Artigos Recentes

Soberba Ave-do-Paraíso



A Soberba Ave-do-Paraíso (Lophorina) macho é preta e tem, no peitoral, um verdadeiro escudo de penas verde-azul brilhante. No ritual de corte, os machos são muito sistemáticos. Primeiro eles arrumam o 'chão de dança', enfeitando-o com folhas selecionadas, e, então, chamam pelas fêmeas, as quais possuem penas com coloração marrom e marrom avermelhada. Elas, curiosas, se aproximam para ver o que está acontecendo. Então, os machos, imediatamente, começam um dança muito louca, a qual inclui um verdadeiro truque de mágica: eles contorcem o corpo e abrem as asas de tal forma que assumem um visual totalmente surreal (foto abaixo). A partir daí, os machos pulam, cantam, giram, tudo para conquistar as potenciais parceiras sexuais.
Macho em frente à fêmea durante sua fascinante dança. O dismorfismo sexual é mais do que notável, com o macho só sendo similar à fêmea quando filhote. Crédito: Flickr

As fêmeas de Lophorina são muito menores em número do que os machos, em uma proporção estimada de 16:1, fator que fomenta intensa competição intrassexual. Isso provavelmente explica por que os machos na linhagem ancestral dessas aves evoluíram no sentido de expressar extremo dimorfismo sexual (evolução sob seleção sexual). Eles precisam ser muito impressionantes para conseguir vencer seus concorrentes e atrair as fêmeas altamente disputadas. E as fêmeas não ajudam: de tão exigentes, elas recusam, em média, cerca de 20 machos antes de escolher um! Baita injustiça com os esforçados galanteadores.

Com massa corporal em torno de 89 gramas e com um comprimento de aproximadamente 26 centímetros, a soberba ave-do-paraíso possui hábitos solitários, vocalização alta e de fácil discernimento (ocorrendo mais no início da manhã e no final da tarde, com fins territoriais ou de corte), e os machos se mostram bastante territoriais, apesar de normalmente não expressarem um comportamento agressivo frente a outros machos (provavelmente usam a vocalização para definir suas áreas de domínio). A alimentação é composta majoritariamente por insetos, e cerca de 24% compreende frutas.

O recorde de longevidade para machos e fêmeas é de 21 e 28 anos de idade, respectivamente, mas para espécimes criados em cativeiro (Ref.9). Nesse cenário, machos atingem o pico de habilidades reprodutivas entre 10 e 11 anos de idade. Fêmeas e machos vivem, em média, 9,1 e 6,5 anos, respectivamente.

As fêmeas, apesar de construírem seus ninhos no território dos machos com os quais mantiveram acasalamento, cuidam dos ovos e dos filhotes sozinhas. Enquanto os machos - poligâmicos - demoram cerca de 5-7 anos para atingir a maturidade sexual, as fêmeas demoram apenas 3 anos. Excetuando-se encontros para fins reprodutivos, machos e fêmeas raramente interagem. O período de incubação dos ovos é em torno de 16-19 dias, e os filhotes se desenvolvem rapidamente, se tornando independentes em cerca de 25-30 dias, mas ainda continuam requisitando cuidados da mãe por mais várias semanas.

- Continua após o anúncio -



O gênero Lophorina (família Paradisaeidae) é nativo da Indonésia, da Nova Guiné e da Papua Nova Guiné, habitando áreas montanhosas. Existem múltiplas subespécies espalhadas ao longo da Nova Guiné, e a população da parte Oeste dessa região, em 2017, foi reclassificada como uma nova espécie (Lophorina neidda), algo evidenciado tanto a nível macroscópico para ambos os sexos (comportamento e visual) quanto a nível genético (Ref.4). Outra espécie foi também reconhecida: Lophorina minor. Antes dessa reclassificação - confirmada por estudo subsequente publicado em 2018 (Ref.7) -, a soberba ave-do-paraíso era reconhecida como uma única espécie do gênero Lophorina. Nesse sentido, três espécies são hoje descritas, somando-se à tradicional L. superba

No vídeo abaixo, comparação entre duas distintas espécies de Lophorina:

              

Um estudo mais recente, publicado em 2020 no periódico Zootaxa (Ref.8), também concordou com a necessidade de dividir o gênero em três espécies, mas mantendo as subespécies tradicionais L. s. niedda e L. s. superba, e introduzindo a espécie L. latipennis. No total, seriam cinco subespécies distribuídas em duas espécies (L. superba e L. latipennis) e uma espécie isolada (L. minor).

