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Qual é o maior peixe ósseo do mundo?

- Atualizado no dia 13 de abril de 2025 -

           Em um estudo recentemente publicado no periódico Journal of Fish Biology (Ref.1), pesquisadores reportaram o mais massivo peixe ósseo até o momento registrado, com uma massa corporal ultrapassando 2744 kg (>2,7 toneladas) e um comprimento de 325 cm (>3,2 m). O espécime foi encontrado morto no Arquipélago de Açores (Atlântico Norte), Portugal, e pertence à espécie Mola alexandrini, popularmente chamada de peixe-lua do Sul. 

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          Espécies do gênero Mola (família Molidae; Tetraodontiformes) são peixes ósseos altamente derivados e de grandes dimensões caracterizados por um corpo orbicular e fortemente comprimido, o qual alcança facilmente 3 metros de comprimento e massa de 2 toneladas. Membros desse grupo - representados hoje por três espécies (M. mola, M. alexandrini e M. tecta) e popularmente chamados de peixes-lua - são amplamente distribuídos no oceano aberto de mares tropicais e temperados. Esses peixes não possuem nadadeira caudal, a qual é substituída por um amplo lobo na forma de leme chamado de clavo. Outro traço anatômico notável é a presença de um coração morfologicamente muito simples em comparação com outros vertebrados (Fig.4).




Figura 4. Coração de um peixe-lua da espécie Mola mola. O órgão cardíaco desse peixe - com uma massa de aproximadamente 0,08% da massa corporal total - exibe uma topologia relativamente muito simples e o ventrículo é considerado o menos curvado entre os vertebrados conhecidos. Ref.9
 
Figura 5. Filogenia da família Molidae com ilustrações de um representante de cada gênero (A-C). Esse grupo é constituído de cinco espécies descritas, divididas em três gêneros: Ranzania, Masturus e Mola. Espécies do gênero Mola com descrições mais recentes na literatura científica: (1) M. tecta e (2) M. alexandrini. Ref.10

          O recorde prévio de peixe ósseo mais massivo também pertencia a um M. alexandrini, no caso, um espécime fêmea com 2300 kg, 272 cm de comprimento e registrado em 1996 no Japão (Ref.3).

          O grande porte corporal desses peixes está associado com um gradual resfriamento da superfície oceânica nos últimos 100 milhões de anos, favorecendo aumento do volume do corpo de peixes da ordem Tetraodontiformes ao longo de uma grande escala temporal, em acordo com a Hipótese Cope-Bergmann (Ref.11). Um maior volume corporal - e menor superfície de contato - reduz o fluxo térmico entre o corpo e o ambiente. Variantes térmicas no ambiente representam uma força seletiva de especial importância sobre organismos aquáticos e ectotérmicos ("sangue frio"), os quais têm dificuldade significativamente maior de regular a temperatura corporal do que organismos homeotérmicos ("sangue quente") e terrestres. Um maior porte corporal também fornece maior defesa contra predação (ex.: fator de intimidação) e tende a ser favorecido ao longo do tempo dependendo das condições ambientais e disponibilidade de recursos.

          Durante mergulhos profundos na busca por alimento (tipicamente até 100-200 metros), peixes-luas também parecem ter a habilidade de prevenir perda de calor através de outros mecanismos fisiológicos além do simples grande porte corporal (Ref.12). E talvez a característica comportamental mais marcante desses peixes é o hábito de nadar ou permanecer em repouso com um lado do corpo próximo e em paralelo à superfície marinha durante o dia (Fig.6) com função primária de reaquecer o corpo após mergulhos em águas profundas e frias (Ref.12-13). Uma possível função secundária é facilitar a limpeza de pele, através da remoção de ectoparasitas por aves marinhas e peixes na superfície do mar (Ref.14). Aliás, o nome em inglês para esses peixes (sunfish) faz referência a esse icônico hábito, por lembrar alguém "tomando sol".

Figura 7. Peixe-lua da espécie M. mola "tomando sol" na superfície do mar, reaquecendo o corpo. Nesse estado, aves como albatrozes podem aproveitar para catar parasitas (ex.: copépodes do gênero Pennella) na pele do peixe. Ref.10, 14

          Embora o grande tamanho e estranha forma corporal sugiram pouca agilidade e baixa habilidade de nado, os peixes-luas são poderosos nadadores - e capazes de rápida aceleração, alcançando até 6,6 m/s (Mola mola) - e conseguem realizar notáveis e ágeis manobras de evasão quando estão interagindo com um dos seus mais temidos predadores, as orcas (Orcinus orca) (Ref.5).


Figura 8. (A) Larva do peixe-lua da espécie Mola alexandrini. (B) Comparação de duas larvas de Mola com a mão de um humano adulto. Apesar de observados desde o século XVIII nos oceanos, só em 2020 análise de DNA comprovou que esses minúsculos peixes eram larvas ("bebês") de peixe-lua - algo por muito tempo nunca suspeitado devido à extrema diferença de tamanho e à morfologia muito divergente. Ref.6-7

          Apesar de tradicionalmente descritos como "gelatívoros obrigatórios", ou seja, consumo exclusivo de zooplâncton gelatinoso, evidências acumuladas nos últimos anos apontam que os peixes-luas podem se alimentar de um amplo espectro de presas, incluindo crustáceos, moluscos, tunicados cnidários e outros peixes (Ref.8). Especificamente, os peixes-luas passam por uma mudança ontogenética na dieta, onde indivíduos de menor porte se alimentam se um amplo espectro de presas bênticas de alta densidade energética próximo dos ambientes de praias, enquanto indivíduos maiores exibem uma dieta constituída primariamente de animais gelatinosos capturados em alto-mar. E, pelo menos na costa leste de Taiwan, as espécies M. mola e M. alexandrini parecem se alimentar primariamente de cnidários (ex.: águas-vivas) da classe Scyphozoa (Ref.15).

