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Devo fazer exercícios físicos antes ou depois de estudar?


- Artigo atualizado no dia 21 de julho de 2020 - 

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        Você pratica exercícios físicos regularmente, como a musculação e corridas? Se sim, são grandes as chances de você já ter se deparado com essa indecisão: faço os exercícios físicos antes ou depois de estudar? Pensando em qual momento é o ideal para estudar e memorizar/assimilar o conteúdo de uma prova ou para um trabalho, será que o período pós-exercícios físicos é melhor do que o pré-exercícios físicos? Ganho ou perco 'habilidades' cognitivas em torno das janelas de treino, ou não faz diferença?

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   ATIVIDADES FÍSICAS E OS BENEFÍCIOS COGNITIVOS

          Sem sombra de dúvidas, já foi exaustivamente comprovado que a prática regular de atividades físicas moderadas e intensas - sem exageros - ao longo da vida melhoram tanto a parte fisiológica quanto a parte psicológica do corpo, e isso em todas as idades. Segundo o acúmulo de evidências científicas nas últimas décadas, quanto mais cedo na vida você começa a incorporar os exercícios físicos como parte da sua rotina, especialmente corridas e musculação, maiores são os ganhos para todo o seu organismo e mais preparado para o avanço da idade você estará. 

         Na literatura científica, os exercícios físicos são frequentemente identificados como uma importante ferramenta para a otimização de um vasto espectro de parâmetros físicos, indo de balanço corporal, densidade óssea, força e resistência até perfil lipídico, metabólico, pressão sanguínea e saúde cardiovascular. A inatividade física é inclusive um fator de risco significativo para o desenvolvimento de alguns cânceres, como de cólon e de mama (Ref.23). Aliás, um estudo publicado no The Journals of Gerontology (Ref.24) mostrou que um período de apenas 2 semanas de inatividade física é o suficiente para aflorar um quadro sintomático de diabetes em pacientes com sobrepeso pré-diabéticos. E estudos nos últimos anos vem mostrando de forma consistente que as atividades físicas podem melhorar bastante a saúde do sistema nervoso (ex.: aumento da secreção de fatores neuroprotetores) e os perfis para marcadores de envelhecimento celular (ex.: comprimento dos telômeros e autofagia).

        Em relação à saúde cerebral, potenciais benefícios no humor e cognitivos incluem reduções em sintomas depressivos, tensão, raiva e confusão (ou seja, os exercícios físicos podem servir como um fator de proteção contra a exposição a agentes de estresse emocional), e otimização da memória funcional, processos inibitórios, multitarefas, etc, via, por exemplo, aumento da área branca (axônios e sinapses) e cinzenta (corpo celular dos neurônios), aumento de atividade do hipocampo, entre outras interferências positivas na rede neural. Inclusive existem boas evidências científicas suportando que os exercícios físicos podem ser promissores interventores não-farmacológicos na prevenção de declínios cognitivos e doenças neurodegenerativas associados com o avanço da idade, nesse caso promovendo uma maior longevidade às funções cerebrais, atrasando o surgimento de demências e estimulando a neurogênese (criação de novos neurônios no hipocampo, por exemplo).



         Em outras palavras, os exercícios físicos regulares - em um mínimo de 30 minutos diários de atividades físicas moderadas - trazem uma melhor qualidade de vida em todos os aspectos.

          Aliás, um estudo publicado no periódico Neurology (Ref.), analisando 206 adultos, trouxe evidências sugerindo que mesmo adultos sedentários podem ter uma maior desempenho em tarefas envolvendo memória (>2,4%) e raciocínio (>5,7%) após apenas seis meses de exercícios aeróbicos (benefícios associados a um melhor fluxo sanguíneo no cérebro).

        Mas e em relação aos efeitos de curto prazo dos exercícios físicos nos parâmetros cognitivos? O período de treino interfere na sua capacidade de aprendizado minutos ou horas em torno do intervalo dessas atividades físicas? É melhor eu estudar antes de ir para a academia ou depois?

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   EXERCÍCIOS FÍSICOS E EFEITOS IMEDIATOS NO APRENDIZADO

         Uma das bases fundamentais do aprendizado é a memória. A memória é um processo mental essencial e, sem esse processo, nós não somos capazes de nada além de reflexos simples e comportamentos estereotipados. Ela pode ser definida como uma mudança comportamental causada por uma experiência, e onde o aprendizado pode ser encarado como um processo para a aquisição de memória. Tudo o que você aprendeu está armazenado na memória e a consolidação dessa última (estabilização da memória) é essencial para o aprendizado de novas informações.




          Nesse sentido, memórias persistentes de longo prazo dependem do sucesso de estabilização e integração de novas memórias após a codificação inicial. Esse processo de consolidação parece requerer fatores de neuromodulação, como dopamina, noradrenalina e fator neurotrófico cérebro-derivado. Sem a liberação de tais fatores durante o período de codificação, memórias irão decair rapidamente. Estudos recentes têm mostrado que os exercícios físicos significativamente estimulam a liberação de vários fatores de promoção à consolidação da memória em humanos, levantando a questão sobre se os exercícios físicos podem ser usados para a efetivamente otimizarem a retenção de memória ao redor dos horários de estudo. E as evidências até o momento indicam que sim.

