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Qual o propósito do Gato de Schrödinger?


- Atualizado no dia 28 de abril de 2023 -

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        Todos devem conhecer ou terem ouvido falar do paradoxo do gato na caixa, uma representação hipotética feita para questionar as interpretações da mecânica quântica no início do século XX, e, em subsequente inferência, os limites de aplicabilidade dos fenômenos da mecânica quântica ao mundo macroscópico. Chamado de Gato de Schrödinger (em homenagem ao seu criador, Erwin Schrödinger, um dos físicos mais importantes na área da Quântica), o paradoxo é um experimento imaginativo onde temos um gato fechado dentro de uma caixa junto a um átomo de material radioativo, um contador Geiger (para medir a emissão radioativa) e um botão para a aplicação de um veneno mortal (cianeto de hidrogênio/ácido prússico). Assim, caso o átomo radioativo decaísse (emitisse uma radiação alfa) o botão seria disparado e o gato morreria envenenado. Caso não decaísse, o gato continuaria vivo.

         O decaimento radioativo é uma propriedade quântica de tunelamento da matéria. Ou seja, mesmo com um potencial energético finito restringindo o fenômeno de acontecer, esse poderá ocorrer como um resultado de probabilidade associado a uma função de onda (ψ). Esse tratamento probabilístico do decaimento acaba também englobando a situação de superposição de estados, implicando que os estados 'decaído' e 'não-decaído' irão eventualmente ocorrer ao longo da evolução temporal da função de onda (sim, ambos ao mesmo tempo). Importante, só podemos saber qual é o real resultado de um sistema quântico em um determinado instante de tempo se pudermos fazer uma medida ou 'observar' diretamente o sistema. Antes disso, o sistema obedece à função de onda, implicando a superposição de estados. 

          Mas, voltando ao gato, se o tal átomo pode decair ou não ao mesmo tempo, isso significa que o bichano poderia estar vivo e morto ao mesmo tempo? Ora, sabemos, na prática, que um gato só pode estar vivo ou estar morto, mas não ambos. É além de contra-intuitivo ligar a superposição de estados proposta para o nível quântico ao sistema a nível macroscópico. E é isso que Schrödinger quis questionar, mas que acaba sendo frequentemente distorcido pelo público.
       
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  INCONFORMAÇÃO DE SCHRÖDINGER

          "Eu peço desculpas por ter tido qualquer ligação com a Teoria Quântica."

           Essa, por incrível que pareça, é uma legítima declaração de Erwin Schrödinger quando este reclamava com colegas sobre os estranhos comportamentos do mundo quântico. Mas ele não estava blasfemando a quântica, esta a qual deve grande parte dos seus alicerces ao físico Austríaco (quem já estudou quântica, com toda a certeza se deparou com a famosa Equação de Schrödinger, representada abaixo) (1). Essa declaração acompanhou de perto seu tão prestigiado e discutido experimento hipotético, o Gato de Schrödinger, descrito acima e publicamente exposto em 1935 junto a um paper (Ref.27).




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(1) Aliás, leitura recomendada para quem está estudando Quântica no curso de graduação: Partícula na caixa unidimensional: a Quântica explicando a cor da cenoura
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          A mecânica quântica é uma teoria estatística que determina as probabilidades para o resultado de um processo físico quando seu estado inicial tem sido determinado. Uma quantidade fundamental nessa teoria é que a função de onda ψ é uma função complexa que depende das variáveis do sistema sob consideração. A raiz quadrada absoluta dessa função, ψ2, nos dá a probabilidade de encontrar o sistema em um dos seus possíveis estados quânticos.

            Nesse sentido, muitas pessoas distorcem ou mal interpretam o objetivo original do paradoxo do gato. Schrödinger, não estava querendo provar a existência de um gato vivo-morto, mundos paralelos, ou qualquer outra coisa do tipo. O experimento imaginativo foi uma das suas respostas críticas à Interpretação de Copenhagen relativa à natureza probabilística e indeterminada do mundo quântico. 

