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Água de piscina ou de banheira pode entrar na vagina?

 

          A vagina é um tubo fibromuscular elástico de 6-7 a 10 cm de comprimento que se estende da vulva (genitália feminina externa) até o cérvix do útero onde termina em um fórnice anterior e posterior (1). O canal vaginal está posicionado entre a uretra e a bexiga anteriormente, e o reto posteriormente. A abertura vaginal fica na porção posterior do vestíbulo vulvar, atrás da abertura uretral. É cercada em ambos os lados pelos lábios internos medialmente e lábios externos lateralmente. Uma fina camada perfurada de hímen parcialmente forma a entrada vaginal (2). O canal vaginal possui uma adventícia fibrosa externa, uma camada mediana de células musculares lisas, e uma camada interna de mucosa.

Para mais informações:


          Normalmente e durante estado relaxado, a vagina fica parcialmente colapsada, com suas paredes se tocando (Fig.1). Por outro lado, considerando que a vagina é uma estrutura muscular muito elástica que pode ser expandida e potencialmente preenchida e cuja abertura não é normalmente "selada" (ex.: ausência de esfíncter), é possível água espontaneamente entrar no seu interior via pressão hidrostática durante um banho na banheira ou durante atividades em piscinas e afins?


Figura 1. Anatomia vaginal normal em MRI (Imagem por Ressonância Magnética), onde podemos ver a configuração colapsada da vagina (linha tracejada) com a típica forma de H. No estado relaxado normal, as paredes anterior e posterior ficam em contato entre si, com a exceção da porção proximal final onde a vagina envolve o ectocérvice. Em contraste, as paredes laterais da vagina são relativamente rígidas, resultando em um lúmen comprimido com um formato de H nas seções transversais. Ref.10-11


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          O primeiro estudo experimental que explorou essa questão foi publicado em 1960 no periódico Obstetrics & Gynecology (Ref.2), no contexto de esclarecer a dúvida de muitos médicos na época sobre a possibilidade de água entrar no canal vaginal e estabelecer se era seguro o uso de banheira por mulheres no final e após a gestação (ex.: risco de infecção vaginal com água contaminada). O autor do estudo recrutou 10 voluntárias grávidas (5 no final da gestação e 5 puérperas), nas quais um tampão seco e impregnado com amido foi introduzido (no canal vaginal). Em seguida, uma banheira foi enchida com água e 50 ml de solução saturada de iodeto de potássio. As voluntárias foram pedidas, então, para ficarem ~20 minutos submergidas na banheira. Após saírem da banheira, os tampões foram examinados e em nenhum deles havia sinal de reação entre o amido e o iodo, implicando que água durante banho em banheira não entra normalmente na vagina.

          A segunda publicação acadêmica que faz referência à possibilidade de água entrar no canal vaginal é um comentário no JAMA (Ref.3) adereçando a dúvida de uma paciente que usava diafragma como método contraceptivo. No caso, haviam dito à paciente que nadar ou usar a banheira dentro de 6-8 horas seguindo atividade sexual com penetração vaginal podia interferir na efetividade do diafragma. O autor do comentário não conduziu nenhum experimento e apenas levantou algumas possibilidades teóricas. Porém, o autor trabalhou com a premissa de que a entrada espontânea de água no canal vaginal era uma real possibilidade.

           Seguindo esse comentário de 1977, um novo estudo revivendo novamente a questão foi publicado em 2010 no periódico Canadian Urological Association Journal (Ref.4), investigando duas pacientes (uma pré-pubertária e outra na pré-menopausa) que enfrentavam um problema de água de banheira presa na vagina. A paciente pediátrica, com 8 anos de idade, reportou um histórico de 8 meses de incômodo vazamento de água da região genital molhando a calcinha, notado principalmente no período da manhã. Investigação encontrou que ela costumava tomar banho na banheira à noite e que, durante um recente período de feriado prolongado onde acesso a uma banheira foi impossibilitado, os sintomas de incontinência não apareceram. A associação causal foi confirmada quando os médicos pediram para a menina tomar banho de chuveiro por 1 semana e depois banho na banheira por 1 semana; apenas o período de uso da banheira estava associado com subsequente vazamento de água.

           No caso da paciente adulta, de 39 anos de idade e com genitália normal, essa reportou ter notado uma forte associação entre uso de banheira e vazamento de água, e inclusive desenvolveu uma técnica para remover a água presa dentro da vagina: quando saía da banheira, ela introduzia o dedo no canal vaginal e puxava lateralmente. Inicialmente, a paciente lembrava que sempre tinha que trocar a calcinha após o uso de banheira por causa do eventual vazamento de água que entrava e fica presa na vagina. Os médicos confirmaram a narrativa da paciente via experimento simples com corante e análise de pH, demonstrando que água realmente estava entrando na vagina da paciente após imersão em uma banheira cheia.

