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Animais exóticos de estimação: o lado sombrio da história



- Atualizado no dia 22 de novembro de 2023 -

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         Você vê um animal bem diferente e bonitinho, ou um bem "maneiro" na internet, em um livro ou em algum programa na televisão, e logo já fica com vontade de tê-lo em casa. A partir daí, você corre para os petshops mais próximos procurando pelo incrível animal ou tenta encomendá-lo pela internet. Achando um vendedor, você paga todo feliz pelo seu "produto" e passa a aguardar ansiosamente pela entrega. Porém, você pode não saber ou não tinha a intenção, mas é grande a chance de você ter contribuído para uma indústria multibilionária que perde apenas para o comércio de drogas e de armas: o tráfico global e ilegal da vida selvagem, avaliado anualmente em até US$ 23 bilhões (Ref.42). E, dentro dessa rede criminosa altamente organizada e responsável por severos declínios de biodiversidade ao redor do mundo, seu novo animal de estimação faz parte de um triste comércio que cresce cada vez mais: o tráfico de animais exóticos forçados a sobreviver como pets.   

          E vídeos em plataformas como o YouTube e TikTok estão normalizando e encorajando cada vez mais o deletério comércio de pets exóticos, e, consequentemente, o tráfico ilegal (Ref.13). Vídeos nesse contexto recebem milhões de visualizações e comentários quase sempre positivos do público, este o qual é alienado no sentido de pensar que as interações entre animais exóticos e humanos são normais e desejáveis - e, ao mesmo tempo, vídeos denunciando as consequências do comércio de pets exóticos não alcançam esse mesmo público, tornando este insensível à problemática associada.

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   COMÉRCIO LUCRATIVO

          Um dos mais robustos estudos sobre o tema, publicado em 2019 na Science (Ref.32), trouxe dados muito preocupantes. Nele, os pesquisadores encontraram que cerca de 1 em cada 5 vertebrados terrestres são traficados no comércio de animais selvagens ao redor do mundo. É uma proporção 40-60% superior ao que era estimado em estudos prévios, e a qual pode aumentar para 1 em cada 4 em um futuro próximo. Esse enorme tráfico busca por partes de animais para venda (pele, ossos ou carne) e também para a venda no mercado de animais exóticos de estimação. É um negócio global e multibilionário que está fomentando cada vez mais o colapso ambiental e a potencial extinção de inúmeras espécies. É estimado de forma muito conservadora que um total anual de US$8-23 bilhões de dólares está associado com o comércio ilegal da vida selvagem (plantas e animais), tornando-o o maior negócio ilegítimo do mundo.




            Desse total, é estimado que um quinto de todo o tráfico de vida selvagem (animais vivos, peles, carne, marfim, chifres de rinoceronte, etc.) seja destinado à demanda por animais de estimação e para entretenimento (circos e outras atrações do tipo). E na maior parte do gigantesco comércio de "animais de estimação" (ou pets), encontramos os "pets" considerados exóticos (aqui definidos como espécies não nativas do país, ou não considerados um animal de estimação padrão, ou ambos). Nos EUA, esse comércio (legal e ilegal) movimenta em torno de US$15 bilhões todos os anos, e estima-se que no Reino Unido existam mais de 42 milhões de animais exóticos em posse da população. Bilhões de animais selvagens são comercializados como "pets" todos os anos, com cerca de 25% do total sendo traficado ilegalmente - grande parte envolvendo remoção direta dos animais de populações no habitat natural e selvagem (Ref.35). E não apenas a Ásia, mas também a União Europeia atua como importante fonte, centro de rota e consumidora do comércio ilegal da vida selvagem em geral, incluindo pets exóticos (Ref.42).

            Aqui no Brasil, o Ibama estima que cerca de 38 milhões de exemplares sejam retirados anualmente da natureza, e que aproximadamente 4 milhões deles sejam vendidos para fomentar, em parte, a demanda por pets exóticos, movimentando cerca de US$ 2,5 bilhões por ano. Dentro desses números, encontramos os mais variados tipos de animais, incluindo ouriços, macacos, lagartos e até mesmo tigres, girafas e ursos. Não existem limites e as pessoas comprando tais animais nem ao menos procuram saber se a espécie está em risco de extinção ou se ela é legalizada para a compra. No Brasil, as principais fontes de animais traficados são o norte, nordeste e centro-oeste, com destino interno para o sudeste e sul e envolvendo principalmente aves (Ref.43-44). E o comércio ilegal nas redes sociais de anfíbios e répteis está em plena atividade e em alta visibilidade no país, em particular no Sudeste e predominantemente em São Paulo (Ref.34).

As aves são as mais traficadas em termos de diversidade de espécies e classes; os répteis vêm em segundo lugar, sendo a União Europeia o maior importador. Vulnerabilidades econômicas de populações humanas locais frequentemente fomentam o comércio de aves devido à facilidade de captura e altos preços oferecidos por compradores intermediários.

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> O tráfico da vida selvagem provavelmente remove anualmente mais de 38 milhões de animais da natureza no Brasil, implicando em grande perda de biodiversidade. Através de grupos nas redes sociais e em serviços de mensagens (ex. Messenger, Telegram e Whatsapp) esse tráfico se tornou ainda mais intenso. Cerca de 60% desses animais são vendidos no mercado interno de pets exóticos, com o restante sendo exportado para outros países. É estimado que para cada 10 animais removidos dos nossos biomas, apenas 1 acaba chegando no destino final; os outros morrem ou na captura ou durante o transporte. O tráfico ilegal da vida selvagem é altamente lucrativo no Brasil. Espécies de aves capturadas e vendidas por comunidades locais por US$ 1 são revendidas por até US$ 1000. Uma única Arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) - espécie em perigo de extinção e endêmica do Raso da Catarina (Bahia) - chega a ser comercializada por mais de US$ 100 mil. Para lucros exorbitantes, traficantes exploram a vulnerabilidade sócioeconômica de indígenas e outros povos locais. Ref.45
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           A população mundial mais do que dobrou no último século e continua a crescer. Se a demanda por animais selvagens para fins fúteis continuar a mesma, o impacto futuro sobre as populações de inúmeras espécies irá ficar cada vez mais catastrófico. E o pior é que, no caso de animais para fins domésticos ou de coleção, a maior raridade desses animais pode acabar empurrando seus preços para cima, já que muitos colecionadores valorizam bastante a raridade do animal sendo requisitado. A situação é tão grave que mesmo a mídia que entrega produtos de entretenimento com uma mensagem de conservação ambiental, como os filmes 'Rio' (2011) e 'Encontrando Nemo' (2003), acabam também fomentando o comércio de animais exóticos. No lançamento desses dois filmes, por exemplo, houve uma coincidência com a intensificação do tráfico de ambos os animais protagonistas (Ararinha-Azul - Anodorhynchus byacinthimus - e Peixe-Palhaço - Amphiprioninae) (1).