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   GUERRA QUÂNTICA

           A superposição de estados e a natureza não-determinística do mundo quântico são fenômenos hoje bem estabelecidos e experimentalmente comprovados, porém essa ideia fomentou um acalorado debate a partir da década de 1920, no berço da Teoria Quântica. Nessa época, os pilares da mecânica quântica estavam estabelecidos pela equação de onda de Schrödinger e pela matriz quântica de Werner Heisenberg (1901-76), mas não havia um consenso de como a função de onda de Schrödinger exatamente funcionava a nível atômico.

          Em 1926, em uma reunião de notáveis Físicos Teóricos em Copehagen, Dinamarca, para a discussão de questões do recém campo da Quântica, um intenso debate foi deflagrado quando Niels Bohr (1885-1962) apresentou sua interpretação da mecânica quântica. Enquanto que Schrödinger representava o elétron em um átomo por uma onda que obedecia uma equação similar àquela obedecida pelas ondas ocorrendo na teoria eletromagnética clássica, com uma interpretação "realística" dessas ondas, Bohr e aliados defendiam que essa onda era uma abstração matemática que podia ser usada para computar resultados probabilísticos de medidas do elétron. 

          Essa interpretação de Bohr, - Interpretação de Copenhagen como ficou conhecida -, e também defendida por Heisenberg, implica que as partículas no mundo quântico possuem uma natureza intrínseca indeterminada. Não é possível, por exemplo, determinar a posição e o momento de um elétron, apenas um ou outro após medição. Antes da medição, a partícula só pode ser descrita por uma distribuição de probabilidade dada por uma função de onda mecânica-quântica. Partículas subatômicas não podem ser ditas de terem propriedades definidas além da observação dessas mesmas partículas, ou seja, só o que é medido é real. A questão da superposição de estados emerge dessa interpretação.

        A Interpretação de Copenhague argumenta que a função de onda fornece uma descrição completa de sistemas individuais (associados a uma onda continuamente distribuída no espaço) e que, ao mesmo tempo, o quadrado do módulo dessa função de onda deve ser interpretado em termos probabilísticos de se encontrar uma partícula em determinado lugar. Nesse sentido, ao invés de determinismo, teríamos uma descrição de natureza estatística da realidade, a nível de partículas individuais, com a realidade objetiva subjacente aos fenômenos físicos dando lugar à ideia de que as propriedades físicas de sistemas quânticos só estão completamente definidas quando referidas a um determinado arranjo experimental que as possa mensurar, respeitando uma clara distinção entre sistema observador e sistema observado.

        Mas Schrödinger não conseguia conceber plausibilidade nessa ideia de indeterminação intrínseca do mundo quântico. Esse ceticismo também foi defendido por outros importantes cientistas, incluindo o próprio Albert Einstein (daí vem sua frase 'Deus não joga dados com o Universo'). Para Schrödinger, se o mundo atômico era regido pela mecânica quântica, ou seja, se essa era algo fundamental no Universo, por que não vemos a superposição ou à indeterminação nos objetos à nossa volta? Pedras, gatos, planetas, estrelas, todos deveriam também apresentar tais estranhos comportamentos, não? Mas, ao invés disso, as propriedades do mundo macroscópico ao nosso redor continuavam obedecendo ao determinismo Newtoniano. 

         Einstein, em similar concordância com Schrödinger, defendia que a mecânica quântica deveria ser tratada de forma simplesmente estatística, governando apenas as frequências para grandes números de partículas, e deixando em aberto a possibilidade que "variáveis escondidas" determinísticas descrevessem as partículas individuais - independentemente da medição -, ao invés de uma natureza indeterminada inerente a cada partícula individual. Para Einstein, a interpretação de Copenhague é incompleta no que tange à descrição de sistema individuais, uma vez que não proporciona toda a informação sobre o estado desses sistemas, não fornecendo a descrição completa da localização das partículas durante sua propagação. 

          Nas palavras do próprio Heisenberg, "[Einstein] recusava-se a admitir que fosse impossível, por princípio, descobrir todos os fatos parciais necessários à descrição completa de um processo físico [...] Assim, ele se recusou a aceitar o Princípio da Incerteza e procurou pensar em casos em que este não fossem satisfeitos" (Ref.7).

