Tripofobia é um medo ou um nojo?
- Atualizado no dia 6 de outubro de 2024 -
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Se após ver a imagem acima você imediatamente sentiu agonia e desconforto inexplicáveis, é provável que a tripofobia seja a responsável por essas sensações. Reconhecida popularmente como um 'medo [fobia] de buracos' e ficando inicialmente notabilizada como um "fenômeno de internet", a tripofobia só nos últimos vem sendo melhor estudada e caracterizada. Evidências acumuladas sugerem que a condição afeta quase 2 em cada 10 pessoas e parece refletir adaptações evolucionárias. Mas será que essa condição é um real medo?
TRIPOFOBIA
A tripofobia é a resposta aversiva ou expressão de sensações desagradáveis - e frequentemente respostas somáticas (ex.: arrepios) - induzidas pela observação de um aglomerado de buracos, relevos ou outras configurações específicas de frequências espaciais inofensivas de alto contraste - onde arranjos com texturas de buracos ou poros são os mais comuns aglomerados tripofóbicos reconhecidos. Apesar de ser um fenômeno comumente reportado na população, a tripofobia ainda não é listada oficialmente em classificações psiquiátricas, como no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mais recente (DSM-5). Por outro lado, não existem listas de fobias no DSM-5, apenas critérios que determinam a classificação para fobia.
Se após ver a imagem acima você imediatamente sentiu agonia e desconforto inexplicáveis, é provável que a tripofobia seja a responsável por essas sensações. Reconhecida popularmente como um 'medo [fobia] de buracos' e ficando inicialmente notabilizada como um "fenômeno de internet", a tripofobia só nos últimos vem sendo melhor estudada e caracterizada. Evidências acumuladas sugerem que a condição afeta quase 2 em cada 10 pessoas e parece refletir adaptações evolucionárias. Mas será que essa condição é um real medo?
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TRIPOFOBIA
A tripofobia é a resposta aversiva ou expressão de sensações desagradáveis - e frequentemente respostas somáticas (ex.: arrepios) - induzidas pela observação de um aglomerado de buracos, relevos ou outras configurações específicas de frequências espaciais inofensivas de alto contraste - onde arranjos com texturas de buracos ou poros são os mais comuns aglomerados tripofóbicos reconhecidos. Apesar de ser um fenômeno comumente reportado na população, a tripofobia ainda não é listada oficialmente em classificações psiquiátricas, como no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mais recente (DSM-5). Por outro lado, não existem listas de fobias no DSM-5, apenas critérios que determinam a classificação para fobia.
Um estudo de 2013 (Ref.1), envolvendo 91 homens e 195 mulheres, sugeriu que cerca de 15% da população em geral é sensitiva às imagens associadas com a tripofobia. Aliás, esse foi o primeiro estudo peer-reviewed (revisado por pares) a analisar essa condição. Estimativas mais recentes reportadas na literatura acadêmica sugerem que 10-18% da população adulta experienciam alguma forma de ansiedade quanto expostas, visualmente, a um conjunto de pequenos buracos (Ref.18). Evidência de um estudo experimental de 2023 apontou que a condição parece manifestar bem cedo na infância, a partir de, no mínimo, 4-5 anos de idade (Ref.17).
Abaixo, imagens comuns em objetos do dia-a-dia que disparam a tripofobia.
Tal aversão ou forte ansiedade é manifestada em diferentes graus de intensidades nos afetados, como reportado em um estudo de 2015 (Ref.2), onde pesquisadores produziram uma escala baseada em vários tipos de sintomas e de características das imagens de exposição - Trypophobia Questionnaire (TQ). Esses sintomas podem cobrir um amplo espectro, desde cognitivos (ex.: sentir-se desconfortável) e psicológicos ligados à ansiedade (ex.: dificuldade respiratória) até aqueles afetando a pele (ex.: coceira). Os tipos de imagens tripofóbicas também influenciam nesses sintomas dependendo dos arranjos nelas presentes, e quando os padrões ocorrem na pele a aversão parece aumentar significativamente de intensidade (como pode ser observado na imagem abaixo). Algumas pessoas são tão intensamente incomodadas pela visão desses padrões que acabam não conseguindo nem mesmo encará-los por poucos segundos ou ficar perto da fonte visual.
MEDO OU NOJO?