Populações de Papagaio-Cinzento (Psittacus erithacus) estão em forte declínio por causa do tráfico de pets exóticos. Em torno de 68% das populações de papagaios (Psittaciformes) nas regiões neotropicais são afetadas por capturas para o comércio local de pets, tornando esta a maior ameaça a essas populações. Ref.42

          O agressivo e lucrativo comércio de pets exóticos cria inclusive um sério dilema entre os cientistas ao anunciarem a descoberta de novas espécies ou publicarem descrições detalhadas sobre espécies diversas visando pesquisa e conservação. Isso porque informações relativas ao habitat e características físicas desses animais podem ser usadas por traficantes de pets exóticos, especialmente quando raridade significa maior valor de mercado (Ref.42). E vários casos nesse contexto já foram registrados.

            E o tráfico ilegal, e até mesmo grande parte do legal, de animais exóticos para o mercado doméstico não afeta negativamente apenas as populações dos animais sendo traficados. É um grande ciclo autoalimentado de efeitos colaterais adversos. Sentimentos de afeição e de acolhimento, assim como de curiosidade, atraem a maioria dos consumidores para o mercado de animais exóticos, selvagens e silvestres (Ref.36) e muitos não possuem ideia do terror e da carnificina associado a esse tipo de comércio. Aliás, grande parte desses compradores apoiam a conservação das espécies no meio selvagem, e provavelmente não suportariam nem o comércio legal se soubessem das consequências diretas e indiretas das suas compras. Amplas e efetivas campanhas de conscientização são necessárias para esclarecer ao público a realidade por trás dos "pets" exóticos, realçando em especial os riscos impostos por zoonoses que podem espelhar a pandemia da COVID-19 (cujo vírus possui origem de morcegos e potenciais hospedeiros mamíferos intermediários) (2).

Por causa da intensa captura da Tartaruga-Radiata (Astrochelys radiata) para o comércio de animais de estimação, os pesquisadores estimaram, em 2008, que ela estará extinta dentro de 45 anos. Na verdade, o tráfico de cágados e tartarugas de água doce é  tão grande na Ásia, que a situação já é conhecida como Crise Asiática das Tartarugas.


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>  Um alarmante estudo publicado em 2020 na Nature Communications revelou que o comércio de répteis é muito maior e drasticamente mais danoso do que o pensado. Analisando dois bancos de dados internacionais de comércio e 24 mil páginas na internet em cinco linguagens, os pesquisadores encontraram que mais de 36% das espécies conhecidas de répteis estão no comércio - muitas vezes ilegal -, totalizando quase 4 mil espécies. O estudo também mostrou que mais de 90% das espécies e 50% dos espécimes comercializados eram capturados do meio selvagem, no mínimo 79% não estava regulada pela CITES, e que o problema vêm crescendo ano após ano. A maior parte das espécies têm origem da América Latina, especialmente do Brasil. Para mais informações, acesse: Répteis em grande ameaça global devido ao comércio ilegal 

> Dados disponíveis para mais de 10 mil espécies de répteis indicam que um total de 1829 delas estão vulneráveis, em perigo ou criticamente em perigo (Ref.33). No geral, 21% das espécies de répteis estão ameaçadas de extinção, e mais da metade de todas as espécies de tartarugas e de crocodilos estão sob ameaça de extinção. E, mesmo assim, estão com um status melhor do que anfíbios (41% enfrentam risco de extinção) e mamíferos (25% em risco), mas pior do que as aves (14% em risco).


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  TRANSPORTE E CAPTURA

          Existem duas origens dos animais exóticos que chegam até a sua casa quando você os compra: legal e ilegal. Na via legal, você os compra através de criadores licenciados, onde geralmente existe fiscalização e controle. Porém, o comércio legalizado possui muitas restrições e limitações, devido à dificuldade de várias espécies em se reproduzirem fora do seu habitat natural (para muitas, isso é quase impossível) e por causa das inúmeras proibições relativas ao estado de conservação de uma espécie e/ou entrada da mesma no país. Além disso, o próprio comércio legal pode fomentar a captura ilegal, onde as margens de lucro são bem maiores. Consequentemente, a via ilegal acaba sendo muitas vezes a escolhida (estimativas conservadoras colocam o número em torno de 25%), e, nessa, os animais só encontram a crueldade.


Até mesmo pesquisas científicas podem acobertar sem querer o tráfico ilegal de pet exóticos. Um caso bem conhecido é o Macaco-de-Gibraltar (Macaca sylvanus), os quais eram no passado caçados no meio selvagem primariamente para pesquisa biomédica. No entanto, animais capturados em excesso acabavam sendo vendidos como pets. Atualmente, apesar de não serem mais usados em pesquisas laboratoriais, essa espécie faz parte de um mercado lucrativo de pets exóticos e encontra-se em perigo de extinção; nas últimas décadas, a população desses animais foi reduzida em 80% no meio selvagem devido em grande parte a esse comércio. Ref.42

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> Um estudo de 2012 no Brasil encontrou que 93 de 213 espécies selvagens comercializadas em Santa Catarina - nativas ou importadas - eram procriadas ilegalmente (incluindo espécies ameaçadas de extinção), e a maioria dos alegantes (~68%) eram criadouros comerciais licenciados (Ref.22).
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          Antes de chegarem à casa das pessoas, os animais enfrentam caçadores desumanos e uma desgastante e mortal viagem durante o tráfico. Sem mostrar preocupação nenhuma com o bem-estar físico e emocional de espécie alguma, os caçadores usam, na maior parte das vezes, métodos brutais para capturá-los. Para pegar pássaros e outras aves voadoras, muitos optam por pintar os galhos das árvores com resinas pegajosas, para prendê-los no pouso, algo que danifica suas penas e membros. Para capturar filhotes de primatas, os caçadores muitas vezes matam os pais.