          Foi nesse contexto que Schrödinger resolveu criar o experimento imaginativo do Gato. Na sua visão, se a Interpretação de Copenhagen estivesse correta, e o gato dependesse de um fenômeno quântico que envolvia a superposição de estados probabilísticos para sobreviver, então isso significaria que, até alguém fazer uma medida ou olhar para dentro da caixa, o bichano poderia estar existindo sob o estado de vivo-morto também ao longo da evolução temporal da própria função de onda de Schrödinger (uma eventual mistura de estados - 50% decaído e 50% não-decaído).  E isso, para Schrödinger e o senso comum, era impossível e um absurdo.
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           Apesar da mídia popular retratar sempre o Gato de Schrödinger como uma prova de que é possível existir um gato vivo e morto ao mesmo tempo no mesmo espaço físico, esse é completamente o oposto do que o paradoxo tenta sugerir. O físico Austríaco quis mostrar que existia uma clara separação entre o mundo macroscópico - regido pela Mecânica Determinística - e o mundo quântico, e que essa profunda separação precisava de uma explicação mais coerente do que a Interpretação de Copenhagen, esta a qual aparentemente levava a absurdas consequências e que, portanto, seria falsa.

            E desse paradoxo surge também, derivado, outro aparente absurdo, cunhado por Schrödinger de 'Verschränkung', ou, no inglês, de 'Entanglement' ('Emaranhado'), onde partículas estariam ligadas entre si e não poderiam ser descritas de forma independente. Propriedades físicas como posição, momento, spin e polarização realizadas por um integrante do grupo em 'entaglement' seriam sentidas pelos outros de forma correlata, mesmo a longa distância, caso compartilhassem um sistema inicial de interação.

            Esse entanglement também deixou Einstein atordoado, levando-o a propor, junto com Boris Podolsky e Nathan Rosen, também em 1935, um experimento onde eram analisadas duas partículas muito distantes entre si (inicialmente associadas a um sistema único). Se uma delas estivesse sentindo realmente a presença da outra de forma instantânea, considerando a Interpretação de Copenhagen, isso não faria sentido, porque a Teoria da Relatividade Especial determina que as interações no Universo não podem ser mais rápidas do que a velocidade da luz (~300 mil km/s). Tal paradoxo ficou cunhado de 'Experimento EPR', em homenagem ao sobrenome dos três físicos.

          Na sua própria simplificação do argumento EPR, Einstein deu o seguinte exemplo: uma bola está em uma ou outra caixa fechada, com igual probabilidade. Assumindo a validade de uma 'lei de conservação' - ou seja, que existe exatamente uma bola no sistema - então eu posso determinar se a bola está ou não na caixa n°1 se eu olhar o conteúdo da caixa n°2. Porém, de acordo com a mecânica quântica defendida por Bohr, se essa bola fosse um elétron, não seria possível determinar o estado de existência do elétron na caixa n°2 sem antes examinar essa caixa, independentemente se foi determinado o estado de existência do elétron na caixa n°1. Schrödinger defendia exatamente essa visão crítica de Einstein.

           Voltando e repetindo novamente o paradoxo do gato, no final do experimento o animal na caixa fechada estaria também representado por uma função ψ = ψA + ψD, já que seu futuro parece estar decidido por um evento quântico, onde ψA significa que o gato está vivo e que ψD significa que ele está morto. Segundo a Interpretação de Copenhagen - pelo menos na visão de Schrödinger -, o gato estaria nem vivo nem morto, mas em um estado intermediário, até que alguém observe a caixa (assim como a bola de Einstein), e determine o estado de decaimento

          Porém, em resposta às críticas, Bohr voltou a lembrar que a função de onda ψ seria apenas uma representação matemática abstrata, e não uma literal acusação de que existe uma real superposição de estados, mas, que, ao mesmo tempo, essa superposição de estados explicava o comportamento no mundo atômico, por mais contra-intuitivo que parecesse. Ainda segundo Bohr, isso não significava, necessariamente, que o mundo macroscópico seguia as descrições probabilísticas do mundo atômico. 

