O que é a Polipose Adenomatosa Familiar?
Figura 1. Paciente exibindo múltiplos pólipos em várias partes do cólon e do reto nessa imagem de CT. Ref.1 - Atualizado no dia 5 de abril de 2024 - |
Uma paciente de 13 anos do sexo feminino foi apresentada ao hospital com sangramento retal junto com dor abdominal inferior e diarreia ocasional nos últimos dois anos. Ela também reclamava de febre ocasional. A paciente negou dores de cabeça, vômito, perda de peso ou anorexia. O pai a partir dos 34 anos de idade e a irmã mais velha a partir dos 14 anos de idade reportaram um histórico sintomático similar de sangramento retal, mas cuja entidade etiológica ficou sem diagnóstico em ambos os casos.
No exame médico, a paciente estava pálida, sem febre e hemodinamicamente estável. O abdômen estava macio, sem dor ao toque e não exibia distensão. Exame laboratorial não revelou nada de anormal, exceto um quadro de anemia (hemoglobina: 8,2 g/dL). Colonoscopia revelou múltiplos pólipos pedunculados e sésseis (>100) do reto ao ceco, e a biópsia de um pólipo retal foi consistente com colite focal ativa (Fig.2). Tomografia computacional (CT) do abdômen e da pélvis revelou múltiplos tecidos moles endofíticos polipoides heterogêneos no reto, cólon sigmoide, cólon descendente, aspecto mediano do cólon transverso e cólon ascendente (Fig.1).
Figura 2. Múltiplos pólipos no reto e no cólon apontados no exame de colonoscopia da paciente. Ref.1 |
Após correção do parâmetro sanguíneo com transfusão sanguínea, a paciente foi submetida a uma proctocolectomia total laparoscópica, com subsequente formação de reservatório ileal anastomosado ao canal anal [bolsa íleo-anal]. Análise macroscópica da porção intestinal removida revelou >500 pólipos pedunculados ao longo de todo o cólon (!). Junto com achados da análise microscópica e o histórico familiar, um diagnóstico de polipose adenomatosa familiar foi feito. Devido a limitações de recursos técnicos e financeiros, um teste genético não foi possível de ser realizado na paciente e nos membros familiares de alto risco.
- (!) Fotos da porção intestinal removida da paciente: acesse aqui.
O relato de caso foi descrito em 2021 no periódico International Journal of Surgery Case Reports (Ref.1).
POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR
O cólon e o reto constituem o intestino grosso, órgão importante do sistema gastrointestinal. A maior parte do intestino grosso é representado pelo cólon, um tubo muscular de ~1,5 metro de comprimento, onde água e sais são absorvidos do bolo alimentar restante após ter atravessado o intestino delgado; após passagem pelo cólon, os resíduos alimentares e digestivos finais vão para o reto (porção final de ~15 cm do sistema digestivo) - onde são segurados por músculos com formato de anel (esfíncter) e eliminados na forma de fezes pelo ânus após relaxamento e movimentos intestinais (1).
Figura 1. (A) Órgãos do sistema digestivo, com ênfase nas diferentes porções do cólon constituintes do intestino grosso. (B) Anatomia interna do cólon. Ref.2 |
(1) Para mais informações:
A maioria dos cânceres colorretais se iniciam como um crescimento na camada interna de revestimento do cólon ou do reto. Esses crescimentos - similares a caroços - são chamados de pólipos. Alguns tipos de pólipos podem se transformar em câncer ao longo do tempo (geralmente vários anos), mas nem todos os pólipos se tornam câncer. A chance de um pólipo se tornar câncer depende do tipo de pólipo:
- Pólipos adenomatosos (adenomas): Esses pólipos às vezes se transformam em câncer. Por causa disso, adenomas são chamados de "condição pré-cancerosa". Existem três tipos de adenomas: tubulares, vilosos e túbulo-vilosos.
- Pólipos hiperplásticos e pólipos inflamatórios: esses pólipos são mais comuns, mas em geral eles não são pré-cancerosos. Algumas pessoas com grandes pólipos hiperplásticos (>1 cm) podem precisar realizar exames mais frequentes para câncer colorretal com colonoscopia.
- Pólipos serrilhados sésseis e adenomas serrilhados tradicionais: esses pólipos são frequentemente tratados como adenomas porque eles possuem um maior risco para o desenvolvimento de câncer colorretal.