Uma fobia pode ser definida como um medo marcante e persistente de um objeto ou situação específica que invariavelmente provoca ansiedade. Além disso, o indivíduo pode reconhecer que o medo é excessivo e irracional. As causas para tais medos são geralmente difíceis de ser elucidadas, podendo ser baseadas em princípios evolucionários, condicionamentos clássicos e pelo papel de pensamentos e crenças sobre objetos e situações. As mais proeminentes propostas teóricas que são oferecidas e que podem potencialmente explicar todas as fobias individuais envolvem ou o aprendizado ou, de forma mais aceita, os mecanismos evolucionários inatos.
De qualquer forma, apesar da tripofobia ser retratada como uma fobia/medo, estudos mais recentes têm ligado a condição mais como uma resposta psicológica associada com uma repulsão/nojo do que com o medo. Apesar da resposta de alguns indivíduos serem melhor caracterizadas como medo, a maioria expressa ansiedade ao invés de ficar amedrontadas. De fato, a tripofobia pode causar um amplo espectro de reações negativas, incluindo nojo.
Como dito, a tripofobia parece estar ligada a uma herança evolucionária, talvez de aversão à animais peçonhentos que expressam padrões tripofóbicos pelo corpo (como as cobras) ou de outras formas espaciais (como as aranhas que mostram padrões de grande contraste entre suas pernas negras contra uma superfície clara). É bem estabelecido que ver imagens de animais ameaçadores geralmente ativa uma reação de medo nos observadores, associada com o sistema nervoso simpático. Os ritmos cardíaco e respiratório aumentam e as pupilas dilatam. Essa hiperexcitação frente a um potencial perigo é conhecida como 'resposta lute-ou-fuja'.
Nesse sentido, em um estudo publicado em 2017 no periódico PeerJ (Ref.5), os pesquisadores resolveram testar se essas mesmas reações-reposta eram ativadas durante um evento de tripofobia. Usando tecnologia de rastreamento ocular que mede mudanças no tamanho da pupila para diferenciar as respostas dos participantes às imagens de aglomerados tripofóbicos, animais ameaçadores e imagens neutras (controle), dois experimentos foram conduzidos para analisar os diferentes tipos de aversão envolvidos nas exposições visuais.
Ao contrário das imagens de cobras e aranhas, as imagens tripofóbicas (no caso, envolvendo aglomerados de buracos) ativaram uma maior constrição das pupilas - uma resposta associada com o sistema nervoso parassimpático e sentimentos de nojo. Ao contrário de uma resposta 'fuja-ou-lute' (!), uma resposta parassimpática diminui a taxa de batimentos cardíacos e de respiração, e contrai as pupilas. Isso é uma sinalização para que o indivíduos seja cuidadoso e que também limita suas ações corporais para diminuir a exposição a algo que pode ser prejudicial.
Com base nesses resultados, os autores defenderam a hipótese de que a tripofobia pode ser parte de uma ferramenta evolucionária criada para alertar sobre uma contaminação ou uma doença - pistas visuais de comida podre ou mofada, ou uma pele afetada por uma infecção -, e não como algo para preparar o corpo contra animais peçonhentos. De fato, e como mencionado, existe mais evidência de suporte para doenças afetando a pele como causa primordial da tripofobia.
CONCLUSÃO
A relação entre medo e nojo é debatida há muito tempo, desde Darwin. Apesar de ambas as emoções fornecerem respostas defensivas e possuírem um claro valor adaptativo para os organismos, evidências científicas acumuladas sugerem que as duas são marcados por perfis comportamentais e impressões psicológicas bem distintos. Medo é considerado uma resposta para o perigo percebido, com ativação do sistema nervoso simpático. Já o nojo/repulsa é considerado uma reação a contaminação e é comumente associado com uma ativação do sistema nervoso parassimpático. Aracnofobia e ofidiofobia possuem firmes raízes no medo, enquanto a fobia de feridas relacionadas a sangue e injeções e a síndrome obsessiva-compulsiva são mais fortemente associadas com o nojo.
