.


   HIPÓTESE DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

           Envelhecimento estaria sendo  indiretamente controlado por uma rede de mecanismos de defesa celulares e moleculares. As principais partes dessa rede são constituídas por enzimas de reparo do DNA, ativação de poli (ADP-ribosil) polimerase, sistemas enzimáticos e não-enzimáticos de antioxidantes (dismutase superóxido, catalase, peroxidase glutationa, etc.), e produção de proteínas de choque térmico. Esses mecanismos funcionam para limitar os efeitos negativos de uma variedade de agentes estressantes físicos, químicos e biológicos. A eficiência dessa rede é geneticamente controlada e difere entre espécies e espécimes, o que explicaria dessa maneira as diferenças de longevidade observadas.

          O sistema imune representaria o mais poderoso mecanismo contra agentes de estresse, afetando o estado e ação de macrófagos e leucócitos, e reagindo aos radicais livres. Suportando essa hipótese e a importância do sistema imune em determinar o envelhecimento temos a evidência da alta incidência de tumores e maior suscetibilidade às infecções de patógenos mostradas pelas pessoas idosas.


   TEORIA NEUROENDÓCRINA

          Envelhecimento ocorreria devido à mudanças nas funções neurais e endócrinas que são cruciais para: coordenação e resposta de diferentes sistemas ao ambiente externo; programar respostas fisiológicas aos estímulos ambientais; e a manutenção de uma estado funcional otimizado para a reprodução e sobrevivência.

         Essas mudanças, não apenas seletivamente afetam a regulação de neurônios e hormônios de significância evolucionária (reprodução, crescimento e desenvolvimento), mas também influencia a regulação da sobrevivência através de adaptações ao estresse. Portanto, a longevidade, regulada por "relógios biológicos", passaria por uma contínua sequência de estágios orientados por sinalizações endócrinas e nervosas. O principal regulador, nesse caso, seria representado pelo eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA).

          De fato, a concentração de hormônios diversos (testosterona, estrógenos, GH, etc.) diminuem com o avanço da idade e terapias de reposição hormonal sempre foram um foco de pesquisas mirando intervenções 'anti-envelhecimento'.


   EPIGENÉTICA E LONGEVIDADE

           Apesar de mutações ocorrerem e afetarem o processo de envelhecimento, existe crescente e convincente evidência de que mudanças epigenéticas podem ser o fator causal primário nesse processo. Podemos citar alguns exemplos:

- células de levedura acumulam menos do que uma mutação por ciclo completo de vida mas, ainda assim, envelhecem;

- humanos com uma carga maior de mutações e risco de câncer às vezes não exibem quaisquer características de envelhecimento precoce;

- mamíferos clonados a partir de células somáticas velhas podem viver vidas normais e saudáveis (sugerindo que basta reprogramar o epigenoma);

- em mamíferos, uma menor taxa de deriva epigenética correlaciona com uma maior expectativa de vida máxima;

- em numerosas espécies de mamíferos, deriva epigenética durante o envelhecimento é notavelmente similar ao longo de vários loci (locais genômicos), permitindo o desenvolvimento de acurados relógios epigenéticos (2).

           Nesse último ponto, um consórcio global de cientistas criou um banco de dados de grande escala e um relógio epigenético universal para estimar a idade de todos os tecidos de mamíferos. No total, 348 espécies de mamíferos foram analisadas, com longevidades variando de <1 ano até . Os resultados do esforço foram publicados em dois impactantes estudos de 2023, na Science (Ref.28) e na Nature (Ref.29), e mostraram que modificações epigenéticas - especificamente metilação - no DNA são muito próximo associadas com longevidade e expectativas de vida máxima nos mamíferos. A partir de padrões epigenéticos, uma única fórmula matemática mostrou ser capaz de acuradamente estimar idades ao longo de tecidos e espécies de mamíferos. Regiões específicas no material genético de células ganham ou perdem metilação com o avanço da idade cronológica, reduzindo ou aumentando a expressão de genes. Além disso, os estudos mostraram que a metilação do DNA está sob pressões evolucionárias e seleção, refletindo de perto a evolução genética. Esse último ponto mais uma vez aponta que não é apenas o genoma que participa diretamente de processos evolutivos (3).

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            Nesse caminho, as evidências mais recentes acumuladas apontam que o epigenoma é crucial no processo de envelhecimento. Mas como o epigenoma atua na determinação da longevidade?


