O que são as "mosquinhas de banheiro"?
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Figura 1. Mosca da espécie Psychoda cinerea, muito comum em banheiros. |
Aqueles insetos minúsculos que comumente são encontrados zanzando no banheiro de lares brasileiros são moscas do gênero Pychoda, pertencentes à família Psychodidae, ordem Diptera. O táxon mais comum nesse contexto são moscas da espécie Psychoda cinerea, popularmente conhecida como mosca-de-banheiro (Fig.1).
Referidos como "moscas mariposas" (moth flies, no inglês), os psicodídeos são dípteros pequenos (1–5 mm), de corpo densamente piloso, crepusculares a noturnos e dotados geralmente de reduzida capacidade de voo. Os adultos possuem um par de asas e o corpo coberto de cerdas - exibindo certa semelhança com mariposas - e são encontrados próximos a matéria orgânica em decomposição, fezes, ambientes úmidos, e suas larvas desenvolvem-se em habitats diversos, desde corpos de água lêntica, terra úmida, madeira, folhagem e matéria orgânica em decomposição, em riachos e cachoeiras, ambientes semidesérticos e até em regiões subantárticas. Recentemente, a espécie Psycoda albipennis foi reportada na Antártica marítima, introduzida através de atividades humanas (Ref.2).
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> Existem aproximadamente 3 mil espécies de psicodídeos descritas ao redor do mundo, distribuídas em em 6 subfamílias: Bruchomyiinae, Horaiellinae, Sycoracinae, Trichomyiinae, Phlebotominae e Psychodinae. A origem dessa família é incerta, com evidências moleculares e fósseis divergindo entre si. O grupo pode ser tão antigo quanto 201 milhões de anos atrás, no final do Triássico ou início do Jurássico. Ref.3-5
> A única subfamília de interesse médico é a Phlebotominae, cujos membros são hematófagos e capazes de transmitir ou causar doenças em humanos. Um membro notável é o mosquito-palha, vetor da leishmaniose. Para mais informações: Qual é a diferença entre as leishmanioses cutânea (tegumentar) e visceral?
> A maioria das espécies de psicodídeos se desenvolvem em corpos aquáticos (ex.: poças e riachos) durante os estágios larvais, com algumas poucas exceções cujo desenvolvimento ocorre em estrume, fungos ou no solo. Espécies na subfamília Trichomyiinae se desenvolvem dentro de buracos de árvores ou madeira podre e suas larvas são consideradas xilófagas. Espécies de Bruchomyiinae e Phlebotominae têm sido reportadas se desenvolvendo no solo e montes de folhas se alimentando de matéria orgânica em decomposição. Ref.6
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Quando ocupam áreas urbanas, muitos psicodídeos são comumente encontrados em banheiros, cozinhas e plantas de tratamento de esgoto. E, assim como grande parte dos membros da subfamília Psychodinae, larvas e adultos de espécies do gênero Psychoda podem ser frequentemente observadas dentro do ambiente doméstico, em lugares tipicamente úmidos e escuros. Aqui no Brasil, muitos provavelmente estão familiarizados com a espécie Psychoda cinerea (mosca-de-banheiro). As mosquinhas dessa espécie são uma companhia de muita gente durante as atividades no banheiro, onde encontram abrigo e alimento farto.
O ciclo de vida da mosca-de-banheiro (ovo → larva → pupa → adulto) dura ~2-3 semanas. Um total de ~140-190 ovos depositados pela fêmea maturam simultaneamente e a embriogênese dura ~3 dias (em temperatura de 24°C). Durante a fase larval, a mosca-de-banheiro alimenta-se de matéria orgânica em decomposição, como restos de pele e cabelo. Quando adulta, alimenta-se tipicamente de gordura corporal eliminada durante o banho (Ref.8), e comumente é observada explorando recursos nutricionais no vaso sanitário.
No ambiente natural, a dieta da mosca-do-banheiro é predominantemente composta de matéria orgânica presente em lodos.
No ambiente doméstico, predadores naturais da mosca-do-banheiro são aranhas papa-moscas (ex.: Menemerus bivittatus) e lagartixas domésticas (Hemidactylus mabouia). Esse último ponto ajuda a explicar por que é comum presenciar lagartixas correndo pelo banheiro.
Embora não sejam vetores de doenças (!), as moscas-de-banheiro podem causar preocupação em ambientes hospitalares ou controlados. Como habita comumente banheiros, pode levar contaminação (ex.: bactérias patogênicas) para áreas "estéreis". O mesmo se aplica para a cozinha.