          Após a traumática captura, durante o transporte esses animais costumam passar por vários intermediários e exportadores antes de chegarem ao seu destino. E as condições de transporte quase sempre são as piores possíveis. Papagaios podem ter seus bicos e pés amarrados e serem forçados para dentro de tubos de plástico com o objetivo de escondê-los. Pássaros em geral e ovos de répteis podem ser colocados desconfortavelmente em coletes especiais para conseguirem passar pelos detectores de raios-X nos aeroportos sem serem identificados. Bebês tartarugas completamente enrolados em fitas adesivas, para ficarem dentro da carapaça, são socados em meias às dúzias. E é comum diversos animais serem traficados em espaços de superlotação e com baixíssima quantidade de alimentos. Muitos também são drogados, para ficarem quietos durante a viagem. Em tais condições, onde existe uma baixa ventilação, super população espremida, falta de comida e água, e ausência de cuidados básicos de segurança, a grande maioria acaba morrendo ou ficando muito doente.

Várias cacatuas apreendidas durante seu tráfico ilegal, enfiadas dentro de garrafas plásticas de forma totalmente desumana.

         Dados recentes o comércio de animais selvagens indo dos EUA para a União Europeia mostraram que cerca de 80% dos anfíbios, répteis e mamíferos estavam doentes, machucados ou mortos, com um índice de mortalidade de aproximadamente 70% após 6 semanas. E esse número é considerado algo "padrão" pela indústria de pets exóticos. É estimado que para cada animal capturado e vendido, 50 podem acabar mortos no processo. E isso não importa para os caçadores, porque vários animais exóticos costumam ter valores muito altos no mercado negro. Um papagaio-cinza-africano chega a alcançar o preço de US$ 2 mil e uma arara-azul-grande chega a valer dezenas de milhares de dólares. Para os traficantes, se um é vendido, já é muito lucro, mesmo se dezenas morram no processo.

Os traficantes pouco se importam com o bem-estar dos animais e fazem qualquer coisa para não serem pegos durante o transporte ilegal.

           Peixes de água doce são um dos grupos de vertebrados mais ameaçados em termos de conservação, e taxas de mortalidade em espécies ornamentais capturadas e transportadas podem exceder 70% (Ref.37). Enquanto a maioria dos peixes ornamentais são coletados em criadouros, parte significativa (5-10%) do absurdo total estimado de >1 bilhão de peixes ornamentais (~90% de água doce) comercializados todos os anos possui origem do meio selvagem.

Ainda pouco descritos pela ciência e com potencial invasivo, peixes da espécie Channa com origem da Índia tiveram a comercialização com fins ornamentais aumentada em 6 vezes entre 2014 e 2019, especialmente a partir de exportações de Bengala para a China, Taiwan e Hong Kong. Ref.37-38

         Uma investigação feita pelo PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) em 2011 no Texas (Ref.8-9), com duração de 7 meses, resultou na apreensão superior a 27 mil animais, os quais estavam submetidos a condições deploráveis de armazenamento. Mais de 400 iguanas estavam sem comida e água, com metade dos animais mortos. Centenas de animais estavam mortos quando foram primeiro achados. E mais de 6 mil deles morreram em um curto período de tempo após serem libertos porque estavam doentes demais para serem salvos.          

Entre 40 e 80% dos peixes exóticos morrem durante o tráfico; esses animais são tipicamente transportados em sacos plásticos e submetidos a uma pobre alimentação.

          E outra grande investigação, conduzida pela BBC News por 12 meses, e divulgada em 2017 (Ref.25), revelou um terrível tráfico de bebês chimpanzés para fomentar o mercado de animais de estimação e entretenimento em zoológicos comerciais. Com preços unitários alcançando 12,5 mil dólares, os caçadores e traficantes não mostram piedade e arrancam os filhotes de seus pais e grupos em meio a carnificina. Eles matam os pais e companheiros próximos para facilitar a captura dos filhotes (obtendo também um pequeno lucro na venda da carne dos mortos). Para cada filhote capturado, cerca de 10 chimpanzés adultos são brutalmente assassinados. E o pior é que quando os filhotes chegam à idade pré-adulta na mão dos compradores, e deixam de ser "fofinhos" e mansos, eles normalmente são enjaulados, abandonados ou mortos.

Oriundos de vários países Africanos, os principais compradores de bebês chimpanzés se localizam na China, Sudeste da Ásia e Estados do Golfo.

           É estimado que 3 mil primatas superiores (família Hominidae), incluindo orangotangos, gorilas e chimpanzés, são perdidos da natureza anualmente como consequência do tráfico ilegal. Esses animais são vendidos ou morrem nas mãos de caçadores ou durante o transporte no tráfico. Cerca de dois terços das perdas são de chimpanzés (gênero Pan), um clado já ameaçado de extinção e os nossos parentes evolucionários mais próximos.

Segundo especialistas, mesmo os filhotes de chimpanzé salvos do tráfico por autoridades de proteção ambiental acabam carregando traumas para o resto da vida, principalmente depois de terem visto seus pais e companheiros sendo brutalmente assassinados.
           

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     ADAPTAÇÃO DOMÉSTICA

            As pessoas quando compram animais exóticos acabam não tendo experiência ou conhecimento quase nenhum para criá-los. As acomodações domésticas não são apropriadas (tamanho, temperatura, etc.), a comida sendo administrada não é a correta (quantidade e qualidade) e a presença humana pode não ser nada agradável para esses "pets". Além disso, muitos animais selvagens convivem em grandes grupos de indivíduos, e isso é arrancado deles dentro dos lares das pessoas. Diversos animais, como aves e primatas, possuem complexas interações sociais entre membros do mesmo grupo, as quais são fundamentais para a reprodução e bem-estar das espécies e subespécies. No final, temos animais sob grave restrição comportamental/territorial e quase sempre sofrendo de forte ansiedade, medo, dor e estresse.

