Por que piolhos causam tanta coceira na cabeça?
Figura 1. Na foto, piolho de cabeça (P. h. capitis) adulto. Cada perna desse inseto termina em uma ponta curvada similar a uma garra, adaptada para agarrar a haste capilar. |
Pediculose é uma doença causada por infestação de insetos do gênero Pediculus, os famosos "piolhos". Esses insetos pertencem à subordem Anoplura (Order Phthiraptera), são ectoparasitas obrigatórios de mamíferos euterianos e se alimentam de sangue. Nos humanos, temos duas subespécies de piolhos responsáveis por pediculose: Pediculus humanus capitis (piolho de cabeça, Fig.1) e Pediculus humanus corporis (piolho de corpo). A pediculose acompanha a humanidade desde tempos imemoriais, com piolhos sendo inclusive mencionados na Bíblia como uma praga.
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> O famoso e incômodo piolho pubiano - popularmente conhecido como chato - é parente próximo dos piolhos do gênero Pediculus, e pertence à espécie Phthirus pubis. Fica a sugestão de leitura: Piolho pubiano pode infestar outras partes do corpo além da região genital?
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O piolho que infesta a cabeça/cabelos (P. h. capitis) vive, se acasala e deposita seus ovos na base da haste capilar, e se alimentam ao injetar pequenas quantidades de saliva - a qual possui propriedades vasodilatadoras e anticoagulantes - no escalpo, permitindo a sucção de sangue a cada 4-6 horas, aproximadamente 5 vezes por dia (Ref.1). A quantidade média de sangue ingerida em uma única alimentação varia de acordo com o sexo e a fase da vida. Esses piolhos geralmente morrem dentro de 40-55 horas caso não se alimentem de sangue, mas em condições favoráveis podem sobreviver por até 4 dias longe de um hospedeiro humano (Ref.2).
O ciclo de vida do piolho de cabeça começa com um estágio de ovo de aproximadamente 7 dias, seguido por três estágios larvais de aproximadamente 3 dias cada um antes da fase adulta capaz de se reproduzir (Ref.1). Ovos podem resistir até 10 dias longe de um hospedeiro humano (Ref.2). Piolhos adultos tipicamente possuem 2-3 mm de comprimento, e fêmeas são geralmente maiores. Na maioria dos casos, transmissão ocorre por contato direto, e disseminação indireta através de contato com objetos pessoais é menos provável de ocorrer. Ninfas nos primeiros dois estágios são essencialmente imóveis e o terceiro estágio exibe movimentação limitada; adultos não conseguem pular, escalando ou rastejando com velocidades de até 23 cm/minuto (Ref.2).
Infestação por P. h. capitis é muito comum ao redor do mundo, afetando em especial crianças com idades entre 3 e 10 anos. Em áreas rurais, prevalência de infestação em crianças de 3 a 13 anos de idade alcança 49% (Ref.3). No Brasil, tem sido estimado que pediculose afeta 20-30% das crianças em idade escolar (Ref.4). Devido ao comprimento do cabelo tipicamente maior nas meninas, estas são 2-4 vezes mais prováveis de serem infectadas do que os meninos (Ref.3). Cabelos longos e com um menor diâmetro parecem favorecer o contato e a fixação dos piolhos durante a fase de ninfa e facilitar infestações (Ref.5).
As infestações podem ser assintomáticas, mas prurido (coceira) pode ocorrer como principal sintoma - e frequentemente o único - da pediculose caso o indivíduo infestado se torne sensibilizado aos componentes antigênicos da saliva (1) desses insetos ou da matéria fecal. Em um paciente sem infestação prévia, pode levar 2-6 semanas para o desenvolvimento de sintomas, mas geralmente leva <2 dias para coceira ocorrer com reexposição (Ref.2).
Apesar de infestação com piolho de cabeça estar associada com limitada morbidade e esse parasita não ser reconhecido como um importante vetor de doenças (2), a pediculose pode reduzir a concentração escolar da criança, causar irritação no escalpo, provocar embaraço e isolamento social, e pode levar a perigosas infecções secundárias a partir de lesões no escalpo causados pela coceira excessiva (ex.: infecção bacteriana com Staphylococcus aureus). Além disso, a pediculose pode causar anemia por deficiência de ferro e até dermatite de autossensibilização.
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(1) A saliva é inoculada no escalpo e possui propriedades anticoagulantes e de vasodilatação, facilitando a ingestão de sangue do hospedeiro através de "estiletes" associados às partes bucais do piolho. Ref.2
(2) O piolho de corpo possui apenas um gene que não está presente no piolho de cabeça. A mais significativa e preocupante diferença entre essas duas subespécies de piolho é a habilidade do piolho de corpo de transmitir doenças bacterianas como febre de trincheira (causada pela bactéria Bartonella quintana), febre recorrente e tifo epidêmica (causada pela bactéria Rickettsia prowazekii) para humanos. Ref.6
> O piolho de cabeça consegue reconhecer e prefere o odor da cabeça em relação aos odores de outras partes do corpo. Ref.2
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Tratamento de infestações de piolho de cabeça pode ser pela via física ou farmacológica. Na via física, pentes finos ou mesmo a mão podem ser usado para remover piolhos e lêndeas (ovos de piolhos) do escalpo. Pente fino com intervalo entre os dentes de 0,2-0,3 mm são mais eficientes (Ref.). Remoção por aquecimento também é reportada. Na via farmacológica, medicamentos tópicos são usados para eliminar os parasitas, através de neurotoxicidade, sufocamento ou dissolução da cera cobrindo o exoesqueleto do inseto. O medicamento tópico mais comum é a loção de permetrina combinada com pente fino. Medicação oral que pode ser citada é a ivermectina, mas que não deve ser usada em crianças com menos de 15 kg de massa corporal. Terapia farmacológica tem sido associada com resistência medicamentosa selecionando piolhos cada vez mais resistentes ou "imunes" a medicamentos (processo evolutivo).
REFERÊNCIA
- Castro et al. (2023). Aspectos epidemiológicos da pediculose por Pediculus humanus capitis (Phthiraptera: Pediculidae) em Minas Gerais: uma revisão sistemática. Cadernos Saúde Coletiva, 31(1). https://doi.org/10.1590/1414-462X202230040425
- Leung et al. (2021). Paediatrics: how to manage pediculosis capitis. Drugs in Context, 11: 2021-11-3. https://doi.org/10.7573%2Fdic.2021-11-3
- Apet et al. (2023). Treatment Modalities of Pediculosis Capitis: A Narrative Review. Cureus, 15(9): e45028. https://doi.org/10.7759%2Fcureus.45028
- Souza et al. (2023). Prevalence and the factors associated with pediculosis capitis in schoolchildren in the city of Niterói, Rio de Janeiro state, Brazil . Revista de Patologia Tropical / Journal of Tropical Pathology, Goiânia, v. 52, n. 2, p. 141–150. https://doi.org/10.5216/rpt.v52i2.75095
- Valero et al. (2024). Pediculosis capitis risk factors in schoolchildren: hair thickness and hair length. Acta Tropica, Volume 249, 107075. https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2023.107075
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8932250/