O que é a Polilaminina?
Polilaminina (poliLM) é um polímero biomimético caracterizado pela união química entre proteínas [monômeros] conhecidas como lamininas (LM). Criado e descrito por pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esse polímero é formado espontaneamente quando proteínas lamininas são colocadas em um meio ácido (pH <7) adequado e independentemente da concentração proteica inicial (Ref.1). De especial interesse no campo biotecnológico, a polilaminina é capaz de promover crescimento axonal - tanto in vitro quanto in vivo - e recuperação funcional in vivo de medula espinhal lesionada.
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> Lamininas representam o principal componente molecular da membrana basal, um tipo especializado de matriz extracelular caracterizada por uma geometria semelhante a uma lâmina plana. Essas glicoproteínas regulam uma variedade de fenômenos biológicos, incluindo o estabelecimento de limites entre tecidos vizinhos, o estabelecimento de filtros moleculares e a modulação do comportamento celular. E fornecem suporte essencial para a embriogênese e o desenvolvimento de tecidos.
> Sob condições fisiológicas, lamininas existem em uma forma polimérica natural, mas tal arranjo é perdido quando essas proteínas são extraídas de tecidos biológicos ou quando são expressas em sistemas heterólogos. A polilaminina recapitula a estrutura original de aglomerados endógenos de lamininas.
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Leitura recomendada:
Polilaminina e Lesão Medular
A lesão medular - resultante de danos na medula espinhal - causa perda permanente da função sensorial e motora abaixo do nível da lesão devido à morte neuronal. Diversos fatores extrínsecos agravam a lesão e limitam a capacidade regenerativa da medula espinhal:
- primeiro, a infiltração de células mieloides e as citocinas que elas secretam agravam a morte celular e criam um ambiente inflamatório generalizado;
- segundo, fibroblastos e astrócitos migram para o local da lesão e formam tecido cicatricial;
- terceiro, a baixa expressão de genes associados à regeneração no SNC e a presença de resíduos de mielina e tecido cicatricial inibem a regeneração axonal pelos neurônios.
No sistema nervoso, a expressão da laminina é regulada espacial e temporalmente para guiar a migração neural e o crescimento axonal durante o desenvolvimento embrionário e a regeneração.
Nesse sentido, recuperar as funções motoras de pacientes com lesões medulares é ainda um grande desafio na medicina.
No sistema nervoso central (SNC), a expressão da laminina endógena aumenta após lesões e promove regeneração, estimulando rejuvenescimento de neurônios maduros e criação de axônios (crescimento axonal). No entanto, no cérebro e na medula espinhal de mamíferos adultos, incluindo humanos, a produção espontânea de laminina após lesão não é suficiente para promover uma regeneração significativa.
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> Axônios são longas extensões dos neurônios que transmitem informações (impulsos elétricos) do corpo celular para outras células, funcionando como pontes no sistema nervoso.
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Enquanto injeção exógena de laminina é ineficaz para suplementar a produção endógena dessa proteína, a aplicação exógena de polilaminina consegue promover os efeitos regenerativos da laminina endógena. Isso foi primeiro mostrado em um estudo experimental publicado em 2010 (Ref.3), onde pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ demonstraram a regeneração e recuperação funcional da medula espinhal de camundongos com injeções intramedulares de polilaminina.
Notavelmente, a polilaminina mostrou ser capaz de promover não apenas crescimento axonal mas também neuroproteção, devido à inibição do processo inflamatório que ocorre após lesão medular.
Um estudo clínico mais recente publicado no periódico Frontiers in Veterinary Science (Ref.4) trouxe também resultados promissores com o uso de polilaminina na recuperação de cães com lesão crônica na medula espinhal. Cães tratados tiveram retomada total da marcha.
A polilamina parece ser igualmente eficaz na regeneração in vivo de nervos periféricos exibindo lesões extensivas (Ref.5).