   TEORIA DA PROGRAMAÇÃO EPIGENÉTICA

           Existe convincente evidência epigenética apontando que processos de envelhecimento são conservados ao longo da evolução - permanecendo consistentes ao longo do tempo - e, pelo menos nos vertebrados, associados com processos de desenvolvimento. Reforça o cenário de que o envelhecimento é um fenômeno pelo menos em parte programado e não apenas uma simples consequência do acúmulo aleatório de danos celulares e no genoma.

           Uma proposta teórica levantada em 2023 no periódico Genome Biology (Ref.30) sugere que o envelhecimento é consequência de uma falha intrínseca no "design" do "software" genético e epigenético que coordena o desenvolvimento.

           Por exemplo, em humanos, os fenótipos de envelhecimento não são estocásticos ou aleatórios, mas graduais e previsíveis. Enquanto existem exceções - como tumores e malformações cavernosas cerebrais -, a maioria das mudanças observadas no envelhecimento como perda de massa muscular (sarcopenia), reduzida capacidade de cura de feridas, progressivo aparecimento de fios brancos no cabelo e na barba (4), perda de massa óssea, rigidez arterial (5), involução do timo (6) e perda de função na maioria dos órgãos são graduais, disseminadas e - apesar de frequentemente serem atrasadas por estilo de vida e fatores ambientais - inevitáveis. E mudanças com o envelhecimento tipicamente também não variam significativamente entre indivíduos.  

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          E, como mencionado acima, relógios epigenéticos são altamente acurados ao longo de todo o avanço de idade de humanos, contrariando a idade de que o envelhecimento é o produto de entropia "destruindo o corpo". Essas evidências apontam uma força motriz interna promovendo ou permitindo envelhecimento.

            Na hipótese do "software falho", o envelhecimento seria causado pelo programa de desenvolvimento do corpo otimizado para reprodução - crescimento e alcance da maturidade sexual - que se torna detrimentoso em idades mais avançadas. Mas o programa se torna deletério em idades avançadas não porque foi moldado diretamente por seleção natural no sentido de garantir envelhecimento do corpo, mas porque após reprodução a força de seleção natural declina com a idade e as falhas do programa se tornam aparentes.

            Desde a concepção, ontogenia e a execução do software de desenvolvimento são fortemente ligados a processos epigenéticos que definem função, diferenciação e identidade celulares, e mudanças durante o desenvolvimento continuam até a idade adulta, como observado em relógios epigenéticos. Nós envelhecemos porque esses mesmos mecanismos ao longo da evolução não são selecionados para idades que se estendem muito além da capacidade reprodutiva ótima das espécies, abrindo espaço para o epigenoma se tornar disfuncional e deletério nas células e tecidos diversos do corpo (Fig.1).

Figura 1. Envelhecimento como o resultado de falhas do software de desenvolvimento. Esse programa é um conjunto de instruções e subrotinas com numerosas entradas e saídas que engatilham uma complicada cascata de eventos que orientam crescimento e desenvolvimento. Devido ao fato do programa ser otimizado para reprodução, esse acaba falhando em desativar um subconjunto das suas subrotinas que são benéficas durante o desenvolvimento (sombra azul) mas então se torna detrimentoso em idades avançadas (sombra vermelha). Com o avanço da idade, tais subrotinas podem gradualmente levar à ativação ou desativação inapropriada de genes, caminhos e processos que causam os fenótipos de envelhecimento. A execução do programa é refletida no epigenoma, a área de dados do software. Ref.30

            Esse cenário poderia explicar a diferença dramática de longevidade entre vertebrados diversos, mesmo entre aqueles com relação filogenética próxima. E, de fato, entre os mamíferos, existe uma correlação muito forte entre a idade de maturidade sexual e tempo restante de vida, independentemente da taxa metabólica ou do porte corporal (Fig.2).
 
Figura 2. Forte correlação entre longevidade na fase adulta e idade de maturidade sexual. Ref.30

             Um rato envelhece 20-30 vezes mais rápido do que um humano porque o software otimizado até a maturidade sexual estaria sendo executado 20-30 vezes mais rápido.

