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O quão rápido o novo coronavírus está se espalhando e por que freá-lo?

- Atualizado no dia 28 de abril de 2020 -

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          De acordo com o último balanço publicado pelo Ministério da Saúde, existem 71886 casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus em 26 estados e no Distrito Federal (Ref.1). E enquanto tivemos a confirmação de pacientes já curados/recuperados da doença associada (COVID-19), também já temos 5017 mortes confirmadas. Mas vale o alerta: o Brasil até poucos dias atrás estava fazendo menos do que 300 testes de identificação do novo coronavírus para cada 1 milhão de habitantes! Para comparar, a Itália e a Alemanha estão há semanas realizando em torno de 15-20 mil testes para cada milhão, e, os EUA, criticados por insuficiência de testes - e com um população bem maior do que a nossa -, estão próximos de 13 mil testes/milhão. O Brasil, agora, alcançou a marca de 1597 testes/milhão, ainda baixo. Ou seja, os números de casos confirmados do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o número de mortes pelo vírus provavelmente estão muito subestimados aqui no nosso país.



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(!) Segundo estudo conduzido pela FioCruz, As mortes provocadas por Covid-19 têm dobrado, em média, num intervalo de cinco dias no Brasil. Nos Estados Unidos e no Equador, países com taxas altas de disseminação da epidemia, o intervalo para essa duplicação, em período similar, seria de seis dias. Na Itália e na Espanha, oito (Ref.18). No sudeste, os pesquisadores observaram uma tendência de decréscimo na taxa de mortes - mas ainda em forte alta -, o que provavelmente espelha as medidas mais rígidas de distanciamento social amplo empregadas, especialmente em São Paulo, epicentro epidêmico aqui no país. Infelizmente, o isolamento social vem caindo cada vez mais em todo o Brasil, e em um momento em que estamos nos aproximando da fase mais grave da pandemia no país.

Para mais informações, acesse:

> Considerando a alta taxa de mortalidade no país (6,35%), especialistas sugerem que o número real de casos acumulados pode ser  ~9 vezes maior do que o oficialmente registrado, levando também em conta as sub-notificações de mortes.

> No total, são 2049 mortes e 24041 casos confirmados no estado de São Paulo. No Amazonas, o sistema de saúde já vem testemunhando colapsos, e os caixões estão sendo, literalmente, empilhados em Manaus. Cerca de 72% dos óbitos são de indivíduos acima dos 60 anos de idade. Entre aqueles com comorbidades, os maiores números de óbitos ocorreram entre os portadores de cardiopatia, seguido de diabetes e pneumopatia. Com menos de 60 anos, a diabetes é a mais prevalente.

> Como confirmado pelo Ministério da Saúde desde o começo de abril, já há transmissão comunitária em todo o território nacional. A transmissão comunitária ou sustentada é aquela quando não é possível rastrear qual a origem da infecção, indicando que o vírus circula entre pessoas que não viajaram ou tiveram contato com quem esteve no exterior.