Em vários países, estabelecimentos conhecidos como Pet Cafés estão ficando cada vez mais populares, onde clientes fazem lanches e consomem bebidas sob a companhia de animais diversos, desde gatos e cães até corujas e ouriços. Na Ásia, incluindo no Japão, muitos Pet Cafés exibem animais exóticos dos mais variados tipos, significativa parte representando espécies ameaçadas de extinção. Alta popularidade e massiva divulgação desses estabelecimentos nas redes sociais provavelmente estão ajudando a fomentar o tráfico de animais exóticos. Além disso, animais selvagens são colocados sob grande estresse em ambientes movimentados e totalmente impróprios para habitação, facilitando também transmissão de zoonoses para um grande número de pessoas. Ref.40

           É estimado que 60% dos animais exóticos morrem dentro de um mês devido à não adaptabilidade ao novo ambiente, cuidados inapropriados e/ou danos gerados durante o tráfico. No Reino Unido, estudos já mostraram que, no mínimo, 75% dos répteis comercializados morrem dentro de 1 ano no ambiente doméstico, e estimativas menos conservadoras colocam o número em 90%, mesmo muitos deles alcançando entre 8 e 120 anos de idade no ambiente selvagem. E, para piorar, os veterinários, quando são procurados para avaliar ou tratar os animais doentes, muitas vezes não sabem lidar com os "pets" exóticos por não entenderem de forma suficiente a biologia de várias espécies, já que animais domesticados, como cães e gatos, são os pacientes majoritários e mais visados. Além disso, muitos veterinários se recusam a atender vários desses casos com medo de contraírem alguma doença nova, especialmente quando o animal envolvido é um primata.

Os répteis são os que mais sofrem presos no ambiente doméstico em múltiplos parâmetros de qualidade de vida, dificilmente atendidos de forma adequada pelos compradores.

           Um dos casos mais tristes é o do Slow Loris (Nycticebus sp.), um grupo de primatas pertencentes à infraordem lêmure, sem nome popular aqui no Brasil. A proliferação em anos recentes de diversos vídeos no Youtube retratando-os como animais dóceis, brincalhões e "fofinhos" fez com que o comércio ilegal desses primatas disparasse no mundo, levando-os a um crítico estado de conservação no meio selvagem (somando-se à venda de partes desses animais para medicinas alternativas sem suporte científico). Mas o mais terrível é a forma como esses animais são traficados. Como são venenosos (!), para torná-los mais dóceis e seguros de serem lidados seus dentes são arrancados ou cortados. O doloroso procedimento pode ser fatal, feito sem anestesia, e, quando eles sobrevivem, mais da metade acaba morrendo durante o transporte, devido a infecções, alto estresse e péssimas condições de cativeiro. E isso não termina aí. Quando os compradores recebem esses primatas, estes acabam morrendo porque as pessoas acabam não sabendo cuidar e alimentá-los de forma adequada - somando-se tragicamente à boca toda danificada . Ou seja, os Slow Loris sofrem durante a captura, transporte ilegal e, se sobrevivem a isso, passam o resto da vida sofrendo até morrerem. A maioria que sobrevive não dura mais do que 1 ano. O vídeo abaixo - um resumo deste artigo (2017) - mostra as fortes cenas do triste tráfico ilegal desses primatas. 

           

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(!) Os Slow Loris são os únicos primatas venenosos do mundo. A saliva desses animais contém toxinas que entram na corrente sanguínea de predadores quando mordem; as toxinas na saliva são produzidas em glândulas nos braços, as quais são lambidas quando excretadas.
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         E muitas vezes as pessoas compram os animais selvagens pensando apenas nos filhotes, todos muito fofos e bonitinhos. Esquecem-se de que eles crescem bastante. Uma píton pode alcançar os 5 metros de comprimento, uma iguana chega aos 1,5 metro e algumas tartarugas aquáticas podem ultrapassar os 30 cm. Um felino de grande porte, como um tigre, pode parecer um gatinho quando filhote, mas cresce bem rápido para dimensões totalmente inadequadas de um ambiente doméstico. Um pequeno aquário, um quarto ou até mesmo um sítio podem não ser suficientes para garantir o bem-estar desses animais. E é a partir desse ponto que muitos animais são abandonados ou aprisionados sob intenso sofrimento. 
 
Existem hoje mais tigres (Panthera tigris) como animais de estimação do que no meio selvagem. Predadores de grande porte, esses felinos necessitam de vastas áreas territoriais, mas muitos ignorantes mantêm esses animais dentro das suas casas, em espaços mínimos e desconfortáveis para a espécie, esta a qual está em sério risco de extinção no ambiente selvagem. E a situação não é muito diferente para outros felinos de grande porte, como leões, leopardos e onças (gênero Panthera). É sugerido que Bangladesh atua hoje como um grande centro de lavagem para o comércio de grandes felinos, facilitando o tráfico ilegal. Ref.41

         Muitos traficantes e vendedores de animais exóticos gostam de anunciar que seus "produtos" são simples de serem cuidados, e adoram dizer que os répteis são ótimos para as pessoas muito ocupadas, "pois não é necessário levá-los para passear ou acomodá-los em espaços amplos". Porém, a realidade é radicalmente outra. Todas as espécies são altamente adaptadas a viver em seu habitat natural, e são poucas aquelas que se adaptam facilmente a outros ambientes naturais. Menos ainda em ambientes urbanos e domésticos.

Arrancar as próprias penas, nervosismo e gritos frequentes para chamar a atenção são frequentemente causados por uma ave frustrada e mal compreendidas.

         Répteis podem sofrer de doenças respiratórias, infecções fúngicas, raquitismo e problemas bucais decorrentes de uma incorreta umidade ambiente e/ou insuficiência de luz solar. Muitos acabam queimados por causa do uso inadequado de lâmpadas de aquecimento e outras fontes de calor. E até mesmo a criação do aquário para esses animais pode ser fatal quando se usa objetos diversos que podem ser engolidos. E muitos problemas surgem também da escolha errada de alimentos.

Ouriços (subfamília Erinaceinae), um dos animais mais populares no tráfico, podem ser facilmente machucados se uma criança tenta "desenrolá-los" ou se um gato resolve atacá-los

          No caso da alimentação e banhos de sol, muitas espécies acabam sofrendo com a falta de nutrientes, por causa de alimentos inapropriados e que não conseguem substituir bem as fontes nutricionais associadas ao habitat natural, ou pela insuficiência de raios solares em contato com a pele (ex.: vitamina D). Em escolas veterinárias, já foram encontrados índices de 90% dos pássaros trazidos para tratamento com problemas de deficiência vitamínica. Papagaios frequentemente se automutilam por causa de deficiências nutricionais. Mal nutrição já foi encontrada em 15% dos répteis de estimação averiguados por especialistas. Já em relação aos primatas, luz solar natural é essencial para a saúde desses animais, e, quando são mantidos em ambientes fechados, podem sofrer de perda dentária, abscessos e raquitismo. E isso tudo só piora quando os animais são muito jovens, tornado-os mais sensíveis às adversidades nutricionais. 

