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Por que humanos passam pela menopausa?


- Atualizado no dia 28 de outubro de 2023 -

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           Menopausa, nos humanos, é quando indivíduos do sexo feminino cessam o ciclo menstrual de forma permanente, processo geralmente iniciado a partir dos 45 anos. Como a menstruação pode deixar de ocorrer por um tempo mas depois voltar, a menopausa só é oficialmente decretada quando os ciclos menstruais somem por mais de 1 ano. Apesar de estudos nos últimos anos apontarem que algum tipo de fim da fertilidade nas fêmeas é observado em um grande número de espécies de animais, essa perda da capacidade reprodutiva tende a ocorrer próximo do fim natural de vida das espécies - ou seja, não parece ser algum tipo de processo programado e, sim, um efeito colateral do envelhecimento e consequentes falhas funcionais generalizadas no organismo. Da forma como ocorre na nossa espécie, ou seja, perda da capacidade reprodutiva vários anos antes do fim natural da longevidade ("real menopausa"), é apenas observado em cinco mamíferos no ambiente natural: nós (Homo sapiens),  Orcas (Orcinus orca) e Baleias-Pilotos-de-Aleta-Curta (Globicephala macrorhynchus) (!). E o grande mistério: por que essas espécies cessam a ovulação tanto tempo antes da morte natural?


Por que essas espécies exibem menopausa?

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> Existe um índice chamado de Representação Pós-Reprodutiva (PrP), o qual mede o quanto os adultos de uma espécie vivem após fim da capacidade reprodutiva. Na média, humanos exibem  e cetáceos com menopausa exibem valores de PrP entre 0,4 e 0,5, ou seja, adultos fêmeas vivem até 50% da vida adulta sem capacidade reprodutiva. Orcas fêmeas possuem um PrP em torno de 0,25 (25% da vida adulta na menopausa).

(!) Existe evidência limitada suportando menopausa em Narvais (Monodon monoceros) e Belugas (Delphinapterus leucas). Evidência mais recente e limitada suporta menopausa também em Falsas-Orcas (Pseudorca crassidens): 50% dos indivíduos em populações na África do Sul e no Japão cessam a ovulação após 45 anos de idade, e todos os indivíduos acima de 55 anos de idade nessas populações vivem em um estado pós-reprodutivo (sem ovulação) (Ref.13). PrP estimado para as falsas-orcas fica em torno de 0,14. O mesmo é válido para Elefantes-Asiáticos (Elephas maximus), porém evidência de menopausa nesses animais é limitada à análise de uma população mantida em estado de "semi-cativeiro" em Myanmar (Ref.14). 

ATUALIZAÇÃO: Forte evidência de que menopausa é manifestada também em chimpanzés (Pan troglodytes). Evidências também sugestivas de que a menopausa pode ser um fenômeno mais comum entre os mamíferos do que o pensado e as mitocôndrias podem estar envolvidas nessa história. Para mais informações: Chimpanzés fêmeas também manifestam menopausa, aponta estudo
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         A menopausa e seus sintomas ocorrem devido ao fato dos ovários pararem de produzir os hormônios estrógenos e progesterona. No ser humano, os sintomas desse declínio hormonal são vários, incluindo mudanças de humor, calores súbitos, secura vaginal, queda de cabelo, perda óssea, problemas para dormir, e sendo que os quais podem surgir vários anos após o início da menopausa. E uma das maiores dúvidas dos cientistas é saber o motivo disso ocorrer. 

          Por que impedir que as fêmeas cessem a atividade reprodutiva no meio da sua trajetória de vida? Não seria mais produtivo e resultar em maiores chances de sobrevivência para a espécie ter a maior quantidade possível de crias antes de morrer? De fato, parece que quase todas as fêmeas dos animais seguem essa lógica, ou seja, capacidade reprodutiva até idades muito avançadas, incluindo aquelas que apresentam uma etapa curta de "menopausa". Basta pegarmos o exemplo do famoso albatroz fêmea chamado Wisdom, que segura o recorde de ave e mãe mais velha, produzindo um filhote aos 60 anos de idade, e já tendo produzido entre 30 e 35 outros ao longo da sua vida. E isso sem mencionar cetáceos da ordem Mysticeti, ou popularmente conhecidos como 'baleias verdadeiras' (ex.: baleia-azul), que podem produzir com facilidade filhotes aos 90 anos de idade!