Nesse sentido, a tripofobia parece estar mais associada com o nojo do que com o medo propriamente dito. Portanto, o popular termo 'medo de buracos' talvez seria melhor definido como 'nojo de buracos' ou mesmo 'aversão de buracos'. Por outro lado, existe relevante evidência de que a condição está também fortemente associada com pavor/medo em muitos casos, e em algumas circunstâncias e casos pode se manifestar como uma típica fobia.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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Tal aversão ou forte ansiedade é manifestada em diferentes graus de intensidades nos afetados, como reportado em um estudo de 2015 (Ref.2), onde pesquisadores produziram uma escala baseada em vários tipos de sintomas e de características das imagens de exposição - Trypophobia Questionnaire (TQ). Esses sintomas podem cobrir um amplo espectro, desde cognitivos (ex.: sentir-se desconfortável) e psicológicos ligados à ansiedade (ex.: dificuldade respiratória) até aqueles afetando a pele (ex.: coceira). Os tipos de imagens tripofóbicas também influenciam nesses sintomas dependendo dos arranjos nelas presentes, e quando os padrões ocorrem na pele a aversão parece aumentar significativamente de intensidade (como pode ser observado na imagem abaixo). Algumas pessoas são tão intensamente incomodadas pela visão desses padrões que acabam não conseguindo nem mesmo encará-los por poucos segundos ou ficar perto da fonte visual.
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> A imagem acima foi censurada por causar forte efeito em pessoas com tripofobia. Para ver a imagem, acesse: Flor-de-Lótus sobre uma pele
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Ainda não se sabe o porquê de algumas pessoas manifestarem tripofobia e outras não, mas sendo esse um problema comum na explicação de fobias (por exemplo, algumas pessoas que nunca sofreram mordidas de cães podem se tornar fóbicas de cães, enquanto outras que já foram mordidas podem não desenvolver tal fobia). De um ponto de vista evolucionário, a tripofobia pode ser uma extensão de uma aversão intrínseca de cicatrizes, feridas, infecções de pele por ectoparasitas e de animais peçonhentos que apresentam padrões tripofóbicos (como no corpo de cobras ou aranhas), ajudando-nos a evitar doenças e envenenamento. Em outras palavras, pode ser a herança evolucionária de um traço adaptativo que nos ajudava a evitar o perigo - uma adaptação que pode ter emergido nos humanos, primatas ou conservada a partir de ancestrais mais antigos.
Existe mais evidência sugestiva para o cenário evolucionário onde a tripofobia emergiu como uma resposta aversiva a doenças virulentas e letais, marcadas por desenvolvimento de agrupamentos de pústulas ou formas mais arredondadas na pele humana (de fato, muitas doenças patogênicas apresentam esse tipo de manifestação clínica, talvez a varíola como exemplo mais notável) (Ref.12-14). Aliás, a imagem frequentemente reportada como a mais perturbadora para indivíduos tripofóbicos é justamente a montagem de uma flor de lótus sobe a pele humana, mencionada anteriormente.
Outra hipótese relevante relaciona componentes espectrais das imagens tripofóbicas (Ref.12). O log da energia de contraste é conhecido de diminuir linearmente com o aumento do log da frequência espacial f em imagens naturais. É sugerido que imagens com desvio de uma estrutura 1/f induz desconforto porque o sistema visual foi otimizado ao longo da história evolutiva para processar cenas naturais da forma mais eficiente possível. Imagens tripofóbicas possuem alta energia de contraste em frequências espaciais médias e esse atípico padrão espectral pode causar desconforto. Existe evidência limitada sugerindo que a tripofobia possui também um componente de aprendizado social (ex.: exposição nas redes sociais à existência da condição) em parte dos afetados (Ref.15).
Somando-se a isso, é interessante mencionar que um estudo de 2016 (Ref.3) relacionou a tripofobia com a síndrome da ansiedade social - o medo de uma situação social que pode envolver o julgamento negativo de outras pessoas (prevalência estimada de 10-15% entre a população global). Estudos prévios já tinham revelado que as pessoas sofrendo com essa síndrome psiquiátrica possuem um medo de contato visual (olho com olho) ou de serem encaradas. No novo estudo, os pesquisadores mostraram - através de uma seleção de imagens de rostos e olhos aglomerados - que a ansiedade social possui um efeito indireto significativo no desconforto associado com a aglomeração de olhos e faces (essa última em menor intensidade) e que esse efeito era mediado pela tripofobia. Isso sugere que tanto a ansiedade social quanto a tripofobia contribuem para a indução de desconforto quando um indivíduo é encarado por várias pessoas. Também sugere que o espectro da tripofobia pode ser mais amplo do que comumente pensado em relação aos gatilhos de exposição.