Além de trancar os primatas em quartos fechados, muitos ainda os castram para diminuir a agressividade e cortam seus caninos para impedi-los de morder, resultando em graves danos psicológicos e físicos. 

         Além disso, o tráfico e a criação de animais exóticos geram uma grande demanda por alimentos vivos, especialmente para cobras e outros répteis. Isso cria mercados ilegais de reprodução e armazenamento de ratos, por exemplo, em condições quase sempre degradantes. Em 2017, na Escócia, foram encontradas duas gaiolas de 60 cm de altura e pouco mais de 1 metro de comprimento que comportavam 170 ratos, os quais provavelmente estavam sendo criados para servir de alimento para cobras. Eles estavam empilhados uns sobre os outros e, de tão estressados, as mães e outros ratos já estavam comendo os filhotes. As condições das gaiolas foram descritas como totalmente inadequadas e desumanas.

Outro animal exótico bem popular é o Petauro-do-Açúcar (Petaurus breviceps), um pequeno marsupial que, se não dado a devida atenção, pode se automutilar ou morrer de estresse ou solidão, devido ao fato de viver em complexos grupos sociais na natureza. Na verdade, só o fato de negá-lo a vida em grupo, e em seu habitat, já traz sérios prejuízos à sua saúde física e emocional.

         Outro absurdo é manter qualquer ave voadora aprisionados em gaiolas, sendo que são criaturas adaptadas para o voo e, na grande maioria das vezes, ao convívio em grupo. É realmente difícil de entender como as pessoas conseguem achar normal ou aceitável aprisionar um pássaro de canto em um espaço ínfimo, e frequentemente isolado.

Pássaros acabam ficando impedidos de voar ou interagir em grupo, algo que pode levá-los a um grande estresse e fazê-los terem comportamentos prejudiciais ao seu corpo. Como você pode ser tão egoísta a ponto de aprisionar uma criatura nascida para voar livre pelos céus? Aliás, Várias espécies de aves no Sudeste Asiático estão sofrendo rápido declínio populacional devido à demanda por espécimes criados em gaiolas, um fenômeno apelidado de Crise dos Pássaros de Canto Asiáticos. Ref.40

          



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   DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO

          Nos últimos 500 anos, quase 1000 espécies de aves foram introduzidas em novas áreas pela atividade humana. Mais da metade dessas espécies foram introduzidas após o ano de 1950, devido, principalmente, ao pesado aumento do tráfico ilegal e destruição do habitat original (o desmatamento e ocupação humana forçam as espécies a procurarem novos lares). Pássaros exóticos que escapam do cativeiro e acabam se fixando em um novo habitat representam algo bastante comum e que pode trazer graves consequências ambientais. O abandono desses animais pelos donos, ainda mais comum, também é outro fomentador das invasões. Pets exóticos, nesse contexto, frequentemente se tornam temidas espécies invasivas.

De acordo com a Organização de Agricultura e Alimentos das Nações Unidas, cerca de 1,5 bilhão de peixes ornamentais vivos são exportados todos os anos oriundos de 100 países. É extremamente fácil muitos peixes exóticos acabarem invadindo um novo ambiente durante o tráfico e por descuido /abandono por parte dos donos.
 
A tartaruga-de-ouvido-vermelho (subespécie Trachemys scripta elegans), historicamente muito visada no comércio de pets exóticos, popular em petshops e introduzida em biomas alagados ao redor do mundo, se tornou uma grave problema invasivo e sua comercialização acabou sendo banida em vários países. Ref.40

         Macacos Rehsus, também alvos muito visados do tráfico, são ávidos devoradores de ovos, e podem ser potencialmente fatais para a biodiversidade de aves em uma região durante invasões. Novos predadores podem dizimar populações inteiras. Competidores por recursos alimentares e habitat podem sufocar as espécies nativas. Um clássico exemplo, a região pantanosa no sul da Flórida (EUA) vem sofrendo grandes prejuízos ambientais depois que pítons-birmanesas (Python bivittatus), mantidas como animais de estimação, escaparam para o meio selvagem, se tornaram invasoras, proliferaram e passaram a ameaçar várias espécies de aves em perigo de extinção e cobras nativas.

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> Invasão biológica descreve o processo envolvendo o transporte intencional ou não intencional ou movimento de uma espécie fora do seu espaço de habitat natural por atividades humanas e sua introdução a novas regiões, onde podem ser tornar estabelecidas e se disseminarem. Nesse último cenário, essas espécies são descritas como "espécies invasivas". O tráfico de animais selvagens comercializados como pets é um importante fator que facilita invasões biológicas.
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           Um relatório recente divulgado pelo IPBES (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, na tradução da sigla em inglês) revelou que espécies invasivas desempenham um papel crucial na maioria das extinções e que o custo à economia mundial associado às invasões é de centenas de bilhões de dólares (Ref.46). Ao redor do mundo, espécies invasivas são um fator principal em 60% e fator único em 16% das extinções de plantas e de animais. A introdução de espécies exóticas por atividades humanas pode espalhar doenças, prejudicar a agricultura e tornar ecossistemas mais vulneráveis ao fogo.

           A ameaça ao ecossistema trazida por espécies exóticas é tão grande que a Austrália impõe pesadas leis para quem mantêm ou importa ilegalmente animais. Como o país é uma ilha, seu ecossistema evoluiu de forma bem isolada e as ameaças externas podem ser fatais. Diversas espécies nativas já foram dizimadas por lá devido à introdução de animais exóticos, como gatos e cães, os quais predam vorazmente os nativos. As penalidades australianas para esse tipo de crime podem superar os 5 anos de prisão e/ou pagamento de multas superiores a U$ 110 mil. O ator Johnny Depp, em 2015, passou por maus bocados ao entrar ilegalmente com seus dois cães no país. A Nova Zelândia, país vizinho e também uma ilha, enfrenta o mesmo problema ambiental (!).

Os Kiwi (gênero Apteryx) são aves nativas e endêmicas da Nova Zelândia e, antes somando milhões de indivíduos, a população desses animais caiu para cerca de 68 mil. Uma das grandes ameaças são os cães, introduzidos no país durante os períodos de colonização, e que predam os Kiwi aos montes. Além dos cães, ratos carnívoros da ilha são outros grandes predadores dessas aves.