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> Importante apontar que evidência recente sugere que longevidades hoje estabelecidas para baleias (subordem Mysticeti) podem estar sendo muito subestimadas. Extrema longevidade para esses animais pode ser um traço comum. Um estudo publicado na Science Advances (Ref.35) encontrou que para a baleia-franca-austral (Eubalaena australis) a expectativa de vida média é em torno de 73 anos, enquanto 10% dos indivíduos alcançam próximo de 132 anos. Historicamente, era pensado que essa espécie vivia no máximo 70-80 anos.
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   TEORIA DA INFORMAÇÃO DO ENVELHECIMENTO

          Na sua essência, vida é informação. Existem dois principais meios para o armazenamento de informação nas células. Um é na forma de ácidos nucleicos, com RNA ou DNA codificando informação "digital" como cadeias de nucleotídeos. O outro meio é codificando através do epigenoma, como informação "digital-analógica" representada por um complexo sistema de redes transcricionais, RNAs, conformação tridimensional do DNA, proteínas ligantes ao DNA e modificações da cromatina, os quais, juntos, controlam a expressão dos genes, identidade [diferenciação] celular, reparo do DNA e respostas ao ambiente celular (7).  

            Em um estudo publicado em 2023 na Nature Aging (Ref.31), pesquisadores propuseram que o envelhecimento dos seres eucariontes - que inclui desde protozoários e fungos até plantas e animais - é causado pela perda progressiva de informação celular com o avanço da idade, primariamente na forma de informação epigenética, resultando na erosão da identidade celular. Essa proposta teórica, apesar explorar o epigenoma, rejeita ideias baseadas em envelhecimento programado ou a noção de falhas intrínsecas em um software de desenvolvimento otimizado.

          Nesse caminho, a teoria da informação do envelhecimento (ITOA, na sigla em inglês) explica o envelhecimento observado com o avanço da idade cronológica como consequência de progressiva perda de informação epigenética. Respostas celulares a danos seriam uma fonte de alterações na cromatina e de outras desregulações epigenéticas que estariam tornando as células mais suscetíveis a danos no DNA, culminando em um feedback positivo cíclico que acelera mudanças na expressão de genes que alimentam o envelhecimento.

           Um tipo de dano de destaque é a quebra de cadeias duplas de DNA (DBS), fortemente associado ao envelhecimento. Enzimas IRT1, SIRT6 e SIRT7 se movem para os locais de dano no DNA para ajudar com o reparo de DBSs, causando a transcrição ectópica de centenas de genes, RNAs satélites e transpósons que aumentam inflamação. Devido ao fato da "paisagem" epigenômica não ser completamente resetada a cada vez que modificadores de cromatina deixam seus postos, ruído epigenético é introduzido, levando a uma perda de identidade celular e também senescência celular.
 
Figura 3. Informação biológica codificada no genoma e no epigenoma requer diferentes modos de transmissão e de preservação. Durante o desenvolvimento, um complexo conjunto de mudanças epigenéticas, incluindo metilação do DNA e modificações de histona, ditam padrões de expressão de genes, dando às células uma identidade celular definida. Diferentes tipos de estresse celular - desde infecção viral até danos físicos e químicos - provocam mudanças epigenéticas temporárias que induzem um específico padrão de expressão genética visando garantir maior sobrevivência celular. Porém, essas mudanças não são inteiramente resetadas após os insultos, causando erosão das informações epigenéticas ao longo do tempo e afastando a identidade celular do estado original de diferenciação. Essa progressiva perda de informação epigenética [epimutações] ao longo do tempo seria um fator crítico determinando envelhecimento. Ref.31

            O acúmulo de epimutações (perda de informação epigenética) reduz a função e resiliência das células e tecidos, a uma taxa que seria correlacionada negativamente com expectativa de vida máxima - pelo menos no caso de mamíferos. Explicaria por que diferentes indivíduos exibem mudanças similares de envelhecimento, mesmo começando com genomas individuais únicos e acumulando mutações [DNA] de forma essencialmente aleatória. Isso também explicaria como clonagem de mamíferos é capaz de resetar a idade.

             Em 1958, John Gurdon e colegas clonaram rãs adultas ao transferir o núcleo de uma célula de rã adulta em um óvulo sem núcleo, com as rãs clonadas dessa maneira exibindo uma expectativa normal de vida desde o nascimento - mesmo usando uma célula, a princípio, de idade avançada. A ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado, também usou a mesma técnica e exibiu resultados similares. Dezenas de mamíferos têm sido clonados nas últimas décadas dessa maneira, e todos os clones gerados vivendo uma vida normal e saudável.

            Fertilização e os estágios iniciais da embriogênese renovam a idade biológica da linhagem germinativa para subsequentes gerações ao resetar a "paisagem" epigenética das células, ou seja, potencialmente apagando também as epimutações.