Estudo Clínico em Humanos
Uma pesquisa revolucionária conduzida por 25 anos, e liderada pela professora Tatiana Coelho de Sampaio (Fig.3), chefe do Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular, do Instituto de Ciências Biomédicas (UFRJ), foi divulgada recentemente para a imprensa e trouxe evidência clínica inédita de que a polilaminina é eficaz na recuperação motora de pacientes humanos com lesão crônica na medula espinhal (Ref.6). Os resultados preliminares do teste clínico piloto estão descritos em um estudo publicado ainda como preprint (Ref.7).
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Figura 3. Pesquisadora Tatiana Sampaio, da UFRJ. |
Durante a fase experimental, seis pacientes lesionados - todos com perda total da função motora abaixo do local da lesão medular - que receberam a polilaminina e completaram o tratamento recuperaram os movimentos motores, total ou parcialmente. Uma única dose de polilaminina injetada na coluna foi suficiente para a recuperação funcional dos pacientes paraplégicos ou tetraplégicos (Fig.4-5).
> Vídeo mostrando o processo de recuperação de um dos pacientes tetraplégicos tratados: acesse aqui.
O estudo reforça a evidência de que a polilaminina funciona como um substituto biomimético para a laminina endógena, esta última insuficiente no sistema nervoso central de mamíferos após lesões e essencial para regeneração funcional do tecido nervoso lesionado.
Nenhum efeito colateral adverso foi observado com a aplicação de polilamina em pacientes humanos. Mas o nível de recuperação funcional depende do comprometimento do paciente com o pós-operatório e com o tempo passado após a lesão medular. Quanto mais rápida a aplicação da polilamina, melhor o resultado, mas casos crônicos também mostraram exibir notável melhora.
A pesquisa da UFRJ agora aguarda a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a realização do estudo clínico regulatório mais amplo.
> A laminina usada nos testes clínicos em humanos é extraída da placenta doada por mulheres saudáveis, acompanhadas durante toda a gravidez, e processada pela empresa de biotecnologia Cristália. A polilamina, por sua vez, é produzida no local cirúrgico, em uma solução injetável com concentração de 100 µg/ml. Duas injeções diretamente na medula espinhal do paciente são realizadas o mais próximo possível da lesão medular, cada uma carregando metade da dose terapêutica.
REFERÊNCIAS
- Hochman-Mendez et al. (2014). A Fractal Nature for Polymerized Laminin. PLoS ONE 9(10): e109388. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0109388
- Hochman-Mendez et al. (2022). Polymerized Laminin-521: A Feasible Substrate for Expanding Induced Pluripotent Stem Cells at a Low Protein Concentration. Cells 11(24), 3955. https://doi.org/10.3390/cells11243955
- Coelho-Sampaio et al. (2010). Polylaminin, a polymeric form of laminin, promotes regeneration after spinal cord injury. The FASEB Journal 24, 4513–4522. https://doi.org/10.1096/fj.10-157628
- Chize et al. (2025). A laminin-based therapy for dogs with chronic spinal cord injury: promising results of a longitudinal trial. Frontiers in Veterinary Science, Volume 12. https://doi.org/10.3389/fvets.2025.1592687
- Ribeiro-Resende et al. (2019). Biological activity of laminin/polylaminin-coated poly-ℇ-caprolactone filaments on the regeneration and tissue replacement of the rat sciatic nerve. Materials Today Bio, Volume 3, 100026. https://doi.org/10.1016/j.mtbio.2019.100026
- https://prefeitura.ufrj.br/2025/09/pesquisadora-da-ufrj-desenvolve-medicamento-promissor-para-reversao-de-lesao-medular/
- Coelho-Sampaio et al. (2024). Return of voluntary motor contraction after complete spinal cord injury: a pilot human study on polyaminin. (medRxiv). https://doi.org/10.1101/2024.02.19.24301010
- https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2025/09/medicamento-brasileiro-inedito-tido-como-capaz-de-reverter-lesao-medular-e-apresentado-em-sp.shtml