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(!) Além do Kiwi, outro caso ainda mais emblemático na Nova Zelândia é o kãkãpõ (Strigops habroptilus), o maior papagaio do mundo e ainda em crítico perigo de extinção. Antes abundantes no arquipélago, a população dessa espécie chegou a um mínimo de apenas 51 indivíduos no século XX! Colossais esforços de conservação estão conseguindo recuperar lentamente a população. Para mais informações: Ameaçado de extinção, o maior e mais raro papagaio do mundo teve seu genoma completo sequenciado   
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          Muitos casos podem trazer sérios prejuízos econômicos para o país, onde certas espécies de animais exóticos podem causar uma verdadeira destruição no setor agropecuário. Importante também lembrar, claro, que o desequilíbrio ecológico ocorre nas áreas onde as espécies são capturadas com gravidade tão grande quanto a invasão das espécies exóticas, por levar ao declínio populacional dessas últimas.


Tarântulas da espécie Poecilotheria metallica estão distribuídas apenas em uma pequena área de 100 quilômetros quadrados, em uma reserva da floresta Andhra Pradesh, na Índia, e onde estão em situação crítica de conservação. As principais ameaças são o desmatamento, perda de habitat e o seu comércio ilegal como animais de estimação/coleção. A notável beleza desses aracnídeos atrai a atenção de vários colecionadores espalhados pelo mundo.

         Em um estudo publicado em 2018 no Journal of Applied Ecology (Ref.31), pesquisadores analisaram 1722 répteis e anfíbios comumente comprados nos EUA como animais de estimação exóticos, entre 1999 e 2016, e mostraram que os mais populares, baratos e 'bonitinhos' na hora da compra - geralmente filhotes - são aqueles com maior probabilidade de serem liberados no meio selvagem, especialmente porque os donos subestimam o tamanho que eles podem alcançar, a forma assumida quando adultos e os custos de manutenção (já que espécies de tartarugas e outros répteis podem viver bem mais de que 30 anos).

           E frequentemente animais exóticos com alto potencial invasivo são preferidos no comércio de pets poque tipicamente exibem alta fecundidade, altas taxas de reprodução, alta adaptabilidade e grande longevidade - traços que maximizam lucros no mercado por facilitar procriação e melhor satisfazer os compradores (Ref.43).

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> Caso você tenha um animal exótico e desistiu de criá-lo, não o abandone em qualquer lugar, e, sim, encaminhe-o para as autoridades competentes.
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     ATAQUES ACIDENTAIS A HUMANOS

           Animais selvagens mantidos próximos de humanos podem acabar ferindo seus donos ou pessoas ao redor, por instinto e/ou devido ao estresse. Isso é mais preocupante quando está se lidando com grandes predadores (felinos de grande porte, por exemplo) ou com aqueles peçonhentos (certas cobras e aranhas, por exemplo). Diversos animais não podem ser minimamente domesticados (!) e fica praticamente impossível reduzir seus instintos selvagens. Mesmo submetidos a longos períodos de convívio humano, eles podem continuar bastante perigosos. Muitas pessoas até compram esses animais pensando apenas no status de ter uma espécie muito feroz ou muito peçonhenta, apenas para dizer que possuem um.

Na Alemanha, é estimado que existam cerca de 100 mil cobras peçonhentas residindo em lares privados, implicando em alto risco de sérios acidentes.

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(!)  Importante realçar que domesticação é um processo evolutivo que geralmente leva milhares de anos de coevolução entre espécies. Não é uma simples questão de convivência de curto prazo, e envolve a emergência de novos fenótipos e comportamentos. Sugestão de leitura como exemplo: "Olhos de tadinho" evoluíram nos cães como armas de afeto humano
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          Vários casos de ataques de felinos selvagens mantidos como animais de estimação já foram reportados nos EUA, incluindo um tigre que atacou o neto de 3 anos de idade do seu dono, um tigre-de-Bengala que arrancou o braço de um menino de 4 anos de idade e um leão que matou vários cães e acuou um garoto em seu quarto. Ainda no território norte-americano, existe uma moda de manter híbridos de cães e lobos como animais de estimação, algo fortemente não recomendado pela Associação Americana de Medicina Veterinária. Na tentativa de tentar domar os lobos selvagens (Canis lupus), muitos os cruzam com cães (Canis familiaris), estes os quais são domesticados. Centenas de milhares desses animais vivem em lares espalhados por todo o país. Resultado? Desde 1982, no mínimo 85 pessoas foram feridas e 19 mortas, e isso apenas em reportes oficiais. Manter predadores selvagens em casa é longe de ser uma boa ideia.

            E após um grave ataque, três tristes consequências acompanham o acidente. A primeira é a morte ou graves danos às pessoas. A segunda é a morte do animal atacante na maior parte das vezes, consequente da retaliação. Já a terceira é a má fama que eles ganham, diminuindo a simpatia das pessoas pela espécie. Caso essa espécie esteja em perigo de extinção, o apoio de conservação da sociedade acaba sendo enfraquecido. O fator 'má fama' é uma das causas empurrando várias espécies de tubarões para a extinção (Sopa de barbatanas e injusta má fama estão dizimando os tubarões). 

A agressão de primatas mantidos como animais de estimação contra humanos é bem comum, e especialmente perigosa quando o ataque é contra crianças pequenas. Além disso, esses conflitos e outras interações mais intensas facilitam a transmissão de doenças.

          Um dos mais trágicos e conhecidos casos aconteceu em Zanesville, Ohio, no dia 19 de outubro de 2011, quando policiais tiveram que caçar e matar dezenas de animais selvagens na região depois que seu dono, Terry Thompson, antes de se suicidar, liberou seus ursos, tigres, leões, lobos e leopardos das jaulas (dentro de uma propriedade de 73 acres). Para evitar ataques às pessoas da cidade, as autoridades tiveram que colocar um fim à vida de quase todos eles (49 dos 56 soltos). Após o incidente, leis foram aprovadas no Estado proibindo a posse desses animais em propriedade privada.


             A culpa não é deles, apenas estão seguindo seus instintos naturais. Arrancamos esses animais dos seus lares e ainda os responsabilizamos por nossos erros.

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     DISSEMINAÇÃO DE DOENÇAS

             Só no Reino Unido, é estimado que existam cerca de 42 milhões de animais exóticos vivendo em residências privadas, em contato próximo com as pessoas. Nesse sentido, uma grande preocupação surge: a transmissão de zoonoses. Em torno de 61% das doenças humanas possuem uma origem zoonótica, ou seja, doenças transmitidas de um animal vertebrado para um humano. Além disso, em torno de 75% das doenças humanas que emergem no mundo possuem uma ligação com animais selvagens.

