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Qual a importância das fibras para a microbiota intestinal?


- Atualizado no dia 14 de maio de 2019 -

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          Diversos estudos acumulados nas últimas décadas já mais do que estabeleceram que as fibras são essenciais para uma boa saúde intestinal. E isso não deveria ser novidade para ninguém. Por não serem absorvidas e nem digeridas, esses nutrientes fortificam a musculatura intestinal por forçarem uma digestão impossível, e ainda servem de alimento para a microbiota benéfica nessa região. Mas os benefícios não ficam limitados ao intestino. As fibras desaceleram a absorção e digestão dos carboidratos (ajudando a regular os picos de insulina - algo que alivia a sobrecarga no pâncreas), ajudam a otimizar nosso sistema imunológico, possuem papel importante no nosso metabolismo em geral e até podem diminuir os riscos de problemas cardíacos. Aliás, um maior consumo de fibras está ligado a uma maior longevidade.

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           FIBRAS

        As fibras são carboidratos não digeríveis pelo nosso sistema digestivo (enzimas humanas) e são divididas em duas classificações principais: fibras alimentares e fibras funcionais. As primeiras englobam todos os tipos de fibras derivadas das plantas, incluindo aquelas que não trazem benefícios para o nosso corpo. Já as fibras funcionais são aquelas que trazem efeitos fisiológicos benéficos para os humanos.

        A maior parte das fibras nos vegetais e frutas são insolúveis, exceto nas frutas cítricas. Ambos os tipos, solúveis e insolúveis, podem trazer benefícios para a flora intestinal, movimentação intestinal, composição/consistência das fezes e melhora no perfil lipídico do sangue. Obviamente, algumas trazem mais benefícios do que outras, onde as solúveis TENDEM a ter papel maior na melhora do perfil lipídico do sangue (como a diminuição do colesterol circulante) e as insolúveis TENDEM  a melhorar o trânsito intestinal e formação das fezes, apesar de existirem muitas exceções.


        Propriedades das fibras como a viscosidade e a fermentabilidade são mostradas serem importantes características em termos de benefícios fisiológicos. Fibras viscosas são aquelas com propriedades de 'formação de gel' no trato intestinal, e fibras fermentáveis são aquelas que podem ser metabolizadas por bactérias da microbiota intestinal. Em geral, fibras solúveis são melhor fermentadas e possuem uma maior viscosidade do que as fibras insolúveis. No entanto, nem todas as fibras solúveis são viscosas e algumas fibras insolúveis podem ser bem fermentadas.

        No geral, as fibras totais - as quais também estão presentes em grandes quantidades em grãos variados e cereais - estão associadas com uma redução nos níveis de colesterol sanguíneo e podem diminuir o risco de doenças cardíacas; melhoram as funções intestinais; e podem ajudar a fornecer uma maior sensação de saciedade a partir de uma menor quantidade de caloria. Muitos dos benefícios estão ligados com a interação das fibras com a flora bacteriana do intestino, sendo nutrientes utilizados por esses seres como alimento. Os produtos de fermentação dessas fibras pelas diferentes bactérias rendem subprodutos muito benéficos para o nosso corpo, como uma ampla variedade de ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato. Além disso, manter nossas boas bactérias bem alimentadas e em um bom nível populacional ajuda a proteger o corpo contra a invasão ou atuação de patógenos via intestinal.

         Recomenda-se a ingestão de 25 g/dia de fibras para as mulheres adultas e 38g/dia de fibras para os homens adultos. No geral, o mínimo recomendado para os adultos é de 25-29 g. Por causa da baixa aceitação de vegetais, cereais e grãos por grande parte da população, e maior preferência por alimentos processados, a quantidade ingerida pela média populacional acaba sendo bem inferior do que o recomendado em vários países. Nos EUA, o consumo médio fica em torno de 15 g/dia para ambos os sexos. Dietas na moda que envolvem corte extremo no consumo de carboidratos (low-carb diets) também tendem a limitar bastante o consumo de fibras, e precisam ser seguidas sob a orientação de um nutricionista. Por outro lado, um excesso de fibras também pode trazer sérios problemas nas funções intestinais.

Manter uma dieta equilibrada, com bastante frutas e verduras, garante o recomendado diário de fibras

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   ALIMENTE SEUS COMPANHEIROS

          A dieta fortemente afeta a composição da nossa microbiota intestinal. Há um bom tempo os pesquisadores estão dando uma ênfase ainda maior ao consumo das fibras, porque a saúde das nossas bactérias benéficas claramente depende em grande extensão delas. Em estudos com ratos já foi mostrado que as bactérias essenciais no intestino se alimentam principalmente de fibras, muito mais do que as competidoras maléficas e outros seres, como os fungos, os quais também costumam causar bastante problema nesta região. E estudos se acumulando nos últimos anos  comprovam que a baixa ingestão de fibras diminui perigosamente a diversidade e quantidade de boas bactérias no intestino humano, assim como em outros primatas.