Entre outros fatores que podem tornar um pólipo mais provável de conter câncer ou aumentar o risco de desenvolvimento de câncer colorretal incluem:
- se um pólipo maior do que 1 cm é encontrado;
- se mais de 3 pólipos forem encontrados;
- se displasia é observada no pólipo após ser removido (displasia é uma condição pré-cancerosa onde existe uma área em um pólipo ou no revestimento do cólon ou reto onde as células parecem anormais, mas não se tornaram cancerosas).
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> O termo "pólipo" é derivado da palavra Grega polypous, que por sua vez significa "caroço mórbido". Ref.21
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Se um câncer se forma em um pólipo, o tumor pode crescer na parede do cólon ou do reto ao longo do tempo, inicialmente na camada mais externa (mucosa) e eventualmente podendo invadir outras camadas. Na parede intestinal, as células cancerígenas podem invadir vasos sanguíneos ou linfáticos, e alcançar nódulos linfáticos próximos ou outras partes distantes do corpo (metástase). O estágio do câncer colorretal dependerá do quão profundamente o câncer cresceu na parede intestinal e se espalhou para fora do cólon ou reto.
A maioria dos cânceres colorretais são adenocarcinomas, estes os quais se iniciam em células que produzem muco para lubrificar o interior do cólon e do reto. Outros tipos muito menos comuns incluem linfomas, sarcomas e tumores carcinoides.
Mais do que metade de todos os cânceres colorretais estão ligados a fatores de risco que podem ser modificados, como sobrepeso ou obesidade (2), inatividade física, dietas que incluem carnes processadas, fumo de tabaco e consumo alcoólico (3). Entre fatores de risco que não podem ser modificados por simples mudança de hábito, temos avanço de idade (mais comum em idades superiores a 50 anos), histórico pessoal de pólipos colorretais, diabetes tipo 2, câncer colorretal e de doença inflamatória intestinal (ex.: colite ulcerativa), histórico familiar de câncer colorretal ou pólipos adenomatosos, e ter alguma síndrome hereditária.
Cerca de 5% das pessoas que desenvolvem câncer colorretal possuem variantes genéticas (mutações) que facilitam o desenvolvimento de doenças cancerígenas. As síndromes hereditárias mais comumente ligadas com cânceres colorretais são a síndrome de Lynch (4) - responsável por 2-4% de todos os casos - e a polipose adenomatosa familiar - responsável por ~1% de todos os casos.
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Para mais informações
- (2) Fique alerta: a obesidade caminha junto com o câncer
- (3) Qual é a relação entre consumo alcoólico e câncer?
- (4) Fui diagnosticado com a Síndrome de Lynch: qual a chance do meu filho também tê-la?
> Um subtipo [Fna C2] da bactéria Fusobacterium nucleatum - conhecida de infectar tumores - parece estar fortemente associada com crescimento tumoral e progressão mais severa nos casos de câncer colorretal. A F. nucleatum é uma bactéria presente na cavidade oral humana e raramente encontrada no trato gastrointestinal inferior de indivíduos saudáveis, mas frequentemente é encontrada em grande abundância em tumores malignos colorretais. Ref.24
> Falando em microbioma, consumo adequado de fibras alimentares é um fator protetor contra câncer colorretal. Entenda: Qual a importância das fibras para a microbiota intestinal?
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A polipose adenomatosa familiar (PAF) é uma doença hereditária , autossômica dominante ,com penetrância próxima de 100% (!), causada por mutações no gene Adenomatous polyposis coli (APC) , localizado no cromossomo 5q 21. APC é um gene supressor de tumor, identificado em 1987, e reproduzido em 1991 após análise de mutações em famílias com PAF. Cerca de 1 em cada 4 pessoas com PAF exibem "mutações de novo", ou seja, sem histórico familiar e com mutações emergindo de forma espontânea nesse gene. A incidência reportada para a PAF na população geral varia na literatura médica (1 para cada 7-50 mil nascimentos) e afeta igualmente ambos os sexos (Ref.5-6).
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(!) Penetrância representa a proporção de pessoas carregando um alelo (variação de um gene) que expressam o fenótipo associado a esse alelo. No caso da PAF, penetrância próxima de 100% significa que quase todos os indivíduos carregando a mutação patogênica no gene APC (monozigótica ou heterozigótica) expressam a doença.
> O gene APC compreende 16 éxons, o último codificando quase 70% da proteína APC. Atualmente, mais de 2 mil variações patogênicas no gene APC têm sido identificadas, a maioria das quais observadas no éxon 15 do gene. Ref.7
> Mutações no gene APC são os passos iniciais para o desenvolvimento do câncer colorretal. Ele está relacionado com atividades celulares fundamentais nos processos de produção de proteínas, adesão celular e migração. Quando o APC sofre mutação, há interferência na proliferação , apoptose e controle das mudanças de fase do ciclo celular.