> Pico da disseminação do vírus no Brasil: É esperado que o pico epidêmico seja alcançado em maio, o que pode levar sério risco a todo o sistema de saúde, porque outras doenças respiratórias sazonais, como a gripe, também alcançam seu pico nesse período (associado ao inverno, mais baixas temperaturas e ar mais seco). 
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> No dia 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto de coronavírus (SARS-CoV-2) - e sua doença associada (COVID-19) - é oficialmente uma pandemia. A declaração veio após um aumento de 13x no número de casos fora da China, afetando mais de 100 países. A OMS desde então vêm denunciando uma falta de ação por parte de muitos governos ao redor do mundo no sentido de frear a disseminação do vírus. Várias nações têm fechado escolas e universidades, e países na Europa Ocidental - com exceção da Suécia - adotaram medidas de fechamento de fronteiras e de quarentena total (lockdown).
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           O novo coronavírus - batizado oficialmente de SARS-CoV-2 -, causa infecção principalmente no trato respiratório - incluindo pneumonia - e no sistema digestivo, e parece ter emergido na cidade Chinesa de Wuham, em dezembro do ano passado. A OMS nomeou oficialmente a doença pulmonar causada pelo SARS-CoV-2 como COVID-19. Até o momento, mais de 2,12 milhões de pessoas foram infectadas (casos oficialmente confirmados), com mais de 217 mil mortes confirmadas. Quase 951 mil pacientes já se recuperaram e pouco menos de 57 mil (~3% dos casos ativos) estão em estado crítico. As autoridades Chinesas confirmaram no dia 29 de janeiro que todas as regiões da China continental tinham sido alcançadas pelo vírus, incluindo o Tibet. Do total, foram pouco menos de 83 mil casos registrados na China - e 4632 mortes -, a maioria na região de Hubei, epicentro da crise. No entanto, as medidas agressivas de contenção do vírus pelo governo Chinês - incluindo vários isolamentos de cidades e quarentenas - permitiram uma robusta redução de novos casos, a ponto dos casos importados estarem hoje superando o número de casos internos.

          Atualmente (abril) a China está gradualmente voltando à normalidade, com o epicentro da pandemia se concentrando agora na Europa continental e nos EUA. No entanto, como apenas uma porção ínfima da população Chinesa adquiriu imunidade contra o SARS-CoV-2, teme-se que uma segunda onda epidêmica possa emergir no país nos próximos meses ou mesmo nas próximas semanas. A Coreia do Sul, que também tinha observado um crescimento exponencial no número de casos em fevereiro, conseguiu rapidamente controlar a disseminação do vírus com medidas agressivas de testagem e de rastreamento dos infectados (1), e nas últimas semanas os casos confirmados e acumulados se estabilizaram entre 10-10,7 mil e de mortes entre 200-240.

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Leituras recomendadas:

          Fora da China, já são mais de 2,8 milhões de casos confirmados em 184 países. Os países na Ásia com o maior número de infectados fora da China são Irã  - 89328 casos confirmados -,  Índia (31360), Turquia (114653), Israel (15728), Arábia Saudita (20077) e Singapura (14951). Fora da Ásia, os países com o maior número de casos confirmados são os EUA - com 1030315 casos confirmados -, Itália (201505), Espanha (232128), França (165911), Alemanha (159735) e Reino Unido (161145). A Alemanha conseguiu controlar bem a disseminação da COVID-19 - acumulando "apenas" 6280 mortes, apesar do grande número de casos confirmados (159735) -, e hoje já está flexibilizando de forma gradual as medidas de isolamento social (porém, um alerta foi deflagrado nesse processo, ao se registrar um aumento no R0 de transmissão de 0,7 para 1 no país). O primeiro caso na África foi confirmado no dia 17/02, no Egito, e agora o vírus já está se espalhando em pelo menos 21 países Africanos, algo que preocupa seriamente a OMS.



          Na Alemanha, no Vietnã e na Tailândia, foram onde os cientistas confirmaram as primeiras transmissões entre humanos fora do território Chinês. Os maiores números de mortes oficialmente registradas fora da China estão nos EUA (58670), Itália (27359), Espanha (23822), França (23660), Reino Unido (21678), Bélgica (7331), Alemanha (6280), Irã (5877) e Brasil (5017). Aliás, a Itália está em completa quarentena, com seus ~60 milhões de habitantes isolados visando proteger os mais vulneráveis ao COVID-19; novos casos e mortes estão subindo rápido no país e o governo decretou recentemente que irá estender o lockdown até o dia 2 de maio (2). No Irã, fontes dentro do sistema de saúde do país alegam um número de mortes e de casos muito maior, os quais estariam sendo abafados pelo governo (Ref.3).

