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Por que existem tantos nativos na Melanésia com cabelo loiro?

 

           Cerca de 5-10% das pessoas na Melanésia, um grupo de ilhas ao nordeste da Austrália, exibem cabelos naturalmente loiros - a maior prevalência desse fenótipo fora da Europa. Por outro lado, e fazendo sentido com fatores de pressão seletiva ligados à alta incidência de radiação solar em baixas latitudes, melanésios exibem a mais escura cor de pele fora da África. Africanos exibem cor escura tanto na pele quanto nos cabelos. Embora historicamente tenha sido sugerido que colonizadores da Europa introduziram o fenótipo "loiro" na Melanésia, um estudo de 2012 foi o primeiro a mostrar que cabelo loiro evoluiu duas vezes na nossa espécie, com mutações distintas responsáveis por essa traço fenotípico entre os europeus e entre os melanésios.

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            Pigmentação da pele, cabelo e olhos exibem uma grande variação entre diferentes populações nativas ocupando diferentes zonas geográficas. Variação na pigmentação de pele é fortemente - mas não exclusivamente (1) - associada com a intensidade da radiação ultravioleta (UV), de modo que pigmentação mais escura tende a ocorrer em regiões de baixa latitude, onde a incidência solar/UV é mais intensa. Essa distribuição geográfica é melhor explicada por um modelo no qual níveis de melanina, o pigmento primário da pele, é fortemente influenciado por seleção natural. Em regiões de baixa latitude, como na Melanésia e grande parte da África, maior nível de melanina (pele mais escura) protege contra os efeitos deletérios da radiação solar excessiva. Pele clara teria sido possível evoluir em latitudes mais altas e com menos incidência de UV, como na Europa, devido ao relaxamento da pressão seletiva contra radiação solar excessiva.

            A cor dos pelos em primatas, incluindo o cabelo humano, é determinada primariamente pela quantidade e tipo de melanina produzida próximo do centro do bulbo capilar nos folículos de fios pigmentados (2). Melanócitos produtores de melanina no bulbo capilar transferem esse pigmento até a medula e o córtex da haste capilar. Os pelos e fios no escalpo da maioria dos humanos modernos (Homo sapiens) é muito escuro (preto ou castanho escuro), com variação fenotípica comum apenas na Europa. Mais de 95% da melanina em cabelos pretos ou castanhos é eumelanina, com o restante representado por feomelanina (3). Cabelos loiros e ruivos possuem menos melanina no total do que cabelos escuros. E vários genes contribuem para a coloração capilar, em especial o gene da proteína MC1R (receptor da melanocortina-1). 

Leitura complementar:


          Povos nativos com pele escura tipicamente exibem cabelo preto. E cabelo preto é também a regra geral em populações nativas na Ásia que exibem pele clara. Cabelo loiro - o qual exibe pouca ou nenhuma forma de melanina - é tipicamente associado a populações na Europa de pele clara e habitando altas latitudes. E o fenótipo loiro em europeus está associado com variação regulatória do gene KITLG, este o qual influencia um amplo espectro de funções no corpo, incluindo produção de melanina (Ref.1).

          Porém, um notável contraste é observado em várias populações no sudoeste do Pacífico (Fig.1). Como esperado, dado os altos níveis de radiação UV nessa região, a pele de nativos ao longo da Melanésia é geralmente muito escura. No entanto, uma significativa fração desses nativos exibe cabelos loiros (Fig.2). O cabelo loiro, nesse caso, não é associado com redução na pigmentação da pele nessa região, sugerindo independência entre os dois fenótipos.


Figura 1. Mapa simplificado destacando [verde] a Melanésia.


Figura 2. Crianças melanésias naturalmente loiras.