             Outra evidência de suporte é o fato de espécies com grande longevidade exibirem mecanismos de reparo de danos DSB, assim como expressão em excesso da enzima SIRT6 - um fator de reparo de DSB - em ratos faz esses roedores viveram por mais tempo.

             A teoria da informação do envelhecimento prediz que existe uma estrutura ou molécula dentro das células que retém a memória de um estágio prévio do epigenoma. Isso sugere que é possível manipular esse elemento no sentido de reverter a idade biológica. Redução de danos celulares que alteram o epigenoma seria outra forma de potencialmente aumentar - e de forma robusta - a expectativa de vida.

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   INTERAÇÃO E INTEGRAÇÃO

          Entre as várias hipóteses e teorias que tentam explicar o envelhecimento é possível que exista uma complexa interação entre os vários mecanismos propostos. O encurtamento dos telômeros e o acúmulo de espécies oxigenadas reativas podem ser a base de outros mecanismos (imunológicos, endócrinos, nervosos, inflamatórios, genéticos) que, em conjunto, explicariam o porquê dos seres vivos envelhecerem. Em específico, um conjunto de fatores poderia servir para orientar o envelhecimento programado através da regulação genética.

          Assim como outras estruturas biológicas dentro das células, o epigenoma também sofre uma progressiva perda de configuração durante o envelhecimento, resultando em uma profunda mudança na arquitetura cromossômica, integridade genômica e padrões de expressão genética. E os fatores epigenéticos - os quais são caracterizados por serem genes posteriormente ativados no material genético a partir de agentes externos e internos - podem sofrer influência de mecanismos programados ou não programados. Seria a epigenética uma causa ou apenas consequência?

         Um bom exemplo para ilustrar essa intercomunicação de sistemas é mencionar que o protocolo de restrição calórica já mostrou em modelos animais ser muito eficiente para aumentar a longevidade máxima de um espécime. Uma dieta mantendo todos os nutrientes essenciais mas reduzindo 40% do consumo calórico normal é capaz de aumentar de 30% a 40% a expectativa de vida de mamíferos.

          A aparente longevidade extra promovida pela restrição calórica seria mediada por uma reprogramação metabólica, a qual reduziria o metabolismo energético, e aumentaria a biossíntese e modificação de proteínas. Além disso, já foi demonstrado que a restrição metabólica influencia a expressão de fenótipos patológicos e fatores epigenéticos. E evidência mais recente aponta papel crítico do ácido litocólico, que é acumulado em mamíferos durante restrição calórica e pode ativar a proteína quinase ativada por AMP (AMPK) - enzima altamente conservada entre os eucariontes que regula a homeostase energética celular - em conjunto com outros caminhos moleculares no sentido de desacelerar o envelhecimento biológico (Ref.36-37). 

O ácido litocólico, por si só, parece ser capaz de reproduzir os benefícios pró-longevidade da restrição calórica em animais diversos, desde vertebrados até invertebrados. Esse ácido é produzido no corpo através primariamente do metabolismo de ácidos biliares por bactérias no intestino. É o mais tóxico ácido biliar e pode causar colestase quando em excesso (Ref.38)

          No geral, inúmeras são as respostas celulares e sistêmicas no corpo ativadas pelo menor consumo de calorias, principalmente com as adaptações trazidas pelas mudanças no nível de insulina circulante. Estudos têm mostrado também que existe um aumento no número de radicais livres dentro das mitocôndrias, levando, como resposta, a um aumento na capacidade antioxidante de defesa do corpo como um todo. 

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Relevante:

- Em um estudo publicado na Science (Ref.16), pesquisadores apontaram que fatores externos são muito mais decisivos no potencial de vida de um indivíduo do que a genética. Construindo uma árvore genealógica ligando 13 milhões de pessoas - englobando uma média de 11 gerações - os pesquisadores compararam as datas de nascimento e de morte das pessoas, levando em consideração também o parentesco entre elas. A conclusão foi que a hereditariedade explica somente cerca de 16% da diferença entre as longevidades computadas para essas pessoas. A maioria das diferenças foram ligadas a outros fatores diversos, como onde e como esses indivíduos viviam. 