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(2) Na parte norte da Itália a mortalidade alcançou taxas quase três vezes maiores. Para explicar parte desse fenômeno, um estudo publicado no periódico Environmental Pollution (Ref.4) sugeriu que a maior poluição do ar nessa região pode ter contribuído para uma maior gravidade no curso da COVID-19 em um maior número de pacientes. Por respiraram um ar bem mais poluído a longo prazo, a população no norte pode ter desenvolvido um sistema imune mais debilitado, e danos mais acentuados no tecido pulmonar. Tal fator pode explicar outras variações de letalidade da doença ao redor do mundo.
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          Especialistas suspeitam, no entanto, que, globalmente, muito mais pessoas estão infectadas, mas os números reais são difíceis de confirmar devido a um número de fatores como o fato de muitos estarem ainda assintomáticos e por causa da escassez de testes em vários países. Segundo estimou o professor Neil Ferguson, um especialista em saúde pública do Imperial College, Londres, quando o número de infectados oficialmente reportado estava ainda abaixo de 2 mil, o número real estaria próximo da casa dos 100 mil (Ref.5). Já Li Ka Shing, da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong, sugeriu na mesma época que o número estaria próximo dos 43 mil (Ref.6). Essa última estimativa é corroborada por um estudo mais recente publicado no periódico PLOS ONE (Ref.7). Com base em dados coletados do surto que ocorreu em Hubei entre 11 de janeiro e 10 fevereiro, pesquisadores criaram um modelo matemático prevendo um número 20 vezes maior de casos de infecção do que os casos oficialmente registrados (67 mil até 29 de fevereiro), englobando assintomáticos e indivíduos que desenvolveram um curso sintomático leve de COVID-19.         

          Vários países estão fechando suas fronteiras e negando a entrada de visitantes estrangeiros, especialmente no novo epicentro da epidemia (EUA). No entanto, agências de saúde, incluindo a OMS, aconselharam contra tais medidas, porque indivíduos podem entrar no país de forma não-oficial para escapar das barreiras impostas, aumentando o potencial de disseminação descontrolada do vírus. A OMS recomenda que sejam implementados sistemas mais robustos de triagem nas entradas das fronteiras e nos aeroportos.
     

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IMPORTANTE: O vírus pode causar severa infecção aguda em boa parte dos casos, mas uma pneumonia moderada na maior parte dos casos mais sérios. Do total de mortos confirmados, a maioria são idosos (>80%) e indivíduos com problemas respiratórios prévios ou com alguma outra condição crônica de saúde como diabetes, problemas respiratórios e doenças cardiovasculares. A taxa de mortalidade até o momento observada é de 6-7%, apesar desse valor se basear apenas nos casos confirmados via testes laboratoriais. Considerando um número real de casos de infecção muito maior do que o oficial, essa taxa de mortalidade podem cair para até 0,15% (Ref.7). Porém, esse valor não leva em conta as mortes indiretas provocadas pela COVID-19 devido ao sobrecarregamento do sistema de saúde.
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   O QUÃO RÁPIDO O VÍRUS SE ESPALHA?

          Desde a epidemia inicial na China, cientistas têm investigado o quão infeccioso e virulento é o novo coronavírus, tentando confirmar também se os indivíduos assintomáticos estão, de fato, contribuindo na disseminação robusta do patógeno. Em específico, os epidemiologistas querem saber quantas pessoas uma pessoa com o vírus tende a infectar - valor conhecido como R0 ou R-naught. Um R0 maior do que 1 significa que contra-medidas, como quarentena, são necessárias para conter a disseminação do vírus.

           O valor R0 primeiramente publicado pela OMS foi um estimado de 1,4 a 2,5. Esse intervalo de estimativa é similar ao R0 do SARS nos estágios iniciais do surto de 2002-2003 e do vírus influenza H1N1 que causou uma pandemia em 2009. No entanto, um estudo subsequente publicado no periódico Journal of Travel Medicine (Ref.8) e realizado por pesquisadores da Universidade de Umeå, na Suécia, encontrou um valor muito mais alto do que o estimado pela OMS. Revisando 12 estudos de transmissibilidade do SARS-CoV-2, os pesquisadores encontraram um valor de R0 médio de 3,28, bem acima da média e limite inferior de 1,4-2,5. Mesmo uma estimativa inferior fornecida por um recente modelo matemático baseado no padrão de disseminação viral em Hubei forneceu um R0 médio de 2,6 (Ref.9). Já um estudo publicado no periódico Emerging Infectious Diseases (Ref.10), pesquisadores estimaram um R0 médio de 5,7 com base na dinâmica de disseminação observada em Wuhan, China. Em outras palavras, o novo coronavírus estaria se espalhando substancialmente mais rápido do que o SARS.