          A fermentação mencionada anteriormente não é apenas uma fonte de substâncias saudáveis para  nós, mas é praticamente certo de ser vital também para a sobrevivência da nossa parceria simbiótica com as bactérias boas. Ou seja, incluir quantidades recomendadas de fibras no seu cardápio auxilia na manutenção de bons aliados. Somando-se a isso, a digestão das fibras por essas bactérias liberam vitaminas e minerais para nós, presas em estruturas inalcançáveis pelas nossas enzimas digestivas, e com isso podendo gerar ações benéficas em várias partes do nosso corpo, incluindo a prevenção de doenças e alergias.

          Para se ter uma ideia do quão importante essas bactérias são para a nossa saúde, em 2015 pesquisadores da University of British Columbia e da  Children's Hospital, em Vancouver, descobriram, depois de analisarem 314 crianças, que a ausência de quatro tipos de bactérias (FaecalibacteriumLachnospiraVeillonella, and Rothia)  até a idade de três meses, eleva o risco de  desenvolvimento de asma a partir dos 3 anos de idade. E a presença desses microrganismos é crucial nos primeiros meses de vida, porque, de acordo com os resultados do estudo (Ref.10), mesmo se essas bactérias aparecem depois no bebê (até 1 ano de idade), a proteção não era garantida. Tratamentos em ratos que não possuíam essas bactérias mostraram que eles apresentavam menores riscos de desenvolverem inflamações nas vias aéreas quando as mesmas bactérias eram introduzidas no intestino desses animais.

   CAMADA DE MUCO

            Para quem não costuma ingerir suficiente quantidade de fibras, ou ínfimas quantidades, outro grande problema pode surgir: certas bactérias, famintas por carboidratos (antes fornecidos pelas fibras), começam a comer o próprio muco do cólon que serve de proteção contra infecções neste órgão e é responsável, basicamente, por impor uma barreira física entre o hospedeiro e as trilhões de bactérias ali colonizando.
Cuide bem da sua microbiota, ou ela pode se rebelar

          O muco do cólon é uma barreira física que consiste de duas camadas: uma interna e outra externa. Em um cólon saudável a camada interna é virtualmente estéril, bem definida e anexada ao epitélio. Em contraste, bactérias pesadamente colonizam a camada externa e degradam os glicanos do muco como fonte de energia. Nesse sentido, a camada externa é apenas fracamente anexada, menos definida e formada por muco, bactéria e conteúdo intestinal. No geral, o muco do cólon é mantido por uma extensiva rede de mucina-2 glicosilada (Muc2), a qual se expande após a secreção das células goblets e renova a camada interna do muco em 1-2 horas, e, portanto, prevenindo os micróbios de alcançar o epitélio intestinal e ultrapassá-lo (translocação). De fato, defeitos estruturais ou completa ausência da camada de muco pode causar graves colites em ratos. Em humanos, similar penetração bacteriana através do muco já foi observada em pacientes com colite ulcerativa ativa e doença inflamatória intestinal, e uma correlação entre penetrabilidade do muco e disglicemia já foi também observada.

          Nesse contexto, muitas bactérias no intestino podem degradar e metabolizar específicos carboidratos glicanos no muco do cólon na falta de carboidratos das fibras alimentares. Estudos com ratos mostram que a camada desse muco protetor é drasticamente reduzida em um regime contendo baixa quantidade de fibras, fazendo com que os roedores ficassem imensamente propensos a adquirem infecções intestinais. Ratos em regime livre de fibras, infecções com a bactéria Citrobacter rodentium geravam colites letais. Em humanos, a típica dieta Ocidental - cheia de fast-foods e com baixa quantidade de fibras - é um fator de risco já comprovado para infecções pelo patógeno Clostridium difficile. E não adianta comer muita fibra num dia, e, no outro, só comer porcaria. Em ratos que ficaram dias intercalados comendo fibras, a diminuição da camada de muco foi 50% maior do que naqueles que comiam este nutriente diariamente e nas quantidades recomendadas.