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   TRÊS HIPÓTESES

        Na nossa espécie, um indivíduo do sexo feminino é capaz de conservar uma excelente saúde até mesmo após os 70 anos, mas, mesmo assim, tende a perder sua fertilidade a partir dos 45 anos. Apesar da expectativa de vida dos humanos modernos (H. sapiens) ter variado - e ainda varia - significativamente ao longo da história e provavelmente durante a pré-história devido a fatores diversos (guerras, mudanças climáticas, epidemias, taxas de mortalidade infantil, etc.), nossa longevidade ainda assim ultrapassa os 70 anos. Em específico, por causa de fatores biológicos, as mulheres vivem substancialmente mais do que os homens (Por que as mulheres vivem mais do que os homens?). 

         Para tentar explicar essa aparente falta de lógica evolutiva, temos três principais propostas:

1. Efeito Materno: Uma fêmea que continua sempre gerando filhotes em espécies onde o cuidado maternal é estendido, em algum ponto irá gerar filhotes que podem ficar "abandonados" por causa da eventual morte da mãe. Se a fêmea para de produzir filhotes precocemente, sobra tempo suficiente para dar atenção aos últimos filhotes durante tempo suficiente até esses ficarem independentes e com capacidade reprodutiva e antes da morte natural da mãe - aumentando o potencial de transmissão do legado genético para as próximas gerações (Hipótese Materna). Raciocínio semelhante também valeria para as "avós", estas as quais também passariam a investir o tempo não-reprodutivo ajudando a cuidar das crias das suas crias, e com a vantagem de possuírem maior experiência acumulada (Hipótese da Avó). O longo período de vida pós-reprodutivo nas espécies conhecidas que exibem menopausa tornam a hipótese da avó mais convincente, mas as duas hipóteses podem ser complementares. A nível populacional, teríamos um aumento nas taxas reprodutivas de uma mesma linhagem genética [familiar] mesmo com perdas pontuais de capacidade reprodutiva. A única limitação das duas hipóteses é o fato delas não conseguirem explicar o porquê dessa estratégia não ser encontrada em mais animais, apenas em alguns mamíferos.

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ATUALIZAÇÃO (18/07/18): Um estudo publicado na Proceedings of the Royal Society B (Ref.7) analisou um banco de dados com informações registradas de 229 golfinhos fêmeas do gênero Tursiops e seus 562 filhotes durante um período de quase 35 anos para tentar traçar o percurso evolutivo da menopausa. Esses golfinhos são mamíferos que não possuem menopausa mas são parentes próximos das orcas em termos de escala evolutiva.

Os pesquisadores notaram que as fêmeas desse gênero geralmente tinham o primeiro filhote aos 11 anos de idade e, a partir daí, passavam a dar a luz em intervalos cada vez crescentes até pouco mais dos 40 anos (esses golfinhos tipicamente vivem até os 45-48 anos de idade). Além disso, os filhotes nascidos de mães mais velhas eram mais prováveis de morrerem do que aqueles que nasciam de mães mais jovens (filhotes nascidos de fêmeas acima dos 45 anos de idade possuem um alto risco de morrerem já aos 3 anos de idade).

Para ajudar a assegurar a sobrevivência do seu último filhote, mães mais velhas cuidam dele e o amamentam por mais tempo, às vezes ultrapassando os 8 anos de cuidado materno. Esse comportamento pode claramente ser o passo inicial para a menopausa, onde as fêmeas de animais como humanos e orcas são forçadas a parar de gerar filhos a partir de uma determinada idade para que a mãe possa cuidar do seu último filhote com o máximo de zelo possível, garantindo que ele sobreviva por mais tempo e gere descendentes futuramente. Isso reforça a hipótese do Efeito Materno.

ATUALIZAÇÃO (10/02/19): Um estudo publicado na Current Biology (Ref.8) trouxe mais evidências corroborando a Hipótese da Avó. Analisando dados populacionais da Finlândia pré-industrial - uma época onde o clima era agressivo, os campos agrícolas eram pouco produtivos, a incidência de doenças era alarmante e onde um terço da população morria ante dos 5 anos de idade - os pesquisadores mostraram que mulheres cujas mães estavam vivas tinham mais filhos e mais desses filhos viviam até a idade de 15 anos. Porém, os pesquisadores também mostraram que essa ajuda extra das avós declinava com a idade delas. Entre as idades de 50 e 75 anos, as avós eram benéficas para a sobrevivência dos netos. Acima dos 75 anos, as avós se tornavam um fardo negativo para a sobrevivência dos netos. Nesse sentido, os benefícios evolucionários da presença da avó possuem um limite.

