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É possível ter orgasmo estimulando a próstata?

 

- Atualizado no dia 3 de abril de 2024 -

          Não existe uma definição padrão de orgasmo nos humanos, a qual varia dependendo da perspectiva de diferentes áreas (endocrinologia, psicologia, etc.). No sexo masculino, orgasmo é geralmente associado com ejaculação, apesar dos dois processos serem fisiologicamente distintos (1). Certas características fisiológicas estão associadas com orgasmo, incluindo hiperventilação até 40 movimentos respiratórios por minuto, taquicardia e pressão sanguínea elevada. Aliás, taxa cardíaca mais elevada foi encontrada de ser um indicador de "real" orgasmo masculino durante sexo intravaginal, diferenciando-o de um orgasmo "falso". O orgasmo também está associado com contrações musculares pélvicas altamente prazerosas (especialmente isquiocavernosa e bulbocavernosa), junto com contrações no esfíncter retal e expressões faciais contorcidas. Existe também associada uma elevação dos níveis de prolactina e de oxitocina. Várias áreas no cérebro também exibem intensa ativação durante o orgasmo, em especial no cerebelo, e também reduções de atividade, como no córtex entorrinal e na amígdala (Ref.1).

(1) Leitura recomendada: O que é a Ejaculação Retrógrada?

          A qualidade e a intensidade do orgasmo são também variáveis. Por exemplo, rápido e curto acúmulo de estimulação sexual no sentido do orgasmo está associado com uma sensação orgásmica menos intensa do que um acúmulo lento. Menores níveis de andrógenos circulantes (ex.: testosterona) estão associados com orgasmos mais fracos, como no hipogonadismo ou em indivíduos com idades mais avançadas (1). Nesse mesmo caminho, existe a alegação que orgasmos induzidos através de massagem prostática profunda são possíveis e mais intensos do que aqueles associados com a estimulação peniana direta. É também alegado que o prazer do sexo anal - praticado em especial por homens homossexuais e bissexuais (!) - é em parte devido à estimulação da próstata. Mas quais as evidências?

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(1) Fique alerta com propagandas enganosas: Ervas e suplementos para aumentar a testosterona?

(!) Relevante apontar que estimulação da região anal com objetivo de prazer não é um determinante de orientação sexual. Existe muito preconceito (homohisteria) sobre a questão. Homens heterossexuais podem também gostar de práticas nesse sentido. Orientação sexual é atração sexual por um determinado sexo, independentemente das práticas sexuais em si. Ref.2

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          A próstata é uma glândula masculina (2) que fica em posição imediatamente anterior ao reto, justificando o famoso exame de toque retal como uma forma de avaliação prostática (3). De uma maneira geral, as dimensões da próstata são de 3 cm de comprimento, 4cm de largura e 2cm de profundidade anteroposterior – classicamente mencionada como do tamanho de uma "noz". A massa média aos 20 anos de idade da próstata é de 20 g e há um crescimento de 0,4 g/ano a partir dos 30 anos. Essa glândula participa da produção do sêmen, líquido que carrega os espermatozoides produzidos no testículo. O líquido prostático tem pH básico, sendo importante no processo de alcalinização vaginal e conferindo o aspecto leitoso do sêmen e seu odor característico (4).

Localização da próstata, entre a bexiga e o reto.

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(1) Válido mencionar que o sexo feminino também possui um homólogo da próstata, comumente referido como próstata feminina. Fica a sugestão de leitura: Três mitos esclarecidos: Ciclo menstrual de 28 dias, corrida dos espermatozoides e exclusividade masculina da próstata

(2) Leitura recomendada: Qual a controvérsia por trás dos exames de câncer de próstata?

(3) Leitura complementar: Qual o gosto de sêmen [esperma]?

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          A próstata possui uma rica inervação parassimpática (nervos hipogástrico e pélvico) e simpática (gânglio hipogástrico). Nervos sensoriais na próstata estão em sua maioria associados aos segmentos L5 e L6 da medula espinhal. Uma coleção de nervos localizada na fáscia cobrindo a próstata - conhecida como plexo prostático - emerge da porção inferior do plexo pélvico e está distribuída não apenas para a próstata mas também para o corpo cavernoso do pênis e da uretra. Lesões ou danos nesses nervos impactam os mecanismos de ereção e podem, portanto, causar disfunções eréteis.

          O ânus também é uma região com uma densa rede de nervos sensoriais compartilhados com a genitália e com os músculos envolvidos no orgasmo, além de ser uma fácil via de acesso à próstata (penetração com pênis, dedos, objetos sexuais, etc.). Porém, enquanto muitos homens homossexuais e bissexuais receptivos reportam prazer com a penetração anal, é incerto qual a função da próstata nesse processo. A literatura acadêmica é muito escassa nesse sentido. Enquanto que a rica inervação torna a próstata uma potencial área de prazer, evidência científica de suporte nesse sentido é muito limitada. Por outro lado, evidências anedóticas e relatos em fóruns na internet são altamente sugestivos de que a próstata é uma área erógena e capaz inclusive de produzir orgasmos de forma independente do pênis (Ref.3). Aliás, existem várias páginas na internet 'ensinando' a como estimular a próstata de forma prazerosa e comercializando brinquedos sexuais com o mesmo objetivo - e, nesse sentido, a próstata é percebida como um componente fisiológico central da experiência de prazer durante penetração anal receptiva.