          Esse último estudo é corroborado por um estudo também publicado no periódico Emerging Infectious Diseases (Ref.11), um time internacional de cientistas foi capaz de calcular o intervalo serial do vírus, ou seja, o tempo que leva para os sintomas aparecerem em duas pessoas com o vírus: a pessoa que infecta outra, e a segunda pessoa infectada. O valor médio encontrado na China foi de aproximadamente 4 dias, similar ao vírus da gripe (Influenza), o que explica porque novos casos estão aumentando de forma dramática ao redor do globo. O vírus do ebola, por exemplo, possui um intervalo serial de várias semanas, sendo bem mais fácil contê-lo.

          No geral, as evidências, de fato, sugerem que o novo vírus se espalha muito mais prontamente do que aquele que causa a SARS. Duas notáveis e distintas características do genoma do SARS-CoV-2 podem explicar essa alta virulência: (i) baseado em análises estruturais e experimentos bioquímicos, o SARS-CoV-2 parece ser otimizado para se ligar ao receptor humano ACE2 (uma porta de entrada celular); (ii) a altamente variável proteína spike (S) do SARS-CoV-2 possui um local de clivagem polibásico (furina) nas fronteiras S1 e S2 via a inserção de doze nucleotídeos. A afinidade de ligação da proteína S do SARS-CoV-2 ao ACE2 mostrou ser 10-20 vezes maior do que aquela da proteína S do SARS-CoV (Ref.28).


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> O receptor ACE2 está localizada nas células endoteliais de artérias e veias, músculo liso arterial, epitélio do trato respiratório, epitélio do intestino delgado, epitélio do trato respiratório, e em células imunes. Em um pulmão adulto normal, o ACE2 é expresso primariamente nas células alveolares epiteliais do tipo II, as quais podem servir como um reservatório viral. Essas células produzem surfactantes que reduzem a tensão superficial, portanto prevenindo os alvéolos de colapsarem, e portanto são críticos para as trocas gasosas no tecido pulmonar. Danos a essas células podem explicar as lesões severas observadas em pacientes com COVID-19. Sérias lesões também podem ser causadas pelo vírus nos outros órgãos que também expressam o ACE2.
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          Outra provável explicação para a rápida disseminação do SARS-CoV-2 é possibilidade deste vírus estar sendo transmitido de forma robusta pelo ar via aerossóis, assim como ocorre com o vírus da gripe. Cada vez mais evidências e especialistas concordam com esse cenário (3).

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(3) Para mais informações, acesse: Quanto tempo o novo coronavírus sobrevive sobre superfícies e no ar?
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   ACHATAMENTO DA CURVA DE CONTÁGIO

         Considerando o elevado R0 e o curto tempo de duplicação da epidemia (1,7-2,93 dias) quando comparado a Influenza, a epidemia de COVID-19 tende a apresentar uma concentração expressiva de casos um um curto espaço de tempo. Em países como Itália, China e Espanha, em poucas semanas o crescimento do número de casos foi suficiente para colapsar os sistemas de saúde local.

         Na China, testemunhamos um acentuado declínio do número de novos casos. Esse declínio é decorrente das medidas de intervenção estabelecidas, que, estima-se, tenham evitado em torno de 94,5% dos casos que poderiam ter ocorrido. Entre as intervenções adotadas em Wuhan destaca-se: o estabelecimento de um cordão sanitário na cidade de Wuhan, suspensão dos transportes públicos e táxi por aplicativos, restrição do tráfego nas áreas urbanas, proibição de viagens na região interna da cidade, fechamento de espaços públicos, cancelamento de eventos, proibição de aglomerações públicas, uso obrigatório de máscaras cirúrgicas em público, e quarentena domiciliar para toda população.