            O tráfico ilegal, e também legal, acaba sendo um grande ajudante em espalhar doenças antes confinadas em territórios selvagens (florestas, por exemplo) para dentro das sociedades humanas. Sem fiscalização, animais diversos carregando doenças diversas viajam o mundo inteiro. E além dos humanos, esses animais exóticos podem acabar contaminando os nativos, especialmente quando são abandonados pelas pessoas em qualquer lugar. E como as populações humanas e de animais nativos não estão acostumadas com novos agentes infecciosos vindo na bagagem (vírus, bactérias, vermes ou fungos), as consequências podem ser trágicas, fomentando inclusive sérias epidemias e até pandemias.

Papagaios e outras aves exóticas podem transmitir perigosos patógenos e doenças para os humanos, como a psitacose, Salmonella e tuberculose aviária.

           A gripe aviária, por exemplo, alcançou o Reino Unido em 2005 provavelmente pelo comércio de aves importadas de Taiwan que visavam a demanda por animais exóticos de estimação. A infecção por Sallmonela normalmente é atribuída ao consumo de alimentos contaminados, mas o contato com répteis e anfíbios é outra importante fonte dessa bactéria. Nos EUA, é estimado que 11% das infecções por Sallmonela  (74 mil casos anualmente) vêm do contato direto e indireto com esses animais. E não é preciso citar os primatas, os quais carregam diversas doenças que podem nos infectar, especialmente quando lembramos da similaridade entre eles e nós. Doenças letais, como a Aids (vírus HIV), surgiram do contato entre humanos e primatas.

Devido aos grandes riscos de transmissão de várias doenças, novas ou já conhecidas, o CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA) considera os macacos altamente impróprios como "pets" - somando-se ao fato desses animais representarem animais selvagens.

           Em 2003, quase 50 pessoas contraíram o vírus monkeypox nos EUA - associado a uma zoonose endêmica nas regiões oeste e central da África - através de um único carregamento de roedores importados de Gana (3).

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           E o contrário também é válido, onde nós podemos transmitir doenças para esses animais e condená-los a uma curta vida de sofrimento. Caxumba, tuberculose e hepatites são algumas das doenças que podemos transmitir a eles.

           Além disso, outra preocupante situação é a transmissão de doenças de animais exóticos para os nativos, podendo resultar em graves desequilíbrios ecológicos e mesmo extinções. Podemos citar um estudo publicado em 2018 na Science (Ref.30) conduzido por pesquisadores da Imperial College London e da James Cook University. Nele, foi traçado, via análise genética, os ancestrais do fungo Batrachochytrium dendrobatidis, o qual é a principal causa do acentuado declínio e extinção de espécies de anfíbios ao redor do mundo desde a década de 1970.  Descobriu-se que o patógeno espalhou-se substancialmente pelos continentes entre 50 e 120 anos atrás, a partir de uma linhagem ancestral - BdASIA-1 - na península Coreana. Isso coincide com a rápida expansão do comércio internacional de animais exóticos, incluindo o mercado de pets exóticos.

Répteis e anfíbios são muito populares como "pets", em especial nos EUA. A presença de répteis nos lares dos EUA aumentou de ~3% em 2016 para até 17% nos últimos anos, implicando em uma população de ~6 milhões desses animais como "pets" no país. E endoparasitas são muito comuns nos répteis e anfíbios comercializados como pets, incluindo vermes (helmintos e nematelmintos) e protozoários - e muitos dos quais podem causar doenças e mortalidade nesses animais. Em tartarugas e camaleões, taxas de infecções com parasitas alcançam quase 90%. Ref.39


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    SOLUÇÃO...?

             Teoricamente, um comércio de CERTOS animais exóticos poderia ser possível, considerando um robusto esquema de fiscalização e controle quanto à entrada dos mesmos em um determinado país e verificação das condições da sua nova moradia. Porém, as pessoas não conseguem respeitar as limitações impostas e acabam não se importando se o animal está em risco de extinção ou se impõe riscos à biodiversidade e saúde das pessoas. Além disso, o "robusto esquema" encontraria extremas dificuldades financeiras e estruturais para ser colocado em prática. E mesmo os centros legalizados de criação de animais exóticos são alvos de suspeitas de ilegalidade, tanto para atender a demanda quanto para burlar as restrições. A "lavagem de animais" é dita ser muito comum nesses mercados, segundo os especialistas.

          Para se ter uma ideia, estudos e dados levantados pela CITES mostram que uma substancial parte das espécies exóticas comercializados legalmente como animais de estimação vem diretamente do meio selvagem. Entre 2006 e 2010, 23% dos pássaros e 10% dos répteis vendidos legalmente foram arrancados do seu habitat. E entre 2006 e 2012, cerca de 65% do carnívoros e primatas comercializados legalmente vieram do meio selvagem! Ou seja, esse comércio "legal" acaba também fomentando o trabalho de caçadores inescrupulosos e a perda de biodiversidade. Considerando também o tráfico assumidamente ilegal, como o consumidor vai saber se ele está comprando um animal exótico realmente legalizado e não arrancado do meio selvagem? Fica difícil saber, apesar de hoje testes genéticos já serem utilizados em limitada escala para esse tipo de fiscalização. 

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> Aliás, situação semelhante está afetando a aquisição de primatas para pesquisas científicas. Devido à suspensão de exportações da China durante a pandemia, o preço dos macacos laboratoriais subiu muito no mercado, alimentando a captura ilegal de animais selvagens para serem vendidos falsamente como primatas criados em cativeiro. Se essa "lavagem de macacos" está ocorrendo até mesmo no mercado voltado para a instituições e centros de pesquisa científica, imagina no mercado de pets muito menos controlado. Ref.
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          E quando também pensamos que poucos animais selvagens se adaptam bem com o convívio humano, longe dos seus grupos ou habitat natural, e que vários deles podem estar sofrendo abusos nos centros legalizados de criação e venda (maus tratos e não atendimento das necessidades básicas), o certo seria banir de vez todo o comércio de animais exóticos que tenha como objetivo fomentar o mercado doméstico ou de entretenimento. Diversos animais, como papagaios e primatas, são muito inteligentes e psicologicamente complexos, com capacidades intelectuais de uma criança humana muito nova e até além em alguns aspectos. É mais do que um absurdo tratá-los como simples mercadorias.