          Outro ponto importante é que existia realmente uma ideia sendo propagada na época de que seria necessário um observador consciente para se determinar o estado quântico na Interpretação de Copenhagen, algo errôneo e que talvez tenha contribuído para a construção do experimento imaginativo de Schrödinger (Ref.26). No caso do paradoxo do gato, não é necessário alguém 'olhar a caixa', já que a própria medição do decaimento radioativo pelo contador Geiger já é uma forma de observação e de medição, ou seja, muito antes de se abrir a caixa a função de onda associada já estaria colapsada - interação detector-decaimento. Isso por si só resolve o paradoxo do gato.

            Após anos de discussões, Einstein teve que eventualmente admitir que nenhum experimento conseguia violar, por exemplo, o Princípio da Incerteza de Heisenberg (!). As partículas no mundo quântico pareciam, de fato, não possuírem propriedades definidas independentes da nossa observação. Por outro lado, Einstein continuava desgostoso com a Interpretação de Copenhagen, defendendo que a Teoria Quântica nessa perspectiva era ainda incompleta.

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(!) Em 2021, cientistas reportaram, pela primeira vez, que conseguiram driblar o Princípio da Incerteza, usando inclusive objetos macroscópicos se comportando como partículas subatômicas. Einstein estaria certo em certa extensão? Para mais informações, acesse: Cientistas conseguem driblar o Princípio da Incerteza pela primeira vez
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     CAÇA AO GATO
             
            Com a eventual comprovação em experimentos quânticos diversos que as superposições de estado e que o entaglements são fenômenos reais, pesquisadores vêm caçando nas últimas décadas o que eles apelidaram de SCS (Schrödinger Cat State), tanto em sistemas quânticos e microscópicos quanto em sistemas macroscópicos - nesse último caso, a princípio, regidos de forma relevante apenas pela Física Clássica. O que estaria por trás dessa aparente barreira entre o domínio dos sistemas quânticos e o domínio dos sistemas macroscópicos? Até qual escala é possível aplicar os estranhos comportamentos quânticos? Seria a ideia do Gato de Schrödinger tão absurda assim?

            No caso de SCSs ligados ao entanglement, diversos trabalhos científicos já conseguiram criá-los desde 1980. Através de experimentos físicos não-usuais, envolvendo o uso de lasers e cavidades especiais (Ref.32), elétrons, íons, átomos e moléculas já foram colocados em dois lugares ao mesmo tempo e até mesmo campos eletromagnéticos excitados foram colocados para vibrar de diferentes modos em um único instante. Mas, ainda assim, esses sistemas não podiam ser considerados realmente como um 'nível macroscópico'.

             Em Julho de 2000, pesquisadores do Departamento de Física e Astronomia, da Universidade do Estado de New York, conseguiram demonstrar uma superposição quântica ocorrendo em um nível considerado macroscópico, onde um dispositivo supercondutor de interferência quântica (SQUID, na sigla em inglês) foram colocados em duas superposições de estados envolvendo fluxo-magnético: alguns poucos microamperes de corrente fluindo no sentido anti-horário e horário ao mesmo tempo (Ref.16). Já em 2016, um estudo publicado na Nature (Ref.17) mostrou um SCS de forma macroscópica em uma estrutura de diamante (Ressonador Mecânico de Diamante - RMD), onde uma certa quantidade de átomos de carbono no sólido eram trocados por átomos de nitrogênio, e diferentes estados de energia podiam ser manipulados de forma seletiva, através do ajuste de certos parâmetros.  

           Essas demonstrações experimentais da Interpretação de Copehagem inclusive abriram as portas para a computação quântica, onde a manipulação de estados quânticos pode gerar processadores com capacidades inimagináveis, os quais podem ajudar no entendimento de problemas hoje considerados de impossível resolução. E o processamento de informações quânticas vem sendo demonstrado cada vez mais alcançável (2). Além de superprocessadores, as informações quânticas podem se mostrar à prova de hackers ou interceptações indevidas. Isso porque em um sistema em entanglement, quaisquer interferências observacionais acabam gerando colapsos nos estados quânticos, acionando de imediato um "alarme de roubo" e destruição das informações originais.