         Em um estudo publicado em 2016, na Current Biology (Ref.12), pesquisadores analisando essa questão utilizaram três grupos de participantes aleatórios - em um total de 72 - para realizarem uma atividade de aprendizado (no caso, envolvendo memória declarativa em relação a 90 fotos) antes de realizarem exercícios físicos aeróbicos (imediatamente após a tarefa de aprendizado ou 4 horas depois) e também um grupo de controle que não realizou os exercícios físicos. Idade e momento do dia da prática planejada de atividades físicas - 40 minutos - foram levados em conta, com as condições dos testes iguais para todos. 48 horas depois os participantes retornaram para um exame usando escaneamento por ressonância magnética. Os pesquisadores encontraram que a realização de exercícios físicos 4 horas depois do aprendizado, mas não imediatamente após, melhorou significativamente a retenção das memórias das fotos comprado com o grupo de controle. Além disso, a realização dos exercícios após um atraso de tempo estava associado com um aumento de similaridade de padrão hipocampal para respostas corretas durante a recuperação de memórias.

         Isso vem também para corroborar um estudo também publicado em 2016, na Exercise and Sport Sciences Reviews (Ref.13) (o qual também analisou a hipótese de otimização da memória com exercícios cardiovasculares) e também com um estudo de 2015, publicado na PLOS ONE (Ref.14), que encontrou melhoras na memória procedural (aquisição de habilidades motoras no caso). Porém, nesse último, os maiores benefícios foram adquiridos imediatamente após os exercícios físicos  - corrida moderada de 30 minutos -, e onde atrasos diminuíram o efeito positivo (foram analisados 24 jovens adultos saudáveis). E esse último resultado obtido, por sua vez, concorda com um estudo publicado na Behavioural Brain Research em 2017 (Ref.15), onde pesquisadores mostraram que uma sessão de exercícios físicos realizados imediatamente após o aprendizado promovem uma maior consolidação e persistência da memória relacionada ao reconhecimento de objetos, via aumento dos níveis de norepinefrina no hipocampo (interferência no sistema noradrenérgico hipocampal).
 
         Por outro lado, um estudo no final de 2017, publicado no European Journal of Neuroscience (Ref.16),  analisando 88 jovens adultos divididos aleatoriamente em quatro grupos (um realizando exercícios físicos de alta intensidade na esteira antes do aprendizado, exercícios após o aprendizado, exercícios antes do aprendizado e um grupo de controle) encontrou que apenas os exercícios físicos de alta intensidade realizados antes do aprendizado foram efetivos para otimizar a memória declarativa, e apenas a de longo-prazo e retrospectiva, tanto 20 minutos ou 24 horas depois (tempo de atraso para verificar o estado de retenção da memória). Para a memória de curto prazo e memória prospectiva em geral, não houve diferenças observáveis.

         Esse último estudo entra em corroboração com um publicado em 2015 no Journal of Sport & Exercise Psychology (Ref.17), onde exercícios aeróbicos prévios de variadas intensidades não tiveram efeito na memória de curto prazo entre 16 jovens adultos voluntários, mas um significativo efeito positivo na memória de longo prazo, especialmente quando os exercícios físicos realizados eram de alta intensidade. Aliás, revisões da literatura científica de 2013 citadas nesse estudo também mostram que exercícios físicos de alta intensidade antes do aprendizado possuem de moderado a grande efeito positivo na memória de longo prazo, mas nenhum observado na memória de curto prazo. E uma meta-análise citada, de 2012, mostrou que a intensidade dos exercícios físicos parece influenciar na intensidade dos benefícios em função do tempo de atraso: maior benefício para performances cognitivas imediatamente após exercícios de baixa intensidade e maior benefício após um tempo após exercícios de alta intensidade.

         Voltando ainda mais no tempo, em 2011 um estudo publicado na Research Quarterly for Exercise and Sport (Ref.18), pesquisadores efetuaram três testes com participantes diversos: (i) 30 minutos de bicicleta em intensidades moderadas antes da exposição à tarefa de aprendizado e 30 minutos de descanso posteriormente; (ii) 30 minutos de descanso antes e 30 minutos de bicicleta em moderada intensidade após a exposição; e (iii) 30 minutos de descanso antes e depois da exposição (controle). Exercícios físicos antes da exposição, mas não depois, resultaram em um significativo efeito positivo na memória.

        Já usando um modelo canino para exposição à tarefa de aprendizado, um estudo publicado no Frontiers in Aging Neuroscince (Ref.19) mostrou que a consolidação de memórias era significativamente otimizada 24 horas após os exercício físicos (10 minutos em uma esteira), mas não imediatamente ou 1 hora depois.