        Essa efetividade é corroborada por um mais recente publicado na Science (Ref.12). Investigando as medidas de controle de transmissão do novo coronavírus (SARS-CoV-2) nos primeiros 50 dias de epidemia na China, os autores do estudo encontraram que tais medidas estão associadas com drásticas reduções na incidência de casos de infecção. Em específico, os pesquisadores encontraram que o lock down da cidade epicentro da epidemia (Wuhan) atrasou a chegada do COVID-19 em outras cidades em cerca de 2,91 dias, e isso junto com medidas de isolamento social ao longo do território Chinês e de declaração de emergência nacional pode ter resultado na prevenção de até 888 mil casos confirmados de infecção pelo SARS-CoV-2. A China, até o momento, só registrou pouco mais de 81,5 mil casos confirmados.

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> Em um estudo realizado por pesquisadores do Imperial College London, pesquisadores estimaram que se nenhuma medida de isolamento social tivesse sido aplicada ao redor do mundo para conter a disseminação do vírus, cerca de 40 milhões de mortes teriam ocorrido, 1,15 milhão delas aqui no Brasil. Para mais informações, acesse aqui.

> Aliás, medidas de isolamento se mostraram efetivas até mesmo durante a pandemia de Gripe Espanhola em 1918-1919, a qual infectou 20-33% da população mundial e causou ~50 milhões de mortes, de acordo com um estudo publicado no periódico Journal of the American Society of Cytopathology (Ref.13). Os autores do estudo mostraram que as cidades nos EUA que adotaram na época medidas mais rápidas de amplo isolamento social e prevenção - fechamento de escolas e igrejas, banimento de aglomerações, uso obrigatório de máscaras, isolamento de casos e medidas de higiene/desinfecção - tiveram taxas de mortalidade e de doenças bem menores. Essas cidades incluíram San Francisco, St. Louis, Milwaukee e Kansas City, as quais coletivamente tiveram taxas de mortalidade e de doenças 30-50% menores do que cidades que implementaram menos restrições ou as implementaram tardiamente. Além disso, os pesquisadores encontraram que a recuperação econômica foi mais rápida nas cidades onde medidas mais efetivas de contenção da epidemia foram implementadas. No total, foram 675 mil mortes nos EUA e havia bastante ceticismo entre os Norte-Americanos na época de que as medidas de isolamento social estavam realmente funcionando.

Segundo os autores, medidas preventivas que restringem a interação social realmente deprimem a atividade econômica. Mas eles ressaltam que a expansão da epidemia quando essas medidas não são adotadas também impacta negativamente a economia, já que as famílias reduzem por conta própria seu consumo e trabalho para diminuir a chance de contrair a doença.
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            Essas medidas não-farmacológicas visam reduzir a transmissibilidade do vírus na comunidade e portanto retardar a progressão da epidemia. Ações como essa, além de reduzirem o número de casos, tem o potencial de reduzir o impacto para os serviços de saúde, por reduzir o pico epidêmico. Em estudos de modelagem matemática estima-se que uma redução de cerca de 50% dos contatos entre as pessoas teriam impacto significativo no número total de casos, uma vez que reduziram o R0 do COVID-19 para próximo de 1 (um). Além disso, as medidas não-farmacológicas atrasam o pico da epidemia e reduzem a altura do pico, permitindo, dessa forma, uma melhor distribuição dos casos ao longo do tempo e o esgotamento dos serviços de saúde.