Existe evidência também de que a tripofobia tende a ser experienciada de forma mais intensa por pessoas que vivem em áreas mais urbanizadas (Ref.7). Como é pensado que tripofobia pode ser uma reação de aversão a infecções e animais peçonhentos, é sugerido que pessoas em áreas menos urbanas são menos sensíveis a imagens tripofóbicas, mesmo possuindo tripofobia, porque estão mais expostas a esses dois elementos desde a infância.
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MEDO OU NOJO?
Uma fobia pode ser definida como um medo marcante e persistente de um objeto ou situação específica que invariavelmente provoca ansiedade. Além disso, o indivíduo pode reconhecer que o medo é excessivo e irracional. As causas para tais medos são geralmente difíceis de ser elucidadas, podendo ser baseadas em princípios evolucionários, condicionamentos clássicos e pelo papel de pensamentos e crenças sobre objetos e situações. As mais proeminentes propostas teóricas que são oferecidas e que podem potencialmente explicar todas as fobias individuais envolvem ou o aprendizado ou, de forma mais aceita, os mecanismos evolucionários inatos.
De qualquer forma, apesar da tripofobia ser retratada como uma fobia/medo, estudos mais recentes têm ligado a condição mais como uma resposta psicológica associada com uma repulsão/nojo do que com o medo. Apesar da resposta de alguns indivíduos serem melhor caracterizadas como medo, a maioria expressa ansiedade ao invés de ficar amedrontadas. De fato, a tripofobia pode causar um amplo espectro de reações negativas, incluindo nojo.
Como dito, a tripofobia parece estar ligada a uma herança evolucionária, talvez de aversão à animais peçonhentos que expressam padrões tripofóbicos pelo corpo (como as cobras) ou de outras formas espaciais (como as aranhas que mostram padrões de grande contraste entre suas pernas negras contra uma superfície clara). É bem estabelecido que ver imagens de animais ameaçadores geralmente ativa uma reação de medo nos observadores, associada com o sistema nervoso simpático. Os ritmos cardíaco e respiratório aumentam e as pupilas dilatam. Essa hiperexcitação frente a um potencial perigo é conhecida como 'resposta lute-ou-fuja'.
Nesse sentido, em um estudo publicado em 2017 no periódico PeerJ (Ref.5), os pesquisadores resolveram testar se essas mesmas reações-reposta eram ativadas durante um evento de tripofobia. Usando tecnologia de rastreamento ocular que mede mudanças no tamanho da pupila para diferenciar as respostas dos participantes às imagens de aglomerados tripofóbicos, animais ameaçadores e imagens neutras (controle), dois experimentos foram conduzidos para analisar os diferentes tipos de aversão envolvidos nas exposições visuais.
Ao contrário das imagens de cobras e aranhas, as imagens tripofóbicas (no caso, envolvendo aglomerados de buracos) ativaram uma maior constrição das pupilas - uma resposta associada com o sistema nervoso parassimpático e sentimentos de nojo. Ao contrário de uma resposta 'fuja-ou-lute' (!), uma resposta parassimpática diminui a taxa de batimentos cardíacos e de respiração, e contrai as pupilas. Isso é uma sinalização para que o indivíduos seja cuidadoso e que também limita suas ações corporais para diminuir a exposição a algo que pode ser prejudicial.
Leitura recomendada:
Com base nesses resultados, os autores defenderam a hipótese de que a tripofobia pode ser parte de uma ferramenta evolucionária criada para alertar sobre uma contaminação ou uma doença - pistas visuais de comida podre ou mofada, ou uma pele afetada por uma infecção -, e não como algo para preparar o corpo contra animais peçonhentos. De fato, e como mencionado, existe mais evidência de suporte para doenças afetando a pele como causa primordial da tripofobia.
Um estudo Brasileiro publicado também em 2017 no periódico Brazilian Journal of Psychiatry (Ref.8), analisando 195 indivíduos com tripofobia, encontrou que a maioria (60,5%) reportava mais sintomas de nojo do que de medo, 11,8% apenas nojo, 5,1% em maior parte medo, 1% reportou apenas medo, e 21% experienciava a mesma quantidade de medo e de nojo. Ou seja, apesar do 'nojo' caracterizar melhor a tripofobia, existe também o componente de medo associado. Os resultados desse estudo corroboram um estudo experimental mais recente no periódico Cognition and Emotion (Ref.16) que encontrou componentes de nojo e de medo/ansiedade caracterizando a tripofobia.