          Em peixes ósseos, a captura e o processamento de alimento são frequentemente particionados entre os maxilares orais e um segundo conjunto de maxilares na faringe (maxilares faríngeos). Enquanto os maxilares orais são frequentemente especializados na aquisição de presas, os maxilares faríngeos são especializados em separar porções desejadas e indesejadas do alimento. Os peixes-luas também possuem maxilares faríngeos, associados a dentes finos e curvados (Fig.9), e com função aparente de reter presas de difícil processamento mecânico (Ref.16). 

Figura 9. Em (a), foto de um peixe-lua adulto. Em (b), foto dos lobos direito e esquerdo do maxilar faríngeo do espécime, onde podemos ver múltiplas fileiras de dentes. Ref.16

> Os peixes ósseos (classe Osteichthyes) apresentam esqueleto ossificado e as brânquias cobertas pelo osso denominado opérculo. Os registros fósseis mais antigos desses peixes datam da Era Paleozoica, período Siluriano superior (há cerca de 440 milhões de anos). No período seguinte (Devoniano, por volta de 440 milhões de anos), houve grande diversificação de formas, eventualmente dando origem aos primeiros vertebrados terrestres (incluindo humanos). Importante mencionar que estruturas ósseas em peixes não são exclusivas dessa classe.

> Válido mencionar que, em termos cladísticos, é possível argumentar que a baleia-azul (Balaenoptera musculus) é o maior peixe ósseo do mundo, já que todos os vertebrados terrestres e seus descendentes aquáticos (ex.: cetáceos) são derivados de antigos peixes ósseos.

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REFERÊNCIAS

  1. Gomes-Pereira et al. (2022). The heaviest bony fish in the world: a 2744 kg giant sunfish Mola alexandrini (Ranzani, 1839) from the North Atlantic. https://doi.org/10.1111/jfb.15244
  2. Sawai et al. (2017). Redescription of the bump-head sunfish Mola alexandrini (Ranzani 1839), senior synonym of Mola ramsayi (Giglioli 1883), with designation of a neotype for Mola mola (Linnaeus 1758) (Tetraodontiformes: Molidae). Ichthyological Research, 65(1), 142–160. https://doi.org/10.1007/s10228-017-0603-6
  3. Sawai & Nyegaard (2022). A review of giants: Examining the species identities of the world's heaviest extant bony fishes (ocean sunfishes, family Molidae). Journal of Fish Biology, Volume 100, Issue 6, Pages 1345-1364. https://doi.org/10.1111/jfb.15039
  4. Peter & Biscoito (2019). The distribution of Mola alexandrini in the Subtropical Eastern Atlantic, with a note on Mola mola. Bocagiana (Museu de História Natural do Funchal), 245: 1-6.
  5. Nyegaard et al. (2023). Ocean sunfish, genus Mola Kölreuter, 1766 (Pisces Molidae), exhibit surprising levels of agility during interactions with orca, Orcinus orca (Linnaeus, 1758) (Mammalia Delphinidae). Biodiversity Journal, 2023,14 (1): 3–17. https://doi.org/10.31396/Biodiv.Jour.2023.14.1.3.17
  6. https://www.australiangeographic.com.au/topics/wildlife/2020/07/baby-sunfish-reveal-early-life-of-one-of-the-oceans-weirdest-fish/
  7. https://australian.museum/learn/animals/fishes/bump-head-sunfish-mola-alexandrini/
  8. https://www.taylorfrancis.com/chapters/edit/10.1201/9780429343360-9/diet-trophic-role-ocean-sunfishes-natasha-phillips-edward-pope-chris-harrod-jonathan-houghton
  9. Jensen & Lauridsen (2024). The simple morphology of the sunfish heart. Journal of Anatomy. https://doi.org/10.1111/joa.14198 
  10. Pope et al. (2010). The biology and ecology of the ocean sunfish Mola mola: a review of current knowledge and future research perspectives. Reviews in Fish Biology and Fisheries, 20:471–487. https://doi.org/10.1007/s11160-009-9155-9
  11. Troyer et al. (2022). The impact of paleoclimatic changes on body size evolution in marine fishes. PNAS, 119 (29) e2122486119. https://doi.org/10.1073/pnas.2122486119
  12. Nakamura & Yamada (2022). Thermoregulation of ocean sunfish in a warmer sea suggests their ability to prevent heat loss in deep, cold foraging grounds. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, Volume 546, 151651. https://doi.org/10.1016/j.jembe.2021.151651
  13. Nakamura et al. (2015). Ocean sunfish rewarm at the surface after deep excursions to forage for siphonophores. Journal of Animal Ecology, Volume 84, Issue 3, Pages 590-603. https://doi.org/10.1111/1365-2656.12346
  14. Abe & Sekiguchi (2012). "Why does the ocean sunfish bask?" Communicative & Integrative Biology, 5(4):395-398. https://doi.org/10.4161/cib.20376
  15. Chang et al. (2024). Diet breadth and overlap in the Family Molidae. Environmental Biology of Fishes 107, 877–897. https://doi.org/10.1007/s10641-024-01582-7
  16. Flaum et al. (2024). Functional morphology of the pharyngeal teeth of the ocean sunfish, Mola mola. The Anatomical Record. https://doi.org/10.1002/ar.25531