          Não só isso, frear a epidemia ao máximo diminui a exposição de pacientes em hospitais ao vírus. Em um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.14), os pesquisadores mostraram que após o caso confirmado de COVID-19 em uma habilidosa enfermeira em um hospital em King County, Washington, um total de 167 casos foram confirmados até o dia 18 de março no local, afetando 101 residentes, 50 profissionais de saúde e 16 visitantes - todos epidemiologicamente ligados ao hospital. Do total, 35 mortes foram registradas, englobando 33,7% dos residentes (pacientes no hospital, a maioria com condições crônicas de saúde como doenças cardíacas e renais) e 6,2% dos visitantes.

          Aqui no Brasil, as unidades de terapia intensiva (UTI) de Manaus já chegavam ao seu limite de atendimento. Por falta de vagas e de pessoal, os hospitais já não conseguem atender todos os pacientes. O governo do estado declarou que o sistema de saúde do Amazonas está entrando em colapso. No Ceará, 100% das vagas de UTI estão ocupadas e o número de leitos também está perto do limite. Em Pernambuco, segundo o secretário de Saúde do estado, André Longo, 99% dos leitos de UTI da rede pública dedicados aos pacientes infectados pelo novo coronavírus também estão ocupados. No estado do Rio de Janeiro, em quatro semanas, mais pessoas foram internadas por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) que em todo o ano de 2019, segundo dados da Fiocruz (Ref.15).


   ECONOMIA E SAÚDE PÚBLICA

          Apesar das medidas utilizadas para achatar a curva de contágio serem efetivas para frear a disseminação do vírus, a economia acaba também sendo seriamente afetada, e por isso a importância da intervenção governamental visando suporte para os grupos sociais mais vulneráveis. Aqui no Brasil, essa questão acabou se transformando em uma grande guerra política entre o governo federal e o governo estadual. Mas existe alguma forma de balancear a preocupação com a saúde e a preocupação com a economia em meio a essa pandemia?

          Os países individuais têm variado em suas respostas à pandemia do COVID-19. Alguns enfatizam nas medidas de isolamento social, e alguns outros forcam em outras intervenções. No entanto, existe escassa evidência na literatura acadêmica sobre a efetividade e o custo-benefício associado dessas intervenções no sentido de prevenir danos econômicos desnecessários e outros prejuízos, especialmente considerando que a COVID-19 é uma nova doença e ainda pouco entendida.

          Em um estudo preprint publicado no periódico medRxiv (Ref.19), pesquisadores realizaram uma rápida revisão sistemática nesse tópico e chegaram à seguinte conclusão:

- Existe evidência de alta-qualidade somente dando suporte para a efetividade relativa do uso de máscaras faciais e lavagem das mãos com água e sabão e/ou álcool em gel, onde estudos sugerem que essas medidas são altamente custo-efetivas.

- Para o restante, existe apenas evidência de baixa qualidade, as quais sugerem que (1) as intervenções mais custo-efetivas são o rápido rastreamento de contato e isolação de casos confirmados, redes de vigilância, e equipamentos de proteção para os profissionais de saúde, e adiantamento de vacinas (quando disponíveis); (2) quarentenas em casa e acúmulo de antivirais são menos custo-efetivas; (3) medidas de distanciamento social, como fechamento de escolas e locais de trabalho, são efetivas mas custosas, tornando-as a opção de menor valor custo-benefício; (4) combinações de medidas são mais custo-efetivas do que intervenções únicas; (5) intervenções são mais custo-efetivas quando adotadas o mais cedo possível e para vírus severos como o SARS-CoV-2. Para o vírus influenza H1N1, o rastreamento de contato - realizado via testagens massivas e estratégicas para melhor monitorar onde estão circulando os casos confirmados - foi estimado ser 4363 vezes mais custo-efetiva do que o fechamento de escolas (US$2260 vs. $9860000).

           Como conclusão geral, os pesquisadores especularam que, para o COVID-19: (1) medidas de distanciamento social são efetivas mas custosas, especialmente quando adotadas de forma tardia e que (2) a combinação o mais cedo possível de intervenção que incluem lavagem das mãos, uso universal de máscaras faciais, rápido rastreamento de contato e isolamento de casos, e equipamento de proteção para os profissionais de saúde são as estratégias mais custo-efetivas.