         O investimento do governo para otimizar a fiscalização e combate ao tráfico precisa ser muitas vezes superior ao encontrado hoje. Ainda é fácil para os traficantes forjarem licenças de venda, além do suborno nessas atividades serem comuns. Somando-se a isso, a pobreza extrema em vários países e comunidades levam as pessoas a serem atraídas para o lucrativo tráfico. E as campanhas contra o comércio de animais selvagens ainda são ínfimas, não possuindo prioridade alguma nas agendas políticas. Como o tráfico ilegal da vida selvagem não passa uma forte imagem de ameaça à segurança econômica dos países ou à estabilidade política desses últimos, esforços são mínimos para combatê-lo ou punir os responsáveis. E o pior é que desequilíbrios ecológicos e doenças que podem ser alimentados por esses crimes são uma gigantesca ameaça para um país, mas raramente os alertas nesse sentido são levados a sério. O mesmo descaso costuma ocorrer com outras questões ambientais graves, como o aquecimento global antropogênico e o desmatamento.

Apesar do intenso tráfico ilegal de primatas superiores, apenas 27 prisões foram feitas entre 2005 e 2011 na África e na Ásia relacionadas com o crime, sendo que um quarto do total não sofreu qualquer tipo de ação processual, segundo dados da ONU.

           Com isso, menos pessoas são conscientizadas, mais delas continuam fomentando esse mercado sangrento - incluindo influencers nas redes sociais - e raramente campanhas sobre a causa recebem visibilidade na mídia e apoio massivo dos governos. Pelo contrário, o que mais se vê é o anúncio de venda e promoção de diversos animais selvagens como pets exóticos no Instagram, Facebook e TikTok, além de sites nas primeiras buscas do Google. E a situação é tão grave que os traficantes não se dão nem ao trabalho de investir na Deep Web, porque a própria internet aberta não é alvo de uma fiscalização mínima contra as propagandas desse tipo. O YouTube, por exemplo, é infestado de lojas e pessoas vendendo animais ilegais ou incentivando a compra da pets exóticos sem controle algum. Em outras palavras, até mesmo as empresas privadas como o Google, que supostamente apoiam as causas ambientais e sociais, estão fazendo pouco para combater o comércio ilegal da vida selvagem e acabam ajudando o tráfico por omissão.


          Mesmo existindo agências e organizações que persistem com unhas e dentes pela proteção do meio ambiente, como a WWF e o Greenpeace, e acordos internacionais, como a CITES (Convenção sobre o Comércio de Espécies Ameaçadas da Flora e da Fauna, na tradução da sigla em inglês), que preveem regras rígidas na comercialização de animais e plantas ao redor do globo, muito pouco é feito para ajudar tais entidades. Muitas vezes, ações acabam sendo fracas e as regras ficam apenas no papel, porque falta apoio dos governos e da população. Os chimpanzés, rinocerontes e elefantes, por exemplo, estão sob o maior nível de proteção dentro da CITES, mas o tráfico e a caça desses animais continua intensos e empurrando esses animais para a extinção. E isso sem contar a existência de "lavagem viva" de animais traficados, onde aqueles em situação de proteção sob a CITES são transportados escondidos junto a outros que não estão sob proteção, dificultando a fiscalização.

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> Após o banimento das importações de pássaros capturados em meio selvagem pela União Europeia, houve um grande declínio no fluxo do tráfico global de pássaros. Porém, novas rotas também emergiram, principalmente em direção às regiões do Neártico, Afrotropicais e Indo-Malaias. Segundo pesquisadores, apesar dos banimentos regionais reduzirem os riscos de invasão de espécies a nível global, uma ação realmente eficaz para resolver o problema precisa ser através de um banimento também a nível global (Ref.29).
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Outro grande problema é o desmatamento, o qual, além de prejudicar diretamente as espécies selvagens, ainda as prejudica indiretamente, onde as fragmentações de florestas e abertura de estradas dentro das mesmas para a extração/transporte de madeira facilita o trabalho de caçadores.

          Mas, no final, a situação só vai ser resolvida mesmo quando a população parar de fazer parte desse esquema vergonhoso. Quando pararmos de sermos egoístas e passarmos a respeitar a vida selvagem. Os animais exóticos não são nossos escravos e não estão preparados para conviver conosco. Se você quer um animal de estimação, contente-se, por exemplo, com um gato ou um cão, ambos os quais são domesticados através de um profundo processo evolutivo e se adaptaram perfeitamente ao contato humano. Além disso, existem incontáveis cães e gatos em abrigos esperando um dono para adotá-los. Por que condená-los ao sofrimento e morte junto aos exóticos?

         Caso você realmente queira que o triste e revoltante tráfico da vida selvagem não seja fomentado, faça a sua parte: NUNCA compre animais exóticos de fonte alguma, incluindo lojas licenciadas, e sempre denuncie às autoridades competentes caso testemunhe espécies exóticas ilegais sendo mantidas como animais de estimação ou sendo comercializadas. E, caso tenha filhos, ensine-os desde sempre a respeitar a natureza e a deixar os animais selvagens em paz. 

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Denúncias: Interessados em denunciar crimes ou agressões ao meio ambiente podem entrar em contato com o serviço Linha Verde do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pelo telefone 0800-61-8080 ou pelo e-mail  [email protected]

Site do IBAMA: http://www.ibama.gov.br/
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Artigos Recomendados:

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://onlinelibrary.wiley.com/wol1/doi/10.1111/cobi.12240/full 
  2. http://endcap.eu/wp-content/uploads/2013/02/Report-Wild-Pets-in-the-European-Union.pdf
  3. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/conl.12270/pdf
  4. https://wwwnc.cdc.gov/eid/pdfs/vol13no12_pdf-version.pdf
  5. http://news.gov.scot/news/review-of-exotic-pet-trade 
  6. http://www.peta.org/issues/companion-animal-issues/companion-animals-factsheets/inside-exotic-animal-trade/
  7. http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/periodico/esforcosparaocombateaotraficodeanimais.pdf
  8. http://www.captiveanimals.org/wp-content/uploads/2011/02/Exotic-pet-factsheet.pdf
  9. https://www.environment.gov.au/biodiversity/wildlife-trade/exotics
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  11. http://features.peta.org/pettrade/default.asp
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  19. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/cobi.12240/full
  20. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/conl.12270/full
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