- Um estudo publicado em 2018 no periódico Genetics (Ref.18), analisando 400 milhões de pessoas associadas com árvores genealógicas se estendendo desde o século XIX até o início do século XXI, reforçou que o fator genético possui apenas uma limitada influência na longevidade (<10%). Curiosamente, eles encontraram que pessoas em um relacionamento estável da mesma família mas sem parentesco genético (casais) possuíam longevidades mais parecidas entre si em comparação com o fator 'parentesco genético', talvez porque os indivíduos tendem a formar casais com estilos de vida mais similares, ou seja, fatores ambientais podem ser mais importantes.

> Esses dois estudos - ambos publicados em 2018 - sugerem que os genes possuem menos relevância do que pensado para definir a longevidade das pessoas, reforçando as teorias de envelhecimento que envolvem o acúmulo de danos no corpo e/ou fatores epigenéticos.
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   GENE DA LONGEVIDADE?

           Em um notável estudo publicado em 2017 na Science (Ref.1), pesquisadores revelaram um importante fator genético que parece estar diretamente associada com o envelhecimento em humanos. Entre os destaques do estudo, temos:

- a descoberta da primeira mutação genética que protege contra múltiplos aspectos do envelhecimento em humanos;

- pessoas do grupo Amish que carregam essa mutação vivem >13% mais - alcançam cerca de 85 anos - em comparação com aqueles que não carregam a mutação (cerca de 75 anos), e possuem telômeros 10% mais longos;

- um medicamento foi desenvolvido e está sendo testado em humanos;

- medicamentos relacionados estão sendo produzidos como tratamento tópico para a calvície.


   GENE SERPINE1

          Células e tecidos envelhecidos exibem um distinto padrão de expressão proteica, incluindo o aumento do inibidor de plasminogênio ativador PAl-1. Encodado pelo gene SERPINE1, o PAl-1 é o principal inibidor de plasminogênios ativadores endógenos e é sintetizado no fígado e no tecido adiposo. Em adição ao seu papel em regular a fibrinólise, o PAl-1 também já mostrou contribuir diretamente para o envelhecimento celular in vitro. Evidências acumuladas nos últimos anos também mostram uma associação entre o PAl-1 e a resistência à insulina, problemas cardíacos e encurtamento de telômeros.

           Porém, o papel específico do PAl-1 na longevidade humana era incerto e apenas extrapolado de experimentos controlados em modelos animais e in vitro. Isso mudou com a análise genética de indivíduos da Antiga Ordem Amish.


   AMISH KINDRED

         O povo Amish Kindred, em Berne, Indiana, são geneticamente e culturalmente isolados. Os ancestrais dos Amish de Indiana emigraram de Berne, Suíça, em meados do século XIX. A cidade relembra a arquitetura da cidade suíça de mesmo nome.

        Uma mutação no gene SERPINE1 foi introduzida entre os Amish Kindred por camponeses da Suíça, os quais se moveram para a área. Dois dos seus descendentes, que carregavam a mutação, se casaram dentro da comunidade Amish. Nesse sentido, a comunidade Amish fora de Berne não carrega essa mutação.

         Indivíduos que possuem uma cópia mutante do gene exibem níveis de PAl-1 cerca de metade do nível de outros Kindred com duas cópias normais.


   BAIXA CONCENTRAÇÃO DE PAl-1 EM HUMANOS

         Analisando o caso 'Kindred', os pesquisadores mostraram que aqueles carregando a mutação tinham o comprimento dos telômeros em torno de 10% maior, uma longevidade 13% maior e possuíam um perfil metabólico significativamente melhor, com quase 30% menos insulina circulando em estado de restrição calórica, ou seja, protegidos contra diabetes tipo 2.

         Além disso, os pesquisadores também observaram relevante diferença nos parâmetros cardiovasculares, como pressão sanguínea e flexibilidade das artérias. O sistema cardiovascular dos indivíduos carregando a mutação parecia mais jovem, especialmente na 3° idade.

        Pela primeira vez, um marcador molecular de envelhecimento (tamanho dos telômeros), um marcador metabólico de envelhecimento (níveis de insulina sob jejum) e um marcador cardiovascular de envelhecimento (pressão sanguínea e rigidez de vasos sanguíneos) foram todos unidos por um único parâmetro.

          Para obter esses resultados, 40 médicos de diversas áreas, enfermeiras e outros profissionais de saúde fizeram testes variados - de sangue e pressão arterial até urina e função pulmonar - em 177 Amish, os quais chegaram em cavalos e charretes. Apesar de representarem um povo muito tradicional e afastado de outras culturas, muitos concordaram em fazer os testes porque alguns deles possuíam uma grave desordem sanguínea relacionada ao PAl-1 e estavam curiosos em saber do que se tratava.