Como não existem evidências de significativos declínios populacionais ou substanciais ameaças, a soberba ave-do-paraíso hoje é considerada fora de qualquer risco de extinção. Porém, é válido frisar que não existe uma boa quantidade de estudos sobre a dinâmica populacional desse grupo de aves e sobre sua biologia em geral no habitat natural, além de existir um significativo interesse comercial pelas penas do macho (caça ilegal).

----------
CURIOSIDADE: Assim como algumas outras Aves-do-Paraíso, a Soberba Ave-do-Paraíso possui penas super pretas, as quais mostram uma reflectância tão baixa quanto materiais humanos super pretos (ou seja, projetados para serem o mais escuro possível e refletirem o mínimo de radiação no espectro visível), algo detalhado em um estudo de 2018 publicado na Nature (Ref.5). Absorção estrutural pode ocorrer quando cavidades superficiais que são muito maiores em largura do que o comprimento de onda da luz visível causam múltiplas dispersões da luz. Parte da estrutura das penas dessas aves possuem cavidades com cerca de 200-400 micrômetros de profundidade e cerca de 5-30 micrômetros de espessura, com menores cavidades marginais com menos de 5 micrômetros, o que leva a uma grande dispersão ao invés de reflexão da luz, resultando em uma absorção acima de 99,95% da luz visível incidente!


A Soberba Ave-do-Paraíso possui penas que absorvem quase 100% da luz visível incidente, tornando-as super pretas. Como boa parte das penas que não participam da sua dança de acasalamento possuem uma estrutura preta comum, é hipotetizado pelos cientistas que as penas super pretas evoluíram para dar um maior contraste com a parte azul-brilhante do seu corpo, servindo, portanto, para chamar mais a atenção das fêmeas.

> As aves-do-paraíso (família Paradisaeidae) evoluíram algumas das mais elaboradas diversificações em termos de exibição ornamental de acasalamento entre os animais, onde o distinto fenótipo associado às penas é integrado funcionalmente ao fenótipo de acasalamento. Existem aproximadamente 40 espécies conhecidas, e uma das mais belas delas é a Grande Ave-do-Paraíso.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.iucnredlist.org/details/22706167/0
  2. https://link.springer.com/article/10.1007/BF00299927
  3. https://www.macaulaylibrary.org/2017/06/30/dance-moves-support-evidence-for-new-bird-of-paradise-species/
  4. https://academic.oup.com/zoolinnean/article-abstract/181/2/439/3884406
  5. https://www.nature.com/articles/s41467-017-02088-w
  6. http://aviansag.org/Fact_Sheets/PACCT/Superb_BOP.pdf
  7. Scholes & Laman (2018). Distinctive courtship phenotype of the Vogelkop Superb Bird-of-Paradise Lophorina niedda Mayr, 1930 confirms new species status. PeerJ 6:e4621 https://doi.org/10.7717/peerj.4621     
  8. Elliott et al. (2020). The nomenclature of Lophorina (Aves: Paradisaeidae), with remarks on the type and type locality of L. superba. Zootaxa 4732 (1): 057–078. https://doi.org/10.11646/zootaxa.4732.1.2 
  9. Rimlinger et al. (2021). Breeding history and husbandry of the Superb Bird-of-paradise (Lophorina superba ). Zoo Biology. https://doi.org/10.1002/zoo.21627
*'Peso' neste artigo refere-se à massa do espécime.