           Um estudo de 2012 publicado na Science (Ref.2) comparou os genomas de 43 nativos loiros e 42 nativos de cabelo preto habitando as Ilhas de Salomão, na Melanésia, e revelou que o cabelo loiro nessa região estava fortemente associado com uma única mutação no gene TYRP1. Especificamente, uma mutação não-sinônima (alelo 93C) na posição 12694273 do cromossomo 9 (GrCH37/hg19), que resulta na produção de cisteína ao invés de arginina. O gene TYRP1 codifica uma enzima que influencia pigmentação em camundongos e humanos. O estudo chegou a sugerir que essa mutação é exclusiva das Ilhas de Salomão, presente em ~25% da população. Por ser um fenótipo recessivo, o indivíduo precisa de duas cópias para exibir cabelo loiro. No estudo, a mutação explicou cerca de 30% dos casos de cabelo loiro na Melanésia.

           Um estudo subsequente publicado em 2014 no periódico American Journal of Physical Anthropology (Ref.3), analisando o genoma de 550 nativos, encontrou significativa presença do alelo 93C nas ilhas da região norte da Melanésia (12% da população) onde cabelo loiro é também prevalente. Porém, a frequência desse alelo mostrou variar dramaticamente entre as ilhas, com valores entre 0,16 e 0,36 nas ilhas de Nova Hanover e Nova Irlanda, e quase ausência na ilha da Nova Bretanha. Reanalisando as Ilhas de Salomão, os autores do estudo confirmaram a associação entre o alelo 93C e redução na pigmentação capilar e de forma independente em relação à cor da pele. A maior frequência do alelo em Salomão foi observada em Malaita - ilha onde cabelo loiro, de fato, é muito prevalente. 

          Vários genes são conhecidos de contribuir para o cabelo loiro na Europa, mas o TYRP1 não é um deles, apontando evolução independente e convergente para esse fenótipo entre europeus e melanésios.

           É especulado que o alelo 93C emergiu na Melanésia entre 5 mil e 30 mil anos atrás - talvez no final do Pleistoceno -, alcançando rápida e alta frequência nas últimas 100-140 gerações. Os fatores causais para o robusto aumento de frequência dessa mutação são incertos, mas podem incluir efeito fundador, forte deriva genética e possivelmente seleção sexual. Por exemplo, por pura sorte ou razões culturais, vários pequenos grupos explorando e colonizando novas ilhas na região - a partir de populações maiores estabelecidas em outras ilhas - continham presença anormalmente maior de loiros ou de pessoas carregando uma ou duas cópias do alelo em questão. No caso de seleção sexual, é importante ressaltar que inexiste até o momento qualquer evidência antropológica apontando o fenótipo loiro em potenciais parceiros sexuais como mais atrativo entre melanésios. A notável variação de frequência da mutação entre as ilhas da Melanésia pode espelhar a complexa expansão geográfica humana na região.

Leitura complementar:


            Enquanto o alelo 93C explica boa parte dos loiros em nativos da Melanésia, outros fatores parecem ser também determinantes ou contribuintes para esse fenótipo na região. Por exemplo, crianças mais novas e indivíduos do sexo feminino tendem a ter o cabelo com menor pigmentação. Exposição solar excessiva pode contribuir para a despigmentação capilar (ex.: destruição da melanina pelo UV) (Ref.4). Variantes genéticas ainda não identificadas são outra possibilidade.


REFERÊNCIAS

  1. Jablonski, N. G. (2018). Hair Color. The International Encyclopedia of Biological Anthropology, 1–2. https://doi.org/10.1002/9781118584538.ieba0540
  2. Kenny et al. (2012). Melanesian Blond Hair Is Caused by an Amino Acid Change in TYRP1. Science, 336(6081), 554–554. https://doi.org/10.1126/science.1217849
  3. Norton et al. (2014). Distribution of an allele associated with blond hair color across northern island melanesia. American Journal of Physical Anthropology, 153(4), 653–662. https://doi.org/10.1002/ajpa.22466
  4. Joekes & Nogueira (2004). Hair color changes and protein damage caused by ultraviolet radiation. Journal of Photochemistry and Photobiology B: Biology, Volume 74, Issues 2–3, Pages 109-117. https://doi.org/10.1016/j.jphotobiol.2004.03.001
  5. https://www.nature.com/articles/nature.2012.10587