> O diagnóstico de PAF é feito quando você tem mais de 100 pólipos adenomatosos encontrados durante procedimentos de colonoscopia ou [mais acurado e definitivo] quando teste genético é feito em uma família com histórico de PAF e mutações patogênicas são identificadas no gene APC.
> O gene APC é altamente conservado no reino animal e a PAF não é exclusiva de humanos. Por exemplo, mutações nesse gene nos cães (Canis familiaris) também levam ao desenvolvimento da doença nesses animais e maior suscetibilidade a cânceres no sistema gastrointestinal canino. Ref.22
> Em 2022, no periódico Meta Gene (Ref.8), pesquisadores reportaram uma raríssima ocorrência: um indivíduo com três condições genéticas pró-cancerígenas: PAF atenuada (variante NM_000038.5 no gene APC), síndrome de Lynch (variante NM_000535.5 no gene PMS2) e cânceres de mama e ovariano hereditários (variante NM_024675.3 no gene PALB2). O indivíduo afetado apresentou-se para avaliação médica com um câncer colorretal no estágio IV aos 31 anos de idade.
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A PAF se manifesta pela presença de numerosos pólipos adenomatosos em todo trato gastrointestinal, principalmente o cólon (Fig.3). Estes pólipos podem estar presentes vários anos antes do aparecimento dos sintomas, fato que reforça a importâncias de investigação precoce dos familiares de pacientes acometidos pela doença. Geralmente a apresentação da PAF é assintomática na maioria mas pode se apresentar com diarreia, sangramento pelo reto e dor abdominal, tenesmo (incapacidade de defecação) e obstrução, mais comumente na segunda até a terceira década de vida. Estudos têm afirmado a existências de pólipos por pelo menos uma década antes do aparecimento dos sintomas. Estes pólipos progridem para câncer colorretal até 35-40 anos se não tratados adequadamente.
No tipo mais comum de PAF, centenas ou milhares de pólipos se desenvolvem no cólon e no reto do indivíduo, frequentemente se iniciando nas idades de 10 a 12 anos. Câncer geralmente se desenvolve em 1 ou mais desses pólipos tão cedo quanto 20 anos de idade. Pela idade de 35-45 anos, quase todas as pessoas até 100% das pessoas com FAP terão câncer colorretal se o cólon não tiver sido removido para preveni-lo. Pessoas com PAF também possuem um risco aumentado para cânceres do estômago, intestino delgado, pâncreas, fígado e alguns outros órgãos.
Existem 3 subtipos de PAF:
- FAP atenuado: pacientes possuem menos do que 100 pólipos, e cânceres colorretais tendem a ocorrer em idades mais avançadas (40-60 anos);
- Síndrome de Gardner: uma forma de PAF que também causa tumores não-cancerosos na pele, tecido mole e ossos, e incluindo lesões retinais emergindo como uma manifestação inicial (sintomas como flashes e flutuadores oculares são esperados);
- Síndrome de Turcot: é uma condição raramente herdada na qual a pessoa possui um maior risco para vários pólipos adenomatosos e câncer colorretal, além de um maior risco para meduloblastoma (um tipo específico de câncer cerebral).
Quando mais pólipos, maior o risco de câncer colorretal. A variação tanto do início de manifestação do câncer colorretal quanto do número de pólipos entre os pacientes é parcialmente explicada pela diferença dos locais de mutação no gene APC. Porém, apenas genótipo não parece ser um bom indicador para o diagnóstico de diferentes tipos de PAF (Ref.11). Os pólipos também acometem o trato gastro-intestinal alto (estômago e duodeno) sendo que aproximadamente 2/3 dos adenomas duodenais ocorrem na região periampular. Adenomas duodenais avançados representam risco aumentado de câncer, sendo a terceira causa de morte em pacientes com polipose adenomatosa familiar (~8%), ficando atrás das metástases do CCR (~58%) e de tumores desmoides (~11%).
Outra forma de apresentação clínica é a hipertrofia congênita do epitélio pigmentado da retina (CHRPE), que se caracteriza pela presença de lesões pigmentadas no exame de fundo de olho ocorrendo em 70-80% dos pacientes com polipose. Estas alterações oftalmológicas estão usualmente presentes no nascimento, são assintomáticas, sem potencial maligno e podem ser avaliadas por exames de baixa complexidade.