           Agora, o perfil cognitivo também será analisado em pesquisas futuras, mas experimentos com ratos já mostraram que baixos níveis de PAl-1 podem proteger contra contra patologias neurodegenerativas, como o Alzheimer.


   DUAS CÓPIAS DO GENE MUTANTE

         No início da década de 1990, Dr. Amy Shapiro, um hematologista do Indiana Hemophilia & Thrombosis Center ouviu do caso de uma menina Amish local que tinha batido sua cabeça quando tinha três anos de idade e acabou desenvolvendo um grave e anormal sangramento a partir da ferida. A criança precisou de cirurgia, a qual piorou o sangramento e levou à necessidade de uma transfusão sanguínea. Ela quase morreu. Quando Shapiro aprendeu sobre o caso, a menina já tinha nove anos de idade e, interessada em ajudar sua família, deixou que o médico a examinasse mais detalhadamente.

          Após vários exames, foi descoberto que o sangramento anormal resultou de uma rara desordem determinada pela deficiência de PAl-1. A mutação foi caracterizada no laboratório do Dr. David Ginsberg, na Universidade de Michigan, e publicada no periódico New England Journal of Medicine, em 1992. Os indivíduos afetados por essa desordem sanguínea tinham duas cópias do gene mutante SERPINE1, a qual resulta em ausência de PAl-1 no sangue e provoca sangramento excessivo.

         O PAl-1 possui um papel importante na regulação de parte do sistema de coagulação sanguínea que ajuda a dissolver os coágulos formados. Quando uma pessoa não possui PAl-1 circulante, ela acaba exibindo uma maior destruição de coágulos e um maior sangramento de lesões e menstruação. Evidência mais recente também aponta que mutação homozigótica nesse gene (ausência de PA1-1 no sangue) está associada a manifestação precoce de fibrose cardíaca, sugerindo que um nível adequado de PAI-1 circulante é necessário para a homeostase cardíaca em humanos (Ref.34).

        Porém, quem possui apenas uma cópia do gene mutante fica apenas com uma menor quantidade de PAl-1 circulante e, pelo que mostra o novo estudo, um corpo mais saudável e com um maior potencial de longevidade. 

        Shapiro testou os pais e os parentes da menina afetada pela desordem sanguínea, encontrando mais indivíduos afetados. Uma árvore genealógica foi construída para determinar quem mais podia estar afetado. Até a publicação do estudo de 2017, cerca de 10 mil indivíduos foram incluídos nessa árvore, representando várias gerações e com a maior parte carregando apenas um cópia mutante.


   MEDICAMENTO "ANTI-ENVELHECIMENTO" E ANTI-CALVÍCIE

         Basicamente, baixos níveis de PAl-1, mas não sua ausência, estão associados com uma significativa maior longevidade e enorme melhor do perfil metabólico. Nessa linha, a Universidade de Northwestern entrou em parceria com a Universidade de Tohoku, no Japão, para o desenvolvimento e teste de um medicamento oral - TM5614 - que inibe a ação do PAl-1, reduzindo sua atividade na corrente sanguínea. O medicamento foi testado em uma fase clínica 1 no Japão - atestando sua segurança e não toxicidade em humanos - e está atualmente em fase clínica 2. A Northwestern irá aplicar para aprovação no FDA para o início dos testes clínicos nos EUA.

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          Em humanos, os testes irão focar na investigação dos efeitos da nova droga na sensibilidade à insulina e na obesidade. Análises a longo prazo trarão resultados sobre longevidade e outros marcadores associados.

         Em ratos, testes anteriores com o medicamento renderam espécimes com expectativa de vida >3x maior quando comparado com grupos de controle, e com maior resistência a processos patológicos nos pulmões e no sistema vascular.

         Somando-se a isso, quando o medicamento foi administrado em ratos com perda capilar, observou-se significativo crescimento de pelos nas áreas afetadas. Em outras palavras, potencial para o desenvolvimento de promissores fármacos (tópicos e orais) para o tratamento de calvície em humanos.


Artigos Recomendados:


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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  2. https://news.northwestern.edu/stories/2017/november/amish-live-longer-healthier-internal-fountain-of-youth/
  3. http://www.sciencemag.org/news/2017/11/mutation-blood-clotting-gene-may-extend-human-life-span
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