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(2) A computação quântica está se tornando cada vez mais palpável com o anúncio de um grande avanço nessa área por cientistas norte-americanos. Para saber mais, acesse: Novo dispositivo de silício abre as portas para a computação quântica
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            Computadores clássicos são feitos de transistores que ficam em um troca-troca de sinais entre 0 e 1. Em um computador quântico, os transistores ficariam em uma superposição de estados de 0 e 1 simultaneamente (algo chamado de 'bit quântico', ou qubit). Cálculos seriam realizados via interação entre os estados superpostos até uma medida observacional ser feita. Nesse momento, as superposições são colapsadas, grando o resultado final. Como esse computador, em teoria, pode processar diversas respostas simultaneamente, o mesmo poderia efetuar tarefas em segundos que em um computador clássico levariam anos.

            Outra poderosa prova do entanglement veio recentemente a partir do trabalho de pesquisadores chineses (Ref.21), quando o primeiro satélite de comunicação quântica alcançou seu mais ambicioso objetivo: fótons em estado de entanglement foram mandados de um satélite para duas estações opostas separadas por uma distância de mais de 1200 km! Esse fenômeno quântico nunca tinha sido observado agindo de forma estável em tal escala. Um par de fótons em entanglament foi transmitido por segundo, a uma taxa 10 vezes maior do que os cientistas esperavam. Foi um passo mais do que importante para a criação de bases para uma rede supersegura de comunicação quântica intercontinental.

   CRISTAL DE SAFIRA

          Em um recente estudo publicado na Science (Ref.33), pesquisadores conseguiram demonstrar uma superposição de estados em um oscilador mecânico de 16,2 microgramas constituído de um cristal de safira, desafiando mais uma vez o limite de separação entre o mundo quântico e o mundo clássico. A massa do cristal é >100 trilhões de vezes maior do que a massa de moléculas previamente colocadas em um estado de superposição, e envolveu ~1017 átomos colocados em uma superposição de duas fases opostas de oscilações. Em outras palavras, os átomos do minúsculo cristal - visível a olho nu - se moveram em duas direções ao mesmo tempo. Apesar do impressionante feito, as oscilações dos átomos foram muito pequenas, cerca de um milionésimo de um bilionésimo de um milímetro - longe da escala de objetos comumente observados no dia-a-dia. Demonstrações prévias envolvendo massas menores haviam demonstrado superposições em escalas espaciais de separação muito maiores. Os autores do novo experimento esperam escalar o oscilador mecânico não apenas em massa mas também no tamanho das oscilações.

(a) Chip com a lasca de safira usado no experimento. Safira é mineral constituído fundamentalmente de átomos de alumínio e de oxigênio, cuja fórmula é Al2O3 associada a uma grade cristalina romboédrica. (b) Esquema ilustrativo do oscilador mecânico no sistema experimental (hBAR), com o chip de safira (HBAR) no topo exibindo uma camada de nitrito de alumínio piezoelétrico (laranja) que suporta ondas acústicas de forma constante (rosa). Na parte inferior do chip temos uma antena circular acoplada. A imagem em destaque mostra a superposição de duas oscilações de fases opostas de átomos na grade cristalina. Ref.33


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   MAS E O GATO?

            Apesar de já termos demonstrado a veracidade da Interpretação de Copenhagen em experimentos controlados tanto em nível quântico quanto em razoáveis níveis macroscópicos, por que não presenciamos tais efeitos em objetos muito complexos e multiparticulados, como uma bola de futebol e um gato? Onde está esse gato vivo-morto no nosso dia-a-dia?

            Para tentar responder essa pergunta, vamos voltar ao satélite Chinês de comunicação quântica. Após o sucesso de transmissão dos fótons em estado entaglement, o próximo passo dos pesquisadores é realizar o experimento de dia e avaliar a interferência da gravidade e da luminosidade solar nessas transmissões. Sim, porque o experimento de sucesso foi conduzido durante a noite, onde a quantidade de fótons na atmosfera terrestre é bem menor do que a enxurrada deles trazida pela radiação solar incidindo diretamente. Além disso, será que a gravidade do nosso planeta pode ser um obstáculo em alguma extensão? E qual o limite de distância além desses 1,2 mil km?