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          De fato, a conclusão desse estudo corrobora o sucesso dos esforços de controle da pandemia em dois notáveis países: Alemanha e Coreia do Sul. No primeiro temos um robusto sistema de saúde, suprindo bem todas as ferramentas necessárias para os profissionais de saúde trabalharem de forma segura e otimizada, e uma massiva campanha de testagens, sendo o primeiro país - e um dos poucos até hoje - a ultrapassar os 20 mil testes por milhão de habitantes. Já os Sul-Coreanos responderam aos primeiros casos confirmados no país com extrema urgência e rapidez, aplicando uma mais do que efetiva e massiva estratégia de testagem e rastreamento dos casos confirmados, e evitaram um trágico cenário se desenvolvendo em fevereiro em questão de poucas semanas (I).

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(I) Para informações mais detalhadas, acesse: Itália, Alemanha e Coreia do Sul: o que podemos aprender com esses países?

          Um estudo mais recente publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.20) corrobora também essa linha de evidências, ao explorar medidas que podem ser adotadas nos EUA para reduzir dramaticamente a curva de contágio sem graves danos na economia. Entre as intervenções, citadas, a testagem massiva de pessoas - pelo menos todos com sintomas e empregando testes baseados em anticorpos -, promoção do uso universal de máscaras, e prioridade no suprimento adequado dos hospitais e dos profissionais de saúde, incluindo o recrutamento de hotéis - agora vazios - para o isolamento de pacientes com quadro leve-moderado, foram todas realçadas. Investigação cuidadosa, incisiva e em tempo-real de várias linhas promissoras de tratamento para os pacientes com COVID-19, e compartilhamento de novas e potenciais estratégias terapêuticas dentro da comunidade médica, também foi citada como uma ação crucial.

          Já no Brasil, infelizmente, estamos testemunhando graves falhas em todas as opções de intervenção. Mesmo o país experienciando a pandemia muito mais tarde do que outros países mais afetados, demoramos para agir e, para piorar, temos um presidente que ignora e ataca a OMS, que desmanchou seu Ministério da Saúde em plena pandemia, e que agora entrou em grave tensão política com aliados e a oposição devido a alegações de interferência na Polícia Federal. Além disso, temos uma campanha política massiva sobre uma única e incerta linha de tratamento dos pacientes - cloroquina/hidroxicloroquina - prejudicando a investigação sobre outros medicamentos ou terapias mais promissoras.

          Em várias cidades brasileiras, a adesão ao uso das máscaras é fraco e a falta de equipamentos básicos para os profissionais de saúde é gritante em praticamente todo o país. E há apenas poucos dias, o Brasil era o país que menos realizava testagens entre aqueles com um grande número de casos confirmados. Eram menos de 300 testagens por milhão, obviamente gerando uma alta taxa de sub-notificação e anulação de qualquer estratégia de rastreamento. Hoje, ainda temos apenas 1373 testagens/milhão, e estamos próximos de entrar na fase mais grave da pandemia, completamente cegos. Mesmo medidas de isolamento social, a única opção efetiva que temos neste momento, está sendo derrubada aos poucos por pressão do setor econômico e das ações do presidente em exercício.


   FORMAS INDIVIDUAIS DE PREVENÇÃO

          As evidências acumuladas até o momento sugerem que o coronavírus se espalha através de contato próximo e através de gotículas/aerossóis de muco e de saliva espalhados no ambiente via tosse e espirros, especialmente via gotículas depositadas. Até o momento, não existe uma vacina e nem medicamentos capazes de combater ou prevenir a infecção pelo vírus, mas existem formas básicas - aplicáveis a epidemias virais em geral - e simples de prevenção que podem ser seguidas, especialmente a higienização das mãos com água e sabão ou álcool e gel. Essas medidas, aliadas às medidas de isolamento social, podem contribuir substancialmente para o achatamento da curva de contágio.