           Após tratamentos cirúrgicos, radioterápicos e hormonais visando câncer de próstata, é notável que a atividade de sexual de homens com orientações sexuais diversas é frequentemente e substancialmente afetada, incluindo problemas de ereção e ejaculatórios e orgasmos mais fracos. Porém, esses sintomas podem estar associados a prejuízos afetando a estrutura peniana (ex.: danos em nervos compartilhados ou associados entre pênis e próstata). Por exemplo, em um estudo publicado em 2019 no periódico Scandinavia Journal of Urology (Ref.4), participantes reportaram que a penetração anal receptiva continuava tão prazerosa quanto antes da operação de remoção da próstata. Existem casos onde o sexo anal receptivo é prejudicado no pós-operatório por causa de dor na penetração (Ref.5).

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> Cada tratamento ativo para o câncer de próstata possui o potencial para diferentes efeitos colaterais sexuais. Em especial, prostatectomia radical envolve a remoção cirúrgica da próstata e uma porção de tecido adjacente. Essa modalidade cirúrgica comumente causa disfunção erétil, à medida que nervos que estimulam ereções estão localizados próximos da glândula prostática. Ref.6

> Evidência observacional recente sugere que a maior frequência de sexo anal receptivo entre pessoas com próstata (ex.: mulheres cis e homens trans) aumenta de forma significativa as sensações de prazer e de satisfação ao nível do ânus, e ao mesmo tempo reduz de forma significativa sensações de dor severa e urgência intestinal. Ref.8 

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          Um estudo de revisão publicado em 2017 no periódico Clinical Anatomy (Ref.7) descreveu o caso de um homem de 63 anos de idade com boa saúde física, boa libido e uma próstata normal. Visando aliviar sintomas de um episódio de prostatite (inflamação e/ou infecção da próstata), o homem usou um estimulador de próstata. Ele rapidamente se tornou altamente orgásmico com o dispositivo (sem o uso de fantasia sexual) após apenas algumas horas de uso, espalhado ao longo de várias ocasiões - e sem efetiva ejaculação em nenhum dos orgasmos. Os sintomas de prostatite do paciente se resolveram dentro de 2 meses de uso regular do dispositivo [várias vezes por semana] junto com o fármaco tadalafil. No entanto, ele descobriu que os intensos orgasmos produzidos pelo dispositivo eram altamente viciantes - incluindo experiências orgásmicas acompanhadas por contrações musculares involuntárias e tremor. O paciente decidiu parar de usar o dispositivo por cerca de 2 meses e tentou superar o vício de uso.


   CONCLUSÃO

           Múltiplos relatos anedóticos e reportes em estudos sugerem que a próstata no sexo masculino proporciona prazer ao ser estimulada durante o sexo anal ou outros meios - incluindo produção de intensos orgasmos. Os mecanismos exatos pelos quais os orgasmos prostáticos são induzidos continuam pouco esclarecidos, com alguns propondo que podem envolver nervos passando ao longo da superfície externa da glândula (plexo prostático), outros sugerindo envolvimento da rica enervação da própria próstata, e alguns inclusive sugerindo processos de plasticidade neural criando novas zonas erógenas no corpo em regiões suscetíveis a estímulos nervosos (Ref.7). Porém, em termos científicos, ainda não é possível concluir com certeza o real papel da próstata - significativo ou não - no prazer sexual masculino.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Alwaal et al. (2015). Normal male sexual function: emphasis on orgasm and ejaculation. Fertility and Sterility, Volume 104, Issue 5, P1051-1060. https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2015.08.033 
  2. Branfman et al. (2017). Relaxing the straight male anus: Decreasing homohysteria around anal eroticism. Sexualities, 21(1-2), 109–127. https://doi.org/10.1177/1363460716678560 
  3. Branfman et al. (2017). Relaxing the straight male anus: Decreasing homohysteria around anal eroticism. Sexualities, 21(1-2), 109–127. https://doi.org/10.1177/1363460716678560
  4. Brüggemann et al. (2019). Gay men’s experiences of sexual changes after prostate cancer treatment—a qualitative study in Sweden. Scandinavia Journal of Urology, Volume 53, Issue 1, Pages 40-44. https://doi.org/10.1080/21681805.2018.1563627
  5. Wheldon et al. (2021). Pain and Loss of Pleasure in Receptive Anal Sex for Gay and Bisexual Men following Prostate Cancer Treatment: Results from the Restore-1 Study. The Journal of Sex Research, 1–8. https://doi.org/10.1080/00224499.2021.1939846
  6. Meghan et al. (2020). Sex After Prostate Cancer in Gay and Bisexual Men: A Review of the Literature, Sexual Medicine Reviews, Volume 8, Issue 3, Pages 466–472. https://doi.org/10.1016/j.sxmr.2020.01.004
  7. Levin, R. J. (2017). Prostate-induced orgasms: A concise review illustrated with a highly relevant case study. Clinical Anatomy, Volume 31, Issue 1, Pages 81-85. https://doi.org/10.1002/ca.23006
  8. Gaither et al. (2024). (034) Lifetime Receptive Anal Intercourse Exposure Influences Pelvic Sensations During Sex, The Journal of Sexual Medicine, Volume 21, Issue Supplement_1, qdae001.031. https://doi.org/10.1093/jsxmed/qdae001.031