           Nesse sentido, começa a ficar claro que 'ruídos' ao nosso redor talvez possam colapsar as superposições quando a complexidade do sistema aumenta demais e sai de um ambiente extremamente controlado, ou seja, invadem o nosso dia-a-dia. Em um gato (animal), por exemplo, a enorme quantidade de átomos, e também de partículas sendo criadas dentro do seu corpo (fótons gerados por todos os lados, sejam térmicos, gravitacionais ou eletromagnéticos), podem atrapalhar a estabilidade de superposições, fazendo nosso felino ter estados pré-determinados independentemente da existência ou não de observações e do sistema analisado. Essa coerência de estados de superposição, onde um gato pode estar morto ou vivo simultaneamente, pode não ser válida quando existem interferências demais ao redor. Cientistas gostam de chamar essa preposição de ´Decoherence´ ("Decoerência"). Basicamente, a Decoerência Quântica advoga que o ambiente destrói a coerência quântica.

           Com isso, nosso mundo continuaria sendo regido pela mecânica quântica em todos os níveis, mas a complexidade de cada sistema irá resultar em medidas diferentes quando comparamos o mundo quântico com o real mundo macroscópico. Efeitos gravitacionais que não afetariam a superposição de partículas subatômicas podem afetar sistemas muito complexos e grandes de partículas, por exemplo. Sistemas quânticos, consequentemente, acabariam colapsando em sistemas clássicos à medida que as interferências se tornam intoleráveis. Essas crescentes interferências acabam servindo mais do que simples ruídos e, sim, também como reais observadores colapsando as superposições.

           Outra sugestão no mesmo sentido é considerar a hipótese de GRW. Nela, a função de onda de uma partícula se espalha através do tempo, mas esse espalhamento pode, a qualquer momento, se chocar com algo no pano de fundo do espaço-tempo. Assim, nesse ponto, a função de onda se torna localizada. Partículas individuais possuiriam somente uma pequena chance de realizar tais choques, em torno de 1 chance a cada 100 milhões de anos. Mas para um real gato, por exemplo, onde existem uma quantidade de partículas interativas na ordem de 1027, as chances de 1 dessas partículas se chocar cai para um intervalo de tempo em torno de 100 picossegundos, ou seja, ínfimo demais para ser considerado. Assim, o gato já terá colapsado qualquer superposição muito antes mesmo de ter a chance de pensar em tê-la.        

           No final, enquanto um ou algumas centenas de átomos isolados do gato poderiam ser regidos pela superposição e dependerem de observações para a determinação de um estado específico, um gato inteiro seguiria padrões determinísticos (clássicos) de comportamento mecânico, apesar de ser constituído fundamentalmente pela quântica. Essas interferências podem ser um problema ao querer trazer computadores quânticos, por exemplo, ao mundo real, onde superposições envolvendo um grande número de partículas podem se mostrar muito instáveis na prática. Isso, claro, se as hipóteses associadas à decoerência e similares estiverem corretas.

             E se quisermos viajar ainda mais, podemos assumir uma interpretação de 'Vários Mundos' para explicar a existência de um gato morto-vivo sem desrespeitar um aparente estado de superposição. Aqui, todo o sistema está superposto, mas não interage entre si, porque cada estado está localizado em um Universo paralelo. Quando um observador abre a caixa, ele apenas segue um desses Universos, onde o gato pode estar morto ou vivo. O gato não estava verdadeiramente morto-vivo no espaço de um único mundo, apenas no instante de tempo. Essa visão, bastante controversa no meio acadêmico, é também usada como possível ferramenta para explicar viagens no tempo para o passado (É possível viajar no tempo?), apesar de não possuir qualquer evidência científica de suporte. A Interpretação de Copenhagen continua prevalente na Teoria Quântica. Além disso, temos a questão da decoerência e da interação detector-decaimento.




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    CONCLUSÃO...?

            Podemos dizer, pelo menos até o momento, que o Schrödinger talvez estivesse certo e errado ao mesmo tempo (coincidentemente, uma "superposição de opiniões"...) ao achar a Interpretação de Compehangen absurda. Na época, a tecnologia ainda era insuficiente para provar os estranhos efeitos de superposição e entanglement, algo só mais tarde possível de ser demonstrado. Porém, pode ser que sistemas complexos demais na esfera macroscópica, como um gato, não sigam esses estranhos fenômenos como resultado final, por interferências ambientais e intrínsecas, o que torna o objetivo inicial do experimento de Schrödinger algo relativamente fatídico, ao sugerir uma dramática barreira entre mundo macroscópico e quântico.