          Lavar as as mão bem com talvez seja o mais importante. Estudos sugerem que se três vezes mais pessoas (60%) lavassem as mãos corretamente em todos os aeroportos do mundo, isso seria suficiente para frear a disseminação de várias doenças epidêmicas em até ~70%, incluindo o novo coronavírus. E mesmo aplicando esse nível de higienização em apenas 10 dos mais importantes aeroportos do mundo, o esforço poderia diminuir a força de disseminação do patógeno em até 37%.

          Apesar de no começo da pandemia a OMS e outros especialistas de saúde recomendarem o uso das máscaras faciais apenas para pessoas sintomáticas - visando especialmente evitar desabastecimento para os profissionais de saúde -, hoje recomenda-se o uso universal das máscaras, sintomáticos e assintomáticos (!). Aliás, é estimado que 50-80% da disseminação do SARS-CoV-2 esteja ocorrendo via assintomáticos, e as máscaras são eficientes para barrar inclusive os aerossóis liberados por esses indivíduos durante a fala e respiração.

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(!) ATENÇÃO: As máscaras não substituem a lavagem frequente das mãos com água e sabão ou com álcool em gel, as testagens e as medidas de distanciamento social amplo. Não toque a parte da frente da sua máscara, incluindo durante sua remoção. Assim que a máscara ficar úmida, troque-a. Sempre lave as mãos ao manuseá-la. O descarte da máscara deve ser feito em um recipiente/lixeira fechado. Não re-utilize máscaras. Caso usada ou descartada de forma inapropriada, a máscara pode se tornar uma perigosa fonte de infecção, devido ao acúmulo de possíveis patógenos na sua superfície. Hoje as agências de saúde internacionais recomendam o uso universal de máscaras, sintomáticos ou assintomáticos. Para mais informações, acesseAfinal, todo mundo deveria estar usando máscaras contra o novo coronavírus?

> ALERTA: Apesar de comumente recomendado ficar distante 1-2 metros de indivíduos sintomáticos, experimentos científicos têm mostrado que as gotículas expelidas pela tosse e pelo espirro formam nuvens de alta velocidade e de alto momento que podem alcançar até 6-8 metros de distância. Para mais informações, acesse: Espirro e tosse mandam gotículas contaminadas até 8 metros de distância
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          Na falta de máscaras, ao tossir e espirrar, cubra a boca e o nariz com as costas da mão, com o braço ou com um pano, para evitar contaminar superfícies diversas. E caso esteja se sentindo mal, fique em casa, sob repouso; no caso de sintomas como febre, tosse e dificuldade para respirar, procure atenção médica o mais rápido possível. Essas orientações precisam ser seguidas com maior ênfase caso tenha visitado um local onde esteja ocorrendo surtos da doença.

          Com ou sem máscara facial, evite tocar os olhos, nariz e a boca. Suas mãos podem tocar várias superfícies contaminadas e transferir patógenos diversos - incluindo o novo corona vírus - para seus olhos, nariz e boca. Nessas regiões, o vírus pode entrar no seu corpo e infectá-lo.
   
   

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://saude.gov.br/
  2. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-nCoV/summary.html
  3. https://www.bbc.com/news/world-middle-east-51673053
  4. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0269749120320601
  5. https://www.nature.com/articles/d41586-020-00154-w
  6. https://www.nytimes.com/2020/01/26/world/china-coronavirus.html
  7. https://www.theguardian.com/science/2020/jan/26/coronavirus-could-infect-100000-globally-experts-warn
  8. https://academic.oup.com/jtm/article/27/2/taaa021/5735319
  9. https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0230405
  10. https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/26/7/20-0282_article 
  11. https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/26/6/20-0357_article
  12. https://science.sciencemag.org/content/early/2020/03/30/science.abb6105
  13. https://www.atsjournals.org/doi/abs/10.1164/rccm.202003-0527LE
  14. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2005412 
  15. https://portal.fiocruz.br/
  16. https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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