           Os autores do estudo de 2010 concluíram que entrada e aprisionamento de água dentro da vagina pode acontecer - mesmo em uma vagina sem anomalias anatômicas - e que esse fenômeno deveria ser um diagnóstico diferencial para casos de incontinência urinária sem óbvia explicação. Eles inclusive levantaram a possibilidade de que água de banheira pode comumente entrar na vagina durante banhos, mas ficar aprisionada apenas em alguns raros casos por incertas variáveis. Ou casos podem não ser raros, com mulheres comumente aprendendo a remover a água após o uso de banheira, como no caso da paciente investigada - que, aliás, não procurou atendimento médico por esse motivo, apenas relatou o fato durante uma consulta.

           O próximo e mais recente estudo sobre esse tópico foi publicado em 2022 no periódico IJU Case Reports (Ref.5), onde os pesquisadores reportaram 6 casos de água de banheira entrando e ficando presa na vagina. A idade de emergência do fenômeno estava distribuída de 16 a 78 anos (média de 38) e 5 dos 6 casos envolviam mulheres que tinham dado à luz. Três das pacientes desenvolveram "incontinência pós-banho" imediatamente após o parto vaginal, uma após começar a adotar uma uma posição reclinada durante submersão na banheira e outra (78 anos de idade) após ser submetida a uma cirurgia transvaginal para tratar prolapso. O vazamento da água de banheira presa na vagina ocorria dentro de um intervalo de 10-30 minutos após o banho em todas as pacientes, geralmente em uma posição ereta, e era intensificado durante certos esforços, como andar, sentar, levantar e curvar o corpo para frente. 

           A paciente da "posição reclinada" também reportou experienciar "incontinência" de mesma natureza após nadar de peito em piscina. 

           Uma das pacientes tinha 16 anos de idade e era a única que não havia ficado grávida e dado à luz, e nenhuma aparente etiologia foi encontrada explicando uma maior suscetibilidade à entrada e aprisionamento de água na vagina.

           Nesse último estudo, todas as pacientes foram instruídas a colocar uma toalha entre as pernas e aplicar pressão abdominal ou cruzar as pernas para evacuar a água presa dentro da vagina (Fig.1). Além disso, foram aconselhadas a adotar uma posição agachada ou ajoelhada na banheira para prevenir a entrada e o aprisionamento vaginal de água (Fig.2). Esses mudanças comportamentais foram suficientes para aliviar os sintomas de incontinência pós-banho em 5 das 6 pacientes.

Figura 1. Evacuando fluido preso após o banho com uma toalha entre as pernas, através da aplicação de pressão abdominal ou cruzamento das pernas. É uma alternativa para mulheres que possuem resistência em relação ao método dos dedos para liberar água que entra na vagina. Ref.5 

Figura 2. Prevenção de entrada e aprisionamento de água durante uso de banheira: (A) A água tende a entrar na vagina quando a pessoa reclina na banheira. Similar a um copo deitado de lado. (B) A água geralmente não entra na vagina enquanto a pessoa agacha ou ajoelha na banheira. Similar a um copo virado de cabeça para baixo. Ref.5

           Os autores desse último estudo - conduzido no Japão - sugeriram que o fenômeno era comum e também concluíram que o diagnóstico diferencial para incontinência urinária em pessoas do sexo feminino deveria incluir fluidos aprisionados após imersão em corpos d'água, como banheiras e piscinas. Aliás, eles encontraram 1770000 resultados de busca no Google para o termo em inglês "bathwater incontinence" (incontinência de água de banheira na tradução) e 20700000 de resultados para o termo "oyu-more" (incontinência de água de banheira em japonês), implicando que o fenômeno não é raro e que boa parte da população feminina sofrendo com o problema deu um jeito de resolvê-lo discretamente sem buscar orientação médica. Pessoas no Japão são conhecidas de preferir tomar banho na banheira ao invés de chuveiro, o que pode explicar a dramática diferença no número de resultados de pesquisa (>10x) para o tópico no Google.

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           No estudo de 2022, os pesquisadores também sugeriram que uma das principais etiologias para o fenômeno de "incontinência pós-banho" era a presença de fraqueza na musculatura do assoalho pélvico facilitando a entrada de água dentro da vagina. Em crianças e adolescentes nulíparas, fraqueza congênita do assoalho pélvico e/ou frouxidão entre as paredes vaginais anterior e posterior podem ser um fator causal no mesmo sentido.

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> Existe também uma condição chamada de refluxo vaginal onde urina saindo da uretra entra dentro da vagina, causando uma forma de incontinência diurna à medida que a urina presa dentro da vagina é liberada (Ref.6). A condição é mais comumente reportada em meninas pré-pubertárias, mas evidências mais recentes sugerem que parcela significativa da população adulta também é afetada (Ref.7). Nessa condição, a anatomia genital é completamente normal e o refluxo urinário do meato (abertura da uretra) até a vagina ocorre quando as pernas não estão abertas durante o ato de urinar, com os lábios externos da vulva criando um obstáculo para o fluxo livre de urina e forçando o fluido a entrar no canal vaginal. Em outras palavras, manter as pernas fechadas no vaso sanitário é o típico fator causal para o refluxo vaginal. A presença de uma vagina mais horizontal em meninas pré-pubertárias também favorece esse refluxo.

