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Pessoas já infectadas ainda precisam ser vacinadas contra a COVID-19?


           As vacinas treinam nosso sistema imune para reconhecer o vírus ou outro patógeno alvo e produzir anticorpos específicos (imunidade humoral) e células imunes de memória (imunidade celular) para lutar contra a infecção desse patógeno sem necessidade de desenvolver a doença em si - a qual, muitas vezes, pode ser fatal. Após a vacinação, o corpo fica pronto para prontamente reconhecer e lutar contra o patógeno caso o indivíduo vacinado seja exposto a esse último, prevenindo a doença associada. Mas e caso o indivíduo já tenha sido infectado e desenvolvido a doença? Seria ainda necessário a vacinação?

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          A maioria das pessoas que são infectadas pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), o vírus responsável pela COVID-19, desenvolvem uma resposta imune dentro das primeiras semanas, mas ainda é incerto o quão forte e por quanto tempo dura essa resposta imune, e como ela varia entre diferentes pessoas. Aliás, muitas evidência apontam para uma significativa redução da imunidade humoral após alguns meses de recuperação da COVID-19 (1). Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que as pessoas que já foram infectadas pelo SARS-CoV-2 devem também ser vacinadas, exceto se houver orientação contrária de um profissional de saúde capacitado (Ref.1). Mesmo se você teve uma infecção prévia, a vacina age como um reforço, fortalecendo as respostas imunes. Isso é reforçado pelo registro de vários casos de reinfecção pelo vírus, especialmente no contexto das novas variantes de preocupação (2), tornando a vacinação ainda mais importante.

(1) Leitura recomendadaPacientes recuperados que continuam ou voltam a testar positivo são infecciosos?

(2) Para mais informações, acesseVacina da Oxford não possui eficácia contra a variante Sul-Africana na prevenção de COVID-19 leve a moderada, indica estudo

          Aliás, mesmo entre os mais jovens, as taxas de reinfecção parecem ser significativas. Em um estudo publicado esta semana no periódico The Lancet Respiratory Medicine (Ref.2), analisando mais de 3 mil membros saudáveis da Marinha Norte-Americana, a maioria  com idade de 18 a 20 anos, encontrou que entre maio e novembro de 2020, cerca de 10% (19 de 189) dos participantes que haviam sido previamente infectados com o SARS-CoV-2 (soropositivos) se tornaram reinfectados, comparado com uma taxa de novas infecções em 48% (1079 de 2247) dos participantes que não haviam sido infectados (soronegativos). Em outras palavras, mesmo indivíduos menos suscetíveis à COVID-19 podem ser infectados duas vezes e potencialmente transmitir o vírus em ambas as ocasiões, já que a carga viral encontrada nos reinfectados foi apenas 10 vezes menor na média.

           Um estudo na Dinamarca, envolvendo dados de 4 milhões de pessoas, publicado recentemente no The Lancet (Ref.3) corrobora esses resultados, encontrando que o risco de infecção é 5 vezes mais alto em indivíduos previamente não-infectados. No estudo, 0,65% das pessoas que tiveram COVID-19 na primeira onda pandêmica foram reinfectadas, comparado com 3,3% entre aqueles que não haviam sido infectados. Entre os idosos com 65 anos ou mais de idade previamente infectados, eles encontraram uma proteção contra reinfecção de apenas 47,1% em relação aos não-infectados.

           Ou seja, a nível populacional, especialmente entre indivíduos com idade mais avançada e em certos grupos de profissionais com alto risco de exposição, a quantidade de reinfectados pode ser expressiva, e isso considerando que esses dois estudos ignoraram a maior prevalência hoje no Brasil, África do Sul, e outros países de variantes de preocupação com maior taxa de transmissibilidade e forte capacidade de evasão imune em relação a anticorpos neutralizantes visando cepas prévias.