Os pesquisadores também analisaram populações no Canadá dos séculos XVII e XVIII, especificamente dos primeiros assentamentos Franceses em Quebec. Eles encontraram que a presença de uma avó aumentava o número de filhos em cerca de 2 e o número de filhos sobrevivendo até a idade de 15 anos em cerca de 1 na média quando comparado com famílias sem uma avó materna viva.

ATUALIZAÇÃO (9/12/19)Mais um estudo publicado na PNAS (Ref.9) corroborou a Hipótese da Avó, onde os pesquisadores encontraram que as avós orcas na pós-menopausa de fato aumentam substancialmente as chances de sobrevivência dos seus filhotes 'netos'. A conclusão veio após a análise de dados acumulados ao longo de 36 anos pelo Centro de Pesquisa para Baleias, Pesca e Oceanos do Canadá, visando múltiplos grupos de orcas habitando o Noroeste do Pacífico e as Costas Canadense e dos EUA.

ATUALIZAÇÃO (14/01/20): Outra evidência corroborando a Hipótese da Avó: mulheres que realizam atividades sexuais com menor frequência possuem uma maior chance de experienciar a menopausa mais cedo. Para mais informações, acesse: Menos sexo e masturbação significa uma menopausa chegando mais cedo
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2. Hipótese do Conflito Reprodutivo: Nesse caso, para não haver falta de comida e recursos para as crias e as mães, um dramático limite de idade para a reprodução permitiria que os filhotes já gerados não ficassem dividindo em excesso os recursos de sobrevivência com outros irmãos e com a mãe durante e após a gravidez (maior necessidade de comida para gerar o filhote e amamentá-lo). Esse tipo de estratégia já é possivelmente adotado pela maioria das espécies de animais, especialmente os insetos, na forma da metamorfose (1), onde diferentes fases da vida do animal ocupam nichos ecológicos distintos (ex.: lagartas e borboletas; girinos e sapos). Porém, ao contrário da metamorfose que é muito comum no Reino Animal, real menopausa parece só ocorrer em três ou sete espécies de mamíferos, e sendo que nós [primatas] estamos relativamente muito distantes, em termos de divergência evolutiva, das outras espécies exibindo menopausa [a maioria cetáceos da parvordem Odontoceti].

3. Hipótese da Mutação Cumulativa: Deteriorações naturais trazidas com o avanço da idade seriam acumuladas no corpo, afetando negativamente os mecanismos de reprodução das fêmeas, ou seja, a menopausa emergiria como um subproduto do acúmulo de mutações prejudiciais ao organismo. Isso explicaria a menopausa em animais com alta expectativa de vida. Porém, isso não explica muito bem o porquê dos humanos e alguns cetáceos apresentarem uma menopausa tão precoce, e o porquê desse traço ser tão raro - especialmente considerando que muitas outras espécies exibem grande longevidade. Talvez essa hipótese represente um fator mais plausível naquelas espécies que possuem fim da fertilidade em períodos próximos do fim natural de vida. 


   POR QUE APENAS EM TRÊS ESPÉCIES?

         Apesar do forte favorecimento à Hipótese da Avó, nenhuma das hipóteses acima exploradas consegue explicar o porquê da menopausa ser tão rara na natureza, apenas potenciais benefícios. Além disso, a idade em que a cessação da fertilidade ocorre também não parece, à primeira vista, compensar esses benefícios. Nos humanos, o fim da ovulação começa em torno dos 45 anos - e longevidade de >70-80 anos - , nas orcas, também próximo de 45 anos* - e longevidade de até 90 anos -, e nas baleias-de-aleta-curta, aos 36 anos - e longevidade de 54 anos. Em outras palavras, a menopausa chega, em geral, décadas antes do fim natural da vida desses animais. Nesse contexto, existe algum tipo de comportamento em comum entre essas três espécies, não encontrado em nenhuma outra? Uma notável reposta positiva para essa pergunta foi sugerida em um estudo publicado em 2017 na Current Biology (Ref.2), sendo inclusive corroborado por estudos posteriores (expostos nas atualizações referentes às hipóteses materna e da avó).