Se muitas moscas-de-banheiro estão zanzando nos cômodos da sua casa, isso pode ser um alerta de que uma faxina extra pode ser necessária, especialmente em rachaduras e lacunas afins no banheiro que podem facilmente acumular água e matéria orgânica.
Genoma Miniaturizado
Curioso apontar que um estudo de 2009 (Ref.10) revelou que o genoma da mosca-de-banheiro (P. cinerea) é extremamente reduzido, com 1C de apenas ~100 Mb (1C = quantidade de DNA em um conjunto haploide de cromossomos)*. Esse valor está no limiar mínimo teórico para animais e é comparável àquele do verme Caenorhabdites elegans, um modelo laboratorial muito comum com rápido desenvolvimento e cerca de 19 mil genes codificantes. O atípico tamanho genômico da mosca-de-banheiro parece estar relacionado aos ovos muito pequenos produzidos pela fêmea e à espessura do blastoderma na embriogênese que limita o conteúdo de DNA no núcleo celular.
*Por exemplo, um gameta humano (óvulo ou espermatozoide) contém cerca de 3100 Mb (ou 3,1 Gb) de tamanho genômico, correspondendo ao valor de 1C.
(!) Miíase Acidental
Em alguns raros casos, moscas do gênero Psychoda e outros psicodídeos podem causar miíase em humanos, mas não como parte normal do ciclo de vida desses insetos. Por exemplo, acidentalmente ovos dessas moscas podem ser depositados em tecidos vivos de humanos e outros animais (ex.: trato urogenital, mucosas e feridas), onde larvas eclodem e se desenvolvem, resultando em complicações diversas nos locais infestados. Três espécies de psicodídeos têm sido reportados causando miíase acidental ou facultativa em humanos: Psychoda alternata, Psychoda albipenis e Clogmia albipunctata. Ref.11-12
Leitura recomendada:
REFERÊNCIAS
- Cordeiro, D. P. (2009). Taxonomia de Psychoda Latreille, 1796 (Diptera, Psychodidae, Psychodinae) no Brasil. [Dissertação, UFPR].
- Hernandez-Martelo et al. (2024). Uncharted territory: the arrival of Psychoda albipennis (Zetterstedt, 1850) (Diptera: Psychodidae) in Maritime Antarctica. Frontiers in Insect Science, Volume 4. https://doi.org/10.3389/finsc.2024.1481444
- Espíndola et al. (2012). Phylogenetic relationships in the subfamily Psychodinae (Diptera, Psychodidae). Zoologica Scripta, Volume 41, Issue 5, Pages 489-498. https://doi.org/10.1111/j.1463-6409.2012.00544.x
- Stebner et al. (2015). Moth flies and sand flies (Diptera: Psychodidae) in Cretaceous Burmese amber. PeerJ 3:e1254. https://doi.org/10.7717/peerj.1254
- Kim & Kim (2025). A new species and new records with a key to South Korean moth flies (Diptera: Psychodidae: Psychodinae). Journal of Asia-Pacific Entomology, Volume 28, Issue 2, 102394. https://doi.org/10.1016/j.aspen.2025.102394
- Mengual et al. (2022). What’s Inside the Hole? A Review of European Dendrolimnetic Moth Flies (Diptera: Psychodidae: Psychodinae). Diversity 14(7), 532. https://doi.org/10.3390/d14070532
- Kvifte, G. M. (2018). Molecular phylogeny of moth flies (Diptera, Psychodidae, Psychodinae) revisited, with a revised tribal classification. Systematic Entomology, Volume 43, Issue 3, Pages 596-605. https://doi.org/10.1111/syen.12288
- https://butantan.gov.br/bubutantan/%E2%80%9Ctudo-eu-nessa-casa--mosca-de-banheiro-entrega-fofura-e-faxina-gratis
- Marchiori, C. H. (2024). Bathroom fly - Family Psychodidae (Insecta: Diptera). Qeios. https://doi.org/10.32388/27M6SD.3
- Schmidt-Ott et al. (2009). Extremely small genomes in two unrelated dipteran insects with shared early developmental traits. Development Genes and Evolution 219, 207–210. https://doi.org/10.1007/s00427-009-0281-0
- Emer et al. (2024). A mammary myiasis caused by Psychoda albipennis (Diptera: Psychodidae) in a dairy cow: first record. Annals of Parasitology 2024, 70(1), 41–46. https://doi.org/10.17420/ap7001.521
- Larki et al. (2024). Urogenital Myiasis Caused by Psychoda Albipennis Larvae (Diptera: Psychodidae) in Ahvaz, South Western Iran: A Case Report. Archives of Razi Institute, 79(5):1117–1120. https://doi.org/10.32592/ARI.2024.79.5.1117