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           Mas e após a primeira dose da vacina naqueles previamente infectados? Seria necessário uma segunda dose? Um estudo publicado também esta semana no periódico Science Immunology (Ref.4) sugeriu que não, pelo menos para as vacinas mRNA-baseadas. Os pesquisadores encontraram que as pessoas que se recuperaram da COVID-19 tiveram uma robusta resposta imune após a primeira dose de uma vacina da Pfizer (BNT162b2) ou da Moderna (mRNA-123), mas tiveram muito pouco benefício após a segunda dose. No total, foram 44 participantes saudáveis, 11 dos quais haviam sido previamente infectados. Devido à forte produção de anticorpos e robusta resposta de células-B de memória, indivíduos que já enfrentaram uma infecção com o SARS-CoV-2 parecem alcançar uma resposta imune máxima com apenas 1 dose da vacina.

            Esse estudo foi também corroborado por um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.5), englobando 100 profissionais de saúde que receberam a vacina da Pfizer e divididos em dois grupos de análise: 38 previamente infectados e 62 participantes que não tinham sido infectados. Dez dias após a segunda dose nos participantes não-previamente infectados, o nível geral de anticorpos circulantes Spike-específicos (contra a proteína Spike do SARS-CoV-2) não diferiu significativamente em relação ao nível de anticorpos dez dias após a primeira dose nos participantes previamente infectados. Além disso, nesses últimos, o nível de anticorpos neutralizantes - os mais importantes da imunidade humoral - mostraram ser, na média, quase 5 vezes maiores após a primeira dose do que nos participantes que não haviam sido previamente infectados após a segunda dose.

             Caso esses dois últimos estudos sejam corroborados por estudos mais robustos e analisando outras vacinas, campanhas de vacinação podem ser substancialmente beneficiadas através da grande economia de doses que pode ser desviada para a imunização de indivíduos mais suscetíveis ao vírus em um mesmo grupo de prioridade, ou seja, aqueles que não foram previamente infectados. Em países enfrentando graves colapsos no sistema de saúde e com crítica escassez e/ou lentidão nas aplicações de vacinas - como no Brasil -, esses resultados preliminares talvez já possam ser usados para direcionar a segunda dose de indivíduos já infectados para aqueles não-infectados, ou pelo menos adiar por mais tempo a segunda dose nos indivíduos previamente infectados. 

           De qualquer forma, a recomendação das agências de saúde e da OMS continua sendo de vacinar da mesma forma todos acima de 18 anos que possam ser vacinados, independentemente se já foram ou não infectados, para garantir máxima proteção imune contra a COVID-19 e diminuir ao máximo as chances de transmissão.

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IMPORTANTE: Crianças não devem ser vacinadas no momento devido à falta de suficientes estudos clínicos de segurança em indivíduos com menos de 18 anos. Indivíduos acima de 18 anos, mesmo com comorbidades de qualquer tipo - incluindo desordens imunes - e mulheres grávidas ou lactantes, são recomendados de serem vacinados. Aliás, em um estudo publicado recentemente no JAMA Network (Ref.6) e conduzido em Israel, pesquisadores encontraram altos níveis de anticorpos Spike-específicos no leite materno de mulheres lactantes que receberam as duas doses da vacina da Pfizer, e com forte perfil de neutralização, sugerindo uma proteção extra ao recém-nascido contra o SARS-CoV-2.

> Altas taxas relativas de mortalidade estão sendo observadas entre as grávidas devido à COVID-19, reforçando a importância da vacinação nesse grupo. Para mais informações, acesse: Quais são as condições médicas de risco para uma COVID-19 mais severa?

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.who.int/news-room/feature-stories/detail/getting-the-covid-19-vaccine
  2. https://www.thelancet.com/journals/lanres/article/PIIS2213-2600(21)00158-2/fulltext
  3. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00575-4/fulltext
  4. https://immunology.sciencemag.org/content/6/58/eabi6950
  5. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2103825
  6. https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2778766
  7. https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/covid-19-vaccines/advice