         Em um estudo publicado em 2018 na Cell (Ref.13), os pesquisadores mais uma vez demonstraram que, a partir de uma dieta tipicamente Ocidental, a baixa ingestão de fibras alimentares geram alterações na composição da microbiota que, por sua vez, gera uma redução na taxa de crescimento e maior penetrabilidade da camada interior do muco no cólon. Ratos nessa dieta, exibiram uma rápida e progressiva perda em distintos grupos de bactérias e diversidade microbiana (1-3 dias) e entre 3 e 7 dias experienciaram uma grave deterioração da camada interior do muco. A baixa quantidade de fibras reduziram especialmente a população das bactérias do gênero Bfidobacterium, dando espaço para outras bactérias que degradam e metabolizam o muco crescerem em número.

          Aliás, um artigo publicado em 2016 na Nature (Ref.11) já tinha mostrado que as fibras são tão importantes para a nossa microbiota que um baixo consumo desses nutrientes, através de gerações de famílias, extingue diversas bactérias benéficas do intestino das pessoas, não adiantando mais nem voltar a consumir uma alimentação rica em fibras para recuperá-la. Os pesquisadores do estudo mostraram que torna-se necessário nessa situação reintroduzir as bactérias perdidas na população, especialmente no Ocidente, através de técnicas especiais ainda em desenvolvimento e promover um maior consumo de dietas ricas em fibras para impulsionar o crescimento delas e manter as outras populações bacterianas protegidas.

          Nesse sentido, ainda em 2016, um estudo realizado na Universidade de Minnesota, EUA (Ref.12), mostrou que macacos em cativeiro perdem grande parte da sua microbiota intestinal nativa, fazendo com que essa ficasse parecida com aquela encontrada nos humanos. Como os macacos em cativeiro são submetidos à uma dieta com menor conteúdo de fibras (menos plantas) e relativamente similar àquela consumida pela alimentação da população ocidental (humanos), é mais do que provável que isso esteja afetando a diversidade de bactérias saudáveis em seus intestinos, deixando-os mais vulneráveis a problemas de saúde diversos.

       
    MICROBIOTA E O CÂNCER

          Um estudo recente publicado na Science (Ref.14) mostrou que as bactérias da microbiota intestinal podem afetar as respostas dos pacientes à imunoterapia contra o câncer. Analisando amostras de pacientes com cânceres de pulmão e de rins, os pesquisadores encontraram que os pacientes que não respondiam ao tratamento tinham baixos níveis da bactéria Akkermansia muciniphila.

          Com o auxílio de uma suplementação oral da bactéria em ratos tratados com antibióticos, os pesquisadores mostraram que a resposta à imunoterapia era restaurada. Além disso, analisando pacientes com melanoma recebendo bloqueadores PD-1, foi encontrado a presença de uma maior quantidade de "boas" bactérias no intestino dos pacientes que respondiam ao tratamento; já os que não mostravam resposta apresentavam um desbalanço na composição da microbiota intestinal, algo correlacionado com uma atividade imune celular prejudicada

           Em outras palavras, manter uma microbiota saudável parece ajudar até mesmo os pacientes a combater o câncer, de acordo com a conclusão do estudo. Além disso, isso se soma às evidências cada vez crescentes de que o maior consumo de fibras ajuda a prevenir o câncer colorretal e até possivelmente diminuir o risco no desenvolvimento de câncer de mama.

          Existem também evidências clínicas de que o consumo de cereais e grãos integrais interfere positivamente com a produção de serotonina no intestino (onde a maior parte dessa substância é produzida no corpo), algo que pode estar associado com o menor risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns cânceres visto em indivíduos que ingerem uma maior quantidade de fibras na dieta, especialmente no câncer de cólon. A serotonina atua no cérebro como um importante neurotransmissor, mas, quando é produzida no intestino, atua em funções periféricas, incluindo na modulação da motilidade intestinal. Um estudo publicado no The American Journal of Clinical Nutrition (Ref.16) encontrou que o consumo de centeio e de trigo integrais diminui significativamente a produção de serotonina sendo sintetizada como metabólito no cólon, tanto de ratos quanto de humanos, em comparação com o consumo não-integral desses cereais. Uma alta quantidade de serotonina circulando no plasma sanguíneo está associado com altos níveis de glicose no sangue (fator de risco para a diabetes tipo 2) e alguns estudos recentes têm mostrado que pacientes com câncer apresentam maiores níveis de serotonina no sangue do que pacientes saudáveis.


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   FIBRAS SALVAM VIDAS

          Na média, o consumo de fibra está muito baixo no mundo todo, e mais de 90% da população mundial está ingerindo menos do que 20 g diárias desse nutriente. A baixa ingestão de fibras está diretamente ligada à ocorrência de muitas doenças crônicas e problemas diversos no corpo.