Tumores desmoides são mais raros, ocorrendo em 15% dos casos de PAF, mais frequentemente no abdome e parede abdominal (50%). Preferencialmente são assintomáticos e lesões intra-abdominais podem causar dor ou podem ser complicadas por obstrução ureteral, hemorragias e até mesmo fístulas enterocutâneas.
TRATAMENTO
Aspirina (1) e outros fármacos anti-inflamatórios não-esteroides (2) têm mostrado encolher ou reduzir o número de pólipos em pessoas com FAP, porém ainda inexiste evidência científica de boa qualidade suportando quaisquer formas de quimioterapia preventiva nesse sentido (Ref.10). Intervenções farmacêuticas visando a microbiota intestinal também estão sendo avaliadas e com recentes resultados promissores (Ref.11). Mais importante, pessoas com PAF exibindo >20 pólipos colônicos precisam ter o cólon removido para prevenir o desenvolvimento precoce de câncer de cólon. A cirurgia (colectomia) é frequentemente feita no final da adolescência e quando não existem ainda sintomas da condição. Existem várias opções cirúrgicas. O objetivo é remover todo o tecido colorretal sob risco de pólipos e a pessoa tratada continuar sendo capaz de passar fezes através do ânus.
Leitura complementar:
O diagnóstico e tratamento de adenomas gástricos e câncer gástrico recentemente têm se tornado uma crescente preocupação. A mais desafiadora manifestação fora da região gastrointestinal são os tumores desmoides, proliferações benignas mio-fibroblásticas que pode resultar em importante morbidade e mortalidade, especialmente quando se desenvolvem no mesentério.
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> Mesentério é uma dobra do peritônio, nome dado ao revestimento da cavidade abdominal, que une grande parte do intestino delgado com a parede posterior do abdômen e permite que ele se mantenha no lugar.
> A mais desafiadora manifestação do PAF e uma das principais causas de morte de pacientes com a condição são tumores desmoides, proliferações miofibroblásticas particularmente preocupantes quando se desenvolvem no mesentério. E trauma cirúrgico é um fator de risco para esses tumores, mas inevitável no PAF relativo à colectomia profilática. A maioria dos pacientes com PAF são submetidos a uma colectomia total com anastomose ileorretal (IRA) ou a uma proctocolectomia total com a formação de reservatório ileal anastomosado ao canal anal [bolsa íleo-anal] (IPAA), com a escolha entre as duas sendo orientada geralmente pelo fardo de pólipos retais. A técnica cirúrgica IRA parece estar associada a uma menor incidência de tumores desmoides. Ref.12
> A colectomia e a proctocolectomia estão associadas também com outras potenciais complicações, incluindo diarreia, incontinência fecal e efeitos adversos na função sexual, fertilidade e problemas de saúde relacionados à qualidade de vida. Além disso, esses procedimentos falham em prevenir manifestações patológicas extra-colônicas com maior incidência em afetados pela PAF em comparação com a população geral, incluindo polipose gástrica, polipose e câncer duodenais, câncer pancreático e câncer de tireoide. Ref.13-16
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Mas é importante realçar que, com o tratamento adequado, pacientes com PAF possuem expectativa de vida normal. O mesmo é válido para a condição conhecida como MAP, que será discutida a seguir.
POLIPOSE MUTYH-ASSOCIADA
A polipose mutyh-associada (MAP) foi primeiro descrita em 2002, em uma família Galesa na qual três irmãos exibiam múltiplos adenomas colorretais e carcinomas. Nenhuma mutação no gene APC foi encontrada nesses pacientes, mas um gene com defeito, MUTYH, foi identificado em ambos alelos. O MUTYH é um gene de reparo por excisão de bases - através da ação de enzima glicosilase que reconhece e remove bases lesadas da cadeia de DNA - localizado no cromossomo 1p34.3-p32.1 e mutações nesse gene levam a transversões somáticas G>T (erros nas sequências do DNA) em múltiplos genes, incluindo o APC e o K-ras. A MAP está associada com um aumento de 28-93x no risco de câncer colorretal; o risco é de 48% em pacientes com menos de 60 anos de idade. Ao contrário da FAP e outras síndromes hereditárias ligadas ao câncer colorretal, a MAP segue um padrão hereditário autossômico recessivo.