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*No geral, fêmeas adultas de distintas populações de orcas exibem >30% da vida em um estado pós-reprodutivo. Tipicamente o fim da capacidade reprodutiva desses golfinhos ocorre antes dos 45 anos, seguindo um período esperado de menopausa de ~20 anos. Ref.
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        No estudo, os pesquisadores reuniram dados acumulados ao longo de 43 anos de observação de duas populações de orcas. As fêmeas dessa espécie são as que chegam o mais cedo na menopausa em comparação com a sua expectativa de vida, sendo que 95% da fecundidade desses mamíferos é perdida aos 39 anos, e cessada completamente aos 45, mas, como já dito, podem viver até os 90 anos. Os resultados do estudo mostraram que cessando a capacidade reprodutiva nessa idade aumentam-se as chances de sobrevivência dos filhotes, aliando quatro fatores: hipótese materna, hipótese da avó, hipótese do conflito reprodutivo e dispersão demográfica diferenciada em termos de acasalamento. 

Um conjunto de características comportamentais quase único dentro dos grupos de orcas explicaria uma menopausa tão adiantada nesses mamíferos

          Existem três modelos de acasalamento nos mamíferos: o caso 'típico de mamíferos', onde o acasalamento é local (dentro do mesmo grupo) e somente os machos dispersam; o caso dos 'primatas', onde o acasalamento é local e somente fêmeas dispersam; e o caso das 'baleias', onde o acasalamento não é local e nenhum dos sexos dispersam. As orcas se encaixam no modelo das 'baleias' (2), em que ambos, machos e fêmeas, permanecem no mesmo grupo pela maior parte do tempo, mas saem para se acasalar. Assim, quando uma jovem fêmea orca chega em um grupo, já existem outras fêmeas mais velhas cuidando dos seus e de outros filhotes, incluindo mães e avós, por estarem mais ligadas e familiarizadas com eles (relação que foi mostrada ser proporcional à idade no estudo sendo aqui discutido, até o limite da menopausa).

          Nesse sentido, as jovens fêmeas novas em um grupo, como têm pouca familiaridade com os filhotes e adolescentes do novo grupo, ficam mais preocupadas em gerar e assegurar o bem-estar das suas próprias crias, captando recursos mais para si (investe mais apenas na sua reprodutividade). Já as mais velhas, se continuassem sendo capazes de gerar filhotes, ficariam sobrecarregadas, aumentando demais seus gastos de recursos e atenção, prejudicando seus filhotes. Somente na lactação, por exemplo, uma orca precisa se alimentar 42% a mais do que o normal. E durante os meses de verão, as orcas se alimentam, quase exclusivamente, de salmão, sendo que um mesmo salmão é divido dentro do grupo (esses animais compartilham o alimento dentro do grupo social). Variações anuais de salmão é um importante fator para determinar o sucesso reprodutivo e mortalidade desses animais  A competição reprodutiva ficaria injusta demais entre as fêmeas jovens e velhas, além de arriscar a segurança do alimentar do grupo, fazendo sentido existir um limitador natural de fertilidade nesse caso. Somando-se a isso, as fêmeas mais velhas das orcas acabam sendo importantes também para passarem conhecimento de sobrevivência aos mais novos, como, por exemplo, orientações de como caçar salmões.

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          Enquanto esses comportamentos individuais são vistos em outras espécies de mamíferos que vivem em grupos de complexa organização social, eles aparecem em conjunto nas orcas. Muitos cetáceos seguem o modelo 'baleia' de acasalamento e fortes laços dentro dos grupos, mas não é visto o comportamento de compartilhamento de recursos entre eles. Já certos elefantes (Elephas maximus e Loxodonta africana) possuem elefantes mais velhas sendo capazes de gerar filhos até o fim das suas vidas e cuidam/orientam bem os filhotes do bando, porém, assim como a maior parte dos vertebrados, não possuem os padrões demográficos de acasalamento das orcas. Em outras palavras, é um conjuntos de características comportamentais específicas necessárias para atingir a menopausa. E as baleias-de-aleta-curta parecem seguir os mesmos passos sociais das orcas, segundo os pesquisadores.