> Leitura recomendada: Quais as causas, prevalência e fatores de risco para a incontinência urinária?

> ALERTA! Outro potencial perigo envolvendo imersão em lagos e rios sem devida proteção íntima: entrada de sanguessugas no canal vaginal. Entenda: Candiru: É verdade a história do peixe que entra no pênis humano?

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   LESÃO VAGINAL POR ÁGUA

          Apesar de não ser uma ocorrência comum, traumas vaginais causados por água sob forte pressão têm sido reportados em acidentes envolvendo esqui aquático, jet ski, motos aquáticas, escorregador toboágua e jatos de fontanário (chafariz). Água sob alta pressão pode causar laceração vaginal com sangramento severo, lesão intra-peritoneal e até mesmo morte. 

Figura 3. Mulher praticando esqui aquático. Esse esporte é o mais comumente associado com lesões vaginais. Uso de traje mais protetor (ex.: roupa de borracha do tipo wetsuit) pode ajudar a prevenir sérias lesões vaginais durante acidentes.

          Para exemplificar, em 2018, no periódico Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada (Ref.8), pesquisadores descreveram o caso de uma mulher de 44 anos de idade que desenvolveu intensa hemorragia vaginal após um acidente com esqui aquático. A paciente era previamente saudável e estava praticando esqui aquático em um lago quando se aproximou de uma curva e perdeu o controle, impactando na água com as pernas abertas. Ela estava usando um típico traje de banho de peça única. No impacto, ela sentiu uma severa dor vaginal e nas costas, e então notou um significativo sangramento saindo da vagina. Após atendimento de emergência, investigação médica revelou uma grande laceração (6 cm de extensão) na parede vaginal esquerda, mas sem evidência de lesão uterina ou fluido na cavidade endometrial. A laceração foi cirurgicamente reparada.

          Cair de costas na água a grandes velocidades com as pernas afastadas  faz a água atingir com força o períneo. Nesse sentido, água pode ser forçada a entrar dentro da vagina, trato genital superior e cavidade peritoneal à medida que a vagina é alargada e possivelmente rasgada. O fórnice vaginal posterior é o mais suscetível a laceração vaginal, à medida que é a área menos suportada por fáscia. Em casos severos, laceração pode romper importantes vasos sanguíneos e causar uma séria emergência médica.

          Roupas protetoras como coletes de mergulho ou calças jeans parecem limitar a força do impacto de água. Não existem relatos de lesões vaginais ou pélvicas entre mulheres usando roupas de mergulho, sendo esse traje recomendado para mulheres e outras pessoas do sexo feminino realizando esportes aquáticos a altas velocidades. Cruzar as pernas em escorregadores aquáticos ou ao pular na água de grandes alturas pode também ajudar a evitar traumas vaginais.

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> Lesões por água sob alta pressão podem também afetar a região retal durante acidentes aquáticos, apesar do esfíncter anal reduzir o risco de tais incidentes.

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REFERÊNCIAS

  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK545147/
  2. Siegel, P. (1960). "Does Bath Water Enter the Vagina?" Obstetrics & Gynecology 15(5):p 660-661. Link
  3. Bernstein, G. S. (1977). "Is effectiveness of diaphragm compromised by postcoital swimming or bathing?" JAMA, 237(3):270. Link
  4. Psooy & Archambault (2010). Vaginal entrapment of bathwater: a source of extra-urethral incontinence. Canadian Urological Association Journal, 4(5): E123–E126. https://doi.org/10.5489%2Fcuaj.933
  5. Kato et al. (2022). Post-bath incontinence (bathwater incontinence) can be managed with behavioral therapy. IJU Case Reports, 5(3): 203–206. https://doi.org/10.1002%2Fiju5.12441
  6. https://www.analesdepediatria.org/en-vaginal-reflux-a-forgotten-cause-articulo-S2341287915000472
  7. Motavasseli et al. (2019). Urethro-vaginal reflux during micturition: An underestimated cause of urinary incontinence in adult women. Neurology and Urodynamics, Volume 38, Issue 7, Pages 1953-1957. https://doi.org/10.1002/nau.24098
  8. Gauthier et al. (2018). Water-Related Vaginal Injury: A Case Report and Review of the Literature. Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada, 40(7), 926–930. https://doi.org/10.1016/j.jogc.2017.12.007
  9. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK585034/
  10. https://pubs.rsna.org/doi/full/10.1148/rg.2021210018
  11. Zaino et al. (2018). Diseases of the Vagina. Blaustein’s Pathology of the Female Genital Tract, 1–63. https://doi.org/10.1007/978-1-4614-3165-7_3-2