          Voltando aos humanos, um estudo publicado em 2018 na British Psychological Society (Ref.21), fez uma pequena revisão sobre o assunto corroborando benefícios à performance cognitiva subsequente aos exercícios físicos e, ao realizar um estudo clínico envolvendo 24 voluntários adultos, encontrou que exercícios aeróbicos e postura ereta (de pé) melhoravam substancialmente a memória de trabalho visual em comparação com indivíduos realizando tarefas em condições passivas e sentados.

          E, corroborando a revisão realizada por esse último trabalho científico, um estudo publicado na eLife (Ref.25), analisando ratos, mostraram que a execução curta de exercícios físicos diretamente melhora a expressão do gene Mtss1L, o qual aumenta as conexões entre neurônios no hipocampo, através do crescimento de espinhas dendríticas (local onde as sinapses se formam). Ou seja, considerando uma extrapolação para o cérebro humano, isso significa que uma sessão na academia pode tornar o cérebro biofisicamente mais favorável ao aprendizado, argumentando mais uma vez a favor de exercícios físicos antes do estudo.

        A grande maioria dos estudos analisam o efeito de exercícios aeróbicos (corridas, por exemplo), mas existem estudos (Ref.20) que sugerem observações similares em exercícios resistivos (como musculação). Aliás, exercícios físicos em geral estimulam e melhoram a circulação sanguínea, o que potencialmente otimiza o aporte de nutrientes e oxigênio. Esse fator (perspectiva hemodinâmica-metabólica) pode explicar grande parte dos benefícios cognitivos obtidos com a prática regular de exercícios físicos, especialmente durante e após os treinos.

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   CONCLUSÃO

         Analisando os estudos nessa área, fica evidente que os exercícios físicos possuem um papel de grande relevância não só na melhora cognitiva geral a longo prazo, mas também geram efeitos positivos a curto prazo e próximo dos intervalos de treino. O que ainda é incerto é sobre qual a melhor combinação de horários, intensidade/tipo dos exercícios físicos e tarefa de aprendizado para a obtenção dos melhores benefícios. No geral, o acúmulo de evidências até o momento sugere que a realização dos exercícios físicos de moderada-alta intensidade antes do momento de aprendizado/estudo - associado com a otimização da memória - garante os melhores benefícios, seguido dos exercícios físicos realizados imediatamente à exposição ao aprendizado. Nesse sentido, a memória de longo prazo parece ser, de longe, a mais beneficiada, com poucas evidências de ganhos benéficos para a memória de curto prazo.

        De qualquer forma, considerando que a memória de longo prazo é muito importante para quem está estudando para um prova, especialmente concursos e outros testes que exigem uma maior retenção de informações durante um curto período de tempo (dias ou alguns meses), apostar nos exercícios físicos de moderada-alta intensidade junto aos estudos definitivamente é uma boa escolha. Mas, como sugere a grande parte dos estudos clínicos, para extrair ao máximo os fatores de neuropromoção liberados durante os exercícios físicos, seria melhor você não deixar um intervalo muito grande (muitas horas) entre estudo e treino.

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ALERTA: Um estudo publicado no periódico Circulation (Ref.27) estimou que quase 60% das crianças Norte-Americanas não possuem uma capacidade cardiorrespiratória saudável, provavelmente devido à redução das atividades físicas cada vez maior nessa faixa de idade (menos brincadeiras ao ar livre, e mais jogos eletrônicos e televisão). Além de facilitar problemas crônicos como obesidade, diabetes e hipertensão, essa falta de atividades físicas pode prejudicar o rendimento escolar. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo aconselharam os pais a incentivarem mais a prática de brincadeiras e jogos que necessitam de vigoroso esforço físico, como futebol e natação.
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Artigos Recomendados:


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.betterhealth.vic.gov.au/health/healthyliving/physical-activity-its-important
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK201497/
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4874515/
  4. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0301051117300030
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2897704/
  6. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1074742714001439
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3786463/
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3768113/
  9. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK201501/
  10. http://www.pnas.org/content/97/23/12403.full
  11. http://healthysleep.med.harvard.edu/healthy/matters/benefits-of-sleep/learning-memory
  12. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982216304651
  13. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26872291
  14. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26506413
  15. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0166432817304825
  16. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ejn.13719/full
  17. http://journals.humankinetics.com/doi/abs/10.1123/jsep.2015-0335
  18. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3658977/
  19. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3910002/
  20. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0001691814001577
  21. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/bjop.12352
  22. https://science.sciencemag.org/content/361/6406/eaan8821
  23. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10810730.2018.1500658
  24. https://mira.mcmaster.ca/news-events/news-item/2018/07/31/just-two-weeks-of-inactivity-can-trigger-diabetic-symptoms-in-vulnerable-patients
  25. https://elifesciences.org/articles/45920
  26. https://n.neurology.org/content/early/2020/05/13/WNL.0000000000009478
  27. https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIR.0000000000000866