Considerando as evidências psicológicas e fisiológicas acumuladas, alguns especialistas argumentam que a tripofobia deve ser descrita como uma aversão, melhor classificada dentro do contexto de estresse visual no qual certos estímulos induzem efeitos desagradáveis, como na epilepsia fotossensitiva. Por outro lado, fobias são comumente caracterizadas por traços de ansiedade e aversão.
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MEDO E NOJO?
Nesse ponto da discussão, é válido mencionar um caso reportado em 2018 no periódico Frontiers in Psychiatry (Ref.9) envolvendo uma paciente de 12 anos de idade, a qual demonstrou expressar tanto medo quanto nojo de superfícies e objetos com padrões tripofóbicos. Previamente, a menina, aos 9 anos de idade, havia sido acompanhada por um psiquiatra devido a um quadro de transtorno de ansiedade engatilhado pela separação dos pais. Na época, ela foi tratada com 50 mg de sertralina oral diária, resultando em uma resposta positiva.
Os sintomas de tripofobia da paciente - agora com 12 anos de idade - começaram 3 meses antes da sua consulta médica. Esses sintomas incluíam medos intensos, desproporcionais e incontroláveis, os quais estavam associados com a visão de objetos pontilhados, buracos ou elementos sobressalentes particularmente claros ou evidentes. Tal estado de medo estava sempre associado com sintomas neurovegetativos (ex.: taxas cardíaca e respiratória aumentadas, sufocamento, náusea, palidez, boca seca, suor e agitação). A paciente descrevia a si mesmo experienciando medo mesmo durante atividades diárias (ex.: ao olhar uma fatia de pão, ou quando este estava coberto com sementes).
Quando tentou determinar o início dos sintomas da filha, a mãe reportou um episódio durante o qual a paciente desesperadamente escapou do banheiro, logo após olhar as paredes de concreto perfurado (figura abaixo), sem conseguir explicar a situação ou a súbita reação. A mãe também reportou um evento quando a paciente viu a foto de uma colmeia de abelha vazia, deflagrando um repentino choro e angústia, mesmo nunca tendo expressado medo de abelhas antes. Após um ano de acompanhamento, o psiquiatra responsável determinou que o medo da paciente era engatilhado por objetos com padrões repetitivos (quadro de tripofobia). Outros sintomas expressados pela paciente (ex: forte pessimismo) justificaram também o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).
Após diagnóstico, a paciente foi submetida a uma terapia com 25 mg de sertralina oral diária em dose única pela manhã, aumentando para 50 mg após uma semana, junto com terapia cognitiva comportamental. Após 1 semana, a paciente reportou melhora de 20% nos sintomas de tripofobia, demonstrando ainda medo por padrões tripofóbicos mas sem sintomas neurovegetativos. Após 9 meses, a intensidade da fobia diminuiu 50%, com a paciente alcançando controle adequado do seu medo e encarando-o de maneira mais adequada.
E aqui vem a parte mais interessante. Em uma das consultas de acompanhamento ao psiquiatra, a mãe relatou que desde que a paciente tinha 4 anos de idade, ela se recusava a comer certos tipos de alimentos, lançando-os com raiva quando forçada a comê-los. A paciente em si descreveu que não sentia medo nessas situações, mas nojo por certos tipos de alimentos. Em suas próprias palavras: "Eu não conseguia comer pães com buracos, sopa de letrinhas, ou beber suco de framboesa, porque a textura das sementes geravam nojo em mim, e eu ainda sinto arrepios quando eu lembro disso." A paciente reportou sempre ter evitado comer morangos por sentir nojo do seu aspecto (também tripofóbico), e no consultório, quando a imagem de um morango foi progressivamente amplificada, a paciente manifestou ansiedade e eventualmente medo, e não mais nojo como antes acontecia.
Após completar o tratamento psiquiátrico, a paciente passou a reportar que estava experienciando mais nojo de padrões tripofóbicos do que medo desses padrões.