           Somando-se a isso, as orcas fêmeas com filhotes machos cuidam destes últimos até fases adultas avançadas - e reduzem em mais de 50% as chances da mãe de ter outros filhotes em comparação com orcas fêmeas sem filhotes ou com filhotes fêmeas (Ref.10). Aliás, machos adultos se comportam como crianças perto das mães. A estrutura social única das orcas parece favorecer esse favoritismo das mães pelos filhos, e esse favoritismo e alto investimento materno associado podem talvez ajudar a explicar a evolução do fim reprodutivo tão precoce nas fêmeas.

       
Na foto, uma orca macho adulta (frente) nadando junto à sua mãe. A dependência dos machos em relação às mães reduz substancialmente a capacidade reprodutiva dessas últimas.

             Nesse mesmo caminho de cuidado maternal preferencial por filhos, um estudo mais recente publicado na Current Biology (Ref.11) mostrou que lesões socialmente desferidas (briga entre membros da mesma espécie/grupo) são menos frequentes em machos na presença das mães, mas apenas na fase pós-reprodutiva dessas últimas. A mesma relação não foi encontrada para filhas. A proteção exclusiva das "orcas avós" aos machos de um grupo parece estar associada com o maior potencial de disseminação do gene da mãe em outros grupos (que ainda arcam com a criação dos filhotes) e maior custo associado a filhas grávidas e seus futuros filhotes dentro do grupo. Os resultados do estudo suportam que a menopausa é adaptativa nas orcas - provavelmente espelhando a pressão seletiva mantendo esse traço nas humanas fêmeas. 

Imagem em (A) mostra marcas de dente sobre a nadadeira dorsal e pedúnculo anterior de uma orca macho residente e imagem ampliada da nadadeira dorsal (B) mostra danos de ataque resultando em feridas abertas. Orcas não possuem predadores naturais nos oceanos além de humanos e, nesse sentido, ataques sofridos são, como regra geral, desferidos por membros da mesma espécie (interações sociais intraespecíficas agressivas); esse último cenário é reforçado pelo fato de orcas residentes se alimentarem exclusivamente de peixes. Ref.11

 
       E no caso do humanos? Bem, considerando nossa história e linhagem evolutiva, nós seguimos o modelo 'primata' de acasalamento, onde as fêmeas no período fértil saem dos grupos para se acasalar. Isso segue algo parecido com as orcas. Mas e por que os outros primatas não possuem uma menopausa emergindo tão cedo quanto nos humanos? Isso pode ser explicado pelo fato de nós sermos os únicos entre nossos parentes evolutivos mais próximos a exibirem sociedades onde os recursos são compartilhados, algo que pode fazer a menopausa ser vantajosa para a nossa espécie ao diminuir a competição reprodutiva entre as fêmeas.     


   INSETOS COM MENOPAUSA?

          Os afídeos - também conhecidos como afídios, pulgões ou piolhos-das-plantas - são pequenos insetos fitófagos da superfamília Aphidoidea (ordem Hemiptera). Várias espécies de afídeos são consideradas pragas na agricultura - sugando seiva e transmitindo vírus para as plantas -, e joaninhas (Coccinellidae) são um dos principais predadores desses insetos. Os afídeos tipicamente se reproduzem via partenogênese, ou seja, indivíduos de uma mesma colônia ou grupo são todos clones de uma única fêmea, e funcionam como uma "entidade genética única". 
           Entre as milhares de espécies de afídeos, existe uma espécie social, Quadrartus yoshinomiyai, que forma grandes colônias em estruturas chamadas de "gall" (Fig.1). O Q. yoshinomiyai é nativo do Japão e exibe um sistema social único que inclui dois tipos distintos de indivíduos defensivos: jovens (ninfas) e velhos. O gall de cada colônia fica completamente fechado nos galhos de um hospedeiro primário (árvores da espécie Distylium racemosum). Quando maduro, o gall se abre para deixar adultos alados migrarem para um hospedeiro secundário (árvores da espécie Quercus acutissima) e iniciarem novas colônias. Nesse período de abertura, os afídeos defensivos vão para a abertura do gall proteger a colônia contra potenciais predadores (ex.: larvas de joaninhas).