          Um grande estudo de revisão sistemática e meta-análise publicado no periódico The Lancet no começo deste ano (2019) (Ref.15), analisando 185 estudos prospectivos e 58 testes clínicos envolvendo 4635 adultos, encontrou que mudar de uma dieta com baixo consumo de fibra (até 15 g/dia) para uma com moderado-alto consumo de fibra parece diminuir cerca de 15-30% das mortes por todas as causas e por doenças cardiovasculares, e diminuir significativamente a incidência de doenças coronárias cardíacas, derrames, diabetes tipo 2 e câncer colorretal. Além disso, um maior consumo de fibra estava associada como uma menor incidência de obesidade/sobrepeso, pressão sanguínea sistólica e colesterol total. As maiores reduções de risco para problemas diversos e mortalidade foram observados para indivíduos consumindo de 25 g a 29 g de fibras diariamente, mas o consumo acima de 30 g/dia - sem excessos - foi associado com possíveis maiores benefícios.


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   CONCLUSÃO

           A microbiota benéfica no nosso intestino parece ser muito  dependente do consumo de fibras, mas, infelizmente, grande parte das pessoas - especialmente no Ocidente - consome uma quantidade ínfima delas, por causa, principalmente, da moda 'fast food'. Para quem não quer comer muitos  grãos, cereais, verduras e frutas (o que não é aconselhável, porque além das fibras, você também ingere junto com estes alimentos vitaminas, proteínas e minerais da melhor qualidade), barras de fibras vendidas em farmácias também ajudam a resolver o problema. E lembrando: o consumo deve ser diário, porque os habitantes unicelulares da sua microbiota estão sempre com fome. Mas não exagere, porque muita fibra acelera perigosamente o trânsito intestinal (a absorção efetiva de nutrientes fica comprometida) e induz a um aumento excessivo de bactérias no seu intestino, o que pode trazer grande quantidade de gases e desequilíbrio na sua microbiota intestinal. Um consumo de 25-30 g/dia já é o suficiente.


Fontes de Fibras: Frutas com casca/bagaço (esqueça os sucos de caixa ou filtrados), legumes com casca (mas modere no consumo de batata inglesa), verduras, cereais (mas fique longe dos cereais açucarados, preferindo os puros), farinhas integrais, grãos (porém, limite o consumo de arroz branco e milho) e sementes (amendoim, girassol, linhaça, etc.). Consumir no mínimo 5 porções de fibras ou vegetais todos os dias ajuda a aumentar substancialmente o consumo de fibras. Observe também a tabela nutricional de alimentos comprados em supermercados, dando uma maior preferência àqueles com uma maior quantidade de fibras.

Curiosidades: 

- Um mito bastante difundido entre a população e até mesmo dentro da comunidade científica é em achar que o número de bactérias na nossa flora intestinal, e em outras partes do corpo, ultrapassam em 10 vezes o número de células do corpo humano. Estudos recentes mostram que o número fica próximo da proporção de 1:1, ou seja, algo em torno de 37,2 trilhões para ambos. Mesmo assim, é muita bactéria! E isso sem contar vírus e fungos que convivem com o nosso corpo...Cada um de nós é um rico ecossistema! Daria até para fazer um filme bacana na Pixar (Risos).

- Morcegos possuem um microbioma bem distinto em relação a outros mamíferos, e similar aquele visto em aves voadoras. O trato intestinal desses animais é relativamente bem curto e com bem menos diversidade bacteriana, características provavelmente associadas com o estilo de vida (único mamífero voador conhecido). Além disso, não parecem ser tão dependentes desse microbioma (Ref.20).



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23426893
  2. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1550413114003118
  3. http://www.keystonesymposia.org/15C1 
  4.  http://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/carbohydrates/fiber/
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2930426/
  6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23829164
  7. http://www.scientificamerican.com/article/scientists-bust-myth-that-our-bodies-have-more-bacteria-than-human-cells/ 
  8. http://europepmc.org/articles/pmc4250613
  9. http://advances.nutrition.org/content/7/1/1.short 
  10. http://stroke.ahajournals.org/content/44/5/1360.short 
  11. http://www.nature.com/nature/journal/v529/n7585/full/nature16504.html 
  12. http://www.pnas.org/content/early/2016/08/24/1521835113 
  13. http://www.cell.com/cell-host-microbe/fulltext/S1931-3128(17)30498-5
  14. http://science.sciencemag.org/content/359/6371/91
  15. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)31809-9/fulltext
  16. https://academic.oup.com/ajcn/advance-article-abstract/doi/10.1093/ajcn/nqy394/5480604
  17. https://eurekalert.org/pub_releases/2020-01/fm-bab010320.php