Importante realçar que a MAP não deve ser considerada uma forma atenuada de FAP, mas uma entidade clínica distinta com características peculiares e uma suscetibilidade geral maior para o câncer. Por exemplo (Ref.18):
- adenomas colorretais não são o único achado no MAP: lesões serrilhadas sésseis e pólipos hiperplásticos são um achado comum e considerado parte do fenótipo;
- o espectro clínico do MAP é amplo e muito variável: no geral, a doença é leve e é mais similar a um PAF atenuado (aPAF, entre 10 e 100 pólipos), mas às vezes a doença é mais severa e os pacientes apresentam um número maior de pólipos;
- pólipos no MAP parecem ter uma carcinogênese acelerada dirigida por uma alta carga mutacional e envolvimento do gene KRAS;
- e enquanto pólipos e câncer colorretal no PAF estão principalmente localizados no lado esquerdo do cólon-reto, no MAP a localização mais comum é no cólon direito [dificultando a visualização para o endoscopista] e envolvimento retal é incomum.
Notavelmente, os pacientes com MAP parecem ser mais predispostos a cânceres extra-intestinais como de ovário, endometrial, urinário, de pele, de tireoide e de mamas, assim como adenomas sebáceos.
> É ainda motivo de debate se uma mutação afetando apenas um alelo do gene MUTYH é deletéria ou motivo de preocupação. Evidência limitada sugere um aumento de 2,5-5x o risco de câncer colorretal, dependendo do histórico familiar, enquanto outras evidências sugerem um risco comparável àquele da população em geral. O maior e mais recente estudo sobre o tema encontrou um aumento modesto no risco de múltiplos cânceres [tumores sólidos] com variantes heterozigóticas desse gene, especialmente câncer colorretal e através de mecanismos similares àqueles observados em mutações bialélicas. Ref.18-23
> Durante endoscopias de vigilância no PAF e no MAP, polipectomia (remoção cirúrgica de pólipos) é realizada para lesões de maiores dimensões para prevenir progressão para lesões avançadas e câncer colorretal, e para adiar cirurgia colorretal. Recomenda-se a remoção [resseção] de pólipos com mais de 5 mm de extensão.
SÍNDROME DA POLIPOSE JUVENIL
Outra condição rara que pode ser comumente e incorretamente diagnosticada como PAF é a síndrome da polipose juvenil ou simplesmente polipose juvenil.
Os pólipos juvenis únicos são lesões hamartomatosas focais do epitélio mucoso e da lâmina própria. Apresentam-se geralmente em número de um a três em cada paciente e afetam aproximadamente 1% das crianças menores de 10 anos. Pólipos hamartomatosos isolados podem ser identificados no cólon de adultos; são lesões incidentais, referidas como pólipos de retenção. Em ambos os grupos etários, cerca de 80% dos pólipos ocorrem no reto, mas podem estar espalhados pelo cólon. Pólipos juvenis costumam ser grandes (1 a 3 cm de diâmetro), redondos, lisos ou discretamente lobulados, com hastes que podem ter 2 cm de comprimento enquanto que os pólipos de retenção costumam ser menores (< 1 cm de diâmetro).
A polipose juvenil, por sua vez, é afecção mais rara e faz parte do grupo das poliposes hamartomatosas familiares (PHF). Primeiro descrita em 1964, é uma síndrome autossômica dominante que pode ser desencadeada por mutações no gene SMAD4/DPC4 (que codifica um sinalizador intermediário de TGF-β). Caracteriza-se pelo aparecimento de 10 ou mais pólipos juvenis no trato gastrintestinal, primariamente no cólon e no estômago. Costuma se manifestar entre 4 e 14 anos de idade. Alguns pólipos adquirem focos adenomatosos apesar da natureza hamartomatosa das lesões e há chance de malignização. Indivíduos afetados apresentam maior risco para o desenvolvimento de câncer de estômago e câncer colorretal; mutações no gene SMAD4 parecem ser mais carcinogênicas.
Pacientes com polipose juvenil exibem sintomas típicos como hematoquezia, anemia, diarreia, dor abdominal, intussuscepção, obstrução intestinal e prolapso de pólipos.
O diagnóstico desta síndrome pode ser feito por edema opaco, retossigmoidoscopia e/ou colonoscopia seguida do exame anatomopatológico dos pólipos encontrados. Prevalência estimada é de aproximadamente 1 para cada 100 mil indivíduos. Por ser decorrente de uma alteração genética, a herança familiar é positiva em muitos casos. Aproximadamente 20-50% dos casos não exibem histórico familiar e podem estar associados a mutações de novo.
REFERÊNCIAS
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- https://www.cancer.org/cancer/types/colon-rectal-cancer/causes-risks-prevention/risk-factors.html
- https://www.oncolink.org/cancers/gastrointestinal/colon-cancer/risk-prevention-and-screening/familial-colorectal-cancers-familial-adenomatous-polyposis-fap
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