          No geral, a mecânica quântica ainda é um mistério. Mesmo a Equação de Schrödinger explicando e prevendo muito bem fenômenos quânticos, o que realmente significa essa nova física e sobre o que ela está estruturada ainda é incerto. A todo momento, em laboratórios ao redor do mundo, experimentos estão descobrindo novas e inusitadas propriedades nessa área. Aliás, a própria Teoria da Relatividade Geral, a qual até o momento tem explicado muito bem as dinâmicas gravitacionais do Universo, não entra em concordância com a Teoria Quântica (3), esta a qual busca explicar a gravidade em termos fundamentais, não apenas seus efeitos. 

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(3) Para entender melhor o assunto, acesse: O que é a Teoria da Relatividade Especial e Geral?
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. Introduction to Quantum Mechanics (2° Edição); David J. Griffiths
  2. http://www.upscale.utoronto.ca/PVB/Harrison/SchrodCat/SchrodCat.html
  3. http://science.sciencemag.org/content/352/6289/1087
  4. http://www.quantumsciencephilippines.com/seminar/seminar-topics/SchrodingerCatAtom.pdf
  5. http://www.lassp.cornell.edu/ardlouis/dissipative/Schrcat.html
  6. https://web.archive.org/web/20061130173850/http://www.ensmp.fr/aflb/AFLB-311/aflb311m387.pdf 
  7. BARROS, Alexsandro de Almeida, 2018. 90 ANOS DO PRINCÍPIO DE INCERTEZA DE HEISENBERG: DAS GRANDEZAS NÃO COMUTÁVEIS AO ARTIGO DE 1927. Dissertação de Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática, Campina Grande, UEPB.
  8. https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/1607/1607.01298.pdf
  9. https://experts.illinois.edu/en/publications/schrodingers-cat-and-her-laboratory-cousins
  10. https://www.scientificamerican.com/article/bringing-schrodingers-quantum-cat-to-life/
  11. https://arxiv.org/abs/1612.08883
  12. https://arxiv.org/abs/1604.00623
  13. https://www3.amherst.edu/~jrfriedman/Leggett%20Physics%20World%20article/PW%20article.pdf
  14. http://news.yale.edu/2016/05/26/doubling-down-schr-dinger-s-cat
  15. https://www.researchgate.net/post/Are_macroscopic_bodies_Schroedingers_cat_really_cannot_be_in_superposition_of_states
  16. https://www.nature.com/nature/journal/v406/n6791/full/406043a0.html
  17. https://www.nature.com/articles/srep37542
  18. http://adsabs.harvard.edu/abs/2015EL....10940009S
  19. https://arxiv.org/abs/quant-ph/?0202113
  20. http://www.nature.com/news/how-quantum-trickery-can-scramble-cause-and-effect-1.22208
  21. http://www.nature.com/news/china-s-quantum-satellite-clears-major-hurdle-on-way-to-ultrasecure-communications-1.22142
  22. https://fermi.gsfc.nasa.gov/science/constellations/pages/schrodinger.html
  23. https://aapt.scitation.org/doi/abs/10.1119/1.1987060
  24. https://iopscience.iop.org/article/10.1088/0031-9120/51/5/055009/meta
  25. https://arxiv.org/pdf/1308.3098.pdf
  26. http://cosmology.com/Consciousness139.html
  27. https://www.jstor.org/stable/986572
  28. https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-3-540-70626-7_193
  29. https://science.sciencemag.org/content/352/6289/1087.abstract
  30. https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/030631278001000401
  31. https://www.jstor.org/stable/986572
  32. https://science.sciencemag.org/content/272/5265/1131.abstract
  33. Bild et al. (2023). Schrödinger cat states of a 16-microgram mechanical oscillator. Science, Vol. 380, Issue 6642, pp. 274-278. https://doi.org/10.1126/science.adf7553