Figura 1. (A) Gall de Quadrartus yoshinomiyai. (B) Secção longitudinal de uma gall madura. (C) Uma ninfa de Q. yoshinomiyai no primeiro estágio de desenvolvimento. A gall é formado por um único afídeo fundador, o qual se reproduz por partenogênese e dá origem a uma geração de afídeos sem asas, e estes, por sua vez, se reproduzem dando origem a afídeos que desenvolverão asas. A primeira geração constituirão os afídeos "velhos" defensivos. ReferênciaUematsu et al.

            Ninfas defensivas - as quais geralmente estão no primeiro estágio de desenvolvimento e podem ainda se transformar em adultos alados com plena capacidade reprodutiva - atacam predadores com seus estiletes. Já fêmeas defensivas mais velhas - que pararam de produzir ninfas em torno do período de abertura da gall - defendem a colônia ao liberarem uma secreção cerosa e pegajosa. Essa secreção é acumulada no corpo do adulto ao longo do desenvolvimento e liberada através de um par de córnicos tubulares (Fig.2). Antes dedicado à produção de embriões, o abdômen é convertido em uma "máquina" de produção de cera defensiva. Se um predador tenta entrar na gall, a fêmea velha na "guarita" imediatamente libera grande quantidade de cera pegajosa, aprisionando fatalmente ela e a ameaça após rápida solidificação da secreção. É um ataque suicida, e um notável exemplo de altruísmo em prol do grupo.

Figura 2. (AGall madura com uma abertura para a saída dos indivíduos alados apontada pela seta [Barra de escala = 10 mm]. (B) Representantes de Q. yoshinomiya dentro da gall, gerados via partenogênese: (1) afídeo fundador; (2) adultos sem asas (total: 50-200); (3) adultos com asas ou pré-asas (total: 500-2000). Após apertura da gall, adultos alados escapam através dos buracos de saída e migram para um hospedeiro secundário. Todas as galls secam antes de meados de junho. (C) Adulto sem asas liberando secreções cerosas (gotículas apontadas pela seta) [Barra de escala = 0,5 mm]. (D) Adultos sem asas (setas) grudados com gotículas cerosas às pernas de uma larva predatórias da espécie Harmonia axyridisReferênciaCurrent Biology

          Como as fêmeas altruístas desses afídeos vivem um relativo longo tempo (14 dias da vida adulta) em um estado pós-reprodutivo, muitos cientistas argumentam que essa é uma forma também de real menopausa. Nesse caso, a menopausa evoluiu como resposta à pressão de predadores e, em um certo sentido, representa um fenômeno que conversa com a Hipótese da Avó.  

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(1) Entenda mais sobre o assunto no artigo Qual é a ciência biológica por trás dos Pokémons?

(2) Apesar das Orcas serem popularmente conhecidas como "Baleias-Assassinas", especialmente em territórios de língua inglesa, esses cetáceos não pertencem a uma família de típicas baleias, como as baleias de barbatana, e, sim, fazem parte da família dos golfinhos (Delphinidae).

Artigo Complementar: Terapia de Reposição Hormonal na Menopausa

            

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS:
  1. https://www.nia.nih.gov/health/publication/menopause
  2. http://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(16)31462-2
  3. http://ocean.si.edu/blog/menopausal-moms-mammal-mystery
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2553520/
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25183990
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2644688/
  7. http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/285/1883/20181123
  8. https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(19)30029-6
  9. https://www.pnas.org/content/early/2019/12/03/1903844116
  10. Weiss et al. (2023). Costly lifetime maternal investment in killer whales. Current Biology. https://doi.org/10.1016/j.cub.2022.12.057
  11. Grimes et al. (2023). Postreproductive female killer whales reduce socially inflicted injuries in their male offspring. Current Biology.  https://doi.org/10.1016/j.cub.2023.06.039
  12. Nielsen et al. (2021). A long postreproductive life span is a shared trait among genetically distinct killer whale populations. Ecology and Evolution, Volume 11, Issue 13, Pages 9123-9136. https://doi.org/10.1002/ece3.7756
  13. Photopoulou et al. (2017). Evidence for a postreproductive phase in female false killer whales Pseudorca crassidens . Frontiers in Zoology 14, 30. https://doi.org/10.1186/s12983-017-0208-y
  14. Chapman et al. (2019). Asian elephants exhibit post-reproductive lifespans. BMC Evolutionary Biology 19, 193. https://doi.org/10.1186/s12862-019-1513-1