Esse último reporte, somado a evidências de estudos prévios, levou os pesquisadores a propor que a tripofobia pode se manifestar primeiro como um nojo, e evoluir com o tempo para uma aversão mais forte engatilhando medo e subsequentemente para uma fobia. No caso da paciente, a manifestação da tripofobia pode ter evoluído por causa do TAG. Isso sugere que a tripofobia é essencialmente um nojo, e transtornos de ansiedade podem atuar em conjunto para engatilhar medo ou uma real fobia.
MEDICAMENTOS E TRIPOFOBIA
Em um relato médico de 2018 (Ref.10), pesquisadores reportaram o primeiro caso conhecido de tripofobia aparentemente engatilhada pelo uso de um fármaco. No caso, uma mulher de 67 anos de idade com ansiedade situacional e depressão começou a usar gabapentina - sob orientação médica - em doses diárias de até 1800 mg, para o tratamento de uma parestesia afetando seus braços e ombros. A gabapentina foi efetiva em tratar a parestesia mas parece ter engatilhado um quadro de tripofobia na paciente, caracterizado mais proeminentemente por medo do que por nojo ou revulsão.
A paciente negou qualquer mudança visual, mas reportou que o arranjo de luzes em semáforos (foto abaixo) era particularmente perturbador, ao ponto dela não mais conseguir dirigir enquanto estava tomando doses de gabapentina acima de 900 mg/dia. Ela também reportou que certos estímulos na televisão passaram a assustá-la (ex.: imagens ampliadas de olhos de insetos). Outros gatilhos incluíam cabeça dos chuveiros (arranjos de furos onde saem a água), fotos de flores de lótus e os buracos em fatias de olivas. Todas imagens com potencial tripofóbico. A paciente reconhecia que o medo desses padrões visuais era irracional, ou seja, não entendia o porquê tais padrões começaram a incomodá-la tanto.
Quando a paciente abandonou o uso de gabapentina, os sintomas tripofóbicos exibiram dramática redução de intensidade. Quando voltou a usar o fármaco devido à recorrência de parestesia, a tripofobia retornou, impedindo-a de dirigir novamente. Quando sua medicação foi modificada, eliminando a necessidade de uso da gabapentina, a tripofobia eventualmente desapareceu. E meses depois quando precisou usar novamente a gabapentina, a tripofobia retornou. Finalmente, após reduzir a dose diária desse fármaco para 300 mg/dia, a tripofobia se tornou ausente ou muito mínima, não sendo mais capaz de interferir com suas atividades diárias.
Apesar do relato de caso não servir como prova científica de que a gabapentina foi a causa da tripofobia na paciente, esse último cenário é altamente provável. Esse fármaco é frequentemente usado para o tratamento de ansiedade e seu alvo é a subunidade α2δ-1 do canal de cálcio potencial-sensitivo. É incerto o mecanismo neural fármaco-mediado que pode ter engatilhado tripofobia na paciente.
Relevante também mencionar um relato de caso de 2020 onde a tripofobia de um paciente adolescente do sexo feminino foi efetivamente tratada com sertralina, um medicamento antidepressivo que aumenta a disponibilidade de serotonina no cérebro e indicado para o tratamento de transtornos de ansiedade (Ref.11).
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CONCLUSÃO
A relação entre medo e nojo é debatida há muito tempo, desde Darwin. Apesar de ambas as emoções fornecerem respostas defensivas e possuírem um claro valor adaptativo para os organismos, evidências científicas acumuladas sugerem que as duas são marcados por perfis comportamentais e impressões psicológicas bem distintos. Medo é considerado uma resposta para o perigo percebido, com ativação do sistema nervoso simpático. Já o nojo/repulsa é considerado uma reação a contaminação e é comumente associado com uma ativação do sistema nervoso parassimpático. Aracnofobia e ofidiofobia possuem firmes raízes no medo, enquanto a fobia de feridas relacionadas a sangue e injeções e a síndrome obsessiva-compulsiva são mais fortemente associadas com o nojo.
Nesse sentido, a tripofobia parece estar mais associada com o nojo do que com o medo propriamente dito. Portanto, o popular termo 'medo de buracos' talvez seria melhor definido como 'nojo de buracos' ou mesmo 'aversão de buracos'. Por outro lado, existe relevante evidência de que a condição está também fortemente associada com pavor/medo em muitos casos, e em algumas circunstâncias e casos pode se manifestar como uma típica fobia.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23982244
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- https://peerj.com/articles/4185/
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