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As ruivas estão em processo de extinção?


- Atualizado no dia 19 de maio de 2023 -

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         Muitos já devem ter ouvido falar da história de que as ruivas desaparecerão em um futuro próximo. Isso tudo começou quando a National Geographic fez uma reportagem em 2007 que alegava, erroneamente, que os indivíduos ruivos estariam em um processo de extinção e que por volta de 2060 eles não mais fariam parte da nossa espécie (Homo sapiens). A reportagem, em particular, ressoava uma predição feita pela Oxford Hair Foundation (instituição Britânica hoje dissolvida), em 2005 (Ref.1). Mas isso passa longe da verdade.

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   GENÉTICA DOS RUIVOS

          Cerca de 1% a 2% da população mundial possui dois raros genes recessivos expressos no DNA e oriundos de uma variante do gene MC1R que são responsáveis pela mutação de uma proteína essencial na coloração da pele e cabelo/pelo nos mamíferos. Essa mutação é a causa principal da coloração avermelhada aos cabelos (1), variando de um vermelho bem intenso a um bem claro. Um desses genes vem da mãe e o outro do pai.

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(1) Nem sempre os cabelos vermelhos são causados pela mutação no MC1R. Em raros casos, outros genes responsáveis pela cor dos cabelos podem ser afetados por mutações que levem ao avermelhado capilar. (Ref.2) 
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          Porém, apesar de quase todos os ruivos possuírem essas duas cópias da variante MC1R, nem todo mundo carregando essas duas versões possui cabelos ruivos. Nesse sentido, de acordo com o maior e mais recente estudo sobre o assunto (Ref.12)*, realizado por pesquisadores da Universidade de Edinburgh e envolvendo a análise de quase 350 mil pessoas do Reino Unido, o MC1R apenas explica 73% de toda a hereditariedade para o cabelo ruivo. Aliás, esse estudo mostrou que a maioria dos indivíduos com as duas variantes MC1R possuem cabelos loiros ou castanhos claros. Os pesquisadores identificaram outras variações genéticas (8 no total) contribuindo para a ocorrência dos ruivos, envolvendo variações dentro e ao redor do gene MC1R (como o PKHD1, e o locus HERC2/OCA2), em um efeito combinado que representa cerca de 90% da hereditariedade. Alguns desses genes atuam controlando quando o MC1R é desligado ou ligado, ou seja, são genes regulatórios.

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*Além disso, os pesquisadores identificaram quase 200 genes associados com os loiros e morenos, muitos dos quais mostraram-se associados com a textura ou a forma de crescimento dos fios de cabelo (crespos ou lisos, por exemplo).
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          Estudos genéticos nos últimos anos têm mostrado que os Homo sapiens ruivos surgiram entre 20 mil e 100 mil anos atrás. Hipóteses sugerem que eles foram selecionados durante o processo evolutivo ou por produzirem uma pele bem clara - a qual seria ideal para absorver os raios solares em regiões mais afastadas do equador, como a Europa e consequentemente produzindo quantidades satisfatórias de vitamina D para o corpo (2) -, ou os genes apareceram apenas de forma deletéria e se estabeleceram via deriva genética: na África, a prevalência dos ruivos foi levada a níveis imperceptíveis por causa dos danos excessivos da radiação solar abundante na pele clara desse fenótipo e na Europa, por exemplo, eles foram 'deixados prosseguir' por não causarem prejuízos, já que a radiação solar nessa região é mais escassa.

(2) Artigo recomendado: Cor da pele e vitamina D

           A pele dos ruivos é bem suscetível aos danos solares por possuir escassa quantidade de melanina (pigmento protetor do UV na pele e responsável pelas tonalidades mais escuras) e não ser capaz, na maioria das vezes, de exibir bronzeamento em resposta ao 'banho de Sol'. Além disso, alguns estudos também sugerem que mutações no MC1R, por si só, já aumentam os riscos de um melanoma, independentemente da presença de radiação UV incidente sobre a pele, e que um alto número de sardas - fenótipo típico de ruivos - age sinergicamente com os alelos desse gene para aumentar o risco desse tipo de câncer (Ref.14). Hoje, os ruivos continuam prevalecendo no norte e oeste da Europa (entre 2 e 6% dos ruivos no mundo) (Ref.5-11).

          Evidências também sugerem que existiam ruivos entre os Neandertais, os parentes do gênero Homo próximos dos humanos modernos (3). Porém, as mutações e genes envolvidos não parecem ser os mesmos que os nossos (Ref.9).

(3Artigo recomendado: Neandertal, arte e linguagem

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   RUIVOS DESAPARECENDO?

           Os genes recessivos associados ao MCR1 dificilmente irão desaparecer das linhagens nas próximas gerações, independentemente da intensidade de misturas (fluxo genético) entre os grupos humanos contemporâneos. Para que uma pessoa seja ruiva, é necessário duas cópias desse gene no cromossomo 16, os quais podem vir mesmo de pais que não sejam ruivos. Isso porque muitos podem carregar apenas uma cópia desse gene e quando se junta um material genético com o de outra pessoa que também possua uma ou duas cópias do gene, existirá sempre uma significativa probabilidade genética dos dois serem expressos no filho/a, este o qual terá grandes chances de ser ruivo. 

Não se preocupem, os genes ruivos estão salvos!

          Para se ter uma ideia, entre 70 e 140 milhões de pessoa no mundo carregam variantes 'ruivas' desse gene, seja como par ou de forma solitária. Assim, os "pedaços genéticos" responsáveis por dar origem aos ruivos estão rodando por todo canto e sempre existirá um encontro de dois deles em algum filho por muito tempo ainda. Somente se uma catástrofe inexplicável extinguir todas as dezenas de milhões de portadores desse gene é que os ruivos e ruivas estarão com os dias contados nas próximas décadas ou séculos. Mas tem que ser algo estilo The Leftovers (Risos).

           Portanto, se você tem um fascínio por ruivas ou ruivos, é hora de parar de chorar. As variantes recessivas 'ruivas' de maior importância podem até se tornar raras em um futuro distante, mas dificilmente os ruivos desaparecerão por completo. Aliás, a própria National Geographic publicou recentemente uma extensa matéria esclarecendo o mito (Ref.13).





REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://sites.psu.edu/siowfa14/2014/10/14/are-redheads-going-extinct/
  2. http://www.nature.com/ng/journal/v39/n12/abs/ng.2007.13.html
  3. http://hmg.oxfordjournals.org/content/9/17/2531.short
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10885670
  5. http://www.nature.com/ng/journal/v11/n3/abs/ng1195-328.html 
  6. http://www.nature.com/nature/journal/v491/n7424/abs/nature11624.html
  7. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673600020420
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1288200/
  9. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ijc.23396/full
  10. http://science.sciencemag.org/content/318/5850/546 
  11. http://jmg.bmj.com/content/41/2/e13.short
  12. https://www.nature.com/articles/s41467-018-07691-z
  13. https://www.nationalgeographic.com/science/article/redheads-arent-going-extinct-heres-why
  14. https://academic.oup.com/bjd/